Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Cível
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 - ACRL de 19-12-2017   Dever de fundamentação. Regime provisório de exercício das responsabilidades parentais.
As decisões judiciais (sejam elas sentenças ou simples despachos) carecem de ser fundamentadas: assim o impõem, desde logo, o art. 205°, n° 1, da Constituição da República Portuguesa e, ao nível da lei adjectiva ordinária, o art. 154°, n° 1, do actual CPC (que, ao incluir no universo das decisões carecidas de fundamentação todas as que sejam proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo», apenas exclui do dever de fundamentação as decisões de mero expediente).
Um despacho que, na pendência duma Acção de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais, decide instituir, cautelarmente, um regime provisório de exercício das responsabilidades parentais, para vigorar até à sentença final (ao abrigo do disposto no art. 28.º, n.ºs 1, 3 e 4, do cit. Regime Geral do Processo Tutelar Cível aprovado pelo Artigo 1.º da Lei n° 141/2015, de 8 de Setembro), não constitui (nem de perto, nem de longe) uma decisão de mero expediente.
Por outro lado, essa fundamentação, salvo tratando-se de despachos interlocutórios em que a contraparte não haja apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade, «não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição” – cfr. o n.º 2 do mesmo art. 154.º. O que, todavia, não significa que a fundamentação não possa ser integrada, além do mais, por remissões para os fundamentos invocados pelas partes.
O Despacho sob censura que, em rigor, configura uma verdadeira Sentença, já que decide (embora a titulo provisório) do mérito da causa, regulando até à Decisão final (ou até que seja eventualmente proferida uma nova Decisão provisória de conteúdo diverso) o exercício das responsabilidades parentais relativamente aos menores de que curam os autos - omitiu completamente a discriminação dos factos tidos por provados (ou, pelo menos, minimamente indiciados) pelo tribunal de 1.ª instância, assim incorrendo na nulidade prevista na cit. alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Novo Código de Processo Civil.
A circunstância de se tratar duma decisão de natureza provisória não altera os dados da questão: o facto de, no momento em que tal decisão foi proferida, a única diligência até então realizada ter sido a Conferência de Pais que teve lugar no próprio dia em que o despacho recorrido foi proferido, imediatamente antes deste, não impediu o tribunal de tomar declarações a ambos os progenitores, fazendo (inclusivamente) constar da Acta da diligência um extracto dessas declarações. Pois bem: diante desse material probatório acabado de coligir, o que o tribunal “a quo” não podia deixar de consignar, antes de instituir um regime provisório de exercício das responsabilidades parentais (ao abrigo do cit. art. 28.º do RGPTC), era a listagem dos factos indiciariamente já tidos por provados. Sem a explicitação desses factos, o regime provisório de exercício das responsabilidades parentais instituído pelo tribunal não tem qualquer base factual que suporte as opções tomadas quanto à guarda dos menores, regime de visitas e montante da prestação alimentícia imposta ao progenitor a quem os menos não são confiados. Se, porventura, o tribunal considera que, nesta fase indiciária do processo, ainda não dispõe de elementos de facto que lhe permitam estabelecer uma base factual mínima, então é prematura a imediata instituição dum regime provisório de exercício das responsabilidades parentais no próprio dia da conferência de pais, sendo mais avisado só o fixar depois de realizadas as diligências probatórias (ainda que sumárias) tidas por imprescindíveis. O que o tribunal não pode fazer é instituir um regime provisório de exercício das responsabilidades parentais (confiando os menores à guarda e cuidados dum dos progenitores, estabelecendo um regime de visitas e arbitrando pensões alimentícias) à míngua da mais pequena factualidade relevante para a decisão dessas questões.
Proc. 5499/17.3T8LSB-A.L1 1ª Secção
Desembargadores:  Rui Vouga - Rosário Gonçalves - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Acordam na Secção Cível da Relação de Lisboa:
F... (solteira, maior, residente em Lisboa, na R..., n° 16, 4° Dt°), intentou, na Secção de Família e Menores da Instancia Central da Comarca de Lisboa, acção especial de regulação das responsabilidades parentais, contra J..., pedindo a regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente aos menores M... e S..., filhos da Requerente e do Requerido e nascidos em 7/9/2013 e 24/4/2015.
Na Conferência de Pais realizada em 9/05/2017, o Tribunal ouviu a Requerente e o Requerido e, tendo constatado a impossibilidade de obtenção de um acordo entre os progenitores (visto o Requerido pretender um regime de residência alternada e a Requerente pretender a guarda exclusiva dos filhos), proferiu o seguinte Despacho:
«Ao abrigo do preceituado no artigo 28° do RGPTC, fixa-se o seguinte regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais, relativamente aos menores S..., nascido a 24-04-215 e M..., nascida a 07-09-2013, nos seguintes termos:
1 - Os menores ficam confiados à guarda e cuidados da mãe, com quem continuarão a residir, sendo as responsabilidades parentais no que diz respeito às questões de particular importância para a vida dos menores exercidas em conjunto por ambos os progenitores;
2 - O pai poderá ver e estar com os filhos em fins de semana alternados, indo buscá-los à quinta feira, no final das actividades escolares e entregando-os à mãe, no domingo, entre as 20:30h e as 21:OOh, já jantados e com o banho tomado;
3 - Na semana que os menores passam o fim de semana com a mãe, o pai poderá ver e estar com os filhos, à quarta-feira, indo buscá-los à escola, no final das actividades escolares, ai os entregando, na quinta-feira, no inicio dessas mesmas actividades;
4 - Os menores passarão, a vespera de Natal com um dos progenitores e o dia de Natal com o outro, alternando-se este regime anualmente, sendo que este ano os menores passarão a vespera de Natal com a mãe e o dia de Natal com o pai, indo o pai buscá-los às 12:30h do dia 25/12;
5 - Os menores passarão a véspera de ano novo com um dos progenitores e do dia de ano novo com o outro, alternando-se este regime anualmente, sendo que este ano os menores passarão a véspera de ano novo com o pai e o dia de ano novo com a mãe, indo o pai buscá-los no dia 31/12 às 10:00h à casa da mãe, aí os entregando no dia 01/01 às 12:30h;
6 - Os menores passarão o dia do pai e o dia de aniversário do pai (26/02) com o pai, sem prejuízo das suas actividades lectivas e horas de descanso;
7 - Os menores passarão o dia da mãe e o dia de aniversário da mãe (19/04) com a mãe, sem prejuízo das suas actividades lectivas e horas de descanso;
8 - No dia do seu aniversário, os menores tomarão uma refeição com cada um dos progenitores, alternando-se este regime anualmente, sendo que este ano, no aniversário da filha, o pai almoça com os filhos e a mãe janta com estes, devendo pai entregar os filhos à mãe entre as 15:30h e as 16:OOh;
9 - Os menores passarão metade das férias de verão com cada um dos progenitores, em períodos interpolados de quinze dias, devendo os progenitores acordar quais os períodos em pretendem passar férias com os menores até final de Abril de cada ano;
10 - No período em que os menores estiverem de férias com um dos progenitores, o outro poderá passar com os menores o sábado intermédio, das 10:00h as 20:OOh;
11 - Os menores passarão metade das férias de natal com cada um dos progenitores, alternando-se este regime anualmente, sendo que este ano passarão com a mãe desde o início das férias até ao dia 25/12 às 12:30h e com o pai desde o dia 25/12 às 12:30h até ao dia 01/01 às 12:30h;
12 - Os menores passarão metade das férias de Páscoa com cada um dos progenitores alternando-se este regime anualmente;
13 - o pai contribuirá, a titulo de pensão de alimentos a favor dos menores, com a quantia de 75,00 € (setenta e cinco euros) mensais para cada um deles, no total de 150,00 € (cento e cinquenta euros) mensais, a serem pagos à mãe até ao dia 8 de cada mês, por meio de depósito ou transferência bancária para conta titulada por esta;
14 - As despesas escolares e de saúde, na parte não comparticipada por qualquer subsistema de saúde ou seguro de saúde, serão comparticipadas por ambos os progenitores em partes iguais, mediante apresentação do documento comprovativo da realização da despesa.
Inconformado com o assim decidido, o Requerido interpôs recurso da referida decisão - que foi admitido como de Apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo (artigos 32° do R.G.P.T.C. [Regime Geral do Processo Tutelar Cível aprovado pelo artigo 1° da Lei n.° 141/2015, de 8-IX], e 644°, n° 2, al. i), e 645°, n° 2, ambos do C.P.C. [Código de Processo Civil de 2013]) -, tendo extraído das concernentes alegações as seguintes conclusões:
«1° - Recorre o requerido do douto despacho que fixou o regime provisório do exercício das reponsabilidades parentais relativamente aos menores S... e M....
2° - Salvo melhor opinião, entende o requerido que o despacho atrás mencionado está ferido de nulidade, porquanto é inexistente a sua fundamentação.
3° - Com efeito, o tribunal a quo limitou-se a expor a decisão a que chegou, sem a alicerçar em qualquer permissa ou cujo sentido seja apreensível, o que desde logo impossibilita o requerido de aferir do seu acerto ou desacerto, uma vez que se desconhece a sua base factico¬jurídica.
4°- É pacificamente aceite que o julgador deve fundamentar, tanto no plano fáctico, como no plano jurídico, a decisão, ainda que provisória, por si proferida.
5° - In casu, estamos perante uma decisão, um despacho, com absoluta falta de fundamentação, não se vislumbrando do mesmo qualquer juízo comparativo e critico, que permita compreender a decisão.
6° - Pelo que, no modesto entendimento do requerido o despacho ora recorrido é nulo pela falta de fundamentação imposta pelos artigos 154 n.° 1 e 2, 613 n.° 3 e 615 n.° 1 b) todos do C.P.C.
7°- Requerente e requerido estão em desacordo quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente aos seus filhos menores.
8°- Pretendendo a requerente ficar com a guarda exclusiva dos menores e o requerido entende que deverá ser estipulado um regime de guarda partilhada com residência alternada.
9°- Discorda o requerido do regime provisório fixado pelo tribunal a quo, por um lado por não ser perceptível a motivação que o justifica, e por outro lado, por entender estarem reunidas as condições para que, em defesa dos superiores interesses dos menores, seja estipulado um regime de guarda partilhada com residência alternada.
10°- Desde logo porque o requerido manifesta interesse e disponibilidade para ter um regime de guarda partilhada com residência alternada, mas sobretudo porque o requerido desde sempre que mantêm uma relação afectiva próxima e forte com os menores, porque tem capacidade para lhes prestar todos os cuidados necessários, alfas como a própria requerente reconhece e bem assim porque os menores gostam de partilhar o seu tempo com o pai.
11°- Sendo certo que, desde a separação de requerente e requerido, os menores estão já habituados a residir parcialmente com o pai na residência deste, de quinta feira a domingo em fins de semana alternados, e de quarta para quinta feira na semana seguinte, sem que haja noticia de qualquer problema ou inadaptação dos menores, pelo a residência alternada não constituiria qualquer novidade de dificil adaptação para os menores, pelo contrário reforçaria os necessários laços de afectividade que devem existir quer com a mãe, quer com o pai, em igual medida.
12°- Por outro lado, a requerente não apresentou qualquer justificação válida ou aceitavel, que desaconcelhe o regime pretendido pelo requerido.
13°- Nem mesmo o facto dos menores serem ainda de tenra idade deverá constituir obstáculo ao regime pretendido pelo requerido, uma vez a própria requerente reconhece a capacidade do requerido para prestar os cuidados de que necessitam os menores, acrescendo ainda que requerente e requerido residem na mesma cidade, Lisboa, a escassos 5/ 10 minutos de carro da casa um do outro.
14°- A residência alternada é um regime que, segundo os estudos mais recentes, tem vindo a ser apontado como mais favorável aos interesses dos menores e ao seu desenvolvimento físico e psicológico, evitando o corte de relação destes com as figuras de maior apego para eles.
15°- Sem conceder, ainda que assim não se entenda, deverá ser alterado o valor da pensão de alimentos a favor dos menores estipulado no regime provisório de que ora se recorre.
16°- Também aqui, a motivação de facto para decisão de estipular uma pensão de alimentos de 150,00 € (cento e cinquenta euros) não é perceptível, nem foi apresentada pelo tribunal a quo.
17°- A pensão de alimentos deverá levar em consideração as necessidades dos seus beneficiários, mas também as possibilidades quem a paga.
18°- Em virtude da falta de fundamentação da decisão recorrida, desconhece o requerido se foram, ou não, levadas em consideração as suas receitas e despesas, mas a avaliar pela decisão e concretamente pelo montante da pensão de alimentos estipulada não deverão ter sido.
19°- Com efeito, para além das possibilidades do requerido, deveria ainda ter sido levado em linha de conta que este já suporta metade das despesas com o infantário dos menores, no montante mensal de 375,00 € (trezentos e setenta e cinco euros), onde aliás os menores durante a semana tomam os lanches da manhã e da tarde e o almoço, o que reduz substancialmente a despesa com a alimentação em casa.
20°- A manter-se a pensão de alimentos no valor mensal de 150,00 € (cento e cinquenta euros), acrescendo as despesas fixas do requerido resta-lhe a quantia mensal de 175,00 € (cento e setenta e cinco euros) para prover a sua subsistência, o que manifestamente não é suficiente para uma subsistência com o minino de dignidade.
21°- Nessa medida, a entender-se que se deverá manter a guarda e cuidados dos menores entregue a requerente, o que não se concede, dever-se-à alterar o montante da pensão de alimentos a pagar pelo requerido para valor total não superior a 80,00 € (oitenta euros).
22°- u) Com a decisão ora recorrida, o tribunal a quo, violou entre outras as disposições dos artigos 154 n.° 1 e 2, 613 n.° 3 e 615 n.° 1 b) todos do C.P.C.
Pelo exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e consequentemente anular-se a decisão recorrida, devendo a mesma ser substituída por outra que, quanto ao exercício das responsabilidades parentais sobre os menores S... e M..., fixe um regime de guarda partilhada e residência alternada, ou, sem conceder, caso assim não se entenda altere a pensão de alimentos fixada a favor dos menores para um valor total não superior a 80,00 € (oitenta euros).»
A Requerida/Apelada contra-alegou, pugnando pelo não provimento da Apelação do Requerente e formulando - a rematar a sua resposta às alegações desta - as seguintes 90 (noventa) conclusões:
1. Inexiste qualquer nulidade no despacho recorrido com os fundamentos invocados pelo Recorrente.
2. Não foi violado o disposto nos artigos 154/1 e2, 613/3 e 615/1-b) CPC
3. O douto Tribunal recorrido pronunciou-se fixando residência às crianças de 2 e 3 anos de idade, o Salvador e a Maria Rita, consoante resulta entre outros, art.° 38° do RGPTC harmonia com os interesses das crianças, tendo em face dos elementos já obtidos, decidido provisoriamente sobre o pedido e suspendeu a conferência remetendo as partes para os procedimentos ali previstos (no caso, audição ....) fixando a residência às crianças e fixou os direitos de visita, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes.
4. O Tribunal recorrido pronunciou-se devidamente sobre todas as questões que a Lei exige conheça e com base nos elementos dos autos, dos articulados, dos documentos, declarações de ambos progenitores e alegações dos seus mandatários na Conferencia, da dinâmica, da mediação, do contacto directo e vivo com os elementos processuais e - da factualidade do caso concreto, da complexa realidade.
5. De acordo com o princípio da livre apreciação da prova, da convicção pessoal do julgador o qual, na dinâmica da imediação, do contacto directo, do confronto, da oralidade com que decorreu a Conferência e no contacto directo com os progenitores, formou a sua convicção, tendo exarado na acta da conferência de pais, com a pormenorização possível, as declarações de ambos os progenitores.
6. Em todo o caso trata-se de um processo de jurisdição voluntária onde a decisão proferida pelo Juiz da causa não se encontra vinculado à observância rigorosa do direito aplicável ao caso concreto podendo decidir do modo que lhe pareça mais equitativo conforme ao superior interesse da criança.
7. A existir um especial dever de fundamentação da conveniência da prolação de decisões como esta que a lei não impõe antes admite, a sua omissão seria em absoluto inócua para a defesa dos interesses que mobilizam a intervenção do tribunal neste caso concreto em que todos admitem a conveniência da regulação provisória.
8. Dir-se-á ainda que em geral a conveniência de uma decisão provisória sobre aspectos importantes da vida da criança como o são os da residência, alimentos, convívio com os progenitores, saúde e educação, em caso de desacordo entre os pais, sempre seria a regra, cumprindo mais demonstrar que a mesma conveniência não se verificava do que fundamentar a sua existência.
9. No caso vertente, a prova produzida (alegação no Requerimento Inicial e documentos juntos, declarações dos Requerentes, constam dos autos, não sendo colocadas quaisquer questões de validade probatória per se.
10. De facto, na decisão recorrida poderia ter contado referência aos meios de prova.
11. Ora, em qualquer caso sempre a conveniência de uma regulação provisória resulta necessária sendo exigida por Lei, por necessária à salvaguarda dos interesses das crianças nesta fase conflituosa entre os progenitores.
12. A omissão da relativa falta de fundamentação não determina a sua invalidade, já que a enumeração e análise exaustiva nada mais trariam à decisão.
13. Na discordância quanto à decisão provisória o Recorrente litiga - embora invocando a falta de fundamento absoluto da decisão - pela substituição da decisão por outra que fixe um regime de guarda partilhada e baixe o valor da pensão de alimentos, aceitando a ausência suposta de fundamentação.
14. Não colocando no seu pedido final fundamentação subjacente ou fundada, antes deseja uma nova decisão mas de sinal contrário, aceitando aqui quer os meios de prova e seu valor que a falta de fundamento.
15. Fundamentando ora o seu pedido de revogação em causas de pedir algumas das quais, inovadoras, tal é o valor que se propõe pagar às crianças.
16. Ora, exige uma decisão de mérito e não tanto já a declaração de nulidade por falta de fundamentação.
17. Atente-se em que, coerentemente, o Recorrente não discorda da conveniência de fixar um regime provisório, até pede mesmo que seja fixado, mas com um sentido diferente, de tal modo que acaba por reconhecer que no presente caso existe fundamento para decretar um regime provisório independentemente de constar expressa a fundamentação, pois requer seja fixada residência conjunta, com o que sublinha o carácter pacífico da questão da fundamentação.
18. Tanto assim o entendeu que requereu a anulação da decisão substituindo-a por outra também provisória, mas com atribuição da guarda a ambos, como o faz a final
deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e consequentemente anular-se a decisão recorrida, devendo a mesma ser substituída por outra que, quanto ao exercício das responsabilidades parentais sobre os menores S... e M..., fixe um regime de guarda partilhada e residência alternada... .
19. Seguramente porque a entende conveniente e necessária e suficiente em face do que se produziu na data da Conferencia, na mediação e no confronto directo das diversas posições em presença.
20. Mas aqui solicita o Tribunal ad quem para fazer um novo julgamento que não tem a ver com o juízo de maior ou menor fundamentação da decisão anterior, mas a simples discordância.
21. Mas também não invoca nenhum erro determinado por ausência de meio de prova ou de omissão de audição de algum dos progenitores, tendo a audiência e o modo de aquisição processual da prova decorrido com regularidade que não questiona.
22. Questiona é o resultado a que a M.ma Juiz em primeira instância chegou, desejando ora, simplesmente, o contrário: em vez de uma residência coma mãe, que seja alternada e em vez de um valor de pensão de alimentos, outro, simplesmente quatro vezes inferior.
23. Este o suporte lógico para o seu pedido final de substituição da sentença sindicada por outra que lhe seja subjectivamente favorável no sentido de que .... ...fixe um regime de guarda partilhada e residência alternada....
24. Peticionando o Recorrente no sentido da anulação da decisão recorrida, com base na total falta de fundamentação mas pede substituição por outra que fixe um regime de guarda partilhada e residência alternada, ou, sem conceder, caso assim não se entenda altere a pensão de alimentos fixada a favor dos menores para um valor total não superior a 80,00 €
25. Em que ficamos? E aqui não se mantém o vício inicialmente imputado á decisão recorrida ?
26. Com todo o respeito que é muito, quer-nos parecer que ou está fundamentada ou não está, sendo que a consequência da alegada nulidade a ser procedente é tal que lhe não permite - até porque dos autos não resultam ainda apurados elementos necessários para esta Veneranda Relação conhecer do objecto da apelação e a substitua na sua materialidade - numa decisão meramente provisória partir para a obtenção de um resultado prático à conveniência do Recorrente embora também sem fundamentação.
27. Pois pede o Recorrente seja revogada e não declarada nula a decisão provisória, mas que seja substituída por outra que decida pela fixação de um regime de guarda partilhada e residência alternada, ou, sem conceder, caso assim não se entenda altere a pensão de alimentos fixada a favor dos menores para um valor total não superior a 80,00 € (oitenta euros).
28. Alguma certa contradição de termos se apura no recurso em presença face ao pedido supra explicitado à alegada falta de fundamentação, a qual deveria ser aplicada, se procedente, ao todo da decisão.
29. Pois parece-nos relativamente claro que na tese do Recorrente - e sempre sem conceder - se não contém o alegado fundamento para uma decisão pela Relação que fixe residência das crianças de três anos e de um ano e onze meses (à data da prolação da decisão provisória de 24/5), com ambos os progenitores, pois pede que se ... fixe um regime de guarda partilhada e residência alternada...
30. Apenas com fundamento na sua alegação num processo relativamente ao qual inexistem elementos, muito menos qualquer peça escrita, alegação, relatório ou outro, antes ou após a Conferência que imponha decisão diversa à que fixou o regime de residência das crianças com a mãe, de resto, sustentado na alegação que a mesma produziu, embora sintética com o seu Requerimento Inicial
31. Assim se dirá que, na verdade, é apenas uma a questão suscitada a dirimir: em bom rigor a discordância com a decisão, partindo do argumento da falta de fundamentação que o Recorrente acaba por ultrapassar centrando a discussão nos aspectos referidos que verdadeiramente lhe interessam: a residência e o valor dos alimentos.
32. Caso contrário como defende assim agora o Recorrente que a decisão provisória deveria ter optado pela fixação de regime de guarda partilhada e residência alternada entre ambos os progenitores alegando em louvor da sua opinião a falta de fundamentação da decisão?
33. Com o devido respeito e salvo melhor entendimento se for declarada nula e de nenhum efeito a decisão proferida não se pode esperar da mesma uma decisão de conteúdo diferente ao anterior, convenientemente ao encontro do desejado pelo Recorrente.
34. Se a decisão é declarada nula por falta de fundamentação, fica prejudicada a apreciação do mérito dado que os autos não fornecem elementos necessários para o efeito de decidir em recurso.
35.Com o que se conclui, com o devido respeito e salvo sempre melhor opinião, pela improcedência da pretensão de anulação por falta de fundamentação dado que é o próprio Recorrente quem ultrapassa tal requisito e com o mesmo até se conforma para pedir decisão em sentido diferente.
36. Portanto, a verdadeira discordância do Recorrente centra-se na fixação pela decisão da residência com a mãe, ao invés de optar pela guarda alternada e partilhada e ainda na alteração da pensão de alimentos fixada a favor dos menores.
37. Parece-nos óbvio que a decisão recorrida pretendeu salvaguardar a manutenção das crianças no ambiente em que viviam antes da separação dos pais, optando pela fixação da residência dos menores com a mãe, fundada naquela razão de manutenção da estabilidade possível num contexto de mudança relevante da vida das crianças.
38. Por um lado, o artigo 1906°, do CC, estabelece a respeito da regulação das responsabilidades parentais a exigência de regulação: o exercício comum quanto às questões de particular importância, tendo a decisão em causa estabelecido o exercício conjunto das responsabilidades parentais quanto a questões de particular importância.
39. Relativamente ao que o Recorrente se não opôs, pese embora tenha tentado suscitar - a falta de fundamentação, a qual deveria ser aplicada, reitera-se, também aqui, se procedente, ao todo da decisão.
40. Quanto à fixação de residência se conclui consoante supra articulado, Pontos 21 a 23 e da Alegação que a residência habitual das crianças não é mais do que aquela que sempre o foi enquanto residência habitual da família até à saída do progenitor o qual tem agora uma nova casa .
41. E foi naquela casa que as crianças sempre residiram com os seus pais e onde têm a reconhecida habituação, vida familiar em termos de estabilidade e permanência, verdadeira sede do espaço físico reconhecido onde desenvolvem tranquilamente as suas brincadeiras e aprendizagem e consolidaram os laços familiares e sociais
42. Apesar do Requerente alegar que trabalha no centro de Lisboa e que sempre esteve presente e sempre dividiu as tarefas de forma igual com a requerente, que participou e esteve presente na vida dos filhos e fê-lo tanto quanto a requerente, o que em nada contende com o quanto se afirmou
43. E mesmo perante o argumento do pai recorrente que e .... que acha que os filhos estão muito bem com ambos os pais e precisam tanto da mãe como do pai.
44. Não é disso que se trata, em bom rigor e uma coisa em nada contende com a outra.
45. Antes se impõe encontrar uma solução que melhor favoreça um equilibrado e são desenvolvimento das crianças e não a solução que mais agrade a um ou aos dois progenitores, aferindo-se, designadamente das condições existentes antes da separação e após, tendo em conta a idade de ambas as crianças que têm, nesta data, apenas dois e três anos de idade, parecendo-nos evidente que necessitam de estabilidade e de uma rotina diária com regras simples e bem definidas.
46. Estamos no âmbito de um regime provisório e assim devemos perspectivar a decisão em face da familiaridade adquirida com esta residência, que elas reconhecem como sua e que foi da família, onde têm organizada a sua vida familiar, estabilidade, permanência, onde têm o seu espaço físico e reconhecido, onde consolidaram os laços familiares e sociais numa residência que mantém carácter seguro e permanente e não ocasional ou temporário.
47. Existiu já uma mudança drástica na vida destas crianças de tenra idade, com a separação dos adultos, nascidas e integradas numa família conjugal que entrou em ruptura tendo já sofrido uma forte alteração nas suas rotinas e nos seus referenciais vivenciando alterações e instabilidades para eles indesejáveis.
48.As crianças já se mostram em parte prejudicadas no direito ao seu normal desenvolvimento e estabilidade, consideradas as circunstâncias da sua envolvência familiar e social.
49. A opção foi assim a de proteger, mantendo por um lado a estabilidade territorial e por outro evitar deslocalização das crianças para outro espaço novo, bastando já a instabilidade que a ruptura da vida em comum dos pais constitui.
50. E também não se vê que a decisão ponha em causa o convívio das crianças com o pai, o qual será - como não podia deixar de o ser - sempre um convívio diferente daquele que existia quando viviam na mesma casa, mas nada autoriza se conclua, que terá menor qualidade ou que apenas a partilha da residência possibilita um convívio adequado.
51. A tese defendida pelo progenitor Recorrente de partilha pendular/ semanal não leva a concluir nem se impõe como condição para assegurar que a relação com o pai/Recorrente seja gratificante e desejada pelos menores.
52. Não se mostra muito menos se demonstra que essa vivência em semanas alternadas das crianças com cada um dos progenitores, nesta fase especial das suas vidas também não prejudique a vinculação afectiva ou que seja a solução para um problema que os adultos criaram.
53. Devendo, s.m.o., protegê-las nesta fase, evitar a mudança semanal, a supressão de rotinas securizantes e a identificação das mesmas com as regras que não se podem ainda mudar de semana a semana.
54. Prejudica a estabilidade e rotina das crianças quando numa determinada semana vivem sob um determinado regime com hábitos, horários para dormir e alimentação e na semana seguinte já têm horários diferentes, alimentação diferente, orientações diferentes.
55. Atendendo à idade das crianças, não nos parece, salvo melhor opinião, adequado um regime em que estejam uma semana na casa do pai e, na semana seguinte, na casa da mãe.
56. Especialmente se os progenitores têm dificuldades de relacionamento como é patente nos autos.
57. Perante a divergência entre os progenitores, o desentendimento, o que o tribunal recorrido adquiriu das declarações de ambos que entre ambos contraditam a versão do outro, que não lograram alcançar um acordo pacifico e seguro para as crianças, não havendo acordo nem projectos comuns de vida ou educação, não se encontram reunidas condições para uma residência alternada destas crianças.
58. Não existe entre os progenitores um contexto colaborativo, antes de confronto.
59. Sem prejuízo de que ambas as crianças tenham boa relação com ambos os progenitores na data actual e até a dedicação de ambos, mas a residência alternada só poderia ser uma opção se for demonstradamente do interesse destas crianças, nesta fase.
60. Protegidos do ambiente stressante, de ansiedade, que emerge do confronto dos adultos ainda não pacificados.
61. Numa idade em que ainda não têm autonomia nas suas decisões mais correntes da vida e estão completamente dependentes dos pais é do seu interesse que se fixe regime que privilegie a estabilidade e orientação uniforme das suas vidas no dia-a-dia.
62. Facto relevante é que as crianças sempre têm vivido com a mãe, tendo ficado na companhia e à guarda desta, desde a separação dos pais, sendo a mãe competente e cuidadora desde sempre.
63. Será com esta que devem permanecer em nome do seu equilíbrio e estabilidade emocional, considerando a tenra idade de qualquer delas.
64. E, note-se bem, não é o pai que tem direitos sobre os filhos: são estes que têm direito a estar com o pai e é dos direitos das crianças que se trata e não da vontade ou desejo do progenitor/recorrente.
65. Entende-se improcederem as conclusões do Recorrente de que a fixação da residência da menor com a mãe prejudica o seu superior interesse, concluindo-se que, e salvo sempre melhor opinião, se mostra avisada e adequada a decisão que opta pela residência da mãe face à residência do pai a qual constituiria uma novidade.
66. Quanto à componente do valor da pensão alimentar a favor dos menores que o progenitor/Recorrente vem impugnar igualmente se diga que a fundamentação deixou de ser a nulidade da fundamentação ou a vontade de conviver e privar intensamente com os seus filhos menores, antes - com o devido respeito que é muito - perpasse pela alegação do Recorrente a preocupação monetária.
67. Aqui se conclui consoante supra articulado, Pontos 9 a 16 e de 134 a 159, da Alegação que, diferentemente do que o Recorrente afirma não existem nos autos elementos que permitam concluir que o recorrente Não tem disponibilidade financeira para contribuir com qualquer valor para além daquele que já paga.
68. Estando adquirido que contribui com metade do valor das escolas frequentadas pelos filhos e compra calçado e que aufere € 1200,00 (mil e duzentos euros) líquidos mensais, mais os duodécimos, entenda-se um valor apurado de €.: 1400,00 euros por mês.
69. E que não existe uma diferença salarial significativa entre ambos os progenitores.
70. Mas que na perspectiva do progenitor/Recorrente deve a mãe suportar a totalidade das despesas com as crianças para além do valor a dividir por ambos de metade do valor das escolas frequentadas pelos filhos e calçado, que assumiu pagar.
71. Ou seja: pretende uma residência alternada.
72. Não deseja pagar pensão de alimentos para os seus filhos pequeninos de três e dois anos!
73. E ora em recurso vem propor - sem fundamento, sem documentos, sem um único comprovativo do seu vencimento - se altere .... altere a pensão de alimentos fixada a favor dos menores para um valor total não superior a 80,00 € (oitenta euros).
74. Não se podem confundir os desejos e interesses pessoais com o superior interesse dos menores.
75. Decorre da alegação do Recorrente consoante supra Pt 134, que que segundo o seu entendimento impõe-se salvaguardar o seu direito a uma subsistência com um mínimo de dignidade.
76. A qual estaria em risco se tiver que suportar tais valores de alimentos a favor das crianças em plena fase de crescimento, como é consabido e é conhecimento publico com elevados valores só em alimentação muito cuidada e selectiva e higiene e em fraldas para o mais pequenino.
77. Esquecendo e demonstrando não conhecer de todo - dado o afastamento que sempre teve em relação às crianças e às suas necessidades do dia-a-dia - que uma criança com dois anos e 1 mês e outra com 3 anos e meio de idade, seus filhos vivam com tal participação do pai.
78. E alega ser sua vontade a fixação de ... ... quantia não superior a 40,00 € (quarenta euros) para cada um, no total de 80,00 € de modo a permitir uma subsistência com o mínimo de dignidade ao requerido.
79. A prestação pecuniária fixada a título de alimentos provisoriamente decretados destina-se a fazer face ao estritamente necessário para o sustento, roupa, transportes, habitação, vestuário, conforto, higiene, bem-estar das crianças.
80. Com vista à satisfação das necessidades dos alimentandos - as duas crianças - e cuja realização é indispensável para a sobrevivência e o dia-a-dia das mesmas, ... de tudo o que a criança precisa para usufruir de uma vida conforme as suas aptidões, estado de saúde e idade, tendo em vista a sua promoção do seu desenvolvimento físico, intelectual e emocional, consoante Drs. Paulo Guerra /Helena Boleeiro in A criança e a Família , Coimbra Ed., 2014
81. E que o Recorrente pode prestar alimentos sem pôr em causa o seu padrão de vida.
82. Na dúvida, o recurso à equidade permite a fixação deste valor mínimo, baseado num juízo de probabilidade e verosimilhança.
83. Face à caracterização que dos autos resulta das situações e condições económicas e de vida de cada um dos progenitores e dos encargos que sobre ambos recaem na data actual, e das necessidades de ambas as crianças, entendemos que a quantia fixada a titulo de alimentos de €.: 150,00 (cento e cinquenta euros) mensais para cada, se afigura adequada à satisfação das necessidades consoante requerido no Requerimento Inicial pela aqui Recorrida.
84. A fixação quantitativa, do montante dos alimentos a prestar pelo Recorrente progenitor a seus filhos, releva de um juízo de conveniência ou oportunidade, envolvendo um apelo decisivo a juízos de equidade.
85. Uma vez mais não se podem confundir os interesses ou conveniências dos adultos nem sobrepor aos interesses das crianças, desde logo porque os primeiros são fruto do interesse individual e subjectivo, controlável pelo próprio sujeito-adulto que pode tomar e toma opções na sua vida e os segundos, de natureza altruísta, e ordem publica têm que prevalecer.
86. Devendo concluir-se pela atribuição de uma pensão a título de alimentos provisórios a prestar pelo Recorrente aos filhos menores nunca inferior àquela que foi arbitrada, pugnando-se pela manutenção da sentença recorrida.
87. Conclui-se, assim, não merecer censura a decisão recorrida, não se mostrando violadas as normas invocadas nem estando, muito menos, atingidos os interesses dos menores, que a sentença posta em crise bem protege, à luz do conhecimento da situação nela acolhida.
88. Entende-se em consequência, improcederem as conclusões do Recorrente também quanto ao valor dos alimentos a prestar aos seus dois filhos.
89. A decisão recorrida também neste ponto salvaguarda os superiores interesses das crianças.
90. A decisão recorrida cumpre os requisitos legais, e salvaguarda os interesses das crianças, pelo que deve ser mantida.»
O MINISTÉRIO PÚBLICO também contra-alegou no recurso interposto pelo Requerido, pugnando pela improcedência de tal recurso e pela confirmação da decisão provisória recorrida, sustentando - para tanto e em sínteses - que, como a decisão recorrida tem natureza provisória, a mesma estaria em conformidade com os elementos probatórios que fora possível recolher até então, face às declarações prestadas por ambos os progenitores da criança na conferência de pais prevista no artigo 35° do R.G.P.T.C. oportunamente.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
O OBJECTO DO RECURSO
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639°, n° 1, do C.P.C. de 2013) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635°, n° 3, do C.P.C. de 2013), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n° 4 do mesmo art. 635°) . Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas - e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5°, n° 3, do C.P.C. de 2013) - de todas as questões suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608°, n° 2, do C.P.C. de 2013, ex vi do art. 663°, n° 2, do mesmo diploma).
No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pelo Requerido ora Apelante que o objecto da presente Apelação está circunscrito às seguintes questões:
a) Se o despacho recorrido enferma da nulidade prevista no artigo 615°, n° 1, alinea b) do C.P.C. (por falta de fundamentação de facto e de direito), visto não conter qualquer fundamentação para justificar e tornar perceptível pelos seus destinatários a decisão tomada pelo tribunal, não tendo este apurado sequer um único facto que depois tivesse apreciado juridicamente;
b) Se a decisão provisória recorrida deve ser substituída por outra que, quanto ao exercício das responsabilidades parentais sobre os menores S... e M..., fixe um regime de guarda partilhada e residência alternada ou, caso assim não se entenda, altere a pensão de alimentos fixada a favor dos menores para um valor total não superior a 80,00 € (oitenta euros).
MATÉRIA DE FACTO
Factos relevantes para a apreciação do mérito do recurso:
Mostram-se unicamente provados - com interesse para o conhecimento do mérito do recurso - os factos sumariamente descritos no Relatório deste aresto, para os quais se remete, sendo certo que a decisão recorrida não elenca como provados quaisquer factos.
O MÉRITO DA APELAÇÃO
1) Se o despacho recorrido enferma da nulidade prevista no artigo 615°, n° 1, alínea b) do C.P.C. (por falta de fundamentação de facto e de direito), visto não conter qualquer fundamentação para justificar e tornar perceptível pelos seus destinatários a decisão tomada pelo tribunal, não tendo este apurado sequer um único facto que depois tivesse apreciado juridicamente;
O progenitor ora Recorrente imputa à Decisão recorrida a nulidade prevista na al. b) do n° 1 do artigo 615° do Cód. de Processo Civil vigente (falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão), por o Despacho recorrido não conter qualquer fundamentação que justifique e torne perceptível pelos seus destinatários a decisão tomada pelo tribunal a quo, não tendo este apurado sequer um único facto que depois tivesse apreciado juridicamente.
Quid juris ?
A Decisão ora sob censura não contém sequer a, enunciação dos factos que o tribunal a quo tem por provados ou sequer minimamente indiciados, omitindo completamento o julgamento de facto com base no qual se permitiu instituir, a titulo provisório e cautelar (nos termos do artigo 28° do Regime Geral do Processo Tutelar Cível aprovado pela Lei n° 141/2015), um regime de exercício das responsabilidades parentais instituído aquando da Conferência de Pais realizada em 28/03/2017).
Tudo quanto consta do Despacho recorrido é o Dispositivo propriamente dito - isto é, a fixação (ao abrigo do preceituado no artigo 2° do RGPTC [Regime Geral do Processo Tutelar Cível] dum regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais, relativamente aos menores S..., nascido a 24-04-215 e M..., nascida a 07-09-2013, antecedida dum extracto das Declarações prestadas por cada um dos progenitores na Conferência de Pais realizada em 9-05-2017 (cfr. a Acta constante de fls. 105-110.
Ao omitir a enunciação de todos e cada um dos factos tidos por provados (ou pelo menos minimamente indiciados), em face do material probatório carreado para os autos (durante a própria Conferência de Pais, com base nas declarações nela prestadas por ambos os progenitores, e também com recurso à prova documental oferecida pela Requerente/Apelada com o seu requerimento inicial), a Decisão ora sob recurso incorreu, indubitavelmente, na nulidade prevista na alínea bI do n° 1 do Art. 615° do Novo CPC: não especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão.
Como se sabe, a lei não traça um conceito de nulidade de sentença, bastando-se com a enumeração taxativa de várias hipóteses de desconformidade com a ordem jurídica que, uma vez constatadas na elaboração da sentença, arrastam à sua nulidade5. Esse elenco taxativo das causas de nulidade da sentença consta das alíneas a) a e) do n° 1 do art. 615° do actual CPC de 2013 (disposição correspondente, com pequenas alterações, ao n° 1 do art. 668° do C.P.C. de 1961).
A al. b) deste normativo comina a sentença de nula quando [ela] não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
As decisões judiciais (sejam elas sentenças ou simples despachos) carecem de ser fundamentadas: assim o impõem, desde logo, o art. 205°, n° 1, da Constituição da República Portuguesa e, ao nível da lei adjectiva ordinária, o art. 154°, n° 1, do actual CPC (que, ao incluir no universo das decisões carecidas de fundamentação todas as que sejam «proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo», apenas exclui do dever de fundamentação as decisões de mero expediente).
Ora - como é evidente - um Despacho que, na pendência duma Acção de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais, decide instituir, cautelarmente, um regime provisório de exercício das responsabilidades parentais, para vigorar até à sentença final (ao abrigo do disposto no art. 28°, n°s 1, 3 e 4, do cit. Regime Geral do Processo Tutelar Cível aprovado pelo Artigo 1° da Lei n° 141/2015, de 8 de Setembro), não constitui (nem de perto, nem de longe) uma decisão de mero expediente.
Por outro lado, essa fundamentação, salvo tratando-se de despachos interlocutórios em que a contraparte não haja apresentado oposição ao _pedido e o caso seta de manifesta simplicidade, «não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição - cfr. o n° 2 do mesmo art. 154°. O que, todavia, não significa que a fundamentação não possa ser integrada, além do mais, por remissões para os fundamentos invocados pelas partes.
Especificamente no que à sentença diz respeito, o art. 607°, n° 3, do actual CPC, ao ocupar-se daquela parte da sentença que designa por fundamentos, impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
Para que haja falta de fundamentos de facto, como causa de nulidade de sentença, toma-se necessário que o juiz omita totalmente a especificação dos factos que considere provados, de harmonia com o que se estabelece no n° 3 do art. 659° [do CPC de 1961 - disposição correspondente ao actual art. 607°, n° 3, do CPC de 2013], e que suportam a decisão .
Foi precisamente isso que, in casu, ocorreu, já que o Despacho sob censura - que, em rigor, configura uma verdadeira Sentença, já que decide (embora a título provisório) do mérito da causa, regulando até à Decisão final (ou até que sela eventualmente proferida urna nova Decisão provisória de conteúdo diverso) o exercício das responsabilidades parentais relativamente aos menores de que curam os autos - omitiu completamente a discriminação dos factos tidos por provados (ou, pelo menos, minimamente indiciados) pelo tribunal de 1a instância, assim incorrendo na nulidade prevista na cit. alínea b) do n° 1 do artigo 615° do Novo Código de Processo Civil.
A circunstância de se tratar duma decisão de natureza provisória não altera os dados da questão: o facto de, no momento em que tal decisão foi proferida, a única diligência até então realizada ter sido a Conferência de Pais que teve lugar no próprio dia em que o despacho recorrido foi proferido, imediatamente antes deste, não impediu o tribunal de tomar declarações a ambos os progenitores, fazendo (inclusivamente) constar da Acta da diligência um extracto dessas declarações (cfr. fls. 105-107). Pois bem: diante desse material probatório acabado de coligir, o que o tribunal a quo não podia deixar de consignar, antes de instituir um regime provisório de exercício das responsabilidades parentais (ao abrigo do cit. art. 28° do RGPTC), era a listagem dos factos indiciariamente já tidos por provados. Sem a explicitação desses factos, o regime provisório de exercício das responsabilidades parentais instituído pelo tribunal não tem qualquer base factual que suporte as opções tomadas quanto à guarda dos menores, regime de visitas e montante da prestação alimentícia imposta ao progenitor a quem os menos não são confiados. Se, porventura, o tribunal considera que, nesta fase indiciária do processo, ainda não dispõe de elementos de facto que lhe permitam estabelecer uma base factual mínima, então é prematura a imediata instituição dum regime provisório de exercício das responsabilidades parentais no próprio dia da conferência de pais, sendo mais avisado só o fixar depois de realizadas as diligências probatórias (ainda que sumárias) tidas por imprescindíveis. O que o tribunal não pode fazer é instituir um regime provisório de exercício das responsabilidades parentais (confiando os menores à guarda e cuidados dum dos progenitores, estabelecendo um regime de visitas e arbitrando pensões alimentícias) à mingua da mais pequena factualidade relevante para a decisão dessas questões.
Consequentemente, a presente apelação procede, ao menos quanto a esta questão.
Circunstância que prejudica, necessariamente, o conhecimento das demais questões suscitadas nas Conclusões da sua Alegação pela ora Apelante (art. 608°, n° 2, I.ª parte, do actual C.P.C., aplicável às decisões da 2.ªa instância ex vi do art. 666°, n° 1, do mesmo diploma).
DECISÃO
Acordam os juízes desta Relação em conceder parcial provimento à Apelação, anulando a decisão recorrida e ordenando que a mesma seja substituída, no tribunal de primeira instância, por outra que supra a nulidade, por absoluta falta de fundamentação de facto, de que padece o despacho impugnado.
Custas da Apelação a cargo da Requerente/Apelada.
Lisboa, 19 de Dezembro de 2017
Rui Vouga
Rosário Gonçlaves
José Augusto Ramos
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