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    Jurisprudência da Relação Cível
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 - ACRL de 14-12-2017   Valor do silêncio. Confissão.
I – O art. 218° do Código Civil estabelece o princípio geral de que o silêncio só vale como declaração negocial quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção.
II – O Código de Processo Civil observa esse princípio ao impor no art. 227.º n.º 2 que no acto de citação são obrigatoriamente indicadas ao destinatário as cominações em que incorre no caso de revelia.
III – A advertência quanto ao efeito cominatório é também obrigatória nos processos de jurisdição voluntária (cfr art. 293° n° 3 e 986° n° 1 do CPC).
IV – Os processos tutelares cíveis têm a natureza de jurisdição voluntária (cfr art. 12° do RGPTC).
V – Não decorre do art. 41° n° 3 e 5 do RGPTC nem do art. 986° do CPC que a falta de alegações do requerido importe confissão.
Proc. 3773/13.7TBVFX-D.L1 6ª Secção
Desembargadores:  Anabela Calafate - António Manuel dos Santos - -
Sumário elaborado por Margarida Fernandes
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Proc. 3773/ 13.7TBVFX-D.L1.A
Sumário
I - O art. 218° do Código Civil estabelece o princípio geral de que o silêncio só vale como declaração negocial quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção.
II - O Código de Processo Civil observa esse princípio ao impor no art. 227° n° 2 que no acto de citação são obrigatoriamente indicadas ao destinatário as cominações em que incorre no caso de revelia.
III - A advertência quanto ao efeito cominatório é também obrigatória nos processos de jurisdição voluntária (cfr art. 293° n° 3 e 986° n° 1 do CPC).
IV - Os processos tutelares cíveis têm a natureza de jurisdição voluntária (cfr art. 12° do RGPTC).
V - Não decorre do art. 41° n° 3 e 5 do RGPTC nem do art. 986° do CPC que a falta de alegações do requerido importe confissão.

Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I - Relatório
Sónia Maria Pais dos Santos Silva instaurou incidente de incumprimento das responsabilidades parentais em 08/09/2016 contra Nuno Alexandre Moreira Pereira requerendo a condenação do requerido no pagamento à requerente da quantia de 1.127,57 € acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até à data do integral pagamento.
Alegou, em síntese:
- em 14/ 10/2013 foi fixado o regime de regulação das responsabilidades parentais da filha de ambos, pelo qual o requerido se comprometeu a contribuir com metade do valor gasto pela requerente com despesas médicas, medicamentos, livros e demais material escolar da menor;
- o requerido não cumpre essa obrigação desde Abril de 2015, estando em dívida a quantia de 1.127,57 €.

Em 12/ 10/2016 foi proferido o despacho seguinte:
«Notifique o Requerido para, no prazo de 5 dias, alegar o que tiver por convenientes nos termos do artigo 41° n° 3 do RGTC.».

Em 17/10/2016 foi enviada carta ao requerido para notificação onde se lê:
«Assunto: Notificação P/Alegar
Fica notificado para, no prazo de 5 dias, alegar o que tiver por conveniente, nos termos do disposto no art. 41° n° 3 do RGPTC.
Fica advertido(a) de que não é obrigatória a constituição de mandatário judicial, salvo na fase de recurso.
Juntam-se, para o efeito, um duplicado do requerimento.» (sic)
O requerido nada disse e em 25/11/2016 foram os autos com vista ao Ministério Público que promoveu:
«P. se averigue através da base de dados da eventual existência de descontos por parte do Requerido ou de recebimento de subsídio.

Atenta a natureza das despesas reclamadas, P. se designe dia para audição à Requerente e Requerido.».

Em 05/12/2016 foram os autos conclusos e sem que tenham sido realizadas mais diligências foi logo nessa data proferida a seguinte decisão:
«Sónia Marina Pais dos Santos Silva veio através do presente incidente de incumprimento da decisão que regulou o exercício das responsabilidades parentais, alegar que o requerido Nuno Alexandre Moreira Pereira não procedeu
ao pagamento das despesas de saúde e escolares descriminadas a fls. 4 relativas à filha de ambos.
Notificado o requerido (cf. art° 249° n° 2 do C,P.C,), nada disse.
Está, assim, assente por virtude do acordo das partes (o requerido não logrou demonstrar que procedeu ao pagamento das despesas de saúde e escolares relativas à sua filha menor) que o requerido não procedeu ao pagamento das pensões de alimentos estipuladas e ora reclamadas.
Impõe-se, pois, concluir que o requerido não cumpriu a obrigação de pagamento da pensão a que estava e está adstrito.
Pelo exposto, ao abrigo dos arts. 41° do RGPTC, condeno o requerido a pagar à requerente a pensão de alimentos fixada nos autos principais nos termos aí determinados e ora reclamada.
Custas pelo requerido.».

Em 09/12/2017 foi enviado o expediente com cópia da decisão para notificação do Requerido e nessa data foi notificado o Ministério Público
(fls (fls. 37 e 39 destes autos).

Em 19/12/2016 foram os autos com vista ao Ministério Público, que promoveu:
«Reconhecido que se mostra o incumprimento quanto às despesas de saúde e escolares, p. se notifique o Requerido para vir aos autos
esclarecer como pretende repor as quantias em dívida.».

Em 16/01/2017 juntou o Requerido procuração forense e interpôs recurso de apelação em que terminou a alegação com as seguintes conclusões:
I - O RGPTC prevê no seu artigo 41 ° n° 3 a excepção à realização da conferência de pais.
II - Tal excepção carece de fundamentação, pois que os autos em recurso nada de especial relevo apresentam em face de tantos incumprimentos que correm nas nossas instâncias.
III - O Recorrente ficou a aguardar a realização da conferência de pais, à imagem de apenso anterior.
IV - A realização da conferência de pais assume relevância maior quando do requerimento de incumprimento nada se prova quanto ao alegado acerca do conhecimento do recorrente da existência de despesas.
V - Pelo que deve ser ordenada a realização e conferência de pais, nos autos de incumprimento.
VI - A notificação no processo de incumprimento, por apenso aos autos principais, segue as regras da citação.
VII - No corpo da notificação faltou a cominação da ausência de resposta do recorrente.
VIII - Verifica-se pois a violação do disposto no artigo 227° n° 1 do CPC.
IX - Pelo que deve a notificação ser declarada nula.
X - Ainda assim, por se verificar que o tribunal a quo entendeu seguir as regras da notificação, sempre se dirá que o mesmo violou o previsto no artigo 247.° n ° 1 e 2 do CPC, porquanto não notificou a Patrona ou Mandatária constituídas nos autos principais e apensos anteriores a este
ora em recurso.
XI - O ónus da prova, de que os recibos de pagamento de despesas são do conhecimento do recorrente, cabia à Recorrida;
XII - A matéria de facto alegada pela Recorrida não foi devidamente avaliada, pela MM. Juiz do tribunal a quo, falhando a análise crítica da prova.
XIII - O princípio da livre apreciação está limitado, em face, da existência da obrigatoriedade da prova documental;
XIV - A sentença carece de fundamentação dos factos provados, pelo que, viola o disposto no artigo 607° n° 4 e 5 do CPC.
XV - Em consequência e de acordo com o disposto no artigo 615° n° 1 b) do CPC deve a sentença ser declarada nula.
XVI - No acordo de regulação as responsabilidades parentais ficaram claramente definidos os conceitos de pensão de alimentos e de despesas;
XVII - No requerimento inicial do processo de incumprimento nada é reclamado a título de pensão de alimentos;
XVIII -A MM. Juiz do tribunal a quo condenou o Recorrente a pagar as pensões de alimentos em falta e conforme reclamadas pela recorrida.
XIX - A Recorrida apenas reclamou despesas.
Pelo que, deve a sentença ora recorrida ser declarada nula, pois a decisão condena em objecto diverso do pedido, nos termos do artigo 615° n.° 1 e) do CPC.
Nestes termos e nos melhores de direito, que V. Exas. Doutamente suprirão, vem requerer a V. Exas. que seja concedido provimento ao Recurso e em consequência:
a) Ser declarada a inexistência de fundamentação da excepção para o não agendamento da conferência de pais, ordenando-se, em consequência, a marcação a mesma
ou
b) Ser a notificação declarada nula por não conter as cominações legalmente exigíveis;
ou considerando-se que não se aplicam as regras da citação, ser a notificação declarada nula por falta de notificação à Mandatária,
ordenando-se nova notificação seguindo-se os ulteriores termos do processo;
c) Ser declarada nula a sentença:
- por assentar em factos não provados;
- por falta de fundamentação;
- por ter condenado ao pagamento de pedido distinto do peticionado em sede de requerimento inicial de incumprimento;
devendo absolver o ora Recorrente da condenação a que foi sujeito no processo inicial de Incumprimento das Responsabilidade Parentais.

Apenas contra-alegou o Ministério Público defendendo a confirmação do julgado.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II - Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, pelo que as questões a decidir são estas:
- se não deveria ter sido proferida decisão sem prévia realização de conferência de pais
- se a notificação do requerido é nula por não conter cominação no caso de ausência de resposta
- se foi violado o disposto no art. 247° n° 1 e 2 do CPC por não ter sido notificada a mandatária do requerido
- se não está provado que a requerente apresentou os recibos de despesas ao requerido e em consequência não está verificado o incumprimento;
- se a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação dos factos provados;
- se a decisão recorrida é nula por condenar em objecto diverso do que é pedido.

III - Fundamentação
A) Além do que consta no relatório é ainda de considerar:
Nos autos de divórcio sem consentimento do outro cônjuge foi efectuada a convolação para divórcio por mútuo consentimento e celebrado acordo entre o apelante e a apelada relativamente à regulação das responsabilidades parentais da filha menor B..., homologado por sentença, em que consta, além do mais:
«11 - O pai contribuirá com a quantia mensal de € 125,000 a título de pensão de alimentos para a menor, a entregar à mãe até ao dia 8 de cada mês, por transferência bancária.
12 - A pensão de alimentos será actualizada anualmente, em Outubro à taxa indexada ao INE, com início em Outubro de 2014.
13 - O pai contribuirá com metade das despesas médicas, medicamentosas e escolares, na parte não comparticipada contra a apresentação de recibo.».

B) O Direito
Estabelece o art. 41° do RGPTC (Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei 141/2015 de 8/9), na parte que ora interessa:
«1 - Se, relativamente à situação da criança, um dos pais (...) não cumprir com o que tiver sido acordado ou decidido, pode o tribunal, oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou de outro progenitor, requerer, ao tribunal que no momento for territorialmente competente, as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa (...).
2 - Se o acordo tiver sido homologado pelo tribunal ou este tiver proferido decisão, o requerimento é autuado por apenso ao processo onde se realizou o acordo ou foi proferida decisão, (...).
3 - Autuado o requerimento, ou apenso este ao processo, o juiz convoca os pais para uma conferência ou, excepcionalmente, manda notificar o requerido para, no prazo de cinco dias, alegar o que tiver por conveniente.
4 - Na conferência, os pais podem acordar na alteração do que se encontra fixado quanto ao exercício das responsabilidades parentais, tendo em conta o interesse da criança.
5 - Não comparecendo na conferência nem havendo alegações do requerido, ou sendo estas manifestamente improcedentes, no incumprimento do regime de visitas w para efectivação deste, pode ser ordenada a entrega da criança (...).
6 - Não tendo sido convocada a conferência ou quando nesta os pais não chegarem a acordo, o juiz manda proceder nos termos do artigo 38° e seguintes e, por fim, decide.
(...)».
O art. 218° do Código Civil estabelece o princípio geral de que o silêncio só vale como declaração negocial quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção.
O Código de Processo Civil observa esse princípio ao impor, no art. 227° n° 2, que no acto de citação são obrigatoriamente indicadas ao destinatário as cominações em que incorre no caso de revelia, advertência essa que é também obrigatória quanto ao efeito cominatório que vigore na causa (cfr art. 293° n° 3 e 986° n° 1 do CPC).
Os processos tutelares cíveis têm a natureza de jurisdição voluntária (cfr art. 12° do RGPTC).
A advertência quanto ao efeito cominatório é também obrigatória nos processos de jurisdição voluntária (cfr art. 293° n° 3 e 986° n° 1 do CPC). Mas não decorre do art. 41° n° 3 e 5 do RGPTC nem do art. 986° do CPC que a falta de alegações do requerido importe confissão e nem sequer tal cominação lhe foi comunicada quando foi notificado.
Porém, ainda que se defendesse que a falta de alegações importa a confissão - o que se não concede -, sempre teria de ser advertido para tal o ora apelante, em observância ao art. 4° do CPC que dispõe: «O tribunal deve assegurar, ao longo e todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais.».
Assim, não tem fundamento legal ter a primeira instância considerado estar assente «por virtude do acordo das partes» que «o requerido não procedeu ao pagamento das pensões de alimentos estipuladas e ora reclamadas». Diga-se, aliás, que nem sequer vem dado como provado na decisão recorrida que a apelada apresentou os recibos das despesas como ficou estipulado no ponto 13 do acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais. Na verdade, decorre desse acordo que o apelante só está obrigado a efectuar o pagamento de metade das despesas, na parte não comparticipada, contra apresentação de recibo. Em suma, porque a falta de alegação não importou confissão dos factos alegados pela apelada, não deveria ter sido proferida decisão sem prévia produção de prova seguida de fixação dos factos provados e não provados. Mas também tem razão o apelante ao sustentar que a regra é a da convocação dos pais para uma conferência.
Ora, prevendo o art. 41° n° 4 do RGPTC que excecionalmente o juiz manda notificar o requerido para alegar, impunha-se justificar a decisão de dispensa da conferência de pais, porque o art. 205° n° 1 da Constituição da República Portuguesa estabelece o princípio de que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei, princípio esse plasmado no art. 154° do CPC.
Por quanto se explanou, impõe-se a anulação do despacho proferido em 12/10/2016 e, consequentemente, a anulação da decisão recorrida, devendo a primeira instância convocar os pais para uma conferência nos termos do art. 41° n° 3 do RGPTC, pois não decorre dos autos que haja razão para que seja dispensada, após o que, se não houver acordo, deverão os autos prosseguir como previsto no n° 7 desse normativo, a fim de oportunamente ser produzida prova dos factos referentes à realização das despesas cujo pagamento é reclamado nestes autos reclamadas e da apresentação dos respectivos recibos ao apelante.
Fica, assim, prejudicada a apreciação das restantes questões (art. 608° n° 2 do CPC).

IV - Decisão
Pelo exposto, julga-se procedente a apelação e em consequência decide-se:
a) anular o despacho proferido em 12/ 10/2016 e a decisão recorrida proferida em 05/12/2016;
b) ordenar que a 1.ª instância convoque uma conferência de pais nos termos do art. 41° n° 3 do RGPTC, após o que, se nesta os pais não chegarem a acordo, deverão os autos prosseguir como previsto no n° 7 desse normativo, a fim de oportunamente ser produzida prova dos factos referentes à realização das despesas cujo pagamento é reclamado nestes autos e da apresentação dos respectivos recibos ao apelante, para depois ser proferida decisão sobre o pedido formulado pela apelada.
Custas pela parte vencida a final.
Lisboa, 14 de Dezembro de 2017
Anabela Calafate
António Manuel Fernandes dos Santos
Eduardo Petersen Silva
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