Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - ACRL de 20-12-2017   Regulação do exercício das responsabilidades parentais. Partilha do tempo de convívio.
1. A regulação do exercício das responsabilidades parentais é um procedimento tutelar cível com natureza de jurisdição voluntária (Art.s 3.º al. c) e 12.º do RGPTC), em que as providências decretadas ao seu abrigo não estão subordinadas a critérios de legalidade estrita, vigorando a liberdade de opção casuística pelas soluções de conveniência e oportunidade mais adequadas a cada situação concreta.
2. Na ausência de acordo entre os progenitores que vivam separados entre si, afigura-se adequado que seja partilhado o tempo de convívio do menor com os seus pais nos dias de Consoada e de Natal, de modo a que o mesmo passe alternadamente e com cada um deles, um desses dois dias.
3. Também se afigura adequado que anualmente seja alternado entre os pais o dia de Consoada e de Natal que passam com o seu filho, de modo a que o menor não passe todos os anos o dia de Natal ou a Consoada sempre com o mesmo progenitor, tendo em atenção a particular relevância que a noite de Natal tem para uma criança ainda com 4 anos de idade.
4. Dando-se a casualidade de um dos progenitores, no caso a mãe, ter o seu dia de aniversário no dia de Natal, porque ainda assim se justificam as razões do regime de alternância anual no gozo desse convívio entre os progenitores e seu filho e tendo em vista garantir o equilíbrio de tempo de convívio qualitativo entre o menor e os seus pais, é atendível que no ano em que o menor passe o dia de Natal com o pai aquele possa ter uma refeição com a sua mãe, nomeadamente o jantar, para festejar o aniversário desta.
Proc. 701/14.6TMLSB-A.L1 7ª Secção
Desembargadores:  Carlos Oliveira - Maria Amélia Ribeiro - -
Sumário elaborado por Margarida Fernandes
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
Proc. N° 701114.6TM LSB-A. L 1 - Apelação
Recorrente: B....
Recorrida: L....
Sumário (art.° 663° n° 7 do CPC) - Da responsabilidade exclusiva do relator)
1. A regulação do exercício das responsabilidades parentais é um procedimento tutelar cível com natureza de jurisdição voluntária (Art.ºs 3.° al. c) e 12.° do RGPTC), em que as providências decretadas ao seu abrigo não estão subordinadas a critérios de legalidade estrita, vigorando a liberdade de opção casuística pelas soluções de conveniência e oportunidade mais adequadas a cada situação concreta.
2. Na ausência de acordo entre os progenitores que vivam separados entre si, afigura-se adequado que seja partilhado o tempo de convívio do menor com os seus pais nos dias de Consoada e de Natal, de modo a que o mesmo passe, alternadamente e com cada um deles, um desses dois dias.
3. Também se afigura adequado que anualmente seja alternado entre os pais o dia de Consoada e de Natal que passam com o seu filho, de modo a que o menor não passe todos os anos o dia de Natal ou a Consoada sempre com o mesmo progenitor, tendo em atenção a particular relevância que a noite de Natal tem para uma criança ainda com 4 anos de idade.
4. Dando-se a casualidade de um dos progenitores, no caso a mãe, ter o seu dia de aniversário no dia de Natal, porque ainda assim se justificam as razões do regime de alternância anual no gozo desse convívio entre os progenitores e o seu filho e tendo em vista garantir o equilíbrio de tempo de convívio qualitativo entre o menor e os seus pais, é atendível que no ano em que o menor passe o dia de Natal com o pai aquele possa ter uma refeição com a sua mãe, nomeadamente o jantar, para festejar o aniversário desta.
ACORDAM OS JUÍZES NA 7.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
I- RELATÓRIO
B... intentou contra L... o processo de regulação de responsabilidades parentais relativo ao menor, filho de ambos, S....
Realizada conferência de pais, na qual estes não chegaram a acordo, e após terem as partes apresentado alegações, veio a ser proferido despacho em 6/5/2015 que fixou um regime provisório de regulação de
responsabilidades parentais.
Entre outras cláusulas, foi fixado nesse regime provisório que o
menor passaria a véspera de Natal com um dos progenitores e o dia de Natal com o outro, alternando-se esse regime anualmente (cláusula 10), mas também se estabeleceu que o menor passaria com a mãe o dia de aniversário desta (cláusula 17).
Por requerimento do Requerido de 25/11/2015, veio este solicitar esclarecimento do Tribunal sobre o funcionamento destas duas cláusulas, considerando que o aniversário da mãe do menor ocorre precisamente no dia de Natal.
Após cumprimento do contraditório, o Tribunal veio a decidir, por despacho de 4/12/2015, que o menor, nesse ano, passasse a véspera de Natal com o pai e o dia de Natal com a mãe.
No ano seguinte, por requerimento de 5/12/2016, o Requerido voltou a requerer ao Tribunal para, com urgência, esclarecer de novo a questão da partilha do tempo com o menor nos dias 24 e 25 de dezembro.
Novamente, após contraditório, por despacho de 12/12/2016, foi decidido eliminar a cláusula 17) e alterar a cláusula 10) do regime provisório de regulação das responsabilidades parentais, aí se fixando que o menor passaria a véspera de Natal com o pai e o dia de Natal, que é simultaneamente o dia de aniversário da mãe, com a sua progenitora, indo aquele buscar o menor a casa da mãe às 10h00m do dia 24 e aí o entregando às 10h00m do dia 25.
E deste despacho que a Requerente recorre, apresentando as seguintes conclusões:
1. Não pode deixar de ser reconhecido como consagrando a salvaguarda do superior interesse de qualquer criança, um regime de regulamentação das responsabilidades parentais que fixe a alternância entre a véspera e o dia de Natal, para que aquele esteja com os progenitores;
2. Tal desiderato não será atingido se ao menor, no caso dos autos, o S..., tiver que passar sempre a véspera de Natal com o pai, e o dia de Natal com a mãe, a ora Recorrente;
3. Salvo melhor opinião, o facto de a Recorrente celebrar o seu aniversário no dia de Natal não pode constituir fundamento para uma decisão como a tomada pelo Tribunal a quo;
4. Nem o facto de, ano sim, ano não, o pai ter de abdicar de jantar com o filho no dia de Natal, constitui para este penalização superior à decorrente de se abdicar do regime de alternância tal como o fez o Tribunal a quo;
5. Não permitir que o S... vivencie o Natal plenamente com ambos os progenitores em regime de alternância, e que com a mãe passe, também alternadamente o final do dia 25 para com esta celebrar também o seu aniversário, é seguramente maior penalização para todos, do que a que resulta do regime pretendido, e que se procura obter com o presente recurso;
6. A celebração da véspera de Natal, com todas as suas implicações (ceia, abertura de prendas, missa do galo, etc.) é um evento de tanta relevância numa criança de tão tenra idade como o S..., que nenhum dos progenitores, sob pena de flagrante injustiça, pode ser afastado de com ele o viver;
7. Ao decidir pela forma que o fez, o Tribunal a quo violou o disposto no n.° 7, do Art. 1906° do C.C..
Nestes termos, pede que seja dado provimento ao recurso, alterando-se o regime provisório, fixando-se outro no qual o menor passará alternadamente a véspera de Natal e o dia de Natal com ambos os progenitores, jantando e pernoitando com a mãe no dia do seu aniversário.
O Recorrido contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:
1. Vem a Recorrente B... apresentar recurso da decisão do douto tribunal a quo, na qual ficou decidiu eliminar a cláusula 17.a e alterar a cláusula 10.a do regime provisório de regulação das responsabilidades parentais passando a ser a seguinte:
10) O menor passará a véspera de natal com o pai e o dia de natal, que é simultaneamente o dia de aniversário da mãe com a progenitora, indo o pai buscar o menor a casa da mãe às 10h do dia 24.12, aí o entregando no dia 25.12 às 10h.
2. Desde logo, cumpre dizer o Tribunal a quo andou bem com a eliminação e alteração efetuada.
3. Com efeito, tal alteração prende-se com a circunstância factual de o aniversário da Recorrente ser no dia 25 de Dezembro, circunstância essa, que obviamente não deverá nunca afetar o convívio entre o Recorrido e o menor S... na época natalícia.
4. No entanto, até ser proferido o despacho sob recurso, e não fora o Recorrido ter requerido a intervenção do tribunal, era o que iria sucedendo.
5. Com manifesto prejuízo para os interesses do menor, e consequentemente também do aqui Recorrido.
6. A redação anterior da cláusula 10) do regime provisório de RRP estabelecia uma repartição da permanência do menor S... com cada um dos progenitores nos dias 24 e 25 de Dezembro (véspera e dia de Natal), consagrando o regime de alternância anual.
7. Sucede, porém, que este regime de alternância era de difícil compatibilização com o disposto na cláusula 17), entretanto eliminada pelo tribunal, quanto à permanência do menor S... com a mãe no dia de aniversário desta.
8. Previa a (entretanto eliminada) cláusula 17) que o menor S... passaria com a mãe o dia de aniversário desta - o dia 25 de dezembro, dia de Natal.
9. Ora, a observar-se em simultâneo ambos os regimes - cláusulas 10) e 17) -, o menor S... ficaria impedido de estar na companhia do pai durante os dias de Natal (24 e 25), sempre que, pela regra da alternância, como sucede neste ano, estivesse na companhia da mãe na véspera de Natal (24), com o pai no dia de Natal (25) e em simultâneo com a mãe no dia de Natal (25) por força do seu aniversário.
10. Considerando a importância da época festiva do Natal, tanto para o menor S..., como para os progenitores e suas famílias, andou bem o douto tribunal a quo em alterar a cláusula 10.a do regime provisório de regulação das responsabilidades parentais e em eliminar a referida cláusula 17.ª.
11. Porquanto com a referida alteração a Recorrente estará sempre, sem limitações, com o menor S..., pernoitando na companhia deste, no Natal (dia 25) que é simultaneamente o dia do seu aniversário.
12. Do mesmo modo, também aqui Recorrido estará sempre com o menor S..., sem limitações, com ele pernoitando e estando na sua companhia, no Natal (dia 24).
13. Solução diversa que limite o legítimo gozo pleno de um dos dias de Natal (véspera ou dia) do menor S... com o pai e sua família (nomeadamente, impedindo-o de com ele pernoitar), afigura-se absolutamente injusta e iria desfavorecer as oportunidades de contacto do menor S... com ambos os progenitores, o aqui Recorrido e a Recorrente.
14. Em conclusão, o Recorrido entende que o tribunal a quo ao alterar a redação da cláusula 10.a do regime provisório de regulação das responsabilidades parentais fê-lo acautelando uma relação de proximidade entre o menor e ambos os progenitores, tal como consagrado no n.° 7 do artigo 1906.° do Código Civil.
15. Permitindo que o menor S... possa partilhar sempre o Natal com ambos os progenitores e suas famílias, vivenciando com ambas esse período festivo e suas tradições familiares, e com eles pernoitando.
Em conformidade, concluiu pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.
II- QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Art.s 635°, n.° 4 e 639°, n.° 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pág. 105 a 106).
Assim, em termos sucintos, a questão essencial a decidir é a de saber se a alteração do regime provisório de regulamentação de responsabilidades parentais, no que se refere ao direito de visita em véspera e dia de Natal deve ser, ou não, mantida.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Releva para a apreciação do recurso a seguinte factualidade documentada nos autos:
1) Do despacho de 6/5/2015 consta ter sido relevada a seguinte factualidade para a fixação do regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais:
- Requerente e Requerido viveram em união de facto durante vários anos;
- S... nasceu no dia 7/2/2013 e é filho da Requerente e do Requerido (doc. de fls 7).
- Apesar do seu relacionamento ter terminado, Requerente e Requerido ainda se mantiveram a viver naquela que foi a casa de morada de família durante algum tempo;
- Desde meados de Junho de 2014 que o Requerido não se encontra a viver na casa de morada de família, tendo a Requerente lá permanecido com o filho;
- O Requerido mora próximo da Requerente;
- No ano de 2013 o Requerido viajou por motivos profissionais, tendo passando alguns períodos de tempo fora do país;
- No ano de 2014 o Requerido viajou por motivos profissionais, tendo passado alguns períodos de tempo fora do país;
- O menor tem um relacionamento afetivo próximo com ambos os progenitores;
- Desde que o progenitor saiu da casa que foi de morada de família que o menor tem vivido nesta casa com a progenitora;
- Desde 9/9/2014 que o menor frequenta a Casa de Infância de Santa Quitéria, da Fundação D. Pedro IV (fls 291);
- Segundo Informação prestada por esta Casa de Infância, os progenitores primam pelo rigor e esmero ao nível dos cuidados prestados (alimentação, higiene, afeto e segurança), sendo muito interessados na vida escolar do S..., tendo participado em tudo o que tem sido proposto (fls 291);
- Segundo informação prestada pelos pediatras que seguem o menor, o menor é acompanhado na maioria das consultas pelos dois progenitores, estabelecendo boa relação com ambos (fls 334 e 335), tendo ainda o Dr. J... declarado que, apesar da evidente degradação da relação dos progenitores e do claro conflito entre eles, nunca teve qualquer evidência de relação preferencial entre o menor e um dos pais (fls 335);
- A Relação entre os progenitores do menor é extremamente conflituosa.
2) Pelo mesmo despacho de 6/5/2015 foi fixado o seguinte regime provisório de regulação de responsabilidades parentais:
1) O menor S... fica confiado à guarda e cuidados da progenitora, B..., com quem residirá;
2) As responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância para a vida do menor serão exercidas em comum por ambos os progenitores (Art. 1906° n.° 1 do C.C.), entendendo-se como questões de particular importância as decisões sobre a saúde do menor, saídas do menor para o estrangeiro, escolha de estabelecimento de ensino, atividades extracurriculares e educação religiosa;
3) O exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente do menor caberá à progenitora, com quem reside habitualmente, ou ao progenitor, com quem ele se encontra temporariamente (Art. 1906.° n.° 3 do C.C.);
4) Este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pela progenitora com quem o menor reside habitualmente (Art. 1906.° n.° 3 do C.C.);
5) O pai pode ver e estar com o filho em fins de semana alternados, indo buscá-lo à 6.a feira à escola após o termo das atividades escolares, entregando-o no domingo em casa da mãe às 19h;
6) Na semana em que o menor passar o fim de semana com a progenitora, o pai pode estar com o filho à 5.a feira, indo buscá-lo à escola após o termo das atividades escolares e entregando-o na 6.a feira de manhã na escola, no início das atividades escolares;
7) Na mesma semana em que o menor passar o fim de semana com o pai, o pai pode estar com o filho à 3.a feira, indo buscá-lo à escola após o termo das atividades escolares e entregando-o na 4.a feira de manhã na escola, no início das atividades escolares;
8) O menor passará de forma alternada metade das férias de carnaval com cada um dos progenitores;
9) O menor passará o período de sexta-feira santa a domingo, de forma alterada com cada um dos progenitores, sendo que no ano em que tal período competir ao progenitor este irá buscar o menor a casa da mãe às 10h de sexta-feira, aí o entregando no domingo às 19h;
10) O menor passará a véspera de Natal com um dos progenitores e o dia de Natal com o outro, alternando-se este regime anualmente, sendo que no dia em que competir ao pai estar com o menor irá buscar o filho a casa da mãe às 10h, aí o entregando no dia seguinte às 10h;
11) O menor passará a véspera de ano no com um dos progenitores e o dia de ano novo com o outro, alternando-se este regime anualmente, sendo que no dia em que competir ao pai estar com o menor irá buscar o filho a casa da mãe às 10h, aí o entregando no dia seguinte às 10h;
12) O menor passará duas semanas das férias escolares de verão na companhia do pai, comunicando o pai à mãe as respetivas datas até final de abril de cada ano;
13) Este ano, tal comunicação será feita até ao final do mês de maio;
14) No dia de aniversário do menor, este tomará uma refeição com cada um dos progenitores, alternando-se a refeição anualmente;
15) O menor passará com o pai o dia do pai e o dia de aniversário deste, sem prejuízo das suas atividades escolares e das suas horas de repouso;
16) O menor passará com a mãe o dia da mãe;
17) O menor passará com a mãe o dia de aniversário desta, sem prejuízo das suas atividades escolares e das suas horas de repouso.
3) O dia de aniversário da mãe do menor coincide com o dia de Natal;
4) Na sequência de requerimento do Requerido de 25/11/2015, por despacho de 4/12/2015 foi fixado que nesse ano (2015) o menor passasse a véspera de Natal com o pai e o dia de Natal com a mãe;
5) Na sequência de requerimento do Requerido de 5/12/2016, por
despacho de 12/12/2016, foi decidido eliminar a cláusula 17.a do regime
provisório e alterada a redação da cláusula 10.a, que passou a ser a seguinte:
«10) O menor passará a véspera de Natal com o pai e o dia de Natal, que é simultaneamente o dia de aniversário da mãe, com a progenitora, indo o pai buscar o menor a casa da mãe às 10h do sai 24/12, aí o entregando no dia 25/12 às 10h.»
Tudo visto, cumpre apreciar.
IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Está em causa neste recurso a regulação do exercício das responsabilidades parentais de filho menor.
Nos termos do Art. 1878.° do C.C. compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação e representá-los.
Os pais deverão exercer essas responsabilidades, por regra, em conjunto e de comum acordo (Art.s 1901°, 1902°, 1904.°-A e 1911.° do C.C.).
Em caso de separação de facto dos progenitores casados, ou de cessação da sua convivência conjunta, no caso daqueles que apenas viveram em união de facto, as responsabilidades parentais devem ser reguladas por comum acordo dos pais, sujeita a homologação, que só deve ser recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor (Art. 1905° n.° 1 ex vi Art. 1909.° e Art. 1911.° n.° 2 do C.C.).
Na falta de acordo, ou se o mesmo não satisfizer os interesses do menor, competirá ao tribunal estabelecer a regulamentação do exercício das responsabilidades parentais (Art. 1906.° ex vi Art. 1909.° e Art. 1911.° n.° 2 do C.C.).
O meio processual adequado para o efeito era, à data em que a ação foi instaurada, o processo de regulação do exercício do poder paternal (Art.s 174° a 180.° da Organização Tutelar de Menores, aprovada pela Lei n.° 314/78 de 27/10 - OTM), correspondente ao atual processo de regulação de responsabilidades parentais estabelecido nos Art.s 34.° e ss do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.° 141/2015 de 8/9 (RGPTC), que entretanto revogou a OTM (v.g. Art.s 5.°, 6.° al. a) e 7.° da Lei n.° 141/2015 de 8/9).
Tal como na OTM (v.g. Art. 150.° da OTM), o processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais estabelecido pelo RGPTC também tem natureza de processo de jurisdição voluntária (Art.s 3.° al. c) e 12.° do RGPTC).
Significa isso que estão subordinados às regras dos Art.s 986.° e ss do C.P.C.. O que tem como consequências mais relevantes a prevalência do princípio do inquisitório relativamente ao princípio do dispositivo (Art. 986° n.° 2 do C.P.C.); a relevância dos critérios de oportunidade sobre os da legalidade estrita (Art. 987° do C.P.C.); a não subordinação das decisões tomadas às regras típicas do caso julgado, podendo ser livremente alteradas pela superveniência de circunstâncias que não puderam ser relevadas ou que eram ignoradas pelo julgador e que justificam a alteração da decisão (Art. 988.° n.° 1 do C.P.C.); e a exclusão da possibilidade de recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça em matéria de resoluções fundadas em meros critérios de conveniência (Art. 988.° n.° 2 do C.P.C.) - Vide, a propósito: Antunes Varela in Manual de Processo Civil, 2.a Ed. Revista e Atualizada, 1985, pág.s 69 a 73.
Com particular relevância para o caso concreto está a questão dos critérios de oportunidade. Assim, nos termos do Art. 987° do C.P.C., o Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita nas providências a tomar, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna.
Como refere Antunes Varela (in Ob. Loc. Cit. pág.s 71 e 72), nos processos de jurisdição voluntária «o tribunal não está subordinado, nas providências que decrete, a critérios de legalidade, devendo procurar antes, pela via do bom senso, a solução mais adequada a cada caso. Em vez da obediência a regras normativas rígidas (como nos processo de jurisdição contenciosa (...) vigora a liberdade de opção casuística pelas soluções de conveniência e de oportunidade mais adequadas a cada situação concreta (...). Prevalência, por conseguinte, da equidade sobre a legalidade estrita.»
De referir ainda que, nos termos do Art. 177.° n.° 4 da OTM, correspondente ao atual Art. 38.° do RGPTC, não tendo os pais chegado a acordo, o juiz pode decidir fixar um regime provisório de regulação do poder paternal que melhor satisfaça e salvaguarde os interesses do menor.
Foi isso que ocorreu no caso dos autos, sendo que em causa está a regulação relativa à matéria de direito de visitas do progenitor que não reside normalmente com o menor.
A este propósito, estabelece o Art. 1906° n.° 5 do C.C. (redação introduzida pela Lei n.° 61/2008 de 31/10) que: «5 - O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.»
Em complemento, o n.° 7 do mesmo preceito (também com redação introduzida pela Lei n.° 61/2008 de 31/10) estabelece ainda que: «7 - O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.»
E este último preceito que a Recorrente sustenta que o Tribunal a quo violou. No entanto, como já vimos, o que está em causa não é uma violação duma regra de legalidade estrita, mas uma resolução subordinada a regras de mera conveniência e oportunidade.
Não se pode dizer, sem mais, que a decisão recorrida ao determinar a alteração das cláusulas 10.ª e 17.ª da regulamentação provisória do exercício das responsabilidades parentais, violou o Art. 1906.° n.° 7 do C.C., porque com ela não teve por fim afastar a relação de proximidade do menor com qualquer dos dois progenitores, nem restringir o contacto amplo com ambos.
Esse afastamento de facto, ou as restrições a um mais amplo contacto do menor com os seus pais, existem efetivamente, mas não como consequência da decisão recorrida, mas por mera decorrência do litígio, confronto e separação existente entre os próprios progenitores.
O Tribunal recorrido, perante uma situação de litígio, de confrontação e de total ausência de acordo dos pais sobre essa matéria, limitou-se a estabelecer uma regulamentação que no seu entender acautelava da melhor maneira os interesses do filho menor.
A Recorrente, no entanto, não concorda com a alteração da regulação provisória das responsabilidades parentais decidida no despacho de 12/12/2016, porque, segundo alega, essa decisão, de que ora recorre, condenou-a a não poder passar com o seu filho a véspera de Natal e apenas poder passar na sua companhia o dia de Natal, por força da infeliz circunstância de ter nascido no mesmo dia que Jesus Cristo.
Esclarece, nas suas alegações, que no ano de 2016, decidiu alargar os períodos de convivência do filho com o pai, propondo em consequência que estes passassem parte do período de férias escolares juntos, apesar de tal situação ser omissa no regime provisório vigente. Tal como propôs ainda que o S... passasse consigo a véspera de Natal e o dia de Natal com o pai, desde que neste dia o menor jantasse consigo, para poder assim celebrar o aniversário da Recorrente. Sucede que o Recorrido não aceitou esta proposta, pedindo ao Tribunal que decidisse, alegando que com a regra da alternância ficaria prejudicado, uma vez que teria o seu dia limitado pela circunstância do S... ter que celebrar, juntamente com o Natal, o aniversário da Recorrente.
E neste contexto que foi decidida a questão da repartição do Natal e Véspera de Natal, com o qual a Recorrente não se conforma, porque esta alteração implicaria que necessariamente deixasse de poder vivenciar a Consoada com o seu filho, com toda a carga emocional, educacional, religiosa e social que tal facto acarreta.
Alega muito em particular que a véspera de Natal é vivida pela Recorrente de forma tradicional, nomeadamente sendo a Consoada o momento alto do Natal, com a abertura dos presentes com os primos do S..., a expectativa e entusiasmo que a precede e que só uma criança pode vivenciar na sua plenitude.
Mais invoca que esta experiência não durará para sempre e será retirada à Recorrente, como já o foi, nos 3 primeiros anos de vida do S..., expressando o entendimento de que o jantar do dia 25 de Dezembro não tem qualquer tradição festiva e, no caso concreto, coincide com o dia de aniversário da Recorrente, que apenas pretende fazer uma refeição de aniversário com o seu filho.
Propõe assim compatibilizar as festividades da véspera de Natal, de Natal e o dia de aniversário da Recorrente, estabelecendo-se um regime de alternância quanto à véspera e dia de Natal, sem se privar a Recorrente de poder simultaneamente celebrar o seu aniversário tomando uma refeição com o filho, relevando que o jantar do dia 25 não tem nenhuma tradição associada.
O Recorrido veio defender a decisão recorrida e a necessidade do esclarecimento do regime provisório em benefício do menor, em face do circunstancialismo da progenitora ter o seu aniversário no dia de Natal.
Mais refere não concordar com o regime de alternância agora proposto pela Recorrente, tendo em atenção a importância que a época festiva do Natal tem, tanto para o menor S..., como para os progenitores e suas famílias.
Releva que o regime agora estabelecido permite à Recorrente estar sempre, sem limitações, com o seu filho, pernoitando na companhia deste, no Natal (dia 25), que é simultaneamente o dia do seu aniversário. Do mesmo modo que, também o aqui Recorrido, estará sempre com o menor S..., sem limitações, com ele pernoitando e estando na sua companhia, na noite de Natal.
Já a solução alternativa proposta, no entender do Recorrido, traduz-se num beneficio exclusivo para a Recorrente, em prejuízo para o menor e para o tempo de convívio do Recorrido com o seu filho.
Contrapostas as posições vejamos então qual a solução adequada ao caso concreto.
O menor S... tem a sorte de ter dois progenitores que se mostram muito interessados e empenhados em manter com ele uma relação grande proximidade e afeto. O que só é de louvar. No entanto, ambos não se entendem sobre o pormenor do direito a visitas na Consoada e dia de Natal.
A regulação provisória inicialmente estabelecida era equilibrada neste aspeto, permitindo a alternância entre os progenitores no convívio com o menor nessas duas datas.
Respeitando o mesmo nível de equilíbrio, o regime provisório igualou, na mesma medida, o tempo de contacto do menor com os seus pais nos dias de aniversário dos dois progenitores em causa. O que não se teve em conta foi que o aniversário da mãe do menor coincidia com o dia de Natal.
Ora, a mãe do menor pretende que se mantenha o regime de alternância, ficando, num ano, o menor consigo na Consoada e com o pai no Natal, sendo que, no ano seguinte, o menor passaria com o pai a Consoada e com a mãe o dia de Natal. Mas, no primeiro caso, porque o dia de Natal é o seu dia de aniversário, pretende que pelo menos que o seu filho esteja consigo ao jantar.
O pai, aqui Recorrido, não concorda com essa solução, porque neste caso ficaria prejudicado o tempo de convívio com o seu filho nos anos em que lhe competia o direito de visita no dia de Natal. O que nunca ocorre com a solução emergente da decisão recorrida, pois os dois progenitores conseguem assim passar com o menor um dos dois dias considerados por inteiro, ficando o menor com a sua mãe todo o dia de Natal.
No entanto, tendo em atenção a tenra idade da criança, não deixa de ser verdade que a véspera de Natal é um tempo de convívio muito especial entre um progenitor e o seu filho.
Existe uma magia particular nos primeiros anos de vida de uma criança, associados a um simbolismo social e religioso ligado à Consoada que fazem dessa noite um tempo de convício entre um progenitor e o seu filho que é qualitativamente único e não equiparável ao dia de Natal.
Nessa medida, as razões que justificam o regime de alternância anual entre os progenitores no gozo do tempo de convício com o seu filho na Consoada e no dia de Natal, não deixam de subsistir só pelo facto de um deles fazer anos num desses dois dias.
E no interesse do menor, nomeadamente em face da circunstância de ainda só ter 4 anos, que se justifica dever manter-se, nestes primeiros anos da sua vida, um regime provisório de visitas que consagre a regra da alternância entre os progenitores da passagem do dia de Consoada e de Natal.
Essa solução é mais equilibrada quanto aos tempos de convívio qualitativo entre o menor e os respetivos progenitores e corresponde melhor à satisfação do interesse de promoção do maior contacto possível do filho com os seus pais.
Ainda assim, porque a mãe do menor tem o seu dia de aniversário no dia de Natal é perfeitamente atendível que no ano em que esteja estabelecido que o seu filho passará o Natal com o pai, ainda assim, possa festejar com a sua mãe, nomeadamente na hora de jantar, tal como sugerido pela Recorrente.
A solução pode não ser a mais ideal, mas é a possível e a mais equilibrada em face da ausência de acordo dos progenitores.
Nessa conformidade, a cláusula 10ª do regime provisório estabelecido pelo Tribunal a quo deve ser alterada respeitando esta regra, sendo de aplicação imediata, nomeadamente para o presente ano.
A redação da cláusula 10.a deverá assim ser a seguinte:
10.1) O menor passará a véspera de Natal com um dos progenitores e o dia de Natal com o outro, alternando-se este regime anualmente, sendo que no dia em que competir ao pai estar com o menor irá buscar o filho a casa da mãe às 10h, aí o entregando no dia seguinte às 10h;
10.2) No ano que competir ao pai passar o dia de Natal com o seu filho, deverá entregar o menor em casa da mãe às 19h por forma a permitir que o mesmo festeje o dia de aniversário na companhia desta, aí pernoitando;
10.3) No ano de 2017 a véspera de Natal será passada com a mãe e o dia de Natal com o pai, em conformidade com o estabelecido nos números anteriores.
Pelo que, julgamos procedente o recurso, devendo revogar a decisão recorrida.
V- DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente, por
provada, revogando a decisão recorrida, que assim é substituída pela
alteração da cláusula 10ª, que passará a ter a seguinte redação:
10.1) O menor passará a véspera de Natal com um dos progenitores e o dia de Natal com o outro, alternando-se este regime anualmente, sendo que no dia em que competir ao pai estar com o menor irá buscar o filho a casa da mãe às 10h, aí o entregando no dia seguinte às 10h;
10.2) No ano que competir ao pai passar o dia de Natal com o seu filho, deverá entregar o menor em casa da mãe às 19h por forma a permitir que o mesmo festeje o dia de aniversário na companhia desta, aí pernoitando;
10.3) No ano de 2017 a véspera de Natal será passada com a mãe e o dia de Natal com o pai, em conformidade com o estabelecido nos números anteriores.
- Custas pelo apelado (Art. 527° n.° 1 do C.P.C.).
- Notifique, com urgência (via fax ou meio mais expedito), por forma a garantir a imediata aplicabilidade do regime provisório ora estabelecido.

Lisboa, 20 de Dezembro de 2017
(Carlos Oliveira)
(Maria Amélia Ribeiro)
(Dina Monteiro)
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