Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Cível
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 - ACRL de 06-06-2017   Processo Tutelar Cível. Regulação das Responsabilidades Parentais. Tenra idade do menor.
1. Do art. 38° do Regime Geral do Processo Tutelar Cível introduzido pela Lei n° 141/2015 de 8 de Setembro e da regulação que emerge desse regime, mormente quando confrontado com a pretérita OTM (arts. 177° e 178°) resulta que o legislador pretende que seja estabelecido um regime de regulação das responsabilidades parentais, ainda que a título provisório, logo no início do processo, impondo essa fixação ao juiz e sendo esse o regime regra; isto é, só em casos muito pontuais e de exceção poderá o tribunal abster-se da fixação desse regime e, quando assim procede, em nosso entender, deve fundamentar essa omissão.
2. A salvaguarda do (supremo) interesse dos filhos é o princípio que baliza a intervenção do tribunal, constituindo o verdadeiro leitmotiv de todo o direito dos menores.
3. A tenra idade do menor (um ano e cinco meses), não justifica a fixação do regime pretendido pela mãe do menor - fixação de um regime de guarda única do menor a favor da progenitora - mas motiva, numa fase inicial do processo de regulação das responsabilidades parentais, a fixação de um regime de visitas ao progenitor com exclusão da possibilidade de pernoita do menor em casa do pai.
Proc. 106/17.7T8BRR-A.L1 1ª Secção
Desembargadores:  Isabel Maria da Fonseca - Maria Adelaide Domingos - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Processo n.° 106/17.7T8BRR-A.L1
Conclusões:
1. Do art. 38° do Regime Geral do Processo Tutelar Cível introduzido pela Lei n° 141/2015 de 8 de Setembro e da regulação que emerge desse regime, mormente quando confrontado com a pretérita OTM (arts. 177° e 178°) resulta que o legislador pretende que seja estabelecido um regime de regulação das responsabilidades parentais, ainda que a título provisório, logo no início do processo, impondo essa fixação ao juiz e sendo esse o regime regra; isto é, só em casos muito pontuais e de exceção poderá o tribunal abster-se da fixação desse regime e, quando assim procede, em nosso entender, deve fundamentar essa omissão.
2. A salvaguarda do (supremo) interesse dos filhos é o princípio que baliza a intervenção do tribunal, constituindo o verdadeiro leitmotiv de todo o direito dos menores.
3.A tenra idade do menor (um ano e cinco meses), não justifica a fixação do regime pretendido pela mãe do menor - fixação de um regime de guarda única do menor a favor da progenitora - mas motiva, numa fase inicial do processo de regulação das responsabilidades parentais, a fixação de um regime de visitas ao progenitor com exclusão da possibilidade de pernoita do menor em casa do pai.
Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa
1. RELATÓRIO
Ação De regulação das responsabilidades parentais.
Autor
Ministério Público.
Requeridos
M... e M..., progenitores do menor.
Menor
A...
Decisão
Realizou-se uma conferência de pais em 16-02-2017, não se logrando obter o acordo entre os progenitores porquanto não existe acordo relativamente à forma como serão estabelecidos os contactos entre o progenitor não residente e o menor.
Pelo Meritíssimo Juiz foi proferida a seguinte decisão:
Com cópia da petição inicial e da presente acta, nos termos do disposto nos arts. 23° e 38°, al. b) do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, suspendo a presente conferência remetendo as partes para Audição Técnica Especializada.

Nos termos do disposto no art. 38 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, considerando as alegações de violência doméstica e com vista a acautelar os contactos entre o pai e o menor e impedir os contactos directos entre os progenitores, fixo o seguinte regime provisório:
1)0 menor A..., ficará a residir provisoriamente com a progenitora, sendo as responsabilidades parentais, nas questões de particular importância, exercidas por ambos os progenitores - art. 1906, n°1 do Código Civil, com as alterações introduzidas pela Lei n° 61/2008 de 31/10.
2)0 pai poderá ver e estar com o filho em fins-de-semana alternados, desde 6a feira a 2a feira, sendo as entregas do menor realizadas e supervisionadas junto do Ponto de Encontro Família da Associação NOS no Barreiro.
Para o efeito a progenitora entregará o menor no CAFAP à 6ª feira, entre as 17:30 horas e as 18:00 horas, e o progenitor deverá entregar o menor no mesmo local á 2a feira, entre as 09:00 horas e as 09:30 horas.
3) O pai pagará a título de alimentos ao filho a quantia mensal global de €100,00 (cem euros) que entregará à mãe por via de transferência bancária, até ao final de cada mês.
Não se conformando, a mãe do menor apelou formulando as seguintes conclusões:
I. O âmbito do presente recurso fixa-se nos pontos n.° 1 e n.° 2 do regime provisório fixado pelo douto Tribunal a quo, uma vez que se defende que o mesmo não salvaguarda o superior interesse do menor A....
II. E isto sucede, desde logo, pelo facto do menor ter apenas um ano e três meses de idade.
III. A criança deverá ser qualificada juridicamente como um menor de muito tenra idade, que por essa
característica necessita de cuidados especiais que, por exemplo, uma criança de cinco ou seis anos já não necessita.
IV. Só por esta razão, um regime de pernoitas com o pai (ponto n.° 2 do regime provisório) poderia ser, desde logo,
posto em causa.
V. A acrescer, o progenitor é uma pessoa extremamente violenta, que já por diversas veszes agrediu e praticou actos de violência doméstica contra a progenitora.
Vl. Um desses actos de agressão foi praticado enquanto a progenitora dava de mamar ao bebé A..., o que sucedeu no dia 25 de Março de 2016.
VII. O progenitor é pessoa noctivaga, que adora sair à noite, e beber bebidas alcoólicas.
VIII. Desde que o A... nasceu que o progenitor passou a nunca estar em casa. Saía à noite e quando chegava de madrugada ou mesmo na manhã do dia seguinte, vinha sempre alcoolizado, dando mau viver na casa de morada de família e agredindo, verbalmente e fisicamente a progenitora.
IX Pelo que, só por aqui se demonstra o enorme risco que é confiar três pernoitas seguidas. durante um fim de semana inteiro (de sexta a segunda) a um progenitor que tem este tipo de comportamentos.
X. A acrescer, por diversas vezes o progenitor exerceu coacção sexual contra a progenitora, obrigando-a a ter relações sexuais de cópula completa, e sem o consentimento desta.
XI. Por diversas vezes o progenitor acusou a progenitora de o ter traído e de o menor A... não ser seu filho, chegando mesmo a exigir a realização de exames hematológicos que comprovassem a sua paternidade.
XII. Mas o principal problema é o progenitor ser alcoólico.
XIII. Um vício que destruiuu, por completo, o relacionamento e a paz social deste agregado familiar.
XIV. Um vício que, até à data, o recorrido não conseguiu superar e abandonar.
XV. A acrescer, o recorrido chegou também a utilizar, para sua própria recreação, drogas e estupefacientes.
XVI. Ainda, o apelado gosta igualmente de jogar em casinos, tendo já acontecido gastar, numa única noite,
dinheiro que também era da recorrente e que tinha como principal desiderato o sustento do menorÁngelo.
XVII. Em consequência dos reiterados maus tratos e agressões, a recorrente apresentou queixa crime contra o
progenitor por violência doméstica (processo crime que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, DIAP -
Secção do Montijo, proc. n. ° 865/ 16.4PAMTJ).
XVIII. Mas mesmo assim o ora apelado não deixou de praticar actos de violência doméstica contra a progenitora.
XIX Por diversas vetes deu-lhe pontapés, murros e bofetadas.
XX Algumas destas agressões ocorreram na presença do menor A….
XXI. Na loucura das suas exaltações, o progenitor chegou mesmo a pontapear o carrinho de bebé onde se encontrava o menor.
XXII. O facto do progenitor gostar de sair à noite potencia o seu vício do álcool.
XXIII. Ainda, o progenitor nunca cuidou, nem quis cuidar, do menor.
XXIV. Nunca cuidou dele um único dia ou noite, nunca lhe mudou as fraldas, nunca lhe deu banho, nunca lhe deu o biberão ou o alimentou, etc.
XXV. Ora, como pode então este progenitor tão ausente e impreparado para cuidar de um filho, passar três pernoitas com o bebé A...?Que condições pode ele dar ao menor?
XXVI. Um progenitor que quando chegava da rua, depois de andar de transportes públicos, se recusava a lavar as mãos antes de pegar no seu filho... E que se recusava a fazê-lo mesmo após a progenitora o alertar para esse facto. Que cuidados de higiene (cuidados básicos) pode este pai prestar a um bebé de um ano e três meses?
XXVII. Um pai que se recusava a transportar as roupas, biberões, comida e pertences necessários do menor afirmando não ser um burro de carga...
XXVIII. Que se recusava a pagar o que quer que fosse referente ao menor dirzendo que eu não sou o Totta.
XXIX. Por outro lado, a progenitora sempre foi a principal cuidadora e figura de referência do bebé A....
XXX. Sempre foi a progenitora que deu lhe banho, que o alimentou, que o deitava, etc.
XXXI. Por tudo o que ficou dito, torna-se claro e inequívoco que o progenitor não detém as capacidades parentais mínimas para cuidar do menor, que é um bebé de um ano e três meses de idade.
XXXII. Pelo que o progenitor não tem as condições mínimas para garantir qualquer pernoita com o menor, muito menos três pernoitas seguidas.
XXXIII. Nestes termos, constata-se ser imperioso a revogação do regime provisório fixado pelo Tribunal a quo nos seus pontos 1) e 2).
XXXIV. Peticionando-se assim a este Venerando Tribunal da Relação a revogação dos pontos 1) e 2) do referido regime provisório.
XXXV. E a sua substituição por outros que fixem: 1) aguarda única do menor a favor da progenitora; 2) e que fixem um regime de visitas do progenitor muito limitado no tempo e sem qualquer pernoita, pelo menos enquanto o menor, em razão da sua idade, for considerado de muito tenra idade.
Nestes termos e nos melhores de Direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve dar-se provimento ao presente recurso, conferindo-lhe efeito suspensivo, e requer-se a revogação do regime provisório fixado pelo Tribunal a quo, nos seus pontos 1) e 2), substituindo-os por outros que fixem a guarda única do menor A... a favor da progenitora, e que fixem um regime de visitas do progenitor muito limitado no tempo e sem qualquer pernoita.
Assim se fazendo a tão acostumada, JUSTIÇA!
O M.P. apresentou contra alegações, com as seguintes conclusões:
1. O Regime Geral do Processo Tutelar Cível introduzido pela Lei 11° 141/2015 de 8 de Setembro, no art.° 28°, n°1, estabelece que «Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar e execução efectiva da decisão».
2. A diferença de redacção entre o artigo 38°, n°1, do RGPTC e o teor do art.°178°, n°1, da OTM entretanto revogado, parece inculcar a ideia de que o legislador, ao referir-se agora expressamente à prolação de uma decisão provisório face ao desacordo dos pais, o que não acontecia no artº 178° da OTM, quis atribuir carácter de obrigatoriedade à fixação de tal regime.
3. A estipulação de um regime provisório nessas circunstâncias deve ser efectuada em função dos elementos já obtidos; dispensando uma indagação profunda sobre as condições pessoais e capacidades parentais de cada progenitor, dada a sua natureza meramente transitória, destinando-se a vigorar apenas até à decisão definitiva.
4. No caso de acesa conflitualidade entre os pais, maior importância assume tal decisão, uma ver que ao estipular algumas regras mínimas no que concerne às questões que devem ser decididas a final, poderá de certa forma mitigar o conflito parental.
5. Acresce que a decisão recorrida, ao estabelecer que nas visitas do menor ao progenitor as entregas e recolhas serão realizadas junto do Ponto de Encontro Familiar da Associação NOS do Barreiro, teve claramente como objectivo evitar os contactos (e confrontos) entre os progenitores, obviando aos constrangimentos decorrentes de tal conflito.
6. Aliás, a da progenitora de que o pai constitui um perigo para a estabilidade e segurança do menor baseia-se nas vivências que tiveram enquanto casal e numa queixa-crime por violência doméstica que ainda não foi objecto de decisão final, pelo que não se mostra suficientemente comprovada.
7. Acresce que não foram realizadas até ao momento perícias psiquiátricas, avaliações psicológicas ou outro tipo de exames que confirmem os problemas aditivos do progenitor no que se refere ao álcool, substâncias psicoactivas ou outros vícios e que a recorrente invoca.
8. Aliás, a verificarem-se tais circunstâncias, a progenitora poderia, eventualmente, lançar mão de uma providência limitativa do exercício das responsabilidades parentais, mormente um pedido de inibição do progenitor, e não fazer valer essas imputações em sede de regulação das responsabilidades parentais.
9. Por outo lado, a alegada situação de perigo para o menor não está sequer sustentada na existência de um processo de promoção e protecção instaurado ao abrigo da Lei n° 147/99 de 1 de Setembro (Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo).
10. O acto de cuidar de uma criança de um ano e três meses não exige conhecimentos especiais que estejam fora do alcance de qualquer homem médio e no pleno uso das suas faculdades, como aliás a evolução da sociedade tem demonstrado, sendo actualmente reconhecido que não é exclusiva das mães a capacidade para cuidar dos filhos de forma adequada, reivindicando os pais plena igualdade nessa matéria.
11. Pelo que, não sendo o caso de uma criança que esteja a ser amamentada, não existe, aparentemente, qualquer obstáculo real e efectivo que impeça essa partilha de responsabilidades e tarefas.
Face ao exposto, pugnamos pela improcedência do recurso interposto, mantendo-se nos seus precisos termos a decisão recorrida
O progenitor apresentou contra alegações, concluindo como segue:
I) O aqui Recorrido, é trabalhador;
II) Nunca agrediu a progenitora, pelo contrário foi isso sim agredido, não só verbalmente como fisicamente, resultando tais agressões, inclusivamente, da leitura que se faça da redação do recurso apresentado pela Recorrente;
III) Nunca exerceu coação sexual sobre a progenitora
IV) O aqui Recorrido não é alcoólico;
V) No fim do relacionamento, era a Recorrente que impedia o aqui Recorrido de ter acesso à criança; 1/1) Não é conhecido ao Recorrido, a prática de quaisquer tipo de violência quer contra a sua ex companheira quer contra quem quer que seja,
VII) A Recorrente espraia-se em meras considerações pessoais, ferida no seu ego pelo fato de o Recorrido ter acabado o relacionamento com ela;
VIII) O Recorrido, nunca provocou atos de coação sexual contra a ex companheira;
IX) Nunca o Recorrido, acusou a Recorrente de que o menor não era seu filho, caso assim o fosse: nunca o Recorrida lutaria pelos direitos do seu filho a estar com o pai e de este estar com o seu filho.
X) O Recorrido não toma drogas,
XI) O Recorrido, não frequenta os casinos pois vive do seu trabalho.
XII) O Recorrido nunca bateu na Recorrente.
XIII) O Recorrido trabalha, não tem tempo para andar em vidas noturnas.
XIV) O Recorrido, sempre quis quer tratar do seu filho menor, a Recorrente não deixa.
XV) A Recorrente, impede o Recorrido de ter acesso à criança, tendo inclusivamente escondido do Recorrido o paradeiro do mesmo e não se dignando a informar do que quer que seja a seu respeito.
XVI) O regime provisório imposto, salvaguarda o superior interesse da criança em conviver com o seu pai,
devendo-se manter na integra o imposto pelo tribunal.
Nestes termos, e nos melhores de Direito, deve manter-se na íntegra o regime provisório fixado pelo tribunal a quo''. Por domais elementar JUSTIÇA!
Cumpre apreciar.
II. FUNDAMENTOS DE FACTO
Releva o seguinte circunstancialismo, que se dá por assente ponderando o documento junto a fls. 56 dos autos e o acordo das partes:
1. A... nasceu a 8 de Dezembro de 2015.
2. É filho de M... e de M....
3. A M... é solteira e tinha, à data em que o menor nasceu, 39 anos.
4. O M... é solteiro e tinha, à data em que o menor nasceu, 30 anos.
5. O A... reside com a mãe.

III- FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras - arts. 635° e 639° do novo C.P.C. - salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito - art.° 5°, n°3 do mesmo diploma.
No caso, ponderando as conclusões de recurso, impõe-se apreciar:
- Do efeito fixado ao recurso;
- Do condicionalismo inerente à fixação de um regime provisório de regulação das responsabilidades parentais relativas ao menor;
- Da atribuição da guarda única do menor à mãe;
- Do regime de visitas fixado ao progenitor com quem o menor não reside.
2. O Meritíssimo juiz admitiu o recurso interposto nos seguintes termos:
Admito o recurso tempestivamente interposto pela requerida M... (artigo 32.°, n.° 3 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível).
A recorrente tem legitimidade (artigo 638.°, n.° 1 do Código de Processo Civil).
O recurso é de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo uma vez que é esse o regime regra dos recursos das decisões proferidas no âmbito das providências tutelares cíveis e os argumentos invocados não foram confirmados por qualquer facto, afigurando-se mais importante garantir o regime de convivência entre o pai e o filho durante a pendência do processo, sendo certo que a fixação de regime provisório é obrigatória (artigos 644.°, n.° 2, alínea i), 645.°, n.° 2, e 647.°, n.° 1, todos do Código de Processo Civil e 32.°, n.os 1 e 4 e 38.°, ambos do Regime Geral do Processo Tutelar Cível).
Notifique, instrua o recurso com as peças processuais identificadas no recurso e, após, remeta os autos ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa para apreciação.
Concorda-se com o efeito fixado ao recurso, que é, como o Meritíssimo Juiz indica, o regime regra, não se vislumbrando qualquer fundamento para postergar esse regime, acrescentando-se que a alegação da apelante não se mostra minimamente indiciada.
Assim sendo, mais não resta senão admitir a apelação nos precisos termos fixados pelo tribunal de primeira instância.
3. A regulação do exercício das responsabilidades parentais segue a tramitação a que aludem os arts. 34° a 44° do Regime Geral do Processo Tutelar Cível introduzido pela Lei n° 141/2015 de 8 de Setembro - a que aludiremos sempre que não se fizer menção de origem -, estabelecendo-se no art. 38° ([f]alta de acordo na conferência) que [s]e ambos os pais estiverem presentes ou representados na conferência, mas não chegarem a acordo que seja homologado, o juiz decide provisoriamente sobre o pedido em função dos elementos já obtidos, suspende a conferência e remete as partes para:
a) Mediação, nos termos e com os pressupostos previstos no artigo 24.°, por um período máximo de três meses; ou
b) Audição técnica especializada, nos termos previstos no artigo 23.°, por um período máximo de dois meses.
Do preceito e da regulação que emerge do regime apontado, mormente quando confrontado com a pretérita OTM (arts. 177° e 178°) resulta que o legislador pretende que seja estabelecido um regime de regulação das responsabilidades parentais, ainda que a título provisório, logo no início do processo, impondo essa fixação ao juiz e sendo esse o regime regra; isto é, só em casos muito pontuais e de exceção poderá o tribunal abster-se da fixação desse regime e, quando assim procede, em nosso entender, deve fundamentar essa omissão.
É que a possibilidade de fixação de regime provisório sempre resultaria do preceito geral vertido no art. 28°, pelo que a expressa menção à fixação desse regime, nos termos assinalados, só pode significar uma alteração de paradigma querida pelo legislador; recorde-se que no contexto de vigência da Organização Tutelar de Menores o regime provisório de regulação das responsabilidades parentais era por vezes fixado aquando da realização da conferência de pais, ao abrigo do disposto no art. 157° da OTM - [decisões provisórias e cautelares].
Assim delimitada a intervenção do tribunal, vejamos, então, do regime concretamente fixado.
4. O conteúdo das responsabilidades parentais mostra-se fixado no art. 1878° do Cód. Civil, envolvendo, essencialmente, a fixação da confiança do menor a cargo de um dos progenitores, ou de ambos - podendo ainda ser confiado a outro familiar, a terceira pessoa ou a instituição de acolhimento (art. 40°, n°1) -, a fixação de um regime de visitas - art. 40°, n°s 2, 3 e 10 - e a fixação de uma prestação de alimentos a favor do menor, ponderando o disposto no art. 1879° do Cód. Civil e os critérios a que aludem os arts. 2003° a 2007° do mesmo diploma.
Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos (art. 36°, n°5 da C.R.P.) e a separação relativamente aos pais, contra a vontade destes, pode ocorrer quando motivada no incumprimento das responsabilidades parentais (n° 6 do mesmo preceito), mediante decisão judicial e sempre tendo em vista a salvaguarda do (supremo) interesse dos filhos, princípio que baliza a intervenção do tribunal - afirma-se, recorrentemente, que esse é o verdadeiro leitmotiv de todo o direito dos menores.
O que aqui se discute, ponderando as conclusões de recurso, prende-se com a fixação do exercício em comum das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância e o regime de visitas fixado relativamente ao pai do menor, uma vez que foi determinado que o menor resida com a mãe.
A atribuição do exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho é o regime regra que emerge dos n°s 1 e 2 do art. 1906° do Cód. Civil. E, nos termos do art. 1906°, n°5 do mesmo diploma, o tribunal deve fixar a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com outro. O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles - n°7.
A apelante entende que o regime fixado não salvaguarda os interesses do menor apontando diversas razões.
Começa por indicar que o menor é de muito tenra idade pelo que necessita por isso de cuidados especiais; só por esta razão um regime de pernoitas com o pai (ponto n°2 do regime provisório) poderia ser posto em causa (cfr. III e IV conclusões).
Não se discute que o menor, atualmente com 1 ano e cinco meses, é de tenra idade o que, a par da circunstância de sempre ter vivido com a mãe - ao que resulta do processo -, terá justificado a fixação da residência junto da mãe, que será a figura primária de referência.
No entanto, daí não decorre que se justifique a atribuição da guarda única do menor a favor da progenitora, como esta pretende, inexistindo motivo para afastar o pai da tomada de decisões relativamente ao menor e à sua vida, devendo o progenitor ser coresponsabilizado pelo processo de educação do seu filho, não relevando, nessa sede, a idade da criança. Efetivamente, seja o menor de tenra idade ou adolescente, é manifesto que o legislador quis que ambos os progenitores exercessem, em igualdade, as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho, assim contribuindo para o seu desenvolvimento harmonioso.
Já quanto ao regime de visitas fixado ao pai entendemos que a tenra idade do menor aconselha a que, pelo menos nesta fase e até porque o menor só agora estará a retomar o convício com o pai, essas visitas não incluam a pernoita do menor com o progenitor, pernoita que envolve um conjunto de rotinas que devem por enquanto ser asseguradas pela mãe, pessoa que até agora cuidou do menor e com quem este tem, necessariamente, uma relação de maior proximidade.
Registe-se que, no caso em apreço, a apelante insurge-se contra a decisão e propugna a sua revogação mas não sugere em concreto a fixação de qualquer outro regime de visitas, limitando se a requerer que se fixe um regime de visitas muito limitado no tempo e sem qualquer pernoita, pelo menos enquanto o menor, em razão da sua idade, for considerado de muito tenra idade.
Aceitando-se que o menor não pernoite em casa do pai, quanto ao mais deve fixar-se um período de visitas que suporte um efetivo contacto e relacionamento do menor com o pai, tendo-se por equilibrado determinar que as visitas se processem, aos sábados e domingos, entre as 10:00 da manhã e as 18:00 da tarde, no mais se mantendo a decisão, quer quanto ao local de entrega da criança quer quanto à alternatividade de fins-de-semana.
Em suma, não podemos ter esse elemento - idade da criança - como elemento preponderante de aferição para, em primeiro lugar, afastar o regime regra que emerge do Código Civil para a fixação conjunta do exercício das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância e, depois, para afastar o menor do convívio regular com o progenitor, aceitando-se apenas que, nesta fase, esse convívio com o pai em fins-de-semana alternados, como foi fixado, não inclua a pernoita do menor em casa do pai.
5. Só assim não seria se a personalidade e o modo de vida do progenitor fossem suscetíveis de incutir receio pelo bem-estar físico e psíquico da criança, enfim, se o progenitor, pelas suas características pessoais, evidenciasse inaptidão para cuidar do seu filho, comprometendo o seu normal e saudável crescimento.
E nesse contexto que a apelante alega que o progenitor:
- É uma pessoa violenta, tendo já agredido a apelante, que apresentou queixa-crime contra o mesmo; o pai do menor exerceu ainda coação sexual sobre a apelante obrigando-a a ter relações sexuais de cópula completa e sem consentimento desta;
- É alcoólico e consome drogas e estupefacientes;
- [G]osta igualmente de jogar em casinos, tendo já acontecido gastar, numa única noite, dinheiro que também era da recorrente e que tinha como principal desiderato o sustento do menor;
- O pai do menor nunca cuidou do mesmo, um único dia ou noite.
Acontece que o apelado, pai do menor, impugnou todas estas imputações, inexistindo qualquer elemento no processo que permita julgar minimamente indiciada a prática, pelo pai do menor, de qualquer dos apontados comportamentos.
Assim sendo, não pode esse circunstancialismo ser valorado nos moldes pretendidos pela apelante, improcedendo as conclusões de recurso.

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, mantendo o efeito fixado ao recurso, determina-se que o pai poderá ver e estar com o filho em fins-de-semana alternados, aos sábados e domingos, desde as 10:00 às 18:00 horas, de cada um desses dias, devendo para o efeito ambos os progenitores entregar o menor na Associação indicada, no mais se mantendo a decisão.
Custas pelos progenitores, em partes iguais.
Notifique.
Lisboa, 6 de junho de 2017
(Isabel Fonseca)
(Maria Adelaide Domingos)

DECLARAÇÃO DE VOTO
PROC. N° 106/17.7T8BRR-A.L1- VISTO N.° 39/2017 (2)
Litigar em Juízo é uma actividade que assume, ao mesmo tempo, uma enorme relevância ética e, pelas consequências que dela decorrem, uma profunda importância social, daí que tenha de ser assumida com a maior responsabilidade.
Acontece, porém, que, dada a muito especial função institucional que lhes cabe desempenhar (e que está prevista, desde logo, nos n°s 1 e 2 do art.° 202° da Constituição da República), esse dever ético de
responsabilidade é ainda mais acentuado no que respeita aos Juízes.
E é por isso que o acto de julgar, ainda que o Julgador esteja integrado num Colectivo (aí a vontade final é a resultante - o compósito - das vontades individuais de cada um dos membros que o compõem), tem de ser um acto solitário.
E porque assim é, é natural que as distintas mundivisões e motivações (jurídicas e não jurídicas - estas tanto quanto as mesmas são admissíveis, mas sendo certo que juridicamente o são porque, reconhecidamente, os Juízes não são
máquinas robotizadas) de cada julgador acabem por sobressair quando os casos em apreço o justificam.
Como é o caso dos litígios inerentes à regulação das responsabilidades parentais, especialmente quando se trata de crianças de tenra idade (cujas capacidades autónomas de defesa são menores do que, por exemplo, as dos adolescentes).
Cada ser humano (e os Juízes são-no, sem margem para dúvidas) é uma criatura única e irrepetível, sendo, portanto, natural (e quiçá até desejável) que não sejam uniformes as percepções que cada um deles tem quer do Real quer também da Hierarquia de Valores ou Princípios Éticos que estruturam e dão consistência ao tecido social comunitário em que se inserem.
Daí que, apesar de concordar com o regime de visitas definido no acórdão de que esta declaração também faz
parte nomeadamente porque, estando, como é reconhecido por todos os intervenientes no processo, o menor só agora a retomar o convívio com o pai, a pernoita daquele com o seu progenitor masculino envolveria para o A... uma muito significativa e perturbadora alteração das rotinas que até aqui têm sido asseguradas pela mãe e, na idade que este ainda tem, o frágil equilíbrio emocional das crianças torna necessária urna grande estabilidade e tranquilidade no ambiente social envolvente, pelo que dormir num espaço físico diferente daquele que lhe é habitual - que poderá facilmente ser percepcionado como estranho e não seguro -, e que, ainda por cima, lhe é imposto por razões dificilmente compreensíveis para ele, poderia tomar-se uma violência que não é nem ética nem socialmente exigível que o menor tenha de suportar), tenha o subscritor como necessário acrescentar algo mais ao texto dessa deliberação.
Como é óbvio, não se ignora (nem tal se podia - art°s 6° e 8° n.° 2 do Código Civil) o que se encontra estatuído nos art°s 23° e 38° b) do RGPTC aprovado pela Lei n.° 141/2015, de 8 de Setembro, e mais exactamente o conteúdo deste último normativo, sendo certo que o que realmente está em causa neste recurso é a fixação do regime provisório de regulação das responsabilidades parentais que, de acordo com o estatuído no corpo do art.° 38° antes citado, precede a remessa das partes para a ATE.
Mas, para além disso, a verdade é que também não se pode deixar de assinalar que até o art.° 6° n.° 1 do CPC em vigor estabelece que Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às
partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual-que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável e que este tipo de processos continuam a ser de jurisdição voluntária (art.° 12° do RGPTC), aplicando-se, portanto, aos mesmos o estatuído no art.° 987° daquele já aludido CPC 2013.
E, por essa razão, é muito custoso e difícil constatar quão fácil se mostra delegar as funções de soberania de que nenhum Juiz deveria abdicar ou deixar de exercer (recorda-se que no art.° 23° do RGPTC a expressão-chave é O juiz pode... ').
E como custoso e difícil é ver como não foram investigadas nestes autos as acusações feitas pela ora apelante ao pai do seu filho (e que deram origem, como consta deste árido e lacunar processado de recurso subido em separado, a um processo de inquérito ao qual foi atribuído o n.° 865/16.4PAMTJ).
Efectivamente, nestes autos nada - mas mesmo nada - existe que comprove essas alegações mas também nada existe que as infirme.
E essa ausência de prova tolhe (tolheu em concreto) o poder de cognicão desta Relacão (ou, pelo menos, o do subscritor),.
Repare-se que nestes autos não está em causa o julgamento de uma acusação penal (processos nos quais o princípio governante é o in dublo pro reo) mas sim uma acção em que, por meio de actos concretos e não apenas por palavras, se cura de proteger o concreto superior interesse do menor A..., que nasceu no dia 8 de dezembro de 2015.
Deste modo e sem com isso violar qualquer sisudo segredo de justiça, talvez tivesse sido útil que o Requerente da acção em que foi proferida a decisão recorrida (o Ministério Público) carreasse para esses autos (e para este apenso) alguma informação mais não seja documental acerca da situação descrita tanto nessa acção como naquele outro inquérito.
Ao contrário da Judicatura que é corporação composta por pequenas ilhas de soberania (aquele poder de cognição e aquela área de competência que cada Juiz isoladamente tem), o Ministério Público é uma organização hierarquizada que pode e deve permitir contactos horizontais e verticais.
Afinal, podendo dar origem a vários processos de diferentes espécies, nas situações como a espelhada nesta instância recursiva existe apenas uma única relação material (e humana) controvertida - isto é, um único conflito - para a (o) qual tem de ser encontrada uma solução.
Claro que a Requerida, ora apelante, que na Conferência de Pais que teve lugar em 16/02/2017 estava patrocinada por uma Ilustre Advogada (que, todavia, não é a Ilustre Mandatária que subscreve as alegações de recurso - mas ignorando-se se exercem ou não a sua actividade no mesmo escritório), bem poderia ter procedido à junção de outros elementos de prova e não o fez.
E essa inércia acaba por prejudicar o A... (que, repete-se, nasceu no dia 8 de dezembro de 2015).
De facto, se o Juiz do processo tivesse aquilatado, logo no inicio da tramitação do processo, se existia algum fumo de verdade nas imputações feitas pela apelante ao pai do seu filho, não apenas o julgamento poderia ser bem melhor fundamentado, como também os interesses do menor teriam sido melhor acautelados.
Porque, de umas uma, ou essas agressões, essa vida imprópria de quem tem um filho da idade do A... para cuidar e essa ausência de preocupação e cuidado com a vida do filho correspondem à realidade e, então, até o prudente e sensato o regime de visitas agora fixado é violador do elementar direito da crianca à segurança e até à saúde física e mental, ou essas imputações são falsas e, nesse caso, são não apenas os direitos do filho {nomeadamente o de poder conviver, de forma saudável, com ambos os progenitores) mas igualmente os direitos/deveres de progenitor do, pai estarão a ser total, injusta e perigosamente postergados, porque as acusações corresponderão a um acto de egoísmo pérfido e imperdoável da mãe.
E isso deveria ter sido minimamente apurado já nesta fase inicial do processo. Exactamente porque é o equilíbrio mental, emocional e físico do menor que está em causa.
Em todo o caso, na dúvida, tem obrigatória e inderrogavelmente que decidir-se a favor dos menores, como aqui se fez.
Espera-se, todavia, que o julgamento agora feito seja revisto, então (como é exigível) com acrescida fundamentação em matéria de facto, logo que se mostre concluído o procedimento de Audição Técnica Especializada que foi determinado no processo sem oposição das partes - ou, se antes (o que sinceramente se
duvida que alguma vez poderia ocorrer mas que corresponde a uma hipótese que ontologicamente tem de ser admitida como possível), logo após a conclusão do inquérito n.° 865/16.4PAMTJ referenciado no requerimento inicial da acção apresentado pelo Ministério Público.
Finalmente, estas declarações complementares assentam ainda no pressuposto de que, na idade que o A... tem e face à intensidade do conflito que existe entre os progenitores, as consequências de um erro de julgamento são devastadoras, pelo que nenhum risco pode/deve ser corrido, nomeadamente por alguém que tem as responsabilidades institucionais e sociais (ou melhor, ético-sociais) inerentes ao exercício da função de Juiz, e bem assim na ideia de que, nessa idade, dois meses com limitações no contacto com o pai não são para o filho, de maneira alguma, um desastre irrecuperável.
Lisboa, 06/06/2017
(Eurico José Marques dos Reis)
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