Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Laboral
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 - ACRL de 22-03-2017   Leis do orçamento do estado. Imperatividade das normas. Interesse público.
1 - As normas imperativas das Lei do Orçamento do Estado (LOE) para 2011, 2012 e 2013, impõem, por razões de relevante interesse público prosseguido através do esforço de consolidação orçamental, a suspensão da contagem do tempo para efeito de diuturnidades e o não pagamento das mesmas durante o período de vigência dessas leis.
2 - Sendo as referidas normas da LOE para os anos de 2011, 2012 e 2013, de caráter imperativo, elas sobrepõem-se e não podem ser afastadas ou modificadas, quer pela regulamentação coletiva, quer pelos contratos de trabalho.
3 - Estamos face a normas absolutamente imperativas, justificadas pelo já referenciado interesse público, que se sobrepõem necessariamente às cláusulas correspondentes da regulamentação coletiva aplicável bem como aos próprios contratos individuais de trabalho, durante o referido período temporal de vigência das referidas leis.
4 - As referidas normas, face ao objectivo que prosseguem, não colocam em causa o núcleo essencial do direito à contratação colectiva, razão pela qual não violam o direito à contratação colectiva constante do art. 59° n° 3 da CRP.
Proc. 268/16.0T8LSB 4ª Secção
Desembargadores:  Claudino Seara Paixão - Maria João Romba - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
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Proc. N° 268/16.0T8LSB.L1
Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:
RELATÓRIO
O S… intentou acção declarativa, sob a forma do Processo Comum, contra C..., S.A., pedindo que se declare que, por força das cláusulas dos AE's outorgados entre as partes, relativas a diuturnidades, se devem considerar as vencidas no período de 7 de Maio de 2012 a 4 de Dezembro de 2013, sempre que se tenha completado o prazo de 5 anos de antiguidade na empresa, desde o vencimento da anterior e até ao máximo estabelecido de 6 diuturnidades, sendo a primeira paga em dobro, o que perfaz o valor de 7, devendo o seu pagamento operar-se imediatamente após o dia 5 de Dezembro de 2013, relativamente aos trabalhadores seus associados a quem seja devido, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento da diuturnidade até efectivo e integral pagamento.
Alegou, em síntese, que: (i) por força dos Instrumentos de Regulamentação Colectiva de Trabalho outorgados entre as partes, os trabalhadores da ré têm direito a diuturnidades por cada cinco anos de antiguidade na empresa, até ao máximo de 6, vencendo-se a primeira em dobro; (ii) as diuturnidades vencem-se no dia em que cada trabalhador complete cada período de cinco anos de antiguidade; (iii) a ré sempre cumpriu a aludida regra, mas, invocando orientações da tutela emergentes da aplicação das Leis do Orçamento de Estado n. 55-A/2010, de 31 de Dezembro, 64-B/2011, de 30 de Dezembro, e 66-B/2012, de 31 de Dezembro, atendendo à sua natureza de empresa de capitais exclusivamente públicos, deixou de pagar aos seus trabalhadores as diuturnidades que se venceram entre o dia 7 de Maio de 2012 e o dia 4 de Dezembro de 2012; (iv) para além de assim ter procedido, a ré deixou, igualmente, de contar o tempo decorrido para vencimento das diuturnidades, anulando, para efeitos de vencimento das diuturnidades, todo o tempo decorrido entre as referidas datas; (v) não se questionando o não pagamento das diuturnidades vencidas naquele período, questiona-se, contudo, o entendimento da ré no sentido de ter existido, simultaneamente, a suspensão do decurso do prazo para vencimento das diuturnidades; (vi) tendo cessado a causa para o não pagamento das diuturnidades - como cessou com a ré por força da sua privatização - as mesmas têm de, desde então, passar a ser imediatamente pagas desde que, entretanto, tenha decorrido o prazo de cinco anos para o seu vencimento; (vii) as Leis do Orçamento de Estado que fundaram o não pagamento das diuturnidades não contêm qualquer norma que permita concluir que o prazo para o vencimento das diuturnidades era objecto de suspensão; (viii) as normas das Leis do Orçamento de Estado que proibiram as valorizações remuneratórias tinham carácter restritivo pelo que nunca das mesmas se poderia retirar, sob pena de violação dos princípios constitucionais da protecção da confiança, da proporcionalidade, da justiça e da igualdade, bem como o princípio da irredutibilidade da retribuição e da eficácia da contratação colectiva, a suspensão do prazo para efeito de vencimento de diuturnidades; (ix) a conduta da ré, ao tentar aproveitar-se, para o futuro, enquanto empresa privada, de uma norma restritiva de direitos aplicada em dada conjuntura a trabalhadores do Estado ou do seu sector empresarial, constitui abuso de direito.
Teve lugar a audiência de partes a que alude o artigo 54.°, do Código de Processo Trabalho, não se tendo logrado a conciliação entre as partes, tendo logo sido designada data para realização da audiência de discussão e julgamento.
Regularmente citada, a ré contestou, alegando, em síntese, que: (i) foi comunicado aos trabalhadores que as diuturnidades vencidas a partir de 7 de Maio de 2012 seriam suspensas por terem sido enquadradas no conceito de valorização remuneratória, proibida pelas Leis do Orçamento de Estado, sendo que, por via da privatização, o pagamento das diuturnidades vencidas a partir de 7 de Maio de 2012 deixaria de estar suspenso, passando as mesmas a ser pagas, sem efeitos retroactivos, a partir de 5 de Dezembro de 2013, mas não relevando para efeitos de vencimento de novas diuturnidades o tempo decorrido entre as referidas datas; (ii) de acordo com as Leis do Orçamento de Estado sucessivamente vigentes, o tempo de serviço prestado durante a vigência das lei orçamentais por todos os trabalhadores abrangidos por aquela proibição de valorizações remuneratórias não é contado para efeitos de promoção e progressão, em todas as carreiras, cargos e, ou, categorias, incluindo as integradas em corpos especiais, bem como para efeitos de mudanças de posição remuneratória ou categoria nos casos em que estas apenas dependam do decurso de determinado período de prestação de serviço legalmente estabelecido para o efeito; (iii) as mudanças de posição remuneratória ou de categoria nos casos em que estas apenas dependam do decurso de determinado período de prestação de serviço abrange, de forma directa e imediata, o tempo de serviço inerente à antiguidade para efeitos do regime de diuturnidades.
Conclui pela improcedência da acção, devendo, em conformidade, ser absolvida do pedido.
Notificado da contestação da ré e dos documentos apresentados com a referida peça processual, veio o autor pronunciar-se quanto ao valor probatório dos referidos documentos.
Foi realizada uma audiência prévia, na qual as partes mantiveram as posições assumidas nos respectivos articulados.
As partes acordaram nos factos que entenderam relevantes para a aplicação do direito, tendo prescindido da produção de qualquer outro meio de prova.
Foi proferido despacho saneador e, entendendo-se que os autos continham já todos os elementos tendentes à prolação de decisão de mérito, foi elaborada a sentença na qual se proferiu a seguinte decisão:
Por tudo quanto se deixou exposto, o Tribunal julga a presente acção improcedente e, por conseguinte, absolve a ré de todos os pedidos que, na mesma, eram, pelo autor, formulados.
Não são devidas custas por do seu pagamento estar isento o autor, que decaiu (art. 4. ° n.° 1, al. f), do Regulamento das Custas Processuais).
O S..., inconformado, interpôs o presente recurso, cujas alegações termina com as seguintes
CONCLUSÕES:
1. Nos autos, de acordo com a pretensão colocada à apreciação do tribunal de 1ª instância, importava saber se era legítima a conduta da ré / recorrida de não contar o tempo decorrido entre 07.05.2012 e 04.12.2013 (inclusive), para efeitos de vencimento de novas diuturnidades, com invocação de normas das Leis do Orçamento de Estado n°s 55-A/2010, 64-B/2011 e 66-B/2012.
2. Tendo a sentença recorrida julgado improcedente a ação, absolvendo a ré / recorrida, são 3 as questões que submetemos à apreciação deste Venerando Tribunal, a saber: i) a norma do n° 9 do artigo 24° da Lei n° 55-A/2010 (LOE) - e as normas similares constantes das LOE n°s 64-B/2011 e 66-B/2012 - subordinada ao título de Proibição de valorizações remuneratórias pode ser lida como consubstanciando suspensão da contagem do tempo com efeitos futuros, como se entende na sentença recorrida?; ii) E se a resposta for positiva, colide ou não essa interpretação com os princípios constitucionais? iii) E, em qualquer caso, se a conduta da ré/recorrida, ao tentar aproveitar-se para o futuro, já enquanto empresa privada, de uma norma restritiva de direitos aplicada em dada conjuntura aos trabalhadores do Estado ou do seu setor empresarial, constituirá ou não flagrante e até chocante abuso de direito, com as consequências dali decorrentes?
3. Tomaremos como assente a matéria de facto fixada na sentença recorrida, que não merece censura.
4. Ao contrário do entendimento expresso na sentença recorrida a norma do no 9 do art. 24° da Lei n° 55-A/2010 - LOE (e as normas similares constantes das LOE n°s 64-13/2011 - art° 20°- e 66-B/2012 - art°s 27° e 35°-) não consubstancia suspensão da constituição de direitos com repercussão e efeitos futuros, porquanto em nenhuma das normas de tal diploma legal se deixa sequer entreaberta a porta a tal interpretação, sendo que da leitura do citado no 9 do art° 24/prct. conjugada, aliás, com a do n° 1, a única coisa que se pode retirar é que o tempo conta apenas no período em causa.
5. Acresce que, tais medidas, vulgarmente conhecidas como cortes salariais/prct. sempre foram justificadas pelo seu caráter transitório e limitado, na crença de que, findo o período de intervenção da chamada Troika, tudo voltaria a ser como dantes.
6. Acresce ainda que, contrariamente ao consignado na sentença recorrida, com a solução sustentada pelo autor / recorrente não há qualquer aumento exponencial da despesa pública, porque não são peticionadas na presente ação quaisquer quantias a título retroativo, mas apenas e só a partir do momento em que cessou a aplicação à Ré / recorrida, por ter sido privatizado o seu capital, das citadas LOE.
7. Em suma, nada daquelas normas permite retirar que o prazo para o vencimento do direito era objeto de suspensão e de que os eventuais efeitos sobreviveriam para além da vida útil de tais normas, quer por força do termo da sua vigência legal, quer por força de uma empresa ter deixado de se enquadrar no âmbito subjetivo das normas, mormente, como aconteceu com a ré / recorrida, devido à sua privatização.
8. Pelo que, tendo assentado a sentença recorrida na existência do pressuposto da suspensão da constituição de direitos, que se não verifica, deve ser revogada, com as legais consequências, condenando-se a ré nos pedidos deduzidos na ação.
Sem prescindir:
9. A interpretação e aplicação efectuada pelo Tribunal a quo das citadas normas das LOE (art° 24°, n° 9, da Lei n° 55-A/2010, art° 20°, n°s 1, 5 e 16, da Lei n° 64- B/2011, e art°s 27° e 35° da Lei n° 66-B/2012), nos termos constantes da sentença recorrida aos trabalhadores da Ré / recorrida, viola, de forma flagrante, o princípio constitucional e legal da irredutibilidade da retribuição, por violação do art. 129°, 1, al, d) do CT e art. 59°, 1, al. a) da CRP.
10. O direito à retribuição abrange todas as suas partes componentes, sendo um direito irrenunciável e está intrinsecamente conexo com o princípio da dignidade da pessoa humana (constitucionalmente consagrado, para além do mais, nos art°s 1° e 2° e previsto no art° 1° da Declaração Universal dos Direitos do Homem).
11. Acresce que, constituindo o princípio da irredutibilidade da retribuição um direito fundamental apenas pode ser restringido nos termos previstos no art. 18.° da CRP. O que, manifestamente, não ocorre no caso presente.
Por outro lado:
12. A interpretação/aplicação efectuada pelo Tribunal a quo das citadas normas das LOE (art° 24°, n° 9, da Lei n° 55-A/2010, art° 20°, n°s 1, 5 e 16, da Lei n° 64-B/2011, e art°s 27° e 35° da Lei n° 66-B/2012), nos termos constantes da sentença recorrida aos trabalhadores da Ré / recorrida, viola, igualmente, os princípios constitucionais e legais da protecção da confiança, da proporcionalidade, da justiça e da igualdade, estabelecidos nosl°, 2°, 13° e 18° da CRP.
13. Dos citados princípios constitucionais decorre que ao Estado não se exige só que respeite os direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagradas, mas que também garanta a sua efetivação, donde também resulta que a interpretação efectuada pela sentença recorrida no sentido da produção de efeitos para o futuro, para além de frustrar as legítimas expetativas dos cidadãos, é violadora da concreta conformação dos instrumentos de tutela da retribuição.
14. Acresce que, tais normas com o sentido e alcance que lhe foram atribuídas na sentença recorrida - que deu aval à interpretação/ aplicação efetuada pela ré / recorrida no mesmo sentido - restringem, de forma manifesta e ilegal, direitos fundamentais com proteção constitucional, porquanto não é respeitadora do estabelecido nos n°s 2 e 3 do art. 18° da CRP.
15. Acresce ainda que, a imposição dos denominados cortes na retribuição com efeitos não só durante a sua vigência, mas também para o futuro, validada pela interpretação / aplicação da sentença recorrida, é violadora do princípio da igualdade, porquanto teve como único critério a qualificação sócio - profissional dos destinatários, quando obviamente, o invocado interesse público a existir, exigiria que aqueles abrangessem todas as categorias de trabalhadores.
16. Por isso, a interpretação / aplicação das normas ajuizadas das LOE efetuada na sentença recorrida é inconstitucional dada a sua desproporcionalidade e o seu carácter excessivamente oneroso, distante do carácter transitório e da `justa medida, que consta das decisões do Tribunal Constitucional e da motivação das próprias normas e que deve presidir a quaisquer sacrifícios impostos pelo Estado aos cidadãos e aos trabalhadores.
Por outro lado, ainda:
17. A interpretação / aplicação efectuada pelo Tribunal a quo com recurso ao instituto jurídico da suspensão da constituição de direitos colide de forma flagrante com o disposto no art. 19° da CRP, dado que não se mostram preenchidos os requisitos legais previstos no seu n° 1.
18. Acresce que, mesmo uma medida (restritiva) transitória e excepcional, como é a consagrada nas normas em apreço, jamais poderá produzir efeitos ad eternum, como acontece com interpretação / aplicação efetuada na sentença, uma vez que, nesse entendimento, o tempo não contado para efeitos de diuturnidades não mais poderá ser recuperado no futuro, atento o princípio do Estado de Direito Democrático e da dignidade da pessoa humana.
Finalmente:
19. A entender-se - como entende a Senhora Juíza a quo - que as normas das LOE que temos vindo a apreciar produzem efeitos para além do momento da cessação da causa que as determinou, então ficaria irremediavelmente posto em causa o direito à negociação / contratação colectiva, em violação do disposto nos art°s 56°, n°s 3 e 4, da CRP.
20. Assim, o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, violou, de forma grave, os princípios de justiça, da protecção da confiança, da proporcionalidade, da igualdade, da irredutibilidade da retribuição, do direito à contratação colectiva e da suspensão de direitos em conflito, consagrados nos art.°s 1°, 2°, 13°, 18°, 19°, 56° e 59° da Constituição da República Portuguesa. Ilegalidade e inconstitucionalidades essas que aqui se invocam para todos os efeitos legais, que sempre deverão determinar a revogação da sentença.
Ainda sem prescindir:
21. Mas se assim se não vier a entender e se venha a considerar que as normas das LOE em apreciação devem ser interpretadas no sentido de conferirem o direito à ré / recorrida ao não pagamento das diuturnidades aos seus trabalhadores, nos termos peticionados pelo autor, então essa conduta constituirá abuso de direito, nos termos do art. 334° do C. Civil.
22. A ré / recorrida é, atualmente, uma sociedade comercial de direito privado, que tem como objetivo primacial a obtenção do lucro.
23. Daí que, inexista qualquer justificação razoável para que a ré / recorrida, na sua nova qualidade de empresa privada, aplique normas das LOE - que visaram apenas o saneamento financeiro do Estado Português, face às alegadas dificuldades de solver os compromissos com a dívida pública e com o funcionamento da administração pública - recusando-se a pagar as diuturnidades nos termos reclamados na presente ação, obtendo com isso um elevado benefício económico, a que não tem legitimamente direito, por ser infundado e irrazoável e por exceder, manifestamente, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
24. Assim, também com este fundamento, deve a sentença recorrida ser revogada e, em consequência, deve a Ré ser condenada nos precisos termos da petição inicial. O que se requer seja declarado, com as legais consequências.
A Ré/Recorrida contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso. Remetidos os autos a este Tribunal da Relação foram colhidos os vistos legais. Cumpre apreciar e decidir.
As questões que emergem das conclusões do recurso, tal como o Recorrente as configura, são as seguintes:
1) a norma do n° 9 do artigo 24° da Lei n° 55-A/2010 (LOE) - e as normas similares constantes das LOE n°s 64-B/2011 e 66-B/2012 - subordinada ao título de Proibição de valorizações remuneratórias - pode ser lida como consubstanciando suspensão da contagem do tempo com efeitos futuros, como se entende na sentença recorrida?
2) E se a resposta for positiva, colide ou não essa interpretação com os princípios constitucionais da irredutibilidade da retribuição, da protecção da confiança, da proporcionalidade, justiça e igualdade e, ainda, do direito à contratação colectiva, bem como do disposto no art. 19° da CRP?
3) E, em qualquer caso, se a conduta da ré/recorrida, ao tentar aproveitar-se para o futuro, já enquanto empresa privada, de uma norma restritiva de direitos aplicada em dada conjuntura aos trabalhadores do Estado ou do seu setor empresarial, constituirá ou não flagrante e até chocante abuso de direito, com as consequências dali decorrentes?
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Estão assentes, por acordo das partes, os seguintes factos:
1. O autor é uma associação sindical, legalmente constituída, cujos estatutos, na sua redacção actual, foram aprovados em 18 de Dezembro de 2006 e se encontram publicados no BTE, 1.a série, n.° 4, de 29 de Janeiro de 2007.
2. O autor representa 4720 trabalhadores da ora ré.
3. O ora autor tem vindo a outorgar, ao longo de mais de 30 anos, Instrumentos de Regulamentação Colectiva de Trabalho, mais propriamente Acordos de Empresa (AE), com a ré, entre os quais, e com relevo, os seguintes:
(i) o publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.° 44 de 29.11.1990;
(ii) o publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.° 21, de 08.06.1996;
(iii) o publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.° 30 de 15.08.2000;
(iv) o publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.° 29, de 08.08.2004;
(v) o publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.° 27, de 22.07.2006;
(vi) o publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.° 1, de 08.01.2010;
(vii) o publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.° 15, de 22.04.2013; e,
(viii) o publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.° 8, de 28.02.2015.
4. A ré teve a seguinte evolução ao longo dos tempos:
(i) pelo DL n.° 49 368, de 10 de Novembro de 1969, foi criada a empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal (C...);
(ii) pelo DL n.° 87/92, de 14 de Maio, passou a ser uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos denominada C..., S.A.;
(iii) pelo DL n.° 277/92, foi operada a cisão entre os Correios e as Telecomunicações passando a ré a ter a denominação de C... S.A;
(iv) finalmente, em 23.07.2013, foi aprovada em Conselho de Ministros a privatização da ré, concretizada em 05.12.2013, ficando com a denominação actual - C..., S.A. - regendo-se desde então pelas regras do código comercial e demais legislação aplicável às empresas privadas.
5. Por força dos Instrumentos de Regulamentação Colectiva de Trabalho (IRCT) outorgados a partir dos inícios dos anos 80 pelo autor e pela ré, os trabalhadores desta têm direito a diuturnidades por cada 5 anos de antiguidade na empresa, até ao máximo de 6, vencendo-se a primeira em dobro;
6. As diuturnidades vencem-se no dia em que cada trabalhador complete cada período de cinco anos na antiguidade.
7. O que a ré, por regra, sempre cumpriu.
8. Invocando orientações da tutela emergentes da aplicação das Leis do Orçamento de Estado n°s 55-A/2010, de 31/12, 64-B/2011, de 30.12, e 66-B/2012, de 31.12, atendendo à sua natureza de empresa de capitais exclusivamente públicos, a ré deixou de pagar aos seus trabalhadores as diuturnidades que se venceram entre o dia 07.05.2012 e o dia 04.12.2013.
9. E deixou também de contar o tempo decorrido para vencimento das diuturnidades.
10. A proibição de valorizações remuneratórias teve início na ré após 7 de maio de 2012 e não logo desde 1 de Janeiro de 2011, esta a data do início da vigência da proibição que corresponde à entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2011.
11. E só teve início em 7 de Maio de 2012 em virtude de a ré ter procurado junto do Governo clarificar a questão da aplicação da mesma proibição às diuturnidades, o que só veio a ocorrer definitivamente - ultrapassadas que foram as distintas visões da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças e da Inspecção-Geral de Finanças - com o Despacho n.° 1135/13-SET, de 4 de Junho de 2013, da Secretária de Estado do Tesouro, que aceitou a não aplicação da proibição até àquela data de 7 de maio de 2012, tudo conforme se extrai do extracto do teor desse Despacho, constante de fls. 85 a 94, dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
12. A ré informou os seus trabalhadores, seja sobre os termos e as conclusões desse processo de clarificação da aplicação às diuturnidades da proibição de valorizações remuneratórias, seja sobre os efeitos da caducidade de tal proibição resultante da privatização daquela em 4 de Dezembro de 2013, tal como se extrai dos documentos juntos a fls. 95 a 99, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
13. A ré, através do Comunicado do Conselho de Administração n.° 17, de 5 de Dezembro de 2013 - a fls. 97 a 99 - comunicou aos seus trabalhadores que «[a]s diuturnidades vencidas a partir de 7 de maio de 2012 foram suspensas por terem sido enquadradas no conceito de valorização remuneratória, proibida pelas LOE2011, LOE2012 e LOE2013. Com a privatização, o pagamento das diuturnidades vencidas a partir de 7 de Maio de 2012 deixará de estar suspenso, passando a ser pagas, sem efeitos retroactivos, a partir de 5 de Dezembro de 2013, não relevando para efeitos de vencimento de novas diuturnidades o tempo decorrido entre as referidas datas».
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Antes de mais importa referir que a sentença recorrida analisou de forma superior e muito aprofundada todas as questões que a Recorrente pretende ver reanalisadas no âmbito deste recurso, a qual não merece qualquer reparo.
A 1a questão acima enunciada, tem como pressuposto fáctico saber se o tempo decorrido entre 7.05.2012 a 4.12.2013, durante o qual a empresa C..., SA, por ter natureza jurídica de empresa pública, foi legalmente proibida de efectuar valorizações remuneratórias, nomeadamente de contar diuturnidades, releva, após o fim de tal proibição, por efeito da privatização daquela em 4 de Dezembro de 2013, para o vencimento da diuturnidade seguinte, seja a que se teria vencido durante essa proibição, seja a que se vence posteriormente.
Relativamente a esta questão a decisão recorrida depois de analisar a evolução do estatuto jurídico da Ré, a regulamentação colectiva que a vincula relativamente a diuturnidades, a natureza jurídica destas, bem como as pertinentes normas dos art. 19° e 24° da Lei do Orçamento de Estado para 2011 (Lei no 55-A/2010) e bem assim, as normas similares do no 5 do art. 20 da Lei do Orçamento para 2012 (Lei no 64-B/2011) e do no 12 do art. 35° da Lei do Orçamento para 2013 (Lei no 66-B/2012), concluiu o seguinte:
No presente caso, e como vimos, sobreveio a vigência de normativos que proibiram valorizações remuneratórias - maxime, as directamente dependentes da antiguidade na prestação do serviço dos trabalhadores -, aos quais foi conferida especial prevalência sobre quaisquer outras normas, especiais ou excepcionais, e sobre instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e contratos de trabalho, não podendo, por conseguinte, ser afastado ou modificado pelos mesmos.
Cumpre, todavia, notar que as sucessivas Leis do Orçamento de Estado vigentes não se quedaram pela mera proibição das valorizações remuneratórias; mais do que isso, vieram expressamente prever que o tempo de serviço prestado pelos sujeitos directamente afectados pelas normas em causa - como o eram os trabalhadores de empresas públicas - não seria, no decurso da sua vigência, contado para efeitos de promoção e progressão, em todas as carreiras, cargos e, ou categorias, incluindo as integradas em corpos especiais, bem como para efeitos de mudanças de posição remuneratória ou categoria nos casos em que estas apenas dependessem do decurso de determinado período de serviço legalmente estabelecido para o efeito (cfr., o art. 24.°, n.° 9, da Lei n.° 55-A/2010, de 31 de Dezembro, o art. 20.°, ns. 1, 5 e 16, da Lei n.° 64-B/2011, de 30 de Dezembro, e os arts. 27.° e 35.°, da Lei n.° 66-B/2012, de 31 de Dezembro).
Vale o exposto por dizer que foi introduzida, por força dos citados normativos, uma causa suspensiva de constituição de direitos que, porventura, e comportando valorizações remuneratórias - como o eram as diuturnidades - se vencessem no decurso de vigência das Leis do Orçamento de Estado, causa suspensiva essa que tem por efeito, como da sua natureza decorre, a impossibilidade de proceder à contagem do tempo decorrido enquanto se verificar a sua causa determinante. Em rigor, todo o tempo decorrido no período de vigência da proibição de valorizações remuneratórias é inutilizado para efeito de vencimento de direitos e apenas retoma a sua contagem cessada que seja essa proibição.
Compreende-se a solução legislativa adoptada: se subjacente à ratio dos preceitos em causa estava a contenção e mesmo a redução da despesa pública não faria sentido que, simultaneamente, se não previsse um mecanismo que obviasse a que, finda a proibição das valorizações remuneratórias, a despesa pública aumentasse exponencialmente por mero efeito da constituição e concentração, neste momento, de todos os direitos que, porventura, se tivessem vencido no período de vigência da proibição.
Em face, pois, de tudo quanto se deixou exposto, não poderá deixar de considerar-se ser lícita a postura assumida pela ré ao não proceder à contagem, para efeito de vencimento de diuturnidades, de todo o tempo decorrido entre 7 de Maio de 2012 e 4 de Dezembro de 2013.
Na verdade, não obstante o direito às diuturnidades encontrar suporte nos instrumentos de regulamentação colectiva aplicáveis, certo é que, por força da vigência das Leis do Orçamento de Estado, foi introduzido um facto impeditivo ao seu vencimento, prevalecente, do ponto de vista da hierarquia das normas jurídicas, sobre a contratação colectiva, facto impeditivo esse que apenas insubsistiu oponível em virtude de as partes terem deixado de integrar o universo dos sujeitos jurídicos pelo mesmo afectados, o que ocorreu a partir de 5 de Dezembro de 2013, data em que a ré foi privatizada, deixando, por conseguinte, de integrar o sector empresarial do Estado. Até à emergência desse facto, contudo, subsistem válidas, na medida em que, ao tempo, aplicáveis, as normas que proibiram as valorizações remuneratórias, bem como, e fundamentalmente, as que previram a suspensão do decurso do tempo decorrido enquanto as mesmas vigoraram, que, assim, se tem por totalmente inutilizado, para os efeitos que, por via da presente acção, se pretendem fazer valer.
O Apelante, porém, discorda deste entendimento essencialmente por entender que a norma do n° 9 do art. 24° da Lei n° 55-A/2010, LOE para 2011 (e as normas similares das LOE para 2012 e para 2013) não permitiriam tal interpretação, nada fazendo prever que os eventuais efeitos sobreviveriam para além da vida útil de tais normas, que as mesmas tinham carácter transitório e limitado no tempo e que no pedido do Autor não haveria qualquer aumento exponencial de encargos para a despesa pública.
O n° 9 do art. 24° da Lei n° 55-A/2010 (bem como a norma similar das LOE de 2012 e de 2013) estabelece o seguinte:
O tempo de serviço prestado em 2011 pelo pessoal referido n° n° 1 (entre os quais os trabalhadores das empresas públicas, como era o caso da Ré, até à sua privatização em 4.12.2013) não é contado para efeitos de promoção e progressão, em todas as carreiras, cargos e ou categorias, incluindo as integradas em corpos especiais, bem como para efeitos de mudanças de posição remuneratória ou categoria nos casos em que estas apenas dependam do decurso de determinado período de prestação de serviço legalmente estabelecido para o efeito.
De acordo com o disposto no art. 9° do Cód. Civil - que estabelece os princípios a que deve obedecer o intérprete - A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade o sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (n° 1 da citada disposição.)
Com este limite, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso; além disso, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n°s 2 e 3 da mesma disposição).
O facto de o art. 9° afirmar que a reconstituição do pensamento legislativo deve fazer-se a partir dos textos não significa, de modo nenhum, que o intérprete não possa ou não deva socorrer-se de outros elementos para esse efeito, nomeadamente do espírito da lei (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, em anotação ao art. 9°), ou seja, do elemento racional ou teleológico - ratio legis.
A ratio legis é, justamente, o elemento da interpretação que estabelece o contacto entre a lei e a vida real, conferindo-lhe uma plasticidade que lhe permite não só disciplinar novas situações como carregar-se de sentidos novos, com que se vai acomodando a novas necessidades práticas e a novos ideais de justiça (Manuel A. Domingues de Andrade, Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, pág. 22).
A interpretação feita pela sentença recorrida do no 9 do art. 24° da LOE para 2011 (bem como do no 5 do art. 20° da LOE para 2012 e no 12 do art. 35° da LOE para 2013), - de que o tempo de serviço prestado durante a vigência das referidas leis não conta para efeitos de vencimento de diuturnidades - está consentânea com as regras de interpretação expostas, e o sentido dado à norma em causa, sem deixar de ter a necessária correspondência verbal com a letra da lei, tem fundamento no elemento racional e teleológico e no contexto histórico em que a referida lei foi elaborada.
De facto, o não pagamento de diuturnidades e a suspensão da contagem do tempo para o vencimento de novas diuturnidades, no período de vigência das Leis do Orçamento de Estado para 2011, 2012 e 2013, eram medidas que, entre outras, se inseriam na necessidade imperiosa de contenção ou redução da despesa pública, numa situação de verdadeira emergência nacional.
E esta finalidade seria aniquilada se, findo o período transitório de ajustamento, a despesa, em vez de evoluir progressivamente como evoluiria antes da proibição de valorizações remuneratórias, aumentasse exponencial e imediatamente por efeito da concentração, nesse momento, do vencimento de todos os aumentos sujeitos a contenção durante o período de proibição.
Assim não colhe a interpretação pretendida pelo recorrente, de que, finda a aplicação das referidas Leis, o que para a Ré aconteceu a partir de 4.12.2013, por efeito da sua privatização, o tempo entretanto decorrido contaria para efeitos de vencimento de diuturnidades, quer as vencidas durante o período de proibição, quer as que se vencessem posteriormente.
E não se argumente, como faz o Apelante, com o carácter transitório e limitado das referidas leis. Pois, não está em causa que a proibição de valorizações remuneratórias fosse transitória ou temporária, tanto assim, que a Apelada retomou, logo desde 5 de Dezembro de 2013, todas as valorizações remuneratórias vigentes antes de tal proibição, incluindo a relativa a diuturnidades, como aliás está bem explícito no ponto 13 da matéria de facto provada.
A sentença recorrida fez, pois, correcta interpretação e aplicação da norma do n° 9 do art. 24 da LOE para 2011 e das normas similares das LOE para 2012 e 2013.
Quanto à questão das inconstitucionalidades
O Apelante alega que a interpretação e aplicação feita pela sentença recorrida das já citadas normas das leis do Orçamento do Estado (n° 9 do art. 24° da Lei no 55-A/2010 de 31.12, art. 20 n° 1, 5 e 16 da Lei no 64-13/2011 de 30.12 e art. 27° e 35° da Lei n° 66-13/2012 de 31.12), viola os princípios constitucionais da irredutibilidade da retribuição, da protecção da confiança, da proporcionalidade, justiça e igualdade e, ainda, do direito à contratação colectiva.
A sentença recorrida apreciou de forma muito aprofundada cada uma das invocadas inconstitucionalidades concluindo pela conformidade constitucional das supra referidas normas das LOE para 2011, 2012 e 2013, na perspectiva em que determinam a não contagem do tempo, durante o período de vigência dessas normas, para efeitos de vencimento de diuturnidades.
Louvou-se a decisão recorrida na jurisprudência do acórdão do Tribunal Constitucional no 396/2011, publicado no DR, II, de 17/10/2011, que se pronunciou pela não inconstitucionalidade das (...) das normas constantes dos artigos 19.' 20. ° e 21. ° da Lei n. ° 55 -A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2011), que embora tendo feito uma apreciação daquelas normas na perspectiva das reduções remuneratórias por elas determinados, esse julgamento de conformidade constitucional tem perfeita aplicação, por maioria de razão, ao objecto desta causa, de não incrementos remuneratórios decorrentes da suspensão dos prazos para o seu vencimento.
A propósito do princípio da confiança previsto no art. 2° da CRP, a sentença conclui o seguinte:
Com efeito, num contexto de contenção e redução de despesa, as medidas de suspensão de vencimento de direitos no decurso da vigência das proibições impostas pelas Leis do Orçamento de Estado visaram - e visam, ainda - a salvaguarda de um interesse público que deve ser tido por prevalecente - e cujo desiderato resultaria frustrado caso, findas as proibições, o universo dos sujeitos pelas mesmas afectados vissem renascidos nas respectivas esferas jurídicas todos os direitos que, porventura, na sua vigência se houvessem vencido, como se estas proibições nunca tivessem vigorado - daí que se conclua não estarmos perante uma desprotecção da confiança constitucionalmente desconforme.
Em sentido idêntico se pronunciou também o Ac. TC n° n°353/2012, que expressamente afastou essa inconstitucionalidade da norma do art. 21 ° da referida LOE/2012, embora reportada às medidas de redução remuneratória aí previstas, mas com perfeita aplicação ao caso vertente em que estão em causa não incrementos remuneratórios devido à não contagem do tempo para efeitos de diuturnidades.
Em resumo esse acórdão diz o seguinte: «para que uma situação de confiança seja merecedora de tutela à luz do subprincípio da proteção da confiança, é necessário: i) em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados `expectativas' de continuidade; ii) depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; iii) em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do `comportamento' estadual; iv) por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa.
Ora não pode razoavelmente duvidar-se de que as medidas de redução remuneratória constantes do referido art. 21 ° da LOE/2012 visam a salvaguarda de um interesse público que deve ser tido por prevalente, razão decisiva para rejeitar a alegação de que estamos perante uma desprotecção da confiança constitucionalmente desconforme».
Quanto ao princípio da proporcionalidade, com assento no art. 18° n° 3 da CRP (e seus subprincípios da adequação, da necessidade e de proporcionalidade em sentido estrito), a sentença recorrida afirma:
Na verdade, a par da contenção e redução da despesa - com efeitos, em maior ou menor grau, imediatos - surge como necessária a implementação de medidas que, a posteriori, garantam a consolidação orçamental, mormente colocando os sujeitos pela mesma afectados, maxime os sujeitós da obrigação, a coberto de um esforço,financeiro que, em rigor, e como já referido, poderia vir neutralizar o sacrifício decorrente das denominadas medidas de austeridade, podendo, a muito curto prazo, demandar a tomada de medidas de idêntica natureza (redução de retribuições) que, no ver do tribunal, são deveras mais gravosas que as emergentes da não contagem do tempo de serviço para efeito de vencimento de direitos, designadamente, as diuturnidades.
Finalmente, a não contagem do tempo de serviço não pode, no entendimento do tribunal, considerar-se excessiva ou desproporcional, em face das dificuldades a que visa responder, ao que acresce, naturalmente, o seu carácter transitório e, por conseguinte, o esforço em minorar, o mais possível, o sacrifício imposto aos sujeitos afectados.
Relativamente ao princípio da igualdade previsto no art. 13° da CRP, a sentença depois de explanar a doutrina sobre o princípio da igualdade à luz da fundamentação do já citado Ac. do TC no 386/2011, escreve:
Não se antevê, face à fundamentação constante do Aresto do Tribunal Constitucional, razão válida para que à mesma se não adira, cumprindo salientar que a apreciação da questão que nos foi trazida a julgamento não pode ser, pela simples razão de a ré ter sido transformada em empresa de capitais privados - logo, deixado de estar abrangida pelo universo dos sujeitos que poderiam implementar as medidas orçamentais -, desligada do momento temporal em que as normas aplicáveis vigoraram.
E, ponderando esse lapso temporal, não se nos afigura que os associados do autor estejam, quando comparados com os demais trabalhadores de entes privados, a ser tratados deforma desigual.
Na verdade, é necessário ponderar que, à época, a ré era uma empresa pública, logo, dependente, em elevada medida, de dotação pública, tendo os seus trabalhadores sido abrangidos pela categoria de cidadãos a quem foi pedido um esforço adicional, na medida em que, reflexamente, retribuídos por verbas públicas.
Neste contexto, há, desde logo, uma situação de facto que, materialmente, justifica a desigualdade de tratamento.
Por outro lado, ficou por demonstrar - porquanto não alegado em termos .factuais - em que medida, e por força da privatização da ré, ficaram os associados do autor numa situação de desigualdade perante os demais trabalhadores de entes privados não sujeitos às medidas de redução/contenção de despesa porquanto não foi dada notícia que estes, naquele lapso de tempo, tenham visto incrementada a sua retribuição, maxime, pela via que, aqui, é reclamada.
O princípio da igualdade demanda apreciação concreta, alicerçada em juízos de facto muito circunstanciados, por forma a que, na análise comparativa dos mesmos, o tribunal possa ajuizar, convenientemente, da sua violação. Por força do que vem de ser exposto, a mera invocação, em abstracto, da violação do dito princípio constitucional não é suficiente para que, em consciência, se conclua pela sua violação.
Quanto ao princípio da irredutibilidade da retribuição, a sentença refere o seguinte:
Conforme se ponderou no Acórdão do Tribunal Constitucional que temos vindo de citar, o que consubstancia direito fundamental é o a direito à retribuição, e direito de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias, como é pacífico na doutrina e este Tribunal tem também afirmado (çfr., por exemplo, o Acórdão n. ° 620/2007). Mas uma coisa é o direito à retribuição, outra, bem diferente, é o direito a um concreto montante dessa retribuição, irredutível por lei, sejam quais forem as circunstâncias e as variáveis económico-financeiras que concretamente o condicionam. Não pode, assim, entender-se que a intocabilidade salarial é uma dimensão garantística contida no âmbito de protecção do direito à retribuição do trabalho ou que uma redução do quantum remuneratório traduza uma afectação ou restrição desse direito.
Inexistindo qualquer regra, com valor constitucional, de directa proibição da diminuição das remunerações e não sendo essa garantia inferível do direito fundamental à retribuição, é de concluir que só por parâmetros valorativos decorrentes de princípios constitucionais, em particular os da confiança e da igualdade, pode ser apreciada a conformidade constitucional das soluções normativas em causa».
A conformidade constitucional da solução normativa emergente das Leis do Orçamento de Estado com os princípios da confiança, igualdade e proporcionalidade, foi já, acima, analisada, razão pela qual nos escusamos de, novamente, aqui a enunciar.
Inexistindo, assim, um direito, constitucionalmente garantido, que proíba a diminuição da retribuição, não pode assim afirmar-se, que, nesta perspectiva, a ré tenha directamente infringido direito dessa natureza ao não contar, para efeito de vencimento de diuturnidades, todo o tempo decorrido entre 7 de Maio de 2012 e 4 de Dezembro de 2013.
Saliente-se, uma vez mais, que não estamos, in casu, perante a supressão de uma componente salarial cujo direito estivesse já constituído na esfera jurídica dos associados do autor. Estamos, ao invés, perante um incremento remuneratório - diuturnidades - que teria tido lugar caso inexistisse facto impeditivo para o seu vencimento. Tal facto impeditivo ocorreu, inutilizando, pelo período em que vigorou, todo o tempo que, em princípio, contaria para efeito de vencimento de diuturnidades.
Não é, pois, por esta via, de conceder procedência ao pedido formulado pelo autor.
Também quanto à violação do direito da contratação colectiva (art.56° nº 3 da CRP) é muito clara a fundamentação da sentença recorrida a que também aderimos na sua totalidade.
Acrescentaremos apenas que também sobre a mesma questão se pronunciou o Tribunal Constitucional no seu acórdão no 187/2013, publicado no Diário da República, 1.' série - n.° 78 - 22 de Abril de 2013, embora a propósito de normas de redução remuneratória constantes da Lei n.° 66-B/2012 (LOE para 2013), onde, a dado passo, se escreve:
O direito à autonomia contratual coletiva, apesar de constitucionalmente colocado sob reserva de lei, implica que não possa deixar de haver um espaço abrangente de regulação das relações de trabalho que se encontre submetido à disciplina contratual coletiva, o qual não pode ser aniquilado por via normativo-estadual. Sendo este direito garantido anos termos da lei», tal significa que a lei não pode deixar de delimitá-lo de modo a garantir-lhe uma eficácia constitucionalmente relevante, havendo sempre de garantir uma reserva de convenção coletiva, ou seja, um espaço que a lei não só não pode vedar à contratação coletiva, como deve confiar a esta núcleos materiais reservados (cfr. Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., pág. 745).
Assim configurada, a questão a resolver consistirá então em saber se o legislador ordinário, ao retirar à regulamentação coletiva uma certa matéria - no caso, a possibilidade de fixar para a retribuição do trabalho normal um valor distinto daquele que resulta da aplicação das medidas orçamentais consagradas para o ano de 2013 nos artigos 27. ° e 29. ° todos da Lei n. ° 66-B/2012 - veio reduzir de tal modo aquele espaço da autorregulação constitucionalmente garantido que põe em causa a possibilidade de realização do direito de contratação coletiva (acórdão n. ° 94/92). Considerando a atendibilidade do interesse público prosseguido através do esforço de consolidação orçamental -ponto que mais detidamente desenvolveremos no âmbito da ponderação implicada nos princípios da proteção da confiança e da igualdade - não parece que da obrigação que ao legislador ordinário constitucionalmente se impõe de deixar sempre um conjunto minimamente significativo de matérias aberto à negociação coletiva possa extrair-se um argumento para a invalidação constitucional do caráter necessariamente imperativo das normas orçamentais que, com base naquele interesse público, impõem, a título excecional e transitório, a redução do valor anual da retribuição dos trabalhadores do setor público.
Subtrair ao âmbito da negociação coletiva a faculdade de derrogar o regime consagrado nas normas em questão, não só constitui a condição que torna tais normas aptas a prosseguir o fim a que se dirigem, como não representa uma intromissão nos núcleos materiais reservados que o legislador ordinário se encontra constitucionalmente obrigado a não excluir do âmbito material da reserva de contratação coletiva.
Esta jurisprudência tem perfeita aplicação ao presente caso, em que estão em causa normas imperativas das LOE para 2011, 2012 e 2013, que impõem, por razões de relevante interesse público prosseguido através do esforço de consolidação orçamental, a suspensão da contagem do tempo para efeito de diuturnidades e o não pagamento das mesmas durante o período de vigência dessas leis.
Como bem refere a sentença recorrida quando o legislador comum está a impedir que a contratação colectiva possa contrariar norma legal imperativa, embora esteja a reduzir o espaço de auto-regulação das partes não está a pôr em causa o conteúdo essencial desse direito, pois há uma justificação material para essa proibição, que se prende com o respeito pela hierarquia das fontes de direito.
E sendo as referidas normas da Lei do Orçamento do Estado para os anos de 2011, 2012 e 2013, de caráter imperativo, elas sobrepõem-se e não podem ser afastadas ou modificadas, quer pela regulamentação coletiva, quer pelos contratos de trabalho.
E não podemos esquecer o disposto no artigo 478.°, número 1, alínea a) do Código do Trabalho de 2009, (anteriormente, no mesmo sentido, artigos 533.° do Código do Trabalho de 2003 e 6.° da Lei dos Instrumentos de Regulamentação Coletiva (Decreto-Lei n.° 591-C 1 /79, de 29/12), que estabelece que O instrumento de regulamentação coletiva de trabalho não pode: (a) Contrariar norma legal imperativa.
Estamos, portanto, face a normas absolutamente imperativas, justificadas pelo já referenciado interesse público, que se sobrepõem necessariamente às cláusulas correspondentes da regulamentação coletiva aplicável bem como aos próprios contratos individuais de trabalho, durante o referido período temporal de vigência das referidas leis.
Conclui-se, assim, que as referidas normas, face ao objectivo que prosseguem, não colocam em causa o núcleo essencial do direito à contratação colectiva, razão pela qual não violam o direito à contratação colectiva constante do art. 59° n° 3 da CRP.
O Apelante invoca, ainda, numa alegação nova nunca anteriormente feita, a violação do art. 19° n° 1 da CRP, dizendo que, nos termos deste artigo, a suspensão de direitos só pode acontecer em caso de estado de sítio ou de estado de emergência, declarados na forma prevista na Constituição.
Acontece que não está em causa a suspensão de direitos, liberdades e garantias constitucionais, por efeito do estado de sítio ou do estado de emergência, mas apenas e s só a conformidade constitucional da proibição de valorizações remuneratórias com os limites impostos pelos n° 2 e 3 do art. 18° da Constituição às restrições por acto legislativo de direitos fundamentais.
Razão pela qual se não verifica a referida inconstitucionalidade
Conclui-se, pois, pela conformidade constitucional das supra referidas normas das LOE para 2011, 2012 e 2013, as quais, na interpretação feita pela sentença recorrida, não ofendem nenhum dos referidos princípios constitucionais invocados pelo recorrente.
Improcede, assim, o recurso quanto a todas e cada uma das alegadas inconstitucionalidades.
Quanto ao abuso de direito
Alega o Apelante que a Apelada estaria a actuar em abuso de direito ao tentar aproveitar-se, para o futuro, já enquanto empresa privada, de uma norma restritiva de direitos aplicada em dada conjuntura aos trabalhadores do Estado e do seu sector empresarial.
Também sobre esta questão é inquestionável a bondade da decisão recorrida que depois de sintetizar os requisitos do abuso de direito previsto no art. 334° do Código Civil, conclui que a actuação da Ré não configura uma situação de abuso de direito, e explica:
A actuação (da Ré) encontra amparo nas sucessivas Leis do Orçamento vigentes e aplicáveis, ao tempo, à relação laboral com os seus trabalhadores, sendo que logo que deixou de se enquadrar no universo dos sujeitos abrangidos por aquelas leis curou de respeitar, no que ora importa, o que resultava dos instrumentos de regulamentação colectiva aplicáveis.
Vale o exposto por dizer que inexiste qualquer facto de onde, legitimamente, se possa extrair estar a ré a aproveitar-se, para o futuro, das leis que estabeleceram proibições de valorizações remuneratórias pela simples razão de ao tempo em que as mesmas vigoraram lhe serem aplicáveis.
Doutro passo, da privatização da ora ré não pode, salvo melhor entendimento, extrair-se qualquer efeito retroactivo, mormente raciocinar-se como se, para si, aquelas normas nunca tivessem existido.
Finalmente, cumpre ponderar que o legislador não fez depender a eficácia das referidas normas de qualquer vicissitude que não fosse a cessação da sua vigência, cessação essa que tanto pode emergir da circunstância da sua revogação ou da ausência de previsão idêntica -já que se tratam de normas com perfil transitório - como da circunstância de os sujeitos pela mesma afectados terem deixado, por facto superveniente, de estar abrangidos pela sua previsão (como sucedeu no caso em apreço, atendendo à privatização da ré) .
Concordando inteiramente com esta fundamentação também nós concluímos que
a actuação da Ré, a que alude o ponto 13 da matéria de facto provada, não configura
qualquer tipo de abuso de direito.
Improcede, na sua totalidade, o recurso interposto pelo Autor, sendo de confirmar na íntegra a sentença recorrida que, aliás, está superiormente elaborada e merece a nossa total concordância.

DECISÃO:
Pelo exposto, acordam na 4ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em
julgar improcedente o recurso e confirmar integralmente a sentença recorrida. Sem custas por delas estar isento o Recorrente (art. 4° n° 1 al. f) do Regulamento das custas Processuais).

Lisboa, 22 de Março de 2017
Claudino Seara Paixão
Maria João Romba
Paula Sá Fernandes
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