Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Cível
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 - Sentença de 23-05-2005   Execuções por coima. Competência dos juízos de execução.
Os juízos de execução, nas circunscrições onde se encontrem instalados, são competentes para exercer, no âmbito do processo executivo regulado pelo Código de Processo Civil, as competências previstas neste Código, independentemente da origem e natureza do respectivo título executivo, com as ressalvas expressas nos artigos 81.º alínea f), 82.º n.º 1, alínea e) e 85.º, alínea n), todos da LOFTJ.
Neste entendimento, os Juízos de execução de Lisboa são os competentes para conhecer das vulgarmente designadas execuções por coima.

NOTA - Esta jurisprudência é subscrita pela quase totalidade dos Desembargadores da Relação, tendo sido proferidas até ao momento várias dezenas de decisões idênticas. De todos os Desembargadores da área cível (mais de meia centena) apenass são conhecidos dois que a não subscrevem.
Proc. 5891/05 7ª Secção
Desembargadores:  Vaz das Neves - - -
Sumário elaborado por Boaventura
_______
RECURSO N.º 5891/2005 – 7.ª SECÇÃO
Agravante: MINISTÉRIO PÚBLICO
Agravado: R.....
Proc. n.º 430/2004, 2.º juízo de execução, 1.ª secção, Lisboa
Ao abrigo do disposto no artigo 705.º do Código de Processo Civil passo a proferir decisão sumária, sem necessidade de inscrição do processo em tabela.
I. RELATÓRIO
O MINISTÉRIO PÚBLICO junto dos juízos de execução de Lisboa, intentou acção executiva contra R...., identificado nos autos, apresentando como título executivo a condenação, em processo de contra-ordenação, em coima no valor de € 500 e custas no montante de € 44,50, por decisão proferida pela Autoridade Marítima Nacional, Capitania do Porto de Sines, tudo no valor de €
544,50. Esta decisão não foi judicialmente impugnada pelo que se tornou definitiva.
O Mmo Juiz da 1.ª Instância, em despacho fundamentado, considera que os juízos de execução não são competentes, em razão da matéria, para a tramitação destas acções e, em consequência, absolveu o executado da instância executiva.
É desta decisão que pelo Ministério Público vem interposto o presente recurso, o qual foi devidamente admitido como agravo.
O agravante apresentou alegações de recurso, formulando conclusões em que defende que a competência material para a prossecução destes autos de execução é dos juízos de execução de Lisboa.
O Mmo Juiz da 1.ª Instância manteve a decisão recorrida.
Cumpre apreciar e decidir.
II. OS FACTOS E O DIREITO
1
É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 690.º e 684.º n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil).
Atendendo aos argumentos defendidos na decisão recorrida e nas alegações de recurso, é manifesto que estamos apenas perante uma questão de direito que consiste na interpretação de normas jurídicas. É desta interpretação que havemos de concluir quais são as execuções para as quais são competentes os juízos de execução criados pelo Decreto-Lei n.º 148/2004, de 21 de Junho.
Para este efeito consideraremos, essencialmente, as normas dos artigos 64.º n.º 2, 77.º n.º 1, alínea c), 96.º n.º 1, alínea g), 97.º n.º 1, alínea b), 102.º-A, 103.º e 121.º-A, todos da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, e artigos 90.º a 95.º do Código de Processo Civil, cuja redacção, no âmbito da reforma da acção executiva, foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março.
Embora o objecto deste recurso se circunscreva ao título executivo em causa (coima e custas resultantes de decisão proferida por autoridade administrativa – Governo Civil de Lisboa – em processo de contraordenação), afigura-se-nos útil, para uma melhor compreensão da decisão final, analisar, ainda que sucintamente, o regime vigente para as execuções.
Há que considerar, em primeiro lugar, que o principal objectivo da reforma da acção executiva foi o de libertar os tribunais que declaram o direito da actividade executiva, sendo propósito confesso do legislador atribuir as questões executivas aos juízos de execução, segundo o princípio da especialização, libertando os demais tribunais que declaram o direito, independentemente da jurisdição (cível ou penal).
1. O artigo 96.º n.º 1, alínea g), da LO T, prevê a possibilidade de serem criados juízos de execução enquanto juízos de competência específica. E alguns desses juízos foram criados pelo Decreto-Lei n.º 148/2004, de 21 de Junho, cabendolhes exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no Código de Processo Civil (artigo 102.º-A da LOFT).
Tendo em consideração as normas estabelecidas nos artigos 64.º n.º 2, 77.º n.º 1, alínea c), 96.º n.º 1, alínea g), 97.º n.º 1, alínea b), 102.º-A, 103.º e 121.º-A, todos da LOFTJ, e artigos 90.º a 95.º do Código de Processo Civil, desde já adiantamos que, em nosso entender, neste momento, em todas as circunscrições onde existam juízos de execução instalados, as acções executivas, sejam elas da espécie de matéria cível ou penal – aqui se devendo apenas considerar a execução patrimonial das decisões proferidas e não a competência do tribunal criminal no que respeita à pena propriamente dita aplicada, como por exemplo a passagem de mandados de captura ou substituição de uma pena de multa por dias de trabalho ou pagamento da multa em prestações –, deverão ser intentadas nesses juízos de execução, a não ser que a lei expressa e excepcionalmente preveja para situações concretas competência diferente para essas execuções.
E, como adiante veremos, existem situações excepcionais em que a lei expressamente retira dos juízos de execução, mesmo nas situações e nas circunscrições em que estes se encontram instalados.
Não podemos deixar de considerar que a lei [artigo 96.º n.º 1, alínea g), da LOFT e Decreto-Lei n.º 148/2004, de 21 de Junho], ao criar os juízos de execução não fez qualquer distinção sobre a sua competência em matéria cível ou criminal, não havendo por isso que fazer qualquer distinção nesta parte, ao contrário do que é entendido na decisão recorrida.
Contrariamente ao que se verificava nas normas vigentes da LOFT até à data da entrada em vigor do pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, em que se prescrevia que os tribunais de competência especializada e de competência específica eram os competentes para executar as suas próprias decisões, na actual redacção dos artigos 77.º n.º 1, alínea c), 103.º e 102.º-A da LOFT, o legislador expressamente limita, quer aos tribunais de competência genérica quer aos tribunais de competência especializada e de competência específica – aqui se devendo incluir as varas cíveis, as varas criminais, as varas mistas, os juízos cíveis, os juízos criminais, os juízos de
pequena instância cível e os juízos de pequena instância criminal – a sua competência para a execução das decisões que hajam proferido, ao dizer expressamente que tal só ocorrerá «nas circunscrições não abrangidas pela competência dos juízos de execução» e acrescentando-se que estes «são competentes para exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no Código de Processo Civil».
A decisão recorrida não questiona as execuções fundadas em decisões cíveis. Mas entendemos que também não há razão para questionar as execuções fundadas em decisões criminais porquanto a lei não atribui aos tribunais de competência específica criminal – nem aos de competência específica cível – competência exclusiva para neles se executarem as próprias decisões, sejam elas indemnizações cíveis, sejam multas criminais, cabendo assim a competência aos juízos de execução instalados na respectiva circunscrição. Daqui decorre, como regra geral, que sempre que numa determinada circunscrição se encontrem instalados juízos de execução, são estes os competentes para prosseguirem com a execução fundada quer em título executivo resultante de
decisão judicial quer em qualquer outro título executivo. É que, afastada a regra estabelecida pela anterior redacção do artigo 103.º da LOFT, segundo a qual os tribunais de competência especializada e os tribunais de competência específica eram os competentes para executar as suas decisões, a competência para a execução destas decisões passou agora para os juízos de
execução. E a lei não distingue a proveniência da execução: cível, criminal, laboral, contraordacional ou qualquer outra. Neste particular há apenas que atender, perante um caso concreto e uma situação concreta, ao que para tal se encontre especialmente regulado.
2. Como podemos ver, na redacção das normas dos artigos 77.º n.º 1, alínea c), 97.º n.º 1, alínea b), 102.º-A e 103.º, todos da LOFTJ, fala-se sempre em «competências previstas no Código de Processo Civil».
Na decisão recorrida considerou-se que a expressão «competências previstas no Código de Processo Civil» se deve entender apenas como sendo uma referência à aplicação directa das normas do processo previsto naquele diploma adjectivo e não à sua aplicação por via de remissão prevista noutros diplomas. E conclui depois que nesta situação as competências previstas no Código de Processo Civil devem coincidir com as execuções previstas no Código de Processo Civil, não deixando tais acções de ser execuções especiais às quais são apenas aplicadas as regras estabelecidas para o processo comum de execução.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, não concordamos com esta interpretação.
É certo que a expressão «competências previstas no Código Processo Civil» talvez não seja a mais feliz e possa até causar alguma ambiguidade na medida em que no Código de Processo Civil nos deparamos com vários tipos de competências como é o caso da competência internacional, da competência interna em razão da matéria da hierarquia e do território.
No que respeita à competência em razão da matéria dos tribunais judiciais, o Código do Processo Civil no seu artigo 66.º define-a por exclusão de partes: «São da competência dos tribunais judiciais as causa que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional». Mas esta competência, rigorosamente, encontra-se regulada não no Código de Processo Civil mas nas leis de organização judiciária (LOFT), nos termos do disposto no artigo 67.º do Código de Processo Civil.
Consideramos assim que, no âmbito da competência dos tribunais de competência genérica, tribunais de competência especializada e específica e juízos de execução, quando se fala em «competências previstas no Código de Processo Civil» se deve considerar que estamos perante uma competência territorial destes tribunais ou juízos, designadamente a que vem consagrada nos artigos 90.º a 95.º do Código de Processo Civil.
E nesta perspectiva, assente que em razão da matéria um tribunal é competente para prosseguir com uma acção executiva, haverá então que saber qual dos tribunais judiciais é o competente para a execução em concreto. E esta questão, como já atrás deixámos dito, resolve-se através da regra geral de que a competência é dos juízos de execução nas circunscrições onde eles esteja instalados ou de outros tribunais de competência genérica, especializada ou específica conforme as situações concretas especialmente previstas que, em nosso entender, neste momento são as
seguintes:
a) Os Tribunais de competência genérica, de competência especializada e de
competência específica quando nas suas circunscrições não existam
juízos de execução instalados [artigos 77.º n.º 1, alínea c), 97.º n.º 1,
alínea b), e 103.º, todos da LOFT].
b) As execuções especiais por alimentos (artigos 1118.º e segs. do Código
de Processo Civil), as quais, por força do disposto nos artigos 81.º, alínea
f) e 82.º n.º 1, alínea e) da LOFTJ, continuam a ser da competência dos
Tribunais de Família.
c) As execuções fundadas nas decisões dos tribunais do trabalho ou em
outros títulos executivos que consignem a obrigação de pagamento de
quantias no âmbito das competências próprias de tais tribunais [artigo 85.º,
alínea n), da LOFTJ e artigos 89.º a 98.º do Código do Processo do
Trabalho].

3. No que respeita à execução baseada no título executivo proveniente de uma decisão proferida por autoridade administrativa em processo de contra-ordenação, embora estejamos perante matéria que não é cível, não vemos qualquer razão para não ser também da competência dos juízos de execução. E, essencialmente, por duas ordens de razões.
Em primeiro lugar, face ao disposto no artigo 89.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, é aplicável a esta execução, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Penal sobre a execução por multa e nestas circunstâncias deverá aplicar-se o mesmo regime que é aplicável à execução por multa criminal. E não estando atribuída competência a qualquer tribunal em especial, essa competência é dos juízos de execução (artigos 102.º-A e 103.º da LOFT).
Em segundo lugar, considerando que por força do disposto no artigo 89.º n.º 2 do DL 433/82, do artigo 491.º n.º 1 e 2 do Código de Processo Penal e do artigo 117.º n.º 1 do Código das Custas Judiciais, as execuções por coimas seguem os termos do processo comum de execução regulado no Código de Processo Civil, passam, por força da regra geral decorrente do artigo 102.º-A da LOFTJ, a ser da competência dos juízos de execução.
4. Em conclusão, entendemos que os juízos de execução, nas circunscrições onde se encontrem instalados, são competentes para exercer, no âmbito do processo executivo regulado pelo Código de Processo Civil, as competências previstas neste Código, independentemente da origem e natureza do respectivo título executivo, com as ressalvas expressas nos artigos 81.º alínea f), 82.º n.º 1, alínea e) e 85.º, alínea n), todos da LOFTJ.
Neste entendimento procedem as conclusões de recurso, devendo o mesmo merecer provimento.

III. DECISÃO
Por todo o exposto, sem necessidade de mais e maiores considerações, tendo as disposições legais citadas, dá-se provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida que deve ser substituída por outra que ordene o prosseguimento da execução tendo em conta a competência
material dos Juízos de Execução de Lisboa.
Sem custas.
Lisboa, 23 de Maio de 2005

(Luís Maria Vaz das Neves)
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