Lei n.º 22/2023, de 25 de Maio
  MORTE MEDICAMENTE ASSISTIDA(versão actualizada)
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SUMÁRIO
Regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal
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Lei n.º 22/2023, de 25 de maio
Regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal
A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, o seguinte:

CAPÍTULO I
Disposições gerais
  Artigo 1.º
Objeto
A presente lei regula as condições especiais em que a morte medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal.

  Artigo 2.º
Definições
Para efeitos da presente lei, considera-se:
a) «Morte medicamente assistida», a morte que ocorre por decisão da própria pessoa, em exercício do seu direito fundamental à autodeterminação e livre desenvolvimento da personalidade, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde;
b) «Suicídio medicamente assistido», a autoadministração de fármacos letais pelo próprio doente, sob supervisão médica;
c) «Eutanásia», a administração de fármacos letais pelo médico ou profissional de saúde devidamente habilitado para o efeito;
d) «Doença grave e incurável», a doença que ameaça a vida, em fase avançada e progressiva, incurável e irreversível, que origina sofrimento de grande intensidade;
e) «Lesão definitiva de gravidade extrema», a lesão grave, definitiva e amplamente incapacitante que coloca a pessoa em situação de dependência de terceiro ou de apoio tecnológico para a realização das atividades elementares da vida diária, existindo certeza ou probabilidade muito elevada de que tais limitações venham a persistir no tempo sem possibilidade de cura ou de melhoria significativa;
f) «Sofrimento de grande intensidade», o sofrimento decorrente de doença grave e incurável ou de lesão definitiva de gravidade extrema, com grande intensidade, persistente, continuado ou permanente e considerado intolerável pela própria pessoa;
g) «Médico orientador», o médico indicado pelo doente que tem a seu cargo coordenar toda a informação e assistência ao doente, sendo o interlocutor principal do mesmo durante todo o processo assistencial, sem prejuízo de outras obrigações que possam caber a outros profissionais;
h) «Médico especialista», o médico especialista na patologia que afeta o doente e que não pertence à mesma equipa do médico orientador.

  Artigo 3.º
Morte medicamente assistida não punível
1 - Considera-se morte medicamente assistida não punível a que ocorre por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento de grande intensidade, com lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde.
2 - Para efeitos da presente lei, consideram-se legítimos apenas os pedidos de morte medicamente assistida apresentados por cidadãos nacionais ou legalmente residentes em território nacional.
3 - A morte medicamente assistida ocorre em conformidade com a vontade e a decisão da própria pessoa, que se encontre numa das seguintes situações:
a) Lesão definitiva de gravidade extrema;
b) Doença grave e incurável.
4 - A morte medicamente assistida pode ocorrer por:
a) Suicídio medicamente assistido;
b) Eutanásia.
5 - A morte medicamente assistida só pode ocorrer por eutanásia quando o suicídio medicamente assistido for impossível por incapacidade física do doente.
6 - O pedido subjacente à decisão prevista no n.º 1 obedece a procedimento clínico e legal, de acordo com o disposto na presente lei.
7 - O pedido pode ser livremente revogado a qualquer momento, nos termos do artigo 12.º


CAPÍTULO II
Procedimento
  Artigo 4.º
Abertura do procedimento clínico
1 - O pedido de abertura do procedimento clínico de morte medicamente assistida é efetuado por pessoa que preenche os requisitos previstos no artigo anterior, doravante designada por doente, em documento escrito, datado e assinado pelo próprio, ou pela pessoa por si designada nos termos do n.º 2 do artigo 11.º, a ser integrado em registo clínico especial (RCE) criado para o efeito.
2 - O pedido é dirigido ao médico escolhido pelo doente como médico orientador.
3 - O médico orientador deve obrigatoriamente aceder ao historial clínico do doente e assumi-lo como elemento essencial do seu parecer, emitido nos termos do artigo 5.º
4 - Não são admitidos os pedidos de doentes sujeitos a processo judicial para aplicação do regime do maior acompanhado, enquanto o mesmo se encontrar pendente, sendo o procedimento de morte medicamente assistida imediatamente suspenso quando o processo judicial for instaurado posteriormente à apresentação do pedido e enquanto o mesmo decorra, independentemente da fase em que o procedimento de morte medicamente assistida se encontre.
5 - Sem prejuízo do disposto neste capítulo quanto a prazos, a concretização da morte medicamente assistida não pode ter lugar sem que decorra um período de dois meses a contar da data do pedido de abertura do procedimento.
6 - Ao doente é sempre garantido, querendo, o acesso a cuidados paliativos.
7 - Ao doente é assegurado, ao longo de todo o procedimento, o acesso a acompanhamento por parte de um especialista em psicologia clínica.
8 - Para efeitos do disposto no número anterior, no prazo de 10 dias úteis a contar do início do procedimento, o doente tem acesso a uma consulta de psicologia clínica, cuja marcação é da responsabilidade do médico orientador, de modo a garantir a compreensão plena das suas decisões, no que respeita a si próprio e àqueles que o rodeiam, mas também o esclarecimento das relações e da comunicação entre o doente e os familiares, assim como entre o doente e os profissionais de saúde que o acompanham, no sentido de minimizar a possibilidade de influências indevidas na decisão.
9 - O acompanhamento por parte de um especialista em psicologia clínica a que se referem os números anteriores é obrigatório, salvo se o doente o rejeitar expressamente.

  Artigo 5.º
Parecer do médico orientador
1 - O médico orientador emite, no prazo de 20 dias úteis a contar da abertura do procedimento, parecer fundamentado sobre se o doente cumpre todos os requisitos referidos no artigo 3.º e presta-lhe toda a informação e esclarecimento sobre a situação clínica que o afeta, os tratamentos aplicáveis, viáveis e disponíveis, designadamente na área dos cuidados paliativos, e o respetivo prognóstico, após o que verifica se o doente mantém e reitera a sua vontade, devendo a decisão do doente ser registada por escrito, datada e assinada pelo próprio ou pela pessoa por si designada nos termos do n.º 2 do artigo 11.º
2 - A informação e o parecer prestados pelo médico e a declaração do doente, assinados por ambos, integram o RCE.
3 - Se o parecer do médico orientador não for favorável à morte medicamente assistida do doente, o procedimento em curso é cancelado e dado por encerrado e o doente é informado dessa decisão e dos seus fundamentos pelo médico orientador, podendo o procedimento ser reiniciado com novo pedido de abertura, nos termos do artigo 4.º

  Artigo 6.º
Confirmação por médico especialista
1 - Após o parecer favorável do médico orientador, este procede à consulta de outro médico, especialista na patologia que afeta o doente, cujo parecer confirma ou não que estão reunidas as condições referidas no artigo anterior, o diagnóstico e prognóstico da situação clínica e a natureza grave e incurável da doença ou a condição definitiva e de gravidade extrema da lesão.
2 - O parecer fundamentado do médico especialista é elaborado no prazo de 15 dias úteis, por escrito, datado e assinado pelo próprio e integra o RCE.
3 - Se o parecer do médico especialista não for favorável à morte medicamente assistida do doente, o procedimento em curso é cancelado e dado por encerrado e o doente é informado dessa decisão e dos seus fundamentos pelo médico orientador, podendo o procedimento ser reiniciado com novo pedido de abertura, nos termos do artigo 4.º
4 - No caso de parecer favorável do médico especialista, o médico orientador informa o doente do conteúdo daquele parecer, após o que verifica novamente se o doente mantém e reitera a sua vontade, devendo a decisão do doente ser registada por escrito, datada e assinada pelo próprio ou pela pessoa por si designada nos termos do n.º 2 do artigo 11.º e, juntamente com o parecer ou pareceres alternativos emitidos pelo médico ou médicos especialistas, integrar o RCE.
5 - Caso o doente padeça de mais do que uma lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável, o médico orientador decide qual a especialidade médica a consultar.

  Artigo 7.º
Confirmação por médico especialista em psiquiatria
1 - É obrigatório o parecer de um médico especialista em psiquiatria, sempre que ocorra uma das seguintes situações:
a) O médico orientador e ou o médico especialista tenham dúvidas sobre a capacidade da pessoa para solicitar a morte medicamente assistida revelando uma vontade séria, livre e esclarecida;
b) O médico orientador e ou o médico especialista admitam que a pessoa seja portadora de perturbação psíquica ou condição médica que afete a sua capacidade de tomar decisões.
2 - Se o médico especialista em psiquiatria confirmar qualquer uma das situações referidas no número anterior, o procedimento em curso é cancelado, sendo o doente informado dessa decisão e dos seus fundamentos, podendo o procedimento ser reiniciado com novo pedido de abertura, nos termos do artigo 4.º
3 - O parecer do médico especialista em psiquiatria é elaborado no prazo de 15 dias úteis, por escrito, datado e assinado pelo próprio, e integra o RCE.
4 - A avaliação necessária para a elaboração do parecer referido no n.º 1 envolve, sempre que a condição específica do doente assim o exija, a colaboração de um especialista em psicologia clínica.
5 - No caso de parecer favorável do médico especialista em psiquiatria, este, acompanhado do médico orientador, deve informar o doente do conteúdo daquele parecer, após o que verifica novamente se o doente mantém e reitera a sua vontade, devendo a decisão consciente e expressa deste ser registada em documento escrito, datado e assinado pelo próprio ou pela pessoa por si designada nos termos do n.º 2 do artigo 11.º, o qual integra o RCE.

  Artigo 8.º
Parecer da Comissão de Verificação e Avaliação
1 - Nos casos em que se apresentem os pareceres favoráveis nos termos dos artigos anteriores, reconfirmada a vontade do doente, o médico orientador remete cópia do RCE para a Comissão de Verificação e Avaliação dos Procedimentos Clínicos de Morte Medicamente Assistida (CVA), prevista no artigo 24.º, solicitando parecer sobre o cumprimento dos requisitos e das fases anteriores do procedimento, o qual é elaborado no prazo de cinco dias úteis.
2 - Quando a CVA tiver dúvidas sobre se estão reunidas as condições previstas na presente lei para a prática da morte medicamente assistida, deve convocar os médicos envolvidos no procedimento para prestar declarações, podendo ainda solicitar a remessa de documentos adicionais que considere necessários.
3 - Em caso de parecer desfavorável da CVA, o procedimento em curso é cancelado, podendo ser reiniciado com novo pedido de abertura, nos termos do artigo 4.º
4 - No caso de parecer favorável da CVA, o médico orientador deve informar o doente do conteúdo daquele parecer, após o que verifica novamente se este mantém e reitera a sua vontade, devendo a sua decisão consciente e expressa ser registada em documento escrito, datado e assinado pelo próprio ou pela pessoa por si designada nos termos do n.º 2 do artigo 11.º, o qual integra o RCE.

  Artigo 9.º
Concretização da decisão do doente
1 - Mediante parecer favorável da CVA, o médico orientador, de acordo com a vontade do doente, combina o dia, hora, local e método a utilizar para a prática da morte medicamente assistida.
2 - O médico orientador informa e esclarece o doente sobre os métodos disponíveis para praticar a morte medicamente assistida, designadamente a autoadministração de fármacos letais pelo próprio doente ou a administração pelo médico ou profissional de saúde devidamente habilitado para o efeito, mas sob supervisão médica, quando o doente estiver fisicamente incapacitado de autoadministrar fármacos letais.
3 - A decisão referida no número anterior deve ser consignada por escrito, datada e assinada pelo doente, ou pela pessoa por si designada nos termos do n.º 2 do artigo 11.º, e integrada no RCE, sem prejuízo do disposto no n.º 7 do artigo 3.º
4 - Após a consignação da decisão, o médico orientador remete cópia do RCE respetivo para a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS), que pode acompanhar presencialmente o procedimento de concretização da decisão do doente.
5 - No caso de o doente ficar inconsciente antes da data marcada para a realização do procedimento de morte medicamente assistida, o mesmo é interrompido e não se realiza, salvo se o doente recuperar a consciência e mantiver a sua decisão.

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