SUMÁRIO Altera a regulamentação da Lei da Organização do Sistema Judiciário e estabelece o regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais _____________________ |
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Decreto-Lei n.º 86/2016, de 27 de dezembro
I
A Constituição da República acolhe, no artigo 20.º e no n.º 4 do artigo 268.º, um conjunto de garantias que dão corpo ao princípio da tutela jurisdicional efetiva. Este princípio comporta, como dimensão ineliminável, a proximidade da justiça, entendida no seu sentido espacial. É dever do Estado impedir que aos tradicionais obstáculos ao acesso à justiça - económicos, sociais e culturais - se some um outro: a distância física entre o cidadão e os tribunais.
II
A reconformação da organização judiciária operada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, assentou em três vetores essenciais: uma nova matriz judiciária, um novo modelo de gestão e uma nova organização de competências, acentuando a especialização, assumida como indutora da qualidade.
Foi, porém, patente, a breve trecho e no tocante a algumas jurisdições, um excessivo afastamento entre o cidadão e as estruturas judiciárias - separação que atingiu sobretudo zonas territoriais e segmentos populacionais já vitimizados por outros fatores de vulnerabilidade, nomeadamente os que decorrem da interioridade.
Tornou-se assim premente a necessidade de satisfação da exigência de reaproximação dos cidadãos aos órgãos de jurisdição e de supressão ou, ao menos, de minimização do risco do não-acesso à justiça motivado por um distanciamento desrazoável entre quem procura justiça e quem a administra.
III
Consciente dos constrangimentos do acesso à jurisdição pela ausência de uma justiça de proximidade, o programa do XXI Governo Constitucional estabeleceu o desígnio de aproximar a justiça dos cidadãos, comprometendo-se para o efeito a proceder à «[...] correção dos erros do mapa judiciário promovendo as alterações necessárias [...]».
IV
O primeiro passo da supressão dos constrangimentos apontados foi dado com a aprovação da Lei n.º 40-A/2016, de 22 de dezembro, que procedeu à primeira alteração à Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário) e que, no essencial, mantém o desenho da divisão judiciária do território, as áreas de especialização, o modelo de gestão e a respetiva estrutura orgânica. Tal como se fez notar na respetiva exposição de motivos, «partindo deste modelo, introduzem-se os ajustamentos estritamente indispensáveis para assegurar a proximidade recíproca da justiça e dos cidadãos, em dois segmentos que se têm como fundamentais: no plano dos julgamentos criminais e no domínio da jurisdição de família e menores».
V
O segundo passo é dado com o presente decreto-lei que tem por objetivo final a regulamentação da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), com a configuração que lhe foi imposta pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de dezembro.
Em execução da orientação corporizada na lei, procede-se à reativação das vinte circunscrições extintas (Sever do Vouga; Penela; Portel; Monchique; Meda; Fornos de Algodres; Bombarral; Cadaval; Castelo de Vide; Ferreira do Zêzere; Mação; Sines; Paredes de Coura; Boticas; Murça; Mesão Frio; Sabrosa; Armamar; Resende e Tabuaço) aqui se praticando, bem como em 23 das anteriormente denominadas secções de proximidade, atos judiciais, maxime audiências de julgamento. Opera-se, deste modo, a imprescindível aproximação entre o tribunal que julga a causa criminal e o local da comissão dos factos submetidos a julgamento, com ganhos evidentes também para o esclarecimento desses factos.
A restrição de competências aos crimes da competência do tribunal singular é amplamente compensada pela circunstância de esses processos constituírem a grande maioria das causas criminais.
VI
Ordenado ainda pelo fundamento final de corrigir o distanciamento da jurisdição de família e menores, modifica-se o perímetro geográfico das respetivas circunscrições territoriais no interior de algumas comarcas, assegurando-se, assim, a relação de imediação entre o decisor e os sujeitos e intervenientes processuais, relação de proximidade comunicante que garante uma melhor qualidade da decisão, como decorre da circunstância de a lei do processo impor, como regra, a comparência pessoal dos intervenientes processuais.
Na concretização deste pressuposto, são criados sete novos juízos de família e menores (Fafe, Leiria, Alcobaça, Mafra, Vila do Conde, Marco de Canaveses e Abrantes) e devolve-se essa competência a cerca de 25 juízos locais, à imagem, aliás, do que já hoje acontece em algumas comarcas (Bragança, Guarda e Portalegre) cuja dimensão territorial, caraterísticas geográficas e escassa oferta de transportes públicos, desaconselharam, e continuam a desaconselhar, a especialização.
Procede-se ao alargamento da competência material dos juízos locais nas situações em que, atendendo à distância, escassez ou inexistência de transportes públicos, se considerou ser esse o modo de garantir o acesso da população à jurisdição de família e menores, alcançando-se, assim, a conciliação equilibrada entre a manutenção da especialização e a imprescindível acessibilidade da população aos equipamentos judiciários onde se administra essa justiça.
Deste modo, manteve-se a competência dos juízos de família e menores nas áreas urbanas ou suburbanas que traduzem fluxos populacionais intercorrentes e dispõem, em regra, de redes adequadas de transportes públicos, por forma a permitir a comparência em atos judiciais, com ida e regresso no mesmo dia.
Nos outros municípios, essa competência será exercida pelos juízos locais.
VII
Por outro lado, em execução da lei e tendo em conta as pendências processuais expectáveis, são criados quatro juízos de competência genérica (Miranda do Douro, Nisa, Castro Daire e Oliveira de Frades) que se considera virem a ter volume processual para integrar aquela categoria.
VIII
Numa outra perspetiva, retoma-se a anterior nomenclatura judiciária, recuperando-se os juízos como unidades autónomas e ligadas ao município onde se encontram instalados. Abandona-se as designações instâncias e secções, nos termos em que são utilizadas na LOSJ, optando-se por um sistema classificativo mais claro e com maior tradição no léxico da organização judiciária que, inextricavelmente, se liga à administração da justiça, procedendo-se à redenominação de todas as secções em juízos, recuperando-se, do mesmo passo, o valor e o significado simbólico que os associa à administração da justiça.
IX
Com o propósito de evitar ou, ao menos, de minimizar a anomalia dos conflitos de competência e obviar ao atraso no julgamento da causa à falta de tribunal competente, adota-se um conjunto de soluções iluminadas, por um lado, pela estabilização da competência do juízo já instalado e, por outro, pela maximização da aquisição de competência pelos juízos a reativar ou criados ex novo.
X
Optou-se, por último, pela inexistência de situações de transferência automática de processos, no intuito de prevenir a ocorrência de convulsões numa organização que sofreu recentemente abalos consideráveis.
Foram ouvidos o Conselho Superior da Magistratura, o Conselho Superior do Ministério Público, a Procuradoria-Geral da República, a Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução, o Sindicato dos Oficiais de Justiça, o Sindicato dos Funcionários Judiciais, a Associação Sindical dos Juízes Portugueses e o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.
Foi promovida a audição da Ordem dos Advogados.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
| Artigo 1.º
Objeto |
O presente decreto-lei estabelece o regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais de primeira instância decorrente das alterações à Lei da Organização do Sistema Judiciário introduzidas pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de dezembro. |
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Artigo 9.º
Processos pendentes |
1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os processos pendentes mantêm-se nos juízos resultantes da redenominação prevista no artigo 2.º
2 - Transitam para os juízos referidos no n.º 1 do artigo 5.º e no n.º 1 do artigo 7.º, de acordo com as regras de competência material e territorial, os seguintes processos em que não tenha sido proferida decisão final:
a) Os processos da jurisdição cível incluindo os tutelares cíveis, a requerimento de qualquer sujeito processual, apresentado até 30 dias após a data da entrada em funcionamento do novo juízo, exceto se nessa data já se tiver iniciado a audiência de discussão e julgamento;
b) Os processos de promoção e proteção, por iniciativa do juiz ou a requerimento do Ministério Público, dos pais, do representante legal ou de quem tenha a guarda de facto, apresentado até 30 dias após a data da entrada em funcionamento do novo juízo, exceto se nessa data já se tiver iniciado o debate judicial;
c) Os processos tutelares educativos, por despacho do juiz ou do magistrado do Ministério Público, consoante os casos, exceto se na data da entrada em funcionamento do novo juízo já se tiver iniciado a audiência referida no n.º 1 do artigo 116.º da Lei n.º 166/99, de 14 de setembro;
d) Os processos da jurisdição criminal, por despacho da autoridade judiciária, exceto se na data da entrada em funcionamento do novo juízo já se tiver iniciado o debate instrutório ou a audiência de discussão e julgamento.
3 - O disposto no número anterior é aplicável às causas incidentais pendentes de decisão final, que constituam dependência de outro processo, desde que neste já tenha sido proferida decisão final transitada em julgado.
4 - Após trânsito em julgado da decisão final nos processos referidos no n.º 2, que não transitaram para os novos juízos, todos os incidentes e ações que devam correr nos próprios autos ou por apenso são da competência do novo juízo, para onde devem ser oficiosamente remetidos ou ao qual devem ser oficiosamente requisitados.
5 - A remessa do processo principal compreende a de todos os apensos, ainda que de diferente natureza.
6 - Na transição de processos pendentes, os aspetos não especialmente regulados no presente decreto-lei são objeto de deliberação, consoante o caso, do Conselho Superior da Magistratura ou do Conselho Superior do Ministério Público.
7 - A publicação dos resultados da redistribuição de processos referida nos números anteriores é efetuada no endereço eletrónico http://www.citius.mj.pt. |
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