DL n.º 423/91, de 30 de Outubro
    REGIME JURÍDICO DAS VÍTIMAS DE CRIMES VIOLENTOS

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SUMÁRIO
Estabelece o regime jurídico de protecção às vítimas de crimes violentos

- [Este diploma foi expressamente revogado pelo(a) Lei n.º 104/2009, de 14/09!]
_____________________

O artigo 129.º do Código Penal prevê a criação de um «seguro social» destinado a assegurar a indemnização do lesado, quando a mesma não possa ser satisfeita pelo delinquente. Dá-se agora um primeiro passo no sentido de concretizar esse objectivo, tendo em vista, em consonância com actos internacionais, nomeadamente do Conselho da Europa, indemnizar as vítimas de criminalidade violenta.
Limita-se a intervenção do Estado às sequelas patrimoniais das lesões corporais graves, desde que o prejuízo tenha provocado uma perturbação considerável do nível de vida do lesado. Apenas em relação aos «auxiliares benévolos», bem como às pessoas que tenham sofrido danos ao colaborarem com as autoridades na prevenção da infracção ou na detenção do delinquente, se admite a reparação de danos de coisas de considerável valor. Todavia, o direito de requerer assistência por parte do Estado mantém-se mesmo que não seja conhecida a identidade do autor ou que este, por outro motivo (v. g. inimputabilidade), não possa ser acusado ou condenado.
Devendo a reparação a cargo do Estado estar sujeita a limites máximos, pareceu razoável utilizar como parâmetros os estabelecidos em matéria de responsabilidade pelo risco quanto aos acidentes causados por veículos de circulação terrestre. Não se afigurou, todavia, realista a proporção entre a indemnização em forma de capital e de renda estabelecida no artigo 508.º, n.os 1 e 2, do Código Civil (equivalendo esta segunda a 6,25% daquele capital). Daí o ter-se aproveitado para retocar aquela disposição, elevando os limites da indemnização sob a forma de renda.
Apesar de previsto no artigo 129.º do Código Penal com carácter geral, pensa-se que o seguro social deverá limitar a sua intervenção, numa primeira fase, ao âmbito previsto na Resolução (77)27, do Conselho da Europa, bem como na Convenção Europeia Relativa ao Ressarcimento das Vítimas de Infracções Violentas (1983).
É indispensável referir que a indemnização pelo Estado das vítimas de crimes se baseia numa ideia de «solidariedade social», não podendo aceitar-se a teoria de uma «responsabilidade do Estado», ao qual, na luta contra a criminalidade, apenas cabe uma obrigação de meios, não de resultado. Sobre este ponto se pronunciam abertamente os peritos do Conselho da Europa.
Embora estes peritos considerem que, em teoria, seria preferível um «direito primário», não deixam de reconhecer que, na generalidade dos países, a intervenção do Estado é supletiva, o que parece de acolher, em concordância com o artigo 129.º do Código Penal.
Não deverá, porém, ser-se exigente na prova de insolvência daquele, que constitui a regra, criando-se obstáculos não razoáveis à indemnização.
Por outro lado, o novo regime não pretende substituir, por via de uma eventual qualificação como lex specialis, outras fontes do direito a uma reparação, porventura mais favoráveis (v. g. por o acto poder ser considerado como «acto humanitário ou de dedicação à causa pública»), antes constituindo um regime mínimo a que qualquer cidadão tem direito.
Por estas duas razões, parece de manter o requisito de não poder ser obtida por outras vias uma reparação efectiva.
As «disposições mínimas» da referida Convenção apenas referem os «actos intencionais de violência», devendo a formulação deixar claro que o que releva são os elementos externos, objectivos, do facto ilícito de natureza criminal, não se requerendo a imputabilidade do agente, cuja identidade pode, aliás, não ser conhecida.
Em consonância com diversas legislações estrangeiras, esta delimitação pode também alcançar-se ligando o acto intencional de violência à consequência, resultante directamente do facto, de «lesões graves no corpo ou na saúde» (ofensa da «integridade física»), exigindo-se um mínimo de gravidade objectiva, v. g. uma incapacidade permanente ou uma incapacidade total com a duração de, no mínimo, de 30 dias.
Ressarcível deve ser, apenas, o dano patrimonial resultante da lesão corporal ou da morte, com exclusão do dano moral.
Além das vítimas directas e das pessoas a cargo, no caso de morte (e estas deverem ser, exclusivamente, aquelas a quem a lei civil concede um direito a alimentos), coloca-se essencialmente o problema de saber se devem ser protegidas:
1) Aquelas que sofreram prejuízos ao prestar socorro a indivíduos cuja vida ou integridade física se encontrava em perigo;
2) As que colaboraram na perseguição ou detenção do delinquente.
A não inclusão de uma (Alemanha) ou ambas (França) as categorias nas leis sobre esta matéria justifica-se, por vezes, pelo facto de a questão já estar solucionada por outra via técnico-jurídica.
Opta-se, porém, pela inclusão de ambas as categorias de vítimas, o que parece ter um salutar carácter pedagógico.
A indemnização não deve intervir somente nos estritos casos de necessidade ou carência económica. Mas parece razoável admitir, visto tratar-se de uma «indemnização social», que a situação económica dos lesados possa ser tida em conta. A lei francesa de 1977 exigia que a vítima tivesse ficado numa «situação material grave», o que foi considerado demasiado restritivo, bastando agora (a partir de 1983) que o «prejuízo consista numa perturbação grave das condições de vida».
Numa fórmula mais aligeirada, afigura-se bastar a exigência de que o prejuízo resultante da perda ou diminuição da capacidade de trabalho ou de um aumento de encargos tenha causado uma «perturbação considerável do nível de vida».
A exigência de que sejam abrangidos os danos sofridos por pessoas a bordo de navios ou aeronaves decorre já do artigo 4.º, alínea b), do Código Penal. Razões de clareza aconselham, não obstante, a inclusão desta menção.
A opção fundamental reside em se considerarem aplicáveis os critérios gerais da lei civil (fixando-se limites máximos) - como em França - ou estabelecer uma indemnização à forfait.
O primeiro termo da alternativa parece mais lógico, visto que o seguro social possui de algum modo a natureza de um fundo de garantia.
Em qualquer caso, terá sempre de se prever a atribuição de uma indemnização provisória.
Quanto aos limites máximos da indemnização, toma-se como referência o estabelecido para a responsabilidade objectiva em matéria de acidentes de trânsito, no artigo 508.º do Código Civil (com o máximo total do n.º 3, segunda parte); também assim nos casos excepcionais em que sejam abrangidos danos de coisas.
Do montante da indemnização deve ser deduzida qualquer importância recebida de outra fonte, com a possível excepção de um seguro pessoal voluntário.
O Estado ficará sub-rogado, no limite da indemnização concedida; terá direito ao reembolso dos montantes recebidos pelo lesado de outra fonte, com respeito a danos cobertos pelo seguro.
O artigo 8.º da Convenção Europeia de 1983 prevê a possibilidade de exclusão ou redução da indemnização em três hipóteses:
1) Em razão do comportamento da vítima antes, durante ou após a infracção ou em relação com o dano causado;
2) Quando a vítima ou o requerente estão implicados na criminalidade organizada ou pertencem a uma organização que se entrega à prática de infracções violentas;
3) Quando a reparação, total ou parcial, seria contrária ao sentimento de justiça ou à ordem pública.
Afigura-se evidente a justificação destes princípios, mas a consideração das particularidades do caso concreto aponta para a conveniência de se adoptar uma formulação maleável, com recusa da consagração de critérios legais rígidos, que poderiam favorecer soluções injustas.
Questão problemática é saber se a lei deve fazer expressa referência às agressões no seio de um agregado familiar, parentes ou pessoas que coabitem, prevenindo conluios ou que o agressor venha a aproveitar indirectamente da agressão.
Provavelmente seria a melhor solução, como em Inglaterra, mas deve admitir-se a reserva «salvo se circunstâncias excepcionais a justificarem», que se retira da legislação norueguesa.
Quanto ao financiamento, deparam-se-nos fundamentalmente duas hipóteses: ou o Estado assume directamente os encargos, seguindo um processo similiar ou já praticado para a sua responsabilidade (no Orçamento passaria a constar uma rubrica para este fim; v. artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 74/70, de 2 de Março) ou criação de um fundo autónomo (Fundo de Indemnização às Vítimas de Crimes).
Deste segundo tipo é a solução recentemente adoptada na Bélgica, prevendo aí a lei que «aquando de uma condenação a uma pena principal ou correccional, o juiz condena, além disso, à obrigação de entregar uma soma de 5 francos» (pelas correcções legais, esse montante era de 300 francos em 1986).
Quanto ao procedimento, as soluções podem oscilar entre intercalar o pedido de indemnização no processo penal normal, entregar a decisão a uma autoridade administrativa, naturalmente susceptível de recurso, criar uma espécie de jurisdição especial ou tribunal de competência especializada, ou confiar a decisão a uma comissão de indemnização de vítimas de crimes.
A primeira solução não a vemos adoptada em nenhum dos países de que dispomos informação, apesar de admitida na conclusão n.º 6 do XI Congresso de Direito Penal.
Soluções do último tipo parecem preponderar no direito comparado. A Comissão que arbitra as indemnizações apresenta em algumas legislações recentes uma composição algo heteróclita: em França, participa uma pessoa que se tenha assinalado pelo interesse que vota aos problemas das vítimas (artigo 706-4 do CPP); na Bélgica, a Comissão é composta por dois magistrados judiciais, dois advogados e dois funcionários; no Luxemburgo, da Comissão faz parte um membro da Ordem dos Advogados. Neste país, porém, a decisão compete ao Ministro da Justiça.
Num plano pragmático, poderia pensar-se que a solução mais simples e expedita seria a de concentrar nas mãos do juiz ou do tribunal, que decidem o processo-crime, a competência para arbitrar a indemnização.
Mas tal solução comporta alguns inconvenientes de monta.
Desde logo, o que decorre da própria natureza da indemnização, pois, como se advertiu, não está em causa a efectivação de uma responsabilidade do Estado por facto ilícito gerador de uma indemnização civil fundada na prática de um crime, mas sim de uma indemnização baseada numa ideia de «solidariedade social».
No Código de Processo Penal em vigor, o pedido de indemnização civil pode ser deduzido contra pessoas com responsabilidade civil, e estas podem intervir voluntariamente no processo penal, caso em que ficam impedidas de praticarem actos que o arguido tenha perdido o direito de praticar (artigo 71.º).
Por outro lado, a intervenção processual do lesado restringe-se à sustentação e à prova do pedido de indemnização civil, competindo-lhe, correspondentemente, os direitos que a lei confere aos assistentes, tendo os demandados e os intervenientes posição processual idêntica à do arguido quanto à sustentação e à prova das questões civis julgadas no processo, sendo independente cada uma das defesas (artigo 74.º, idem).
Daí resultaria necessariamente uma eventual acumulação entre dois tipos diversos de pedidos, um fundado na responsabilidade civil conexa com a criminal, outro na «solidariedade social» a cargo do Estado, obedecendo a diferentes pressupostos.
Enfim, suscitar-se-iam dificuldades sérias no plano de representação processual. Nos termos do artigo 76.º do Código de Processo Penal, compete ao Ministério Público formular o pedido de indemnização civil relativamente a lesado que lho requeira e só a representação por advogado constituído faz cessar aquela intervenção. Poderia pensar-se em alargar aquela representação ao lesado que requeresse a indemnização a cargo do Estado, fundada na «solidariedade social». Mas o Ministério Público, estatutariamente, representa o Estado, a quem não pode ser negado o interesse em contradizer. Este conflito postularia um regime que, no caso, não seria de fácil solução.
Ponderadas as diversas soluções conhecidas do direito estrangeiro, afigura-se que será mais razoável, tendo em atenção a ideia de «solidariedade social» subjacente à indemnização a cargo do Estado e a sua natureza supletiva, optar por um regime que, nos seus traços essenciais, defere ao Governo, rectius ao Ministro da Justiça, a competência para a concessão daquela indemnização, assistido, para o efeito, por uma comissão especializada, que emitirá parecer sobre o pedido, depois de proceder à respectiva instrução, para o que disporá dos necessários poderes.
Esta solução difere da adoptada pelo direito francês, no qual a indemnização é concedida por uma comissão instituída junto de cada tribunal de grande instância, com carácter de jurisdição civil, que se pronuncia em primeira e última instância, sem excluir a possibilidade de a vítima ou as pessoas a seu cargo se constituírem partes civis perante a jurisdição repressiva ou intentarem acção contra os responsáveis pelo dano, devendo, nesses casos e em qualquer estado do processo, declarar se pediram uma indemnização àquela comissão; e aproxima-se da consagrada no direito luxemburguês, no qual o pedido é formulado ao Ministro da Justiça, cabendo a sua instrução a uma comissão constituída por um magistrado, por um funcionário superior do Ministério da Justiça e por um representante da Ordem dos Advogados. Também neste caso, se a vítima e as restantes pessoas com direito a indemnização se constituírem partes civis perante as jurisdições repressivas ou intentarem acção civil contra os responsáveis pelo dano, devem indicar no processo se requereram a indemnização ao Ministro da Justiça e, sendo caso disso, se a mesma foi concedida, prevendo-se, na falta dessa declaração, a nulidade da sentença na parte relativa às disposições civis, a deduzir por via de acção ou de excepção.
Por outro lado, aproxima-se da solução já consagrada no direito português (Decreto-Lei n.º 324/85, de 6 de Agosto), mas com a garantia que decorre da intervenção de uma comissão especializada na instrução dos factos geradores da pretensão indemnizatória.
Parece, assim, pelas razões indicadas, que a solução adoptada é a que se mostra mais adequada, pelo seu carácter expedito e com a segurança que resulta da composição da Comissão, a responder às exigências da efectivação da indemnização no caso de impossibilidade de a fazer valer nos termos do Código de Processo Penal ou do seu insucesso.
Só a experiência permitirá aquilatar do seu mérito, mas, em princípio, parece sobrepor-se às outras soluções teoricamente possíveis.
Assim:
No uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 64/91, de 13 de Agosto, e nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
  Artigo 1.º
Indemnização, por parte do Estado, às vítimas de crimes violentos
1 - As vítimas de lesões corporais graves resultantes directamente de actos intencionais de violência praticados em território português ou a bordo de navios ou aeronaves portuguesas, bem como, no caso de morte, as pessoas a quem a lei civil conceda um direito a alimentos, podem requerer a concessão de uma indemnização pelo Estado, ainda que não se tenham constituído ou não possam constituir-se assistentes no processo penal, verificados os seguintes requisitos:
a) Da lesão ter resultado uma incapacidade permanente, uma incapacidade temporária e absoluta para o trabalho de pelo menos 30 dias ou a morte;
b) Ter o prejuízo provocado uma perturbação considerável do nível de vida da vítima ou das pessoas com direito a alimentos;
c) Não terem obtido efectiva reparação do dano em execução de sentença condenatória relativa a pedido deduzido nos termos dos artigos 71.º a 84.º do Código de Processo Penal ou, se for razoavelmente de prever que o delinquente e responsáveis civis não repararão o dano, sem que seja possível obter de outra fonte uma reparação efectiva e suficiente.
2 - O direito de indemnização mantém-se mesmo que não seja conhecida a identidade do autor dos actos intencionais de violência ou, por outra razão, ele não possa ser acusado ou condenado.
3 - Podem igualmente requerer uma indemnização as pessoas que auxiliaram voluntariamente a vítima ou colaboraram com as autoridades na prevenção da infracção, perseguição ou detenção do delinquente, verificados os requisitos constantes das alíneas a) a c) do n.º 1.
4 - A concessão da indemnização às pessoas referidas no número anterior não depende da concessão de indemnização às vítimas de lesão.
5 - Não haverá lugar à aplicação do disposto no presente diploma quando o dano for causado por um veículo terrestre a motor, bem como se forem aplicáveis as regras sobre acidentes de trabalho ou em serviço.

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