Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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  DL n.º 48/95, de 15 de Março
    CÓDIGO PENAL DE 1982 VERSÃO CONSOLIDADA POSTERIOR A 1995

  Versão desactualizada - redacção: Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro!  
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     - 6ª versão (Lei n.º 77/2001, de 13/07)
     - 5ª versão (Lei n.º 7/2000, de 27/05)
     - 4ª versão (Lei n.º 65/98, de 02/09)
     - 3ª versão (Lei n.º 90/97, de 30/07)
     - 2ª versão (Declaração n.º 73-A/95, de 14/06)
     - 1ª versão (DL n.º 48/95, de 15/03)
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SUMÁRIO
Aprova o Código Penal

[NOTA de edição - As alterações introduzidas, pelo art.º 28.º da Lei n.º 22/2023, de 25-05, nos artigos 134.º , 135.º e 139.º do Código Penal, só entram em vigor 30 dias após a publicação da respectiva regulamentação, cfr. art.º 34.º do mesmo diploma. Assim, a 1.ª versão dos artigos alterados é a que se encontra em vigor. ]
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1. A tendência cada vez mais universalizante para a afirmação dos direitos do homem como princípio basilar das sociedades modernas, bem como o reforço da dimensão ética do Estado, imprimem à justiça o estatuto de primeiro garante da consolidação dos valores fundamentais reconhecidos pela comunidade, com especial destaque para a dignidade da pessoa humana.
Ciente de que ao Estado cumpre construir os mecanismos que garantam a liberdade dos cidadãos, o programa do Governo para a justiça, no capítulo do combate à criminalidade, elegeu como objectivos fundamentais a segurança dos cidadãos, a prevenção e repressão do crime e a recuperação do delinquente como forma de defesa social.
Um sistema penal moderno e integrado não se esgota naturalmente na legislação penal. Num primeiro plano há que destacar a importância da prevenção criminal nas suas múltiplas vertentes: a operacionalidade e articulação das forças de segurança e, sobretudo, a eliminação de factores de marginalidade através da promoção da melhoria das condições económicas, sociais e culturais das populações e da criação de mecanismos de integração das minorias.
Paralelamente, o combate à criminalidade não pode deixar de assentar numa investigação rápida e eficaz e numa resposta atempada dos tribunais.
Na verdade, mais do que a moldura penal abstractamente cominada na lei, é a concretização da sanção que traduz a medida da violação dos valores pressupostos na norma, funcionando, assim, como referência para a comunidade.
Finalmente, a execução da pena revelará a capacidade ressocializadora do sistema com vista a prevenir a prática de novos crimes.
2. Não sendo o único instrumento de combate à criminalidade, o Código Penal deve constituir o repositório dos valores fundamentais da comunidade. As molduras penais mais não são, afinal, do que a tradução dessa hierarquia de valores, onde reside a própria legitimação do direito penal.
O Código Penal de 1982 permanece válido na sua essência. A experiência da sua aplicação ao longo de mais de uma década tem demonstrado, contudo, a necessidade de várias alterações com vista não só a ajustá-lo melhor à realidade mutável do fenómeno criminal como também aos seus próprios objectivos iniciais, salvaguardando-se toda a filosofia que presidiu à sua elaboração e que permite afirmá-lo como um código de raiz democrática inserido nos parâmetros de um Estado de direito.
Entre os vários propósitos que justificam a revisão destaca-se a necessidade de corrigir o desequilíbrio entre as penas previstas para os crimes contra as pessoas e os crimes contra o património, propondo-se uma substancial agravação para as primeiras. Assume-se ainda a importância de reorganizar o sistema global de penas para a pequena e média criminalidade com vista a permitir, por um lado, um adequado recurso às medidas alternativas às penas curtas de prisão, cujos efeitos criminógenos são pacificamente reconhecidos, e, por outro, concentrar esforços no combate à grande criminalidade.
3. Na parte geral, manteve-se intocada a matéria relativa à construção do conceito de crime (artigos 1.º a 39.º), devidamente consolidada na doutrina e na jurisprudência, introduzindo-se, contudo, alterações significativas no domínio das sanções criminais.

Neste plano, onde se revela a essência do projecto de política criminal, o Código insere-se no movimento de reforma internacional que reconheceu particular impulso na década de 70 e é pacificamente aceite nos países que comungam de um mesmo património político-criminal e nos quais nos inserimos.
Assim, na sequência de recomendações do Conselho da Europa nesse sentido, privilegia-se a aplicação de penas alternativas às penas curtas de prisão, com particular destaque para o trabalho a favor da comunidade e a pena de multa.
Longe de se romper com a nossa tradição, as alterações ora introduzidas pretendem dinamizar o recurso à vasta panóplia de medidas alternativas consagradas, dotando os mecanismos já consagrados de maior eficácia e eliminando algumas limitações intrínsecas, de modo a ultrapassar as resistências que se têm verificado no âmbito da sua aplicação.
A pena de prisão - reacção criminal por excelência - apenas deve lograr aplicação quando todas as restantes medidas se revelem inadequadas, face às necessidades de reprovação e prevenção.
Contrariamente ao que sucede noutros países europeus, o Código não consagra, em regra, tipos legais de crime sancionados unicamente com pena de multa. Na verdade, esta surge normalmente em alternativa à pena de prisão. Por outro lado, em normativo algum se impõe de forma absoluta a aplicação de uma ou outra medida: relega-se sempre para o papel concretizador da jurisprudência a eleição de medida - detentiva ou não - que melhor se adeqúe às particularidades do caso concreto, de acordo com critérios objectivados na própria lei. Necessidade, proporcionalidade e adequação são os princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental.
De destacar, a este propósito, a inovação constante do artigo 40.º ao consagrar que a finalidade a prosseguir com as penas e medidas de segurança é 'a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade'.
Sem pretender invadir um domínio que à doutrina pertence - a questão dogmática do fim das penas -, não prescinde o legislador de oferecer aos tribunais critérios seguros e objectivos de individualização da pena, quer na escolha, quer na dosimetria, sempre no pressuposto irrenunciável, de matriz constitucional, de que em caso algum a pena pode ultrapassar a culpa.
Na mesma linha, o artigo 43.º sublinha que a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido de reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
Aos magistrados judiciais e do Ministério Público caberá, pois, um papel decisivo na implementação da filosofia que anima o Código porquanto é no momento da concretização da pena que os desideratos de prevenção geral e especial e de reintegração ganham pleno sentido.
4. Devendo a pena de prisão ser reservada para situações de maior gravidade e que mais alarme social provocam, designadamente a criminalidade violenta e ou organizada, bem como a acentuada inclinação para a prática de crimes revelada por certos agentes, necessário se torna conferir às medidas alternativas a eficácia que lhes tem faltado.
Não raro, a suspensão da execução da pena tem-se assumido como a verdadeira pena alternativa, em detrimento de outras medidas, designadamente da pena de multa, gerando-se a ideia de uma 'quase absolvição', ou de impunidade do delinquente primário, com descrédito para a justiça penal.
Impõe-se, pois, devolver à pena de multa a efectividade que lhe cabe. A dignificação da multa enquanto medida punitiva e dissuasora passa por um significativo aumento, quer na duração em dias - de 300 dias passa para 360, sendo elevada para 900 em caso de concurso -, quer no montante máximo diário que se eleva de 10000$00 para 100000$00.
O abandono da indesejável prescrição cumulativa das penas de prisão e multa na parte especial, por uma solução de alternatividade, levou a um agravamento do limite máximo geral fixado para a pena de multa de 360 para 600 dias, correspondentes a prisão até 5 anos, de modo a responder à pequena e média criminalidade patrimonial.
Finalmente, e sem prejuízo de o condenado poder solicitar a substituição da multa por dias de trabalho em caso de impossibilidade não culposa de pagamento, a execução da pena de multa deixa de poder ser objecto de suspensão, reforçando-se assim a sua credibilidade e eficácia.
A elasticidade agora conferida à pena de multa permite configurá-la como verdadeira alternativa aos casos em que a pena de prisão se apresenta desproporcionada, designadamente pelos efeitos colaterais que pode desencadear, comportando, porém, um sacrifício mesmo para os economicamente mais favorecidos, com efeitos suficientemente dissuasores.
5. Ainda no plano das medidas alternativas, há que sublinhar significativas modificações nos institutos do regime de prova e do trabalho a favor da comunidade.
O regime de prova, descaracterizado como pena autónoma de substituição, passa a ser configurado como modalidade da suspensão da execução da pena ao lado da suspensão pura e simples e da suspensão com deveres ou regras de conduta, acentuando a vertente ressocializadora e responsabilizante da suspensão da execução da pena de prisão.
Na mesma linha, procedeu-se ao alargamento dos pressupostos da prestação de trabalho a favor da comunidade, elevando-se para 1 ano o máximo de pena de prisão que pode substituir, realçando-se as virtualidades do plano individual de readaptação.
No capítulo relativo às penas acessórias e efeitos das penas há que assinalar a inovação da consagração expressa no texto do Código Penal da proibição de conduzir. Por outro lado, e agora no âmbito das medidas de segurança não privativas da liberdade, passa a regular-se autonomamente tanto a cassação da licença de condução de veículo automóvel como a interdição da concessão de licença.
6. Outro domínio particularmente carecido de intervenção, por imperativos constitucionais de legalidade e proporcionalidade, é o das medidas de segurança.
Numa perspectiva de maximização da tutela da liberdade e segurança dos cidadãos, procedeu-se a uma definição mais rigorosa dos pressupostos de aplicação das medidas e ao estabelecimento de limites tendencialmente inultrapassáveis.
7. A parte especial foi igualmente objecto de importantes modificações, desde logo no plano sistemático.
Assim, é de assinalar a deslocação dos crimes sexuais do capítulo relativo aos crimes contra valores e interesses da vida em sociedade para o título dos crimes contra as pessoas, onde constituem um capítulo autónomo, sob a epígrafe 'Dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual', abandonando-se a concepção moralista ('sentimentos gerais de moralidade'), em favor da liberdade e autodeterminação sexuais, bens eminentemente pessoais.
Também no domínio dos crimes contra a integridade física optou-se por uma sistemática mais coerente, operando-se uma considerável simplificação: fazer incidir critérios de agravação e de privilégio sobre a base de existência de um crime de ofensa à integridade física simples. De referir ainda a consagração de um tipo de ofensa à integridade física qualificado por circunstâncias que revelam especial censurabilidade ou perversidade do agente, a exemplo do que sucede no homicídio.
Igualmente as normas relativas ao crime de furto, e, por via reflexa, a generalidade dos preceitos relativos à criminalidade patrimonial, foram objecto de significativas modificações.
A mais importante alteração reside no abandono do modelo vigente de recurso a conceitos indeterminados ou de cláusulas gerais de valor enquanto critérios de agravamento ou privilégio, de modo a obviar as dificuldades que têm sido reveladas pela jurisprudência e a que o legislador não se pode manter alheio. Nesta conformidade, e sem regressar contudo ao velho modelo de escalões de valor patrimonial prefixado, optou-se por uma definição quantificada de conceitos como valor elevado, consideravelmente elevado e diminuto, enquanto fundamentos de qualificação ou privilégio.
Desta forma, pretende-se potenciar uma maior segurança e justiça nas decisões.
Outro capítulo objecto de alterações de relevo é o dos crimes contra o Estado. A descriminalização de algumas infracções contra a segurança do Estado e contra a autoridade pública reside na consideração de que num Estado de direito democrático estabilizado a tutela penal deve restringir-se a atentados que impliquem o recurso indevido a violência ou formas análogas de actuação.
Optou-se por deixar fora do Código Penal a punição de muitas condutas cuja dignidade penal é hoje já pacífica e consensual, mas que razões de técnica legislativa aconselham que constituam objecto de legislação extravagante. É o que sucede, para além das condutas que devam ser imputadas às pessoas colectivas enquanto tais, em matérias como a criminalidade informática, o branqueamento de capitais ou os atentados contra a integridade e identidade genéticas.
Por fim, cumpre assinalar um conjunto significativo, se bem que limitado, de propostas de neocriminalização, resultante quer da revelação de novos bens jurídico-penais ou de novas modalidades de agressão ou perigo, quer de compromissos internacionais assumidos ou em vias de o serem por Portugal. Como exemplos de neocriminalização destacamos: a propaganda do suicídio (artigo 139.º), a perturbação da paz e do sossego (artigo 190.º, n.º 2), a burla informática (artigo 221.º), o abuso de cartão de garantia ou de crédito (artigo 225.º), a tortura e outros tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos (artigos 243.º e 244.º), os instrumentos de escuta telefónica (artigo 276.º), os danos contra a natureza (artigo 278.º), a poluição (artigo 279.º).
8. É, porém, no plano das molduras penais que se registam as modificações mais relevantes, no sentido do reforço da tutela dos bens jurídicos pessoais em confronto com os patrimoniais. Não se justificando um abrandamento da punição dos últimos, optou-se por um claro agravamento nos primeiros.
Assim, o máximo da pena do homicídio qualificado passa de 20 para 25 anos e a ofensa à integridade física grave passa a ser punida com pena de prisão de 2 a 10 anos, a qual pode ser substancialmente agravada quando o crime tenha sido praticado em circunstâncias susceptíveis de revelar especial censurabilidade ou perversidade do agente.
Face à elevada sinistralidade rodoviária, entendeu-se conveniente agravar a pena do homicídio negligente, cujo máximo pode atingir os 5 anos, em caso de negligência grosseira.
Operou-se, ainda, um alargamento na tutela de bens jurídicos fundamentais como a vida e a integridade física no âmbito do crime de dano. A pena do ora consagrado crime de dano com violência pode elevar-se até 16 anos.
Os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual foram objecto de particular atenção, especialmente quando praticados contra menor.
Nessa conformidade, o crime sexual praticado contra menor é objecto de uma dupla agravação: por um lado a que resulta de elevação geral das molduras penais dos crimes de violação e coacção sexual, quer no limite mínimo, quer no máximo; e, por outro, a agravação estabelecida para os casos em que tais crimes sejam praticados contra menor de 14 anos. Donde resulta que o crime praticado contra menor de 14 anos é sempre punido mais severamente que o crime praticado contra um adulto, atenta a especial vulnerabilidade da vítima.
Uma outra nota que acentua a protecção do menor é a possibilidade de o Ministério Público, sempre que especiais razões de interesse público o justifiquem, poder desencadear a acção penal quando a vítima for menor de 12 anos.
Ainda numa perspectiva de reforço da tutela dos bens jurídicos pessoais, alteraram-se os pressupostos de concessão da liberdade condicional. Com efeito, nos casos de condenação em pena superior a 5 anos, por crimes contra as pessoas ou crimes de perigo comum, a liberdade condicional só poderá ser concedida após o cumprimento de dois terços da pena. A gravidade dos crimes e o alarme social que provocam justificam um maior rigor em sede de execução da pena de prisão.
Finalmente, de entre a legislação revogada destaca-se o n.º 1 do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 85-C/75, de 26 de Fevereiro.
No uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 1.º da Lei n.º 35/94, de 15 de Setembro, rectificada pela Declaração de rectificação n.º 17/94, de 13 de Dezembro, e nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:

Artigo 1.º O Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, é revisto e publicado em anexo.

Art. 2.º - 1 - São revogadas as disposições legais avulsas que prevêem ou punem factos incriminados pelo Código Penal.
2 - São revogadas as seguintes disposições:
a) O n.º 1 do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 85-C/75, de 26 de Fevereiro;
b) O artigo 190.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro;
Consultar o Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro (actualizado face ao diploma em epígrafe)
c) O Decreto-Lei n.º 65/84, de 24 de Fevereiro;
d) O Decreto-Lei n.º 101-A/88, de 26 de Março;
e) Os artigos 2.º, 4.º, n.º 2, alínea a), e 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 124/90, de 14 de Abril.
3 - São também revogadas as disposições legais que em legislação penal avulsa proíbem ou restringem a substituição da pena de prisão por multa ou a suspensão da pena de prisão.

Art. 3.º Consideram-se efectuadas para as correspondentes disposições do Código Penal, cujo texto se publica em anexo, as remissões feitas para normas do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro.

Art. 4.º Para efeito do disposto no Código Penal, considera-se arma qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser utilizado para tal fim.

Art. 5.º Nunca será fixada prisão subsidiária às penas de multa em quantia previstas em legislação avulsa.

Art. 6.º - 1 - Enquanto vigorarem normas que prevejam penas cumulativas de prisão e multa, sempre que a pena de prisão for substituída por multa será aplicada uma só pena equivalente à soma da multa directamente imposta e da que resultar da substituição da prisão.
2 - É aplicável o regime previsto no artigo 49.º do Código Penal à multa única resultante do que dispõe o número anterior, sempre que se tratar de multas em tempo.

Art. 7.º Enquanto vigorarem normas que prevejam cumulativamente penas de prisão e multa, a suspensão da execução da pena de prisão decretada pelo tribunal não abrange a pena de multa.

Art. 8.º Se for aplicada pena de multa em quantia ou de prisão e multa em quantia e o desconto a que se refere o artigo 80.º do Código Penal dever incidir sobre a pena de multa, efectuar-se-á o desconto que parecer equitativo.

Art. 9.º Aos crimes previstos em legislação avulsa e puníveis com pena de prisão não superior a 6 meses e multa é aplicável o regime relativo à dispensa de pena, se verificados os demais pressupostos exigidos pelo artigo 74.º do Código Penal.

Art. 10.º Nos processos instaurados até 31 de Dezembro de 1987, a prescrição do procedimento criminal suspende-se durante o tempo em que o procedimento criminal esteja pendente, a partir da notificação do despacho de pronúncia ou equivalente, salvo no caso de processo de ausentes.

Art. 11.º Nos processos instaurados até 31 de Dezembro de 1987, a prescrição do procedimento criminal interrompe-se:
a) Com a notificação para as primeiras declarações para comparência ou interrogatório do agente, como arguido, na instrução preparatória;
b) Com a prisão;
c) Com a notificação do despacho de pronúncia ou equivalente;
d) Com a marcação do dia para o julgamento no processo de ausentes.

Art. 12.º O disposto no n.º 4 do artigo 61.º apenas se aplica às penas por crimes cometidos após a entrada em vigor do Código Penal.

Art. 13.º O Código Penal revisto e o presente decreto-lei entram em vigor em 1 de Outubro de 1995.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 5 de Janeiro de 1995. - Aníbal António Cavaco Silva - Álvaro José Brilhante Laborinho Lúcio.
Promulgado em 17 de Fevereiro de 1995.
Publique-se.
O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 20 de Fevereiro de 1995.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.

CÓDIGO PENAL
I
Introdução (*)
1. O presente Código Penal baseia-se fundamentalmente nos projectos elaborados em 1963 ('Parte geral') e em 1966 ('Parte especial'), da autoria de Eduardo Correia.
Aquele texto ('Parte geral'), correspondendo a uma visão unitária, coerente, marcadamente humanista e em muitos aspectos profundamente inovadora, foi saudado pelos mais proeminentes cultores da ciência do direito penal nacional e estrangeira. Destes salientem-se, a título exemplificativo, os nomes de Hans-Heinrich Jescheck, presidente da Associação Internacional de Direito Penal, Marc Ancel, presidente da Sociedade Internacional de Defesa Social, e Pierre Canat.
Pena foi que não tivesse sido mais rápida a aprovação desse projecto, pois muitas das suas disposições teriam um carácter altamente precursor - relativamente ao direito alemão e a outros projectos estrangeiros -, colocando-nos assim, como escrevia Canat, 'à la pointe même du progrès'.
Cumpre desde já dizer que, contrariamente àquilo que poderá parecer, mercê de análise menos reflectida, o diploma, quer na forma, quer no conteúdo das suas prescrições, não se afasta do que verdadeiramente de vivo há na tradição jurídico-penal portuguesa, antes justamente o consagra. E isso mesmo parece ter sido compreendido e aceite pelas várias comissões de revisão que sobre o projecto tiveram oportunidade de se pronunciar, em vários tempos e em diferentes enquadramentos políticos, mas sempre compostas por homens - do mais variado cariz político e profissional - que se preocuparam e se preocupam com as coisas do direito penal.
No entanto, e não obstante todo o esforço desenvolvido, o projecto inicial passou por várias vicissitudes, nunca tendo encontrado o espaço político necessário à sua consagração legal. A este facto não será estranho o fim e textura do próprio sistema punitivo do Código, que assenta, adianta-se, em coordenadas que mal caberiam nos quadros de uma compreensão marcadamente repressiva.
A necessidade de fazer uma adequação da legislação ordinária ao novo espírito legislativo resultante do 25 de Abril fez com que o último Governo provisório fomentasse a ideia de tornar o projecto em viva realidade normativa de que o País tanto carecia. Tal impulso não esmoreceu, bem ao contrário, na vigência do I Governo Constitucional. Neste espírito, foi constituída uma comissão revisora, cujo trabalho serviu de base à proposta de lei n.º 117/I (Diário da Assembleia da República, suplemento ao n.º 136, de 28 de Julho de 1977). Contudo, por razões da nossa história presente, bem conhecidas de todos, a Assembleia da República não apreciou a mencionada proposta de lei.
Na vigência do IV Governo Constitucional tentou-se decididamente realizar todo o plano arquitectural do ordenamento penal português. Novamente foi apresentada uma proposta de lei (relativa à 'Parte geral') à Assembleia da República, absolutamente coincidente com a enviada pelo I Governo Constitucional. No que toca à 'Parte especial', foi esta também revista no Ministério da Justiça, resultando do seu trabalho um articulado que igualmente se enviou à Assembleia da República, sob a conveniente forma de proposta de lei.
Todavia, aquele não foi o momento propício da cena política portuguesa para se encontrar o mínimo de consenso sempre necessário às grandes empresas legislativas. Porém, exprima-se lateralmente, muitas das traves mestras de um movimento legislativo mais vasto foram então lançadas. Nesta esteira, publicaram-se dois diplomas legislativos de forte incidência prática e dogmática na estrutura global do sistema penal português: o da reforma da organização prisional (Decreto-Lei n.º 265/79, de 1 de Agosto) e o direito de mera ordenação social (Decreto-Lei n.º 232/79, de 24 de Julho). Integrando aquele movimento, apresentou-se ainda uma proposta de lei concernente à 'legislação especial aplicável a jovens delinquentes dos 16 aos 21 anos'.
Mas, se muito já foi feito, é indiscutível que falta consagrar o essencial, isto é, o Código Penal - partes geral e especial. Nisto se empenhou profundamente o actual Governo, que, depois de ter nomeado nova comissão de revisão, apresenta agora um diploma que, sem se afastar dos parâmetros dos projectos anteriores, sofre algumas importantes modificações que o tempo, a reflexão e as novas orientações doutrinais exigiam. Preparado está também o diploma sobre a recuperação social, condição essencial da realização da filosofia do Código Penal.
Não deixará de se recordar, por fim, que o Código, cuja vigência agora cessa, constituiu também, no seu tempo, um significativo avanço em relação à ciência criminal da época, o que terá contribuído para que ele conservasse, fundamentalmente, a sua estrutura inicial, a despeito das sucessivas alterações impostas por uma realidade criminológica em constante mutação.

(*) Introdução constante do Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 Setembro.

II
Parte geral
2. Um dos princípios basilares do diploma reside na compreensão de que toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta. O princípio nulla poena sine culpa, combatido ultimamente em certos quadrantes do pensamento jurídico-penal, embora mais, ou quase exclusivamente, contra a vertente que considera a culpa como fundamento da pena, ganhou o voto unânime de todas as forças políticas representadas no Parlamento Alemão, quando se procedeu à apreciação dos grandes princípios orientadores da reforma daquele sistema penal. Acrescente-se que mesmo os autores que dão uma maior tónica à prevenção geral aceitam inequivocamente a culpa como limite de pena. E mais. Podemos dizer, sem querer entrar em pormenores, que ele corresponde, independentemente da perspectiva em que se coloque o investigador, a uma larga e profunda tradição cultural portuguesa e europeia.
No entanto, o atribuir-se à pena um conteúdo de reprovação ética não significa que se abandonem as finalidades da prevenção geral e especial nem, muito menos, que se sugira o alheamento da recuperação do delinquente. Quanto à prevenção geral, sabemos que não há verdadeira antinomia entre esta finalidade e a culpa, já que, através da mediação axiológica que o direito penal exige a todos os membros da comunidade jurídica, se ergue, deste modo, a barreira inibidora da pena. Contudo, a sua força dissuasora não nasce tanto da sua realidade heterónoma, mas antes da própria autonomia do agente, que sabe ser a definição daquela pena fruto da participação, num determinado momento histórico, de toda a comunidade, ainda que filtrada pelos órgãos constitucionalmente competentes.
A esta luz, não será, pois, difícil de ver que também a tónica da prevenção especial só pode ganhar sentido e eficácia se houver uma participação real, dialogante e efectiva do delinquente. E esta só se consegue fazendo apelo à sua total autonomia, liberdade e responsabilidade.
É, na verdade, da conjugação do papel interveniente das instâncias auxiliares da execução das penas privativas de liberdade e do responsável e autónomo empenhamento do delinquente que se poderão encontrar os meios mais adequados a evitar a reincidência.
Não se abandona o delinquente à pura expiação em situação de isolamento - cujos efeitos negativos estão cabalmente demonstrados - nem se permite que a administração penitenciária caia em estéreis omissões e empregue pedagogias por cujos valores o delinquente, muitas vezes, não se sente motivado nem, o que é mais grave, reconhece neles qualquer forma de comparticipação. Sabe-se que, na essência, o equilíbrio entre estes dois vectores nem sempre é fácil de alcançar, a que se junta a rigidez das penas institucionais. No sentido de superar esta visão tradicional, o presente diploma consagra, articulada e coerentemente, um conjunto de medidas não institucionais que facilita e potencia, sobremaneira, aquele desejado encontro de vontades. Verifica-se a assunção conscienciosa daquilo a que a nova sociologia do comportamento designa por desdramatização do ritual e obrigam-se as instâncias de execução da pena privativa de liberdade a serem co-responsáveis no êxito ou fracasso reeducativo e ressocializador. Pensa-se ser esta uma das formas que mais eficazmente pode levar à reintegração do delinquente na sociedade. Acrescenta-se que toda a nova compreensão de encarar a panóplia punitiva já está noutros países fortemente implantada com resultados satisfatórios.
Pelo menos num determinado estádio de desenvolvimento das estruturas económicas, tais medidas mostram-se altamente operatórias num tipo de sociedade cujo denominador comum se assemelha ao padrão do nosso viver quotidiano.
3. Por outro lado, sabe-se que o princípio da culpa, tal como está pressuposto no diploma, implica que medidas de segurança privativas da liberdade só existirão para os inimputáveis. A solução do problema dos chamados 'imputáveis perigosos' é fundadamente conseguida pela introdução da pena relativamente indeterminada. Deste jeito, satisfaz-se a unidade compreensiva do diploma e dá-se resposta aos anseios legítimos - tanto mais legítimos quando se vive num Estado democrático - da comunidade jurídica, de ver protegido o valor da segurança, que, como facilmente também se depreenderá, só deverá ser honrado nos casos especialmente consagrados na lei. E não pode deixar de ser assim porque os homens a que este diploma se dirige são compreendidos como estruturas 'abertas' e dialogantes capazes de assumirem a sua própria liberdade. Por outras palavras, eles serão sempre um prius, nunca um posterius.
4. Característico de toda a filosofia deste diploma é o modo como se consagra a problemática do erro. Na verdade, este ponto pode perspectivar-se como charneira de toda a problemática da culpa, já que é nele - quer se considere o erro sobre as circunstâncias do facto (artigo 16.º) quer o erro sobre a ilicitude (artigo 17.º) - que o direito penal encontra o verdadeiro sentido para ser considerado como direito penal da culpa. Torna-se assim evidente, à luz deste diploma, que o agente só pode merecer um juízo de censura ética se tiver actuado com consciência da ilicitude do facto. Porém, se tiver agido sem consciência da ilicitude e se o erro lhe for censurável, o agente 'será punido com a pena aplicável ao crime doloso respectivo, que pode ser especialmente atenuada' (artigo 17.º, n.º 2). Ficam, deste modo, protegidos não só determinados fins da prevenção, como também o valor que todo o direito prossegue: a ideia de justiça.
5. Não se desconhece que, amiúde, a fronteira entre o imputável e o inimputável é extremamente difícil de traçar.
Daí a urgência da adopção de um critério que rigorosamente seriasse as várias hipóteses pela aferição das quais o agente da infracção pudesse ser considerado imputável ou inimputável. Neste horizonte, o diploma faz apelo a um critério biopsicológico integrado por componentes de nítido matiz axiológico, é dizer, 'a comprovada incapacidade do agente para ser influenciado pelas penas' (artigo 20.º). É, pois, necessário, para o agente ser considerado imputável, que consiga determinar-se pelas penas. Facto demonstrativo não só da criteriosa integração do elemento de valoração ética, mas também de carregado afloramento da tradição correccionalista portuguesa, manifestando-se assim, neste ponto, como noutros, a inconsequência daqueles que julgam que o Código se não funda em raízes culturais portuguesas. Para além disso, ao admitir-se um vasto domínio para a inimputabilidade devido à definição de critérios que se afastam do mais rígido pensamento da culpa, permitir-se-á aos mais reticentes na aceitação deste princípio a construção de um modelo baseado numa ideia que desliza para a responsabilidade social mitigada.
6. Outra questão particularmente importante neste domínio é a aceitação de que os imputáveis maiores de 16 anos e menores de 21 anos são merecedores de legislação especial, a que atrás se fez referência. Esta ideia corresponde, por um lado, à consciencialização do que há de arbitrário - mas não intrinsecamente injusto - na determinação de certa idade como limite formal para distinguir o imputável do inimputável. É justamente para atenuar os efeitos deste corte dogmático e praticamente imprescindível que se vê com bons olhos um direito de jovens imputáveis que vise paredes meias, nos princípios e nas medidas protectivas e reeducadoras, os fins do direito de menores. Mas, se esta seria, já por si, uma razão que levaria ao acatamento legislativo daquele direito para jovens imputáveis, outras motivações e razões mais arreigam a nossa convicção. Salientem-se não só as que decorrem dos efeitos menos estigmatizantes que este direito acarreta como também - em conexão com aquelas sequelas e no seio deste ramo de direito - a maior capacidade de ressocialização do jovem que se abre ainda para zonas não traumatizadas, como tal perfeitamente lúcido e compreensivo às solicitações justas e adequadas da ordem jurídica;
7. O Código traça um sistema punitivo que arranca do pensamento fundamental de que as penas devem sempre ser executadas com um sentido pedagógico e ressocializador. Simplesmente, a concretização daquele objectivo parece comprometida pela existência da própria prisão. Daí todo o conjunto de medidas não institucionais que já foram mencionadas noutro contexto.
Medidas que, embora não determinem a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes. Por outro lado, não obstante essas reacções penais não detentivas funcionarem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, mas como autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos de certas zonas da delinquência.
Todavia, é evidente que o combate às penas institucionais correria o risco de insucesso se o Código se limitasse a enunciar as medidas substitutivas, sem fornecer, simultaneamente, o critério geral orientador da escolha das penas. A isso visa o artigo 71.º: impondo ao tribunal que dê preferência fundamentada à pena não privativa da liberdade 'sempre que ela se mostre suficiente para promover a recuperação social do delinquente e satisfaça as exigências de reprovação e prevenção do crime'. Isto é, aceita-se a existência da pena de prisão como pena principal para os casos mais graves, mas o diploma afirma claramente que o recurso às penas privativas de liberdade só será legítimo quando, face às circunstâncias do caso, se não mostrarem adequadas as reacções penais não detentivas.
8. Não se esgotam, porém, no conteúdo do artigo 71.º, os poderes concedidos ao juiz para, através da escolha e graduação da pena, alcançar a justa punição do agente e a realização do objectivo geral da prevenção do crime pelo tratamento do condenado.
Deste modo, prevê-se uma atenuação especial da pena nos casos em que circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto ou a culpa do agente (artigo 73.º) ou quando ela conduzir à substituição da prisão por 'prisão por dias livres' ou pela pena de multa (artigo 74.º).
Mas o Código consagra duas importantes inovações nesta matéria. Na verdade, 'pode o tribunal não aplicar qualquer pena se a culpa do agente for diminuta, o dano tiver sido reparado e a tal se não opuserem as exigências da recuperação do delinquente e da prevenção geral' (artigo 75.º, n.º 1). Além disso, permite-se que, nos casos em que não estejam ainda cabalmente realizados aqueles pressupostos, o juiz possa não proferir a sentença, adiando-a para um momento posterior, na esperança de que o comportamento do delinquente, a reparação próxima do dano ou a confirmação da falta de especiais exigências de prevenção venham a justificar a dispensa de pena (artigo 75.º, n.º 2).
Com tais medidas - que o Comité de Ministros do Conselho da Europa recomenda em resolução de Março de 1976 e que se encontram já consagradas, por exemplo, na Inglaterra, França (por recente lei de 11 de Junho de 1975) e também na Áustria (Código Penal, § 42.º) - espera o Código dotar a administração da justiça penal de um meio idóneo de substituição de curtas penas de prisão ou mesmo da pronúncia de outras penas que nem a protecção da sociedade nem a recuperação do delinquente parecem seriamente exigir.
9. Já atrás se referiam as razões por que, no momento actual, não pode o Código deixar de utilizar a prisão. Mas fá-lo com a clara consciência de que ela é um mal que deve reduzir-se ao mínimo necessário e que haverá que harmonizar o mais possível a sua estrutura e regime com a recuperação dos delinquentes a quem venha ser aplicada.
No que toca às medidas institucionais, aboliu-se a diferenciação da prisão em várias espécies (como entre nós ainda acontece com a prisão maior e a prisão correccional). O sentido da existência de diferentes espécies de prisão é, tradicionalmente, o de traduzir uma diferenciação de formas de retribuição, correspondentes à diversidade da natureza e gravidade dos factos que a originam. Daí que às espécies mais graves devessem corresponder certos efeitos próprios (como, por exemplo, a demissão de lugares públicos ou a incapacidade de exercer certas funções).
A solução perfilhada neste domínio pelo Código parte, desde logo, da ideia - em que os mais representativos cultores da ciência penitenciária vêm desde há tempos insistindo - de que a execução das penas privativas de liberdade tão-só pode diferenciar-se em função da sua maior ou menor duração.
Mas também não lhe é estranho outro pensamento fundamental: o de retirar à pena de prisão todo o carácter infamante, em consonância, de resto, com o disposto no artigo 65.º - outra novidade do Código relativamente ao nosso direito actual -, onde se proclama que 'nenhuma pena envolve, como efeito necessário, a perda de direitos civis, profissionais ou políticos'. De acordo com estas ideias, há que alterar-se a legislação sobre o registo criminal, encontrando-se o respectivo projecto já elaborado.
Outro aspecto a ter em conta numa leitura correcta do diploma é o que diz respeito às medidas consagradas com o objectivo de limitar o mais possível os efeitos criminógenos da prisão.
Para além de um regime muito aberto de substituição da prisão por multa (artigo 43.º), há que referir que a prisão não superior a 3 meses poderá ser cumprida por dias livres (fins de semana e dias feriados), para evitar, ou pelo menos atenuar, os efeitos perniciosos de uma curta detenção de cumprimento continuado (artigo 44.º).
O mesmo propósito de, por um lado, furtar o delinquente à contaminação do meio prisional e, por outro lado, impedir que a privação da liberdade interrompa por completo as suas relações sociais e profissionais justifica ainda a possibilidade, prevista no artigo 45.º, de um regime de semidetenção.
Considerada originariamente como um simples período de transição entre a prisão e a liberdade, a semidetenção (ou semiliberdade, como por vezes é também designada) foi de início utilizada no domínio da execução das longas penas de prisão, constituindo uma última fase da pena que permitia ao recluso uma readaptação progressiva à vida normal. Os resultados positivos desta experiência levaram, modernamente, o legislador a tentar um emprego diferente da medida. Assim aconteceu, por exemplo, em França, onde a lei de 11 de Julho de 1970 (que modificou o artigo 723.º do Código de Processo Penal) autorizou o tribunal a decidir desde logo a sujeição do réu ao regime de semiliberdade nos casos de infracção punível com curtas penas de prisão.
E idêntico caminho segue o Código ao estabelecer um regime de semidetenção que permita ao delinquente prosseguir a sua formação ou actividade profissional normal ou os seus estudos.
É no quadro desta política de combate ao carácter criminógeno das penas detentivas que se deve ainda compreender o regime previsto nos artigos 61.º e seguintes para a liberdade condicional. Definitivamente ultrapassada a sua compreensão como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, a libertação condicional serve, na política do Código, um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.
Com tal medida - que pode ser normalmente decretada logo que cumprida metade da pena (artigo 61.º, n.º 1) - espera o Código fortalecer as esperanças de uma adequada reintegração social do internado, sobretudo daquele que sofreu um afastamento mais prolongado da colectividade. Assim se compreendem, por um lado, a fixação de mínimos de duração para o período da liberdade condicional (artigo 61.º, n.º 3) e, por outro, a obrigatoriedade da pronúncia dela, decorridos que sejam cinco sextos da pena, nos casos de prisão superior a 6 anos (artigo 61.º, n.º 2). Por outro lado, a imposição de certas obrigações na concessão da liberdade (artigo 62.º, com referência aos n.os 2 e 3 do artigo 54.º) e a possibilidade do apoio de assistentes sociais (artigo 62.º, com referência ao artigo 55.º) atenuarão, certamente, a influência de várias 'componentes exteriores da perigosidade', com o que melhor se garantirá o sucesso de uma libertação definitiva.
10. É, contudo, nas medidas não detentivas que se depositam as melhores esperanças.
Assim, e desde logo, na multa, que, ao lado da prisão, o Código consagra como outra das penas principais. Medida substitutiva por excelência da prisão, a sua importância só poderá ser inteiramente avaliada em face do que dispõe a 'Parte especial' do Código, onde se faz dela um largo uso, com o que, aliás, se dá cumprimento às mais insistentes recomendações da ciência penal e da penologia modernas.
O Código utilizou o sistema dos 'dias de multa', o que permite adaptá-la melhor tanto à culpa como às condições económicas do agente, e, como já atrás houve ocasião de referir, estabeleceu ainda o princípio da conversão em multa da pena de prisão inferior a 6 meses, salvo se o cumprimento da prisão se entender necessário para prevenção de futuras infracções (artigo 43.º, n.º 1).
Referência especial merece o regime proposto para o caso de não pagamento da multa. Face à proibição da sua conversão em prisão (que é o sistema tradicional, praticado ainda na generalidade dos países), houve que definir um regime variado que, embora se propusesse tornar realmente efectiva a condenação, não deixasse de tomar em conta uma vasta gama de hipóteses (desde a simples recusa, sem motivo sério, de pagar até aos casos em que a razão do não cumprimento não é imputável ao agente) que podem levar ao não pagamento da multa.
Daí a regulamentação extensa dos artigos 46.º e 47.º que prevê o pagamento diferido ou em prestações, o recurso à execução dos bens do condenado, a substituição, total ou parcial, da multa por prestação de trabalho em obras e oficinas do Estado ou de outras pessoas de direito público e, finalmente - mas só se nenhuma dessas outras modalidades de cumprimento puder ser utilizada -, a aplicação da prisão pronunciada em alternativa na sentença, pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, podendo embora a prisão ser atenuada ou decretar-se mesmo a isenção da pena sempre que o agente prove que lhe não pode ser imputada a razão do não pagamento. Por outro lado, optou-se pela punição autónoma do agente que se tenha intencionalmente colocado em condições de não poder pagar a multa ou de não poder ser ela substituída pela prestação do trabalho (artigo 47.º, n.º 5).
11. Outras medidas não detentivas são a suspensão da execução da pena (artigos 48.º e seguintes) e o regime de prova (artigos 53.º e seguintes).
Substitutivos particularmente adequados das penas privativas de liberdade, importa tornar maleável a sua utilização, libertando-os, na medida do possível, de limites formais, por forma a com eles cobrir uma apreciável gama de infracções puníveis com pena de prisão. Assim se prevê a possibilidade da suspensão da execução da pena ou da submissão do delinquente ao regime de prova sempre que a pena de prisão não seja superior a 3 anos.
É evidente, todavia, que a pronúncia de qualquer destas medidas não é nem deve ser mera substituição automática da prisão. Como reacções penais de conteúdo pedagógico e reeducativo (particularmente no que diz respeito ao regime de prova), só devem ser decretadas quando o tribunal concluir, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida e outras circunstâncias indicadas no artigo 48.º, n.º 2 (aplicável também ao regime de prova por força do artigo 53.º), serem essas medidas adequadas a afastar o delinquente da criminalidade.
Compete ao tribunal essa indagação e a escolha responsável que sobre ela vier a fazer entre a suspensão da execução da pena e o regime de prova. Se se é tentado, muitas vezes, a confundi-los, é bom sublinhar que se trata de dois institutos distintos, com características e regimes próprios.
Com efeito, a condenação condicional, ou instituto da pena suspensa, correspondente ao instituto do sursis continental, significa uma suspensão da execução da pena que, embora efectivamente pronunciada pelo tribunal, não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o delinquente da criminalidade e satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção do crime (artigo 48.º, n.º 2). A possibilidade de imposição de certas obrigações ao réu (artigo 49.º), destinadas a reparar o mal do crime ou a facilitar positivamente a sua readaptação social, reforça o carácter pedagógico desta medida que o nosso direito já de há muito conhece, embora em termos não totalmente coincidentes com os que agora se propõem no Código (v. g., em matéria de pressupostos).
Diferentemente, o regime de prova - a probation de inspiração inglesa e norte-americana - é uma das grandes novidades do Código. O sistema proposto, e que corresponde à sua forma mais pura, consiste na suspensão da própria pronúncia da pena, ficando o agente submetido a um período de 'prova' em meio livre (que pode durar de 1 a 3 anos, sem prejuízo da possibilidade de prorrogação), que servirá para avaliar até que ponto é o delinquente idóneo a uma reinserção completa na vida social. O tribunal poderá impor ainda ao delinquente certas obrigações ou deveres destinados a assegurar a sua readaptação (artigo 54.º, n.os 2 e 3).
Mas o que verdadeiramente caracteriza esta medida - e lhe confere aquele sentido marcadamente educativo e correctivo que sempre a distinguiu da simples suspensão da pena - é, por um lado, a existência de um plano de readaptação social e, por outro, a submissão do delinquente à especial vigilância e controlo da assistência social especializada.
Daí que, como forma de tratamento essencialmente individual, haja que pôr o maior cuidado na selecção dos delinquentes, devendo criteriosamente indagar-se das condições pessoais de cada um. E isto porque, repete-se, com a utilização desta medida não se espera só o mero efeito útil de substituir a prisão, uma vez que se acredita no seu alto valor ressocializador, comprovado por uma larga experiência, francamente positiva, em vários países, como, por exemplo, a Inglaterra, a Suécia ou os Estados Unidos da América.
Para aqui deixar registadas as notas mais salientes do regime deste instituto, importa lembrar ainda que a lei procurará, como já atrás se disse, fazer mergulhar esta medida não institucional nas próprias estruturas de controlo social não formal, chamando a sociedade a colaborar na compreensão do fenómeno do crime e na recuperação dos delinquentes. E muito sinceramente se espera que uma tal experiência sirva também para uma melhor informação do público em geral sobre as vantagens que apresentam as medidas substitutivas da prisão, no sentido de uma cada vez mais ampla e clara aceitação das formas de tratamento penal dos delinquentes, sem privação da sua liberdade.
12. Para encerrar este capítulo das modalidades de reacção penal importa dizer alguma coisa sobre duas medidas que são também novidade no nosso direito e que igualmente se integram no quadro de combate às penas detentivas. Referimo-nos à admoestação (artigo 59.º) e à prestação de trabalho a favor da comunidade (artigo 60.º).
Quanto à primeira - de que a legislação estrangeira nos oferece, entre outros, o exemplo da Jugoslávia, onde esta medida é conhecida desde 1959 -, trata-se de uma censura solene, feita em audiência pelo tribunal, aplicável a indivíduos culpados de factos de escassa gravidade e relativamente aos quais se entende (ou por serem delinquentes primários ou por neles ser mais vivo um sentimento da própria dignidade, por exemplo) não haver, de um ponto de vista preventivo, a necessidade de serem utilizadas outras medidas penais que importem a imposição de uma sanção substancial.
Quanto à segunda, trata-se igualmente de uma medida aplicável ao agente considerado culpado pela prática de crime a que corresponda pena de prisão, com ou sem multa, não superior a três meses e consiste na prestação de serviços gratuitos, durante os períodos não compreendidos nas horas normais de trabalho, ao Estado, a outras pessoas colectivas de direito público ou mesmo a entidades privadas que o tribunal considere de interesse para a comunidade.
As experiências de outros países apontam-lhe seguras vantagens. Assim, para além de representar uma possibilidade eficaz de substituição da prisão, a prestação de trabalho a favor da comunidade parece ter encontrado mesmo (cite-se, por exemplo, o caso da Inglaterra, onde a medida também é experimentada desde 1972) reacções favoráveis por parte do próprio público em geral.
O facto de, nesta modalidade de execuçao penal, o trabalho do delinquente ser directamente introduzido no circuito de produção de bens ou serviços de interesse comunitário, ao lado da actividade normal dos cidadãos livres, deve ter certamente contribuído para a boa aceitação desta medida, que o Código prevê seja controlada por órgãos de serviço social (artigo 60.º, n.º 5).
13. Quando, todavia, pelas razões atrás invocadas, não seja possível empregar toda a gama de medidas não institucionais e se tenha de cominar uma pena de prisão, torna-se claro que se devem fazer todos os esforços para combater o efeito desmoralizante que se lhe aponta. É aqui que se abre o vasto campo da execução das penas de prisão.
O domínio da execução sempre mereceu, entre nós, a mais viva atenção, não só de práticos como de teóricos. Inscrevendo-se no amplo movimento de reforma feito sentir em diversos países, foi já elaborada a reforma sobre a execução de medidas privativas de liberdade, em vigor desde 1 de Janeiro de 1980.
Pretendeu-se trilhar um caminho que progressivamente trouxesse a execução para o domínio do jurídico, ultrapassada a fase em que fora deixada ao arbítrio de uma administração toda poderosa, ressalvando a posição jurídica do recluso.
A realização dos ideais de humanidade, bem como de reinserção social assinalados, passam hoje, indiscutivelmente, pela assunção do recluso como sujeito de direitos ou sujeito da execução, que o princípio do respeito pela sua dignidade humana aponta de forma imediata.
A própria ideia de reeducação não se compadece com a existência de duros e degradantes regimes prisionais ou aplicação de castigos corporais, pressupondo antes a salvaguarda da dignidade da pessoa humana, enquanto por esse modo se fomenta o sentido de responsabilidade do recluso, base imprescindível de um pensamento ressocializador.
Assinala-se, portanto, um decisivo movimento de respeito pela pessoa do recluso que, reconhecendo a sua autonomia e dimensão como ser humano, assaca à sua participação na execução um relevantíssimo papel na obra de reinserção social, em que não só a sociedade como também o recluso são os primeiros interessados.
Um último aspecto que é importante salientar diz ainda respeito às dificuldades que origina a falta de estruturas para conduzir a bom termo um tratamento minimamente eficaz. A sua realização requer, desde logo, meios e pessoal competente e adequados.
A problemática relacionada com o pessoal encarregado da execução coloca-se cada vez com mais acuidade e revela-se, não só pela atenção que lhe é dedicada no referido diploma legislativo, bem como pela preocupação de dotar com formação adequada o pessoal encarregado da assistência social. A esta ordem de preocupações corresponde, de resto, a elaboração de um projecto de diploma que cria os serviços de auxílio à reinserção social dos delinquentes.
14. A dimensão dogmática da ilicitude, segundo alguns autores, só ganha verdadeira ressonância e acuidade na parte especial dos códigos penais, pois é aí que ela se confronta com as reais tensões jurídicas impostas pela natureza do bem jurídico-penal que se quer proteger. Mas não só nesse aspecto. Com efeito, é na rigorosa definição dos elementos do tipo que em verdadeiro rigor se concretiza o princípio da tipicidade. É este trabalho, tantas vezes árduo e difícil, o melhor garante da liberdade dos cidadãos, que não pode deixar de ser apoiado, como o faz o diploma, de forma clara e inequívoca, pelo princípio da legalidade - extensivo às próprias medidas de segurança. Por isso, a ilicitude, numa certa visão das coisas, tem de estar enformada pela determinação típica e evitar a utilização de cláusulas gerais e tipos abertos. Em devido tempo ver-se-á que assim acontece na 'Parte especial'.
Mas o lugar privilegiado e clássico da ilicitude é a parte geral dos códigos. Neste sentido, o Código consagra a ilicitude como elemento essencial da acção típica, jungindo àquela as causas que a excluem. Neste particular, há que realçar a abertura do sistema na medida em que não enuncia de forma taxativa as diferentes causas de exclusão de ilicitude, antes faz uma enunciação indicadora. Mais uma vez se verifica, e nunca será demais lembrá-lo, um espaço nocional que apela à verdadeira e criativa actividade do juiz. O julgador não tem, pois, de ater-se unicamente às prescrições legais; ele pode procurar, através da melhor hermenêutica, a mais justa solução para o caso concreto.
15. No sentido de um maior alargamento da responsabilidade penal admite-se a punibilidade pela actuação em nome de outrem quando o agente actuou 'voluntariamente como titular dos órgãos de uma pessoa colectiva, sociedades ou mera associação de facto, ou em representação legal ou voluntária de outrem, mesmo quando o respectivo tipo de crime exija' (artigo 12.º, n.º 1) certos elementos que a lei seguidamente descreve. Em termos de política criminal consegue-se, assim, uma infiltração consequente do direito penal em áreas extremamente sensíveis e cuja criminalidade cai normalmente na zona das 'cifras negras'. É claro que esta actuação não basta. Tem de ser acompanhada do conveniente incremento e aplicação do direito das contra-ordenações. De qualquer maneira, já grande parte da criminalidade - talvez a qualitativamente mais perigosa -, que se alberga e se serve das pessoas colectivas, fica sob a alçada do direito penal. Saliente-se, neste contexto, a regra da responsabilidade criminal das pessoas singulares (artigo 11.º) - corolário da concepção do princípio da culpa enunciado - e a possibilidade de a lei abrir excepções, em casos justificados, no tocante à responsabilidade criminal das pessoas colectivas.
16. Ligada a uma ideia pedagógica, norteada pelo fermento da participação de todos os cidadãos na vida comum, consagra-se, em termos limitados, a equiparação da omissão à acção. Desta forma, 'a comissão de um resultado por omissão só é punível quando sobre o omitente recaia um dever jurídico que pessoalmente o obrigue a evitar esse resultado' (artigo 10.º, n.º 2).
Fácil é de ver que a consagração ilimitada daquela equiparação levaria a terríveis injustiças, e o preceito que nasce carregado de uma intencionalidade de justiça transformar-se-ia, perigosamente, no seu contrário. A existência do dever jurídico, criado para impedir o resultado, é, hoje, o ponto mais extremo que legalmente se pode conceber no sentido de alargar a equiparação da omissão à acção no domínio do direito penal. De qualquer forma, a solução adiantada corresponde aos ensinamentos da doutrina e do direito comparado e fundamenta-se na ideia mais vasta e profunda da solidariedade social, a que o próprio Código Civil de Seabra não era estranho.
17. Um outro ponto extremamente importante é o que se prende com a problemática da vítima. Esta, fundamentalmente depois da 2.ª Guerra Mundial, começou a ser objecto de estudos de raiz criminológica que chamaram a atenção para a maneira, às vezes pouco cuidada, como era encarada, não só pela opinião pública, mas também pela doutrina do direito penal. A vítima passa a ser um elemento, com igual dignidade, da tríade punitiva: Estado-delinquente-vítima.
Correspondendo a este movimento doutrinal, o diploma admite - para lá, independentemente da responsabilidade civil emergente do crime (artigo 128.º) - a indemnização dos lesados (artigo 129.º). Por outro lado, sabe-se que mesmo em países de economias indiscutivelmente mais fortes do que a nossa ainda não se consagrou plenamente a criação de um seguro social que indemnize o lesado, quando o delinquente o não possa fazer. Num enquadramento de austeridade financeira remete-se para a legislação especial a criação daquele seguro. No entanto, para que a real indemnização da vítima possa ter algum cunho de praticabilidade, concede-se a faculdade de o tribunal atribuir ao lesado, a seu requerimento, os objectos apreendidos ou o produto da sua venda, o preço ou o valor correspondente a vantagens provenientes do crime pagos ao Estado ou transferidos a seu favor por força dos artigos 107.º a 110.º, e as importâncias das multas que o agente haja pago (artigo 129.º, n.º 3). Vai-se, por consequência, ao ponto de afectar as próprias multas à satisfação do direito do lesado de ver cumprido o pagamento da indemnização. Julgamos que ficam, deste jeito, acautelados os reais interesses dos lesados, mormente daqueles que foram vítimas da chamada criminalidade violenta.
De resto, não é só na 'Parte geral' que o Código se revela particularmente atento aos valores e interesses que relevam na posição da vítima. Há toda a necessidade de evitar que o sistema penal, por exclusivamente orientado para as exigências da luta contra o crime, acabe por se converter, para certas vítimas, numa repetição e potenciação das agressões e traumas resultantes do próprio crime. Tal perigo assume, como é sabido, particular acuidade no domínio dos crimes sexuais, em que o processo penal pode, afinal, funcionar mais contra a vítima do que contra o próprio delinquente. Daí que, embora aderindo decididamente ao movimento de descriminalização, o Código não tenha descurado a ponderada consideração dos interesses da vítima. Como é ainda em nome dos mesmos interesses que o Código multiplica o número de crimes cujo procedimento depende de queixa do ofendido e que oportunamente serão referidos.
III
Parte especial
18. Poderá dizer-se, sem risco de erro, que a 'Parte especial' é a que maior impacte tem na opinião pública. É através dela que a comunidade politicamente organizada eleva determinados valores à categoria de bens jurídico-penais. Nem todos os interesses colectivos são penalmente tutelados, nem todas as condutas socialmente danosas são criminalmente sancionadas. É por isso que fundadamente se fala do carácter necessariamente fragmentário do direito penal.
Os juízos sobre a dignidade punitiva e a necessidade de punição de determinada acção ou omissão estão longe de ser neutros de um ponto de vista ético-político. Não sem fundamento reconhece-se que no discurso do poder punitivo fazem crise todos os grandes problemas de legitimação do próprio poder. É, sobretudo, na 'Parte especial' que, de forma mais impressiva, se espelham as linhas de força das concepções político-ideológicas historicamente triunfantes. Daí que a 'Parte especial' do Código Penal de uma sociedade plural, aberta e democrática, divirja sensivelmente da 'Parte especial' do Código Penal de uma sociedade fechada sob o peso de dogmatismos morais e monolitismos culturais e políticos. É o que a experiência histórica e a lição do direito comparado demonstram com particular evidência.
Tanto pela sistematização seguida como pelo conteúdo da ilicitude concretamente tipicizada, o Código assume-se deliberadamente como ordenamento jurídico-penal de uma sociedade aberta e de um Estado democraticamente legitimado. Optou conscientemente pela maximização das áreas de tolerância em relação a condutas ou formas de vida que, relevando de particulares mundividências morais e culturais, não põem directamente em causa os bens jurídico-penais nem desencadeiam intoleráveis danos sociais. Noutros termos, o Código circunscreve o âmbito do criminalmente punido a um mínimo tendencialmente coincidente com o espaço de consenso ínsito em toda a sociedade democrática.
19. A sistematização oitocentista e tradicional arrancava da ideia da primazia do Estado. Neste sentido, a generalidade das codificações começavam por definir os crimes contra o Estado. Mas é evidente que a própria sistemática não pode ser vista como axiologicamente neutra; ela é reveladora, entre outras coisas, do lugar que se concede ao homem no mundo normativo, princípio que obteve clara consagração constitucional.
Pelo pouco que já se disse, mas pelo muito que ficou implícito no que concerne ao carácter axiologicamente prioritário do homem, não se deve estranhar que a 'Parte especial' abra justamente pelos 'Crimes contra as pessoas' (título I). Estabelece-se, deste modo, um corte radical - altamente salutar - com o sistema tradicional que só vem dignificar a cultura e a doutrina portuguesas. Mas esta compreensão, no desenvolvimento do seu fio lógico, leva a remeter os 'Crimes contra o Estado' (título V) para lugar derradeiro. Facilmente se apreenderá que esta sistematização tem de ser olhada pelo seu lado positivo. Quer dizer, ela representa a afirmação da dignidade da pessoa, mas não significa o menoscabo dos interesses e valores que o Estado assume e sintetiza em determinado momento histórico.
20. Os 'Crimes contra a paz e a humanidade' (título II) são uma inovação no nosso ordenamento jurídico de enorme ressonância doutrinal e que assume uma qualificação de ponta na necessidade de se tipificar determinadas condutas que violam valores que a comunidade internacional reconhece como essenciais ao seu desenvolvimento;
21. O título III 'Dos crimes contra valores e interesses da vida em sociedade', é um dos mais extensos do presente diploma. Contudo, todos os seus tipos legais de crime são susceptíveis de serem integrados no mesmo denominador comum, embora não deixem de apresentar autonomia dogmática, pelo menos no que toca ao bem jurídico que visam proteger. Assim, estão neste título envolvidos, entre outros, os crimes contra a família, crimes sexuais e crimes contra os sentimentos religiosos e o respeito devido aos mortos. Todavia, um dos pontos mais salientes deste título consiste na consagração dos chamados 'crimes de perigo comum' a que mais à frente teremos oportunidade de nos referir. Segue-se a este capítulo o dos crimes contra a ordem e a tranquilidade públicas, que fecha, também significativamente, este título.
22. Na ordenação valorativa que norteia a estrutura sistemática da 'Parte especial', o título IV trata dos 'Crimes contra o património'. Propugna-se também aqui uma ordem que contraria a visão saída do liberalismo radical. A esta contrapõe-se, hoje, uma concepção que, com uma ou outra variação, arranca de formas de propriedade que se não confinam à mais estreita compreensão do ius utendi et abutendi. Além disso, adiante-se, o título encima a expressão 'contra o património' e não 'contra a propriedade', o que é já de si revelador da mutação - inquestionavelmente virada para um maior alargamento - que se operou na tónica deste campo tão sensível da vida jurídica.
23. Numa outra perspectiva podemos dizer que o Código, nesta 'Parte especial', não deixa igualmente de acompanhar as mais modernas tendências do pensamento penal. Mas só as seguiu depois de madura e ponderada reflexão e ainda quando nelas viu correspondência com os valores que o direito penal não pode deixar de defender.
De qualquer modo, podem-se surpreender duas grandes tendências neste domínio. Por um lado, um forte sentido de descriminalização, e, por outro lado, uma vocação para a chamada neocriminalização, sendo esta quase exclusivamente restrita aos crimes de perigo comum. É que numa sociedade cada vez mais técnica e sofisticada nos instrumentos materiais, com os seus consequentes perigos e riscos, a pessoa e a própria comunidade são frequentemente agredidas. Facto a que o legislador penal não podia ficar indiferente, como se pode constatar pelas lições do próprio direito comparado.
24. Deve, por outro lado, afirmar-se que não se incluíram no Código os delitos antieconómicos, de carácter mais mutável, melhor enquadráveis em lei especial, segundo, aliás, a tradição jurídica portuguesa e a ideia de que o direito penal tem uma natureza pragmática. Na mesma linha se devem colocar os delitos contra o ambiente. Por idênticas razões não se incluíram as infracções previstas no Código da Estrada, cuja especificidade reclama tratamento próprio. É claro que o combate a estes tipos de ilícito pode ser levado a cabo não só pelo direito penal secundário mas também pelo direito da mera ordenação social. Somos outra vez confrontados a ter de entender que o combate à criminalidade é matéria de estrutura englobante, que não pode prescindir de outros ramos de direito sancionatório.
25. Paralelamente àquela característica não deve esquecer-se - e foi isso o que o Código teve presente - que o direito penal deve sempre actuar como ultima ratio. E quando, nos casos evidentemente menos graves, as partes em conflito se compõem, é natural e saudável não dever o direito penal intervir. A concretização desta ideia atingiu-se através da necessidade, nos casos especificados na lei, de o procedimento criminal depender de queixa. Isto é, sempre que uma sã política criminal o aconselhava (para salvaguarda de outros bens de natureza institucional, v. g., a família), retirou-se a certas infracções a qualificação de crimes públicos. O que, sem ser a mesma coisa, pode compreender-se como parte de um movimento de discriminalização que já foi aflorado.
26. De notar, como particularmente saliente na 'Parte especial', é também o abaixamento generalizado da moldura penal. E isso só não acontece nos tipos que visam combater a chamada criminalidade violenta. Compreende-se que delinquentes sofram uma reprovação mais intensa, quando se sabe que a definição da conduta incriminadora e da respectiva injunção penal resulta de órgãos democráticos de um Estado constitucionalmente organizado em moldes pluralistas.
27. Outro ponto que importa sobressair - já dele se falou - é o do rigor com que cada tipo legal de crime foi definido. Para cada uma das prescrições incriminadoras houve o meticuloso cuidado de sempre se traçarem os elementos do tipo da forma mais clara e imediatamente compreensível, porque só assim, repete-se, e nunca será demais dizê-lo, se honra em toda a linha o princípio da tipicidade, um dos baluartes das garantias constitucionais do cidadão.
28. Nos crimes contra as pessoas importa destacar, como inovação legislativa, a participação em rixa (artigo 151.º). Tipo legal de grande importância prática que vem solucionar, através da sua autónoma configuração, graves problemas que se levantam na problemática da comparticipação, sendo, para além disso, um elemento fortemente dissuasor da prática, quantas vezes leviana e irreflectida, de disputas e de esforços que nascem pequenos, mas cujos efeitos podem ser altamente danosos.
29. Outra questão que suscitou particular interesse foi a da protecção da vida privada (capítulo VI). É de todos sabido que a massificação no acesso a meios e instrumentos electrónicos veio a favorecer a intromissão alheia e ilegítima na esfera da vida privada das pessoas. A isto há que atalhar, para protecção dos últimos redutos da privacidade a que todos têm direito, pela definição de específicos tipos legais de crime que protejam aquele bem jurídico. Mas se estas razões não bastassem, a lei fundamental seria também apoio indiscutível ao prescrever no n.º 1 do seu artigo 33.º: 'A todos é reconhecido o direito [...] à reserva da intimidade da vida privada e familiar.' A que se junta, no n.º 2, o conteúdo da seguinte norma programática: 'A lei estabelecerá garantias efectivas contra a utilização abusiva, ou contrária à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias.'
30. A violação do dever de solidariedade social (omissão de auxílio - artigo 219.º) afigura-se como outra questão, agora do título 'Dos crimes contra valores e interesses da vida em sociedade', onde facilmente se detecta o cunho da equilibrada dosimetria do que deve ser, pelo menos para o direito penal, a solidariedade social. De outra banda, como já tinha ficado sugerido quando falámos da omissão, aquele preceito contemplará os casos ou as situações em que a inexistência do dever jurídico conduziria a aberrantes e injustas absolvições.
31. Tal como já dissemos, os crimes de perigo comum (título III, capítulo III) constituem a consagração de uma linha de pensamento da política criminal que acha necessária a intromissão do direito penal para salvaguardar certos bens jurídicos que a nossa sociedade tecnológica põe em perigo. Desde a clássica figura do incêndio e perigo de incêndio (artigos 253.º e 254.º), passando pela explosão (artigo 255.º), libertação de gases tóxicos (artigo 258.º), inundação e avalancha (artigo 263.º), e difusão de epizootias (artigo 271.º), culminando nos crimes que prevêem a violação das regras de segurança das comunicações, somos surpreendidos por tipos legais que indiscutivelmente se ligam a condutas que violam determinadas regras exigidas pelos serviços, bens e instrumentos que a civilização material proporciona.
O ponto crucial destes crimes - não falando, obviamente, dos problemas dogmáticos que levantam - reside no facto de que condutas cujo desvalor de acção é de pequena monta se repercutem amiúde num desvalor de resultado de efeitos não poucas vezes catastróficos. Clarifique-se que o que neste capítulo está primacialmente em causa não é o dano, mas sim o perigo. A lei penal, relativamente a certas condutas que envolvem grandes riscos, basta-se com a produção do perigo (concreto ou abstracto) para que dessa forma o tipo legal esteja preenchido. O dano que se possa vir a desencadear não tem interesse dogmático imediato. Pune-se logo o perigo, porque tais condutas são de tal modo reprováveis que merecem imediatamente censura ético-social. Adiante-se que devido à natureza dos efeitos altamente danosos que estas condutas ilícitas podem desencadear o legislador penal não pode esperar que o dano se produza para que o tipo legal de crime se preencha. Ele tem de fazer recuar a protecção para momentos anteriores, isto é, para o momento em que o perigo se manifesta.
32. Ainda no seio deste título (III) urge considerar a problemática das 'organizações terroristas' e da criminalidade que lhes vai conexa. Houve - se cotejarmos o articulado actual com o imediatamente anterior - uma mudança de colocação sistemática.
Retiram-se estes crimes do título V, 'Dos crimes contra o Estado', e integram-se no título III, unicamente por se julgar que tais actividades não ofendem, pelo menos directamente, os valores do Estado. É indiscutível que este tipo de criminalidade tem de ser combatido pela lei penal de forma severa, mas para lá da adopção de todas as garantias - como as consagradas no diploma - há que ter consciência que este é um dos casos particulares em que a lei penal, só por si, tem pouquíssimo efeito preventivo. A seu lado tem de existir uma consciencialização da comunidade no sentido de ser ela, em primeira instância, o crivo inibidor daquela criminalidade.
33. Nos crimes contra o património, nomeadamente furto e roubo, abandonou-se por incorrecta, ineficaz e susceptível de provocar injustiças relativas, a técnica de a moldura penal variar conforme o montante do valor real do objecto da acção. Na linha, ainda aqui, da descriminalização, rectius da despenalização, tipificou-se o furto formigueiro, figura que contempla uma zona de pequena criminalidade de grande incidência prática nos tempos modernos.
34. Definiu-se a infidelidade (artigo 319.º) - novo tipo legal de crime contra o património - cujo recorte, grosso modo, visa as situações em que não existe a intenção de apropriação material, mas tão só a intenção de provocar um grave prejuízo patrimonial. Além disso, ensina a criminologia e a política criminal que estes comportamentos não são tão raros como à primeira vista se julga. De mais a mais, no mundo do tráfico jurídico, a regra de ouro é a confiança e a sua violação pode, em casos bem determinados na lei, necessitar da força interventora do direito penal, que apesar de tudo, tem de ser entendida, tornar-se a dizer, como ultima ratio.
35. Ainda no domínio deste título sublinhe-se a consagração de um capítulo especial relativo aos chamados 'crimes contra o sector público ou cooperativo agravados pela qualidade do agente'. Visa-se, assim, proteger penalmente um vasto sector da economia nacional mas não tolher os movimentos dos responsáveis que os representam.
Sabe-se que a vida económica se baseia, muitas vezes, em decisões rápidas que envolvem riscos, mas que têm de ser tomadas sob pena de a omissão ser mais prejudicial que o eventual insucesso da decisão anteriormente assumida. Daí que não seja punível o acto decisório que, pelo jogo combinado de circunstâncias aleatórias, provoca prejuízos, mas só aquelas condutas intencionais que levam à produção de resultados desastrosos. Conceber de modo diferente seria nefasto - as experiências estão feitas - e obstaria a que essas pessoas de melhores e reconhecidos méritos receassem assumir lugares de chefia naqueles sectores da vida económica nacional.
36. Para finalizar diga-se que nos crimes contra o Estado o ponto saliente reside na mais correcta e cuidada definição objectiva e subjectiva dos elementos que constituem cada um dos diferentes tipos legais de crime que este título encerra. Por outro lado, fundamentalmente, no que se refere aos crimes contra a segurança interna do Estado, o bem jurídico que se protege é o da ordem democrática constitucional. Desta forma, o bem jurídico não se dilui na própria noção de Estado, antes se concretiza no valor que este, para a sua prossecução, visa salvaguardar.
LIVRO I
Parte geral
TÍTULO I
Da lei criminal
CAPÍTULO ÚNICO
Princípios gerais
  Artigo 1.º
Princípio da legalidade
1 - Só pode ser punido criminalmente o facto descrito e declarado passível de pena por lei anterior ao momento da sua prática.
2 - A medida de segurança só pode ser aplicada a estados de perigosidade cujos pressupostos estejam fixados em lei anterior ao seu preenchimento.
3 - Não é permitido o recurso à analogia para qualificar um facto como crime, definir um estado de perigosidade ou determinar a pena ou medida de segurança que lhes corresponde.

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