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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 17-04-2008
 Associação criminosa Elementos da infracção Criminalidade económico-financeira Crime fiscal
I -O bem jurídico acautelado pela incriminação da associação criminosa é o da paz pública, no sentido das expectativas sociais de uma vida comunitária livre da especial perigosidade de organizações que tenham por escopo o cometimento de crimes.
II - O legislador, numa clara opção de política criminal, antecipa a tutela penal para o momento anterior ao da efectiva perturbação da segurança e tranquilidade públicas, mas em que já se criou um especial perigo de perturbação. Daí que dogmaticamente se integre a infracção na categoria dos crimes de perigo abstracto, permanentes e de participação necessária.
III - Conforme já se entendia na vigência da redacção originária do art. 287.º do CP, e aparte diferenças de redacção relativamente ao actual art. 299.º, o preenchimento do delito, sob o prisma objectivo, demanda a promoção ou fundação de grupo, organização ou associação cuja finalidade ou actividade seja a realização da acção criminosa.
IV - Dado tratar-se de um crime doloso, em qualquer das suas modalidades (art. 14.º do CP), o dolo há-de ser dirigido à aquiescência e acordo de vontades direccionados à finalidade comum de cometer crimes, isto é, o “dolo de associação”.
V - Este primeiro elemento constitutivo existirá quando diversas pessoas se unam voluntariamente para cooperar na realização de um fim ou fins comuns e essa união possua ou queira possuir uma certa permanência ou estabilidade, o que afasta as situações de mera agregação momentânea ou casual de uma pluralidade de pessoas.
VI - O requisito de uma “certa duração temporal” não tem que ser fixado a priori, mas tem que ocorrer para permitir a realização do fim criminoso.
VII - O ilícito pressupõe que a dita associação viva, ou ao menos se proponha viver, como reunião estável de diversas pessoas ligadas entre si com o fito de delinquir e norteadas pela actuação de um programa criminoso.
VIII - Acresce que o escopo desviante não tem que estar estabelecido à partida, antes pode surgir numa fase em que a associação já esteja em funções; ademais, não carece de ser o único objectivo, nem sequer o principal, da associação.
IX - Por outro lado, não é preciso que existam crimes concretos, cometidos ou planeados, apenas que a associação se proponha essa prática. Contudo, não basta que o acordo colectivo se destine à prática de um só crime, por a tanto se opor, nomeadamente, a letra da lei.
X - Em suma, só pode falar-se de associação criminosa quando a confluência de vontades dos participantes dê origem a uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses dos singulares membros, isto é, quando emerja um centro autónomo de imputação fáctica das acções prosseguidas ou a prosseguir em nome e no interesse do conjunto, um ente distinto de imputação e motivação, como entidade englobante, com metas ou objectivos próprios. Centro este que, pelo simples facto de existir, deve representar, em todo o caso, uma ameaça tão intolerável que o legislador reputa necessário reprimi-la com penas particularmente severas.
XI - É o fim abstracto e é aquela ideia de permanência que distinguem a «associação criminosa» da «comparticipação», simples acordo conjuntural para se cometer um crime em concreto.
XII - Doutrinariamente tem sido defendido, de forma maioritária, que os crimes que consistem o escopo da associação criminosa são apenas os contidos na parte especial do CP ou, pelo menos, os que cabem no direito penal “clássico, primário ou de justiça”, de fora ficando os que constituem o direito penal “secundário, económico-social ou administrativo”, como sejam as infracções fiscais não aduaneiras.
XIII - Contudo, com a publicação da Lei 15/2001, de 05-06, plasmou-se no art. 89.º a figura das associações criminosas tributárias. Tal redacção – de formulação e moldura penal abstracta idênticas à do preceito inserto no CP – inculca a ideia de que a intenção do legislador, com o Regime Jurídico das Infracções Tributárias (RJIT), foi a de pôr termo à controvérsia reinante, criminalizando ex novo a “associação tributária” e terminando com a subalternização de que, até então, se ressentia o direito fiscal em face do direito penal de justiça.
XIV - Assim sendo, é de concluir que antes da entrada em vigor do RJIT os crimes fiscais não aduaneiros estavam fora da previsão legal do art. 299.º do CP. 17-04-2008Proc. n.º 4457/06 -3.ª SecçãoSoreto de Barros (relator)Armindo MonteiroSantos CabralOliveira Mendes£Tráfico de estupefacientes Crimes de perigo Tráfico de menor gravidade Ilicitude consideravelmente diminuída Imagem global do facto Prevenção geral Medida concreta da pena Suspensão da execução da pena #I -O art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, contém a descrição fundamental – o tipo essencial – relativa à previsão e ao tratamento penal das actividades de tráfico de estupefacientes, construindo um tipo de crime que assume, na dogmática das qualificações penais, a natureza de crime de perigo. A lei, nas condutas que descreve, basta-se com a aptidão que revelam para constituir um perigo para determinados bens e valores (a vida, a saúde, a tranquilidade, a coesão interindividual das unidades de organização fundamental da sociedade), considerando integrado o tipo de crime logo que qualquer das condutas descritas se revele, independentemente das consequências que possa determinar ou efectivamente determine: a lei faz recuar a protecção para momentos anteriores, ou seja, para o momento em que o perigo se manifesta.
II - A construção e a estrutura dos crimes ditos de tráfico de estupefacientes como crimes de perigo, de protecção (total) recuada a momentos anteriores a qualquer manifestação de consequências danosas, e com a descrição típica alargada, pressupõe, porém, a graduação em escalas diversas dos diferentes padrões de ilicitude em que se manifeste a intensidade (a potencialidade) do perigo (abstracto-concreto) para os bens jurídicos protegidos. De contrário, o tipo fundamental, com os índices de intensidade da ilicitude pré-avaliados pela moldura abstracta das penas previstas, poderia fazer corresponder a um grau de ilicitude menor uma pena relativamente grave, com risco de afectação de uma ideia fundamental de proporcionalidade que imperiosamente deve existir na definição dos crimes e das correspondentes penas.
III - Por isso, o escalonamento dos crimes de tráfico (mais dos tipos de ilicitude do que da factualidade típica, que permanece no essencial), respondendo às diferentes realidades, do ponto de vista das condutas e do agente, que necessariamente preexistem à compreensão do legislador: a delimitação pensada para o grande tráfico (arts. 21.º e 22.º do DL 15/93), para os pequenos e médios traficantes (art. 25.º) e para os traficantes-consumidores (art. 26.º) (cf., v.g., Lourenço Martins, Droga e Direito, ed. Aequitas, 1994, pág. 123; e, entre vários, o acórdão deste Supremo Tribunal de 01-03-2001, in CJ, ano IX, tomo 1, pág. 234).
IV - O art. 25.º do DL 15/93, epigrafado de “tráfico de menor gravidade”, dispõe, com efeito, que «se, nos casos dos artigos 21º e 22º a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade e as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações», a pena é de prisão de 1 a 5 anos (al. a)), ou de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias (al. b)), conforme a natureza dos produtos (plantas, substâncias ou preparações) que estejam em causa.
V - Trata-se, como é entendido na jurisprudência e na doutrina, de um tipo caracterizado por menor gravidade em razão do grau de ilicitude em relação ao tipo fundamental do art. 21.º. Pressupõe, por referência ao tipo fundamental, que a ilicitude do facto se mostre «consideravelmente diminuída» em razão de circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção, e a qualidade ou a quantidade dos produtos. A essência da distinção entre os tipos fundamental e de menor gravidade reverte, assim, ao nível exclusivo da ilicitude do facto (consideravelmente diminuída), mediada por um conjunto de circunstâncias objectivas que se revelem em concreto, e que devam ser conjuntamente valoradas por referência à matriz subjacente à enumeração exemplificativa contida na lei, e significativas para a conclusão (rectius, para a revelação externa) quanto à existência da considerável diminuição da ilicitude pressuposta no tipo fundamental, cuja gravidade bem evidente está traduzida na moldura das penas que lhe corresponde. Os critérios de proporcionalidade que devem estar pressupostos na definição das penas constituem, também, um padrão de referência na densificação da noção, com alargados espaços de indeterminação, de «considerável diminuição de ilicitude».
VI - A densificação da noção de “ilicitude considerável diminuída”, tendo, embora, como referências ainda a indicação dos critérios da lei, está fortemente tributária da intervenção de juízos essencialmente prudenciais, permitidos (e exigidos) pela sucessiva ponderação da praxis judicial perante a dimensão singular dos casos submetidos a julgamento. A qualificação diferencial entre os tipos base (art. 21.º, n.º 1) e de menor intensidade (art. 25.º) há-de partir, como se salientou, da consideração e avaliação global da complexidade específica de cada caso – em avaliação, não obstante, objectiva e com projecção de igualdade, e não exasperadamente casuística ou fragmentária. A construção da ilicitude e a “considerável diminuição” há-de, assim, resultar da imagem global do facto no que respeita, naturalmente, à intervenção do recorrente na actividade que está em causa e aos limites da sua intervenção no contexto que a matéria de facto revela.
VII - Numa situação em que: -durante cerca de 5 meses, o recorrente se dedicou à actividade de venda de produtos estupefacientes de elevada densidade qualitativa e com a perigosidade que trazem associada – heroína e cocaína –, distribuindo os produtos por uma série de indivíduos, muitos identificados, o que constitui uma amostragem já bem significativa da disseminação efectiva dos produtos estupefacientes a cujo comércio se dedicava; -a construção e a organização da actividade não ultrapassam, pelos factos provados, o nível do tráfico de rua; no entanto, apesar da natureza elementar da organização, o tempo por que se prolongou a actividade, as quantidades transaccionadas, e a natureza e qualidade dos produtos e os níveis de disseminação por adquirentes, constituem elementos de ponderação que afastam a actividade do nível de ilicitude consideravelmente diminuída que constitui o pressuposto objectivo de integração no art. 25.º do DL 15/93, de 22-01; o recorrente praticou o crime base de tráfico p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, daquele diploma.
VIII - E, dentro da moldura penal abstracta correspondente a este ilícito, tendo em consideração que: -os tráficos de estupefacientes são comunitariamente sentidos como actividades de largo espectro de afectação de valores sociais fundamentais, e de intensos riscos para bens jurídicos estruturantes, cuja desconsideração perturba a própria coesão social, desde o enorme perigo e dano para a saúde dos consumidores de produtos estupefacientes, como por todo o cortejo de fracturas sociais que lhes anda associado, quer nas famílias, quer por infracções concomitantes, ou pela corrosão das economias legais com os ganhos ilícitos resultantes das actividades de tráfico – dimensão de riscos e consequências que faz surgir uma particular saliência das finalidades de prevenção geral, prevenção de integração para recomposição dos valores afectados e para a afirmação comunitária da validade das normas que, punindo as actividades de tráfico, protegem aqueles; -a dimensão da ilicitude que impõe o primado das finalidades de prevenção geral tem de estar conformada pela situação concreta e pelas variadas formulações, objectivas e subjectivas, da actividade que esteja em causa; -o nível e a densidade da ilicitude constituem, nos crimes de tráfico de estupefacientes, os elementos referenciais das exigências de prevenção geral, mas, nas exigências das finalidades das penas, a medida da intensidade da ilicitude que determina o nível adequado de prevenção tem de ser avaliada no âmbito específico do círculo de ilicitude pressuposto no tipo de ilícito respectivo; -nos limites da graduação da ilicitude para que está pensado o tipo base, a abranger um largo espectro de situações, a actividade do recorrente situa-se, ainda, nos limites inferiores do perímetro do art. 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22-01, que, pela plasticidade da moldura, tem vocação para acolher uma multiplicidade de casos de média e acentuada gravidade; -neste círculo, a ilicitude apresenta-se ainda consistente, mas em nível inferior na relatividade do modelo, dada a inserção do recorrente numa actividade com um nível de organização mínimo; -a culpa é acentuada, visto que o recorrente conhecia as características dos produtos e a danosidade que lhes está associada, e organizou a sua actividade deliberadamente durante um período de tempo que se prolongou por alguns meses; -beneficiam-no a confissão e a consideração em que é tido no meio em que vive; -foi já condenado (em Janeiro de 2005) por crime de tráfico de menor gravidade em pena de prisão, suspensa; considera-se adequada a pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
IX - A existência da condenação anterior por crime da mesma natureza, em pena suspensa que não lhe serviu de resguardo, não autoriza um juízo de prognose favorável que permita integrar os pressupostos do art. 50.º do CP.
Proc. n.º 571/08 -3.ª Secção Henriques Gaspar (relator) Armindo Monteiro Santos Cabral
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