Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
Actualidade | Jurisprudência | Legislação pesquisa:


    Jurisprudência da Relação Cível
Assunto    Área   Frase
Processo   Sec.                     Ver todos
 - ACRL de 26-11-2019   Administrador de insolvência. Formalidades da alienação. Substituição/habilitação processual.
I - O administrador da insolvência deve sempre ouvir o credor, que tenha garantia real sobre o bem a alienar, sobre a modalidade da alienação, devendo informar o mesmo do valor base fixado ou do preço da alienação projectada a entidade determinada, o que resulta do preceituado no artigo 1642 do CIRE.
II - A eventual nulidade decorrente da omissão das ditas formalidades, tem de ser compatibilizada com as regras do CPC, pois que o processo de insolvência rege-se também pelo Código de Processo Civil em tudo o que não contrarie as disposições do ORE (artigo 172 do CIRE).
III — A venda assim realizada pode consubstanciar uma nulidade processual, que, não sendo de conhecimento oficioso, deve, consequentemente, ser arguida pelos interessados no prazo legal de 10 dias (artigos 1492, n.2 1, 1952, 1962 e 1992 do CPC).
IV - Tendo o credor solicitado nos autos, em momento posterior à informação dada pelo administrador de insolvência da venda dos bens onerados com hipoteca, que fosse permitida a sua substituição processual, ocupando o lugar do credor hipotecário, o prazo para arguir a dita nulidade contou-se a partir desse momento.
V --Não tendo sido autorizada a substituição/habilitação processual do credor comum no -lugar do credor hipotecário, aquele não tinha que ser ouvido pelo administrador nos termos e para os efeitos previstos no artigo 1642 do CIRE.
Sumário elaborado pelo Relator
Proc. 878/08.0TYLSB-X.L1 1ª Secção
Desembargadores:  Paula Cardoso - Eurico Reis - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
_______
Recurso de Apelação
Processo n.º 878/08.0TYLSB-L1 1ª Secção Cível
Sumário:
I - O administrador da insolvência deve sempre ouvir o credor, que tenha garantia real sobre o bem a alienar, sobre a modalidade da alienação, devendo informar o mesmo do valor base fixado ou do preço da alienação projectada a entidade determinada, o que resulta do preceituado no artigo 1642 do CIRE.
II - A eventual nulidade decorrente da omissão das ditas formalidades, tem de ser compatibilizada com as regras do CPC, pois que o processo de insolvência rege-se também pelo Código de Processo Civil em tudo o que não contrarie as disposições do ORE (artigo 172 do CIRE).
III — A venda assim realizada pode consubstanciar uma nulidade processual, que, não sendo de conhecimento oficioso, deve, consequentemente, ser arguida pelos interessados no prazo legal de 10 dias (artigos 1492, n.2 1, 1952, 1962 e 1992 do CPC).
IV - Tendo o credor solicitado nos autos, em momento posterior à informação dada pelo administrador de insolvência da venda dos bens onerados com hipoteca, que fosse permitida a sua substituição processual, ocupando o lugar do credor hipotecário, o prazo para arguir a dita nulidade contou-se a partir desse momento.
V --Não tendo sido autorizada a substituição/habilitação processual do credor comum no -lugar do credor hipotecário, aquele não tinha que ser ouvido pelo administrador nos termos e para os efeitos previstos no artigo 1642 do CIRE.
1 Relatora: Desembargadora Paula Cardoso
1° Adjunto: Desembargador Eurico Reis
2' Adjunta: Desembargadora Rosário Gonçalves
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I. Relatório:
BST..., SA, alegando ter requerido nos autos principais a substituição processual do credor hipotecário BIF..., SA, na sequência da medida de resolução do Banco de Portugal, veio aos autos de liquidação (apenso W), por requerimento de 20/10/2017, arguir a nulidade da venda de dois imóveis, que constituem as verbas nºs 5 e 6 do auto de apreensão de bens, em virtude de não ter sido notificado pelo Administrador de Insolvência do valor base para a sua a
lienação, bem como da data da venda para que, podendo e wisesse, apresentasse propostas para aquisição dos ditos imóveis.
Foi ouvido o Sr. Administrador de Insolvência, que se pronunciou por requerimento de 28/11/2019, dizendo, em suma:
- Que não descortinou nos autos a notificação da alegada aquisição de créditos feita pelo BST..., SA, ao BIF..., SA;
- Que em 18/02/2015, enviou ao credor hipotecário, BIF..., SA., um e-mait no qual, lerdo em vista a-alienação _dos 2 imóveis _apreendidos sob os verbas 5 e .6 do _auto de apreensão, interrogou aquele credor se teria uma avaliação actualizada dos imóveis, ou se assim não fosse se pretenderia fazê-la, e que fornecesse os valores pelos quais os imóveis deveriam ser postos à venda;
- Que, em resposta a tal solicitação, no mesmo dia o BIF..., SA, informou que não dispunha de nenhuma avaliação _dos imóveis referidos nem iria efectuar nenhuma avaliação .até que fosse proferida decisão da impugnação por si apresentada nos autos;
- Que, e em face da ausência de impossibilidade do credor em questão apresentar os valores de venda, independentemente da pendência da acção e impugnação, promoveu as diligências de venda dos referidos bens através de leilão público, _tendo por base os valores patrimoniais tributários dos imóveis, _tendo _a Comissão de Credores sido informada das referidas diligências de venda, nada dizendo, sendo também dado conhecimento da mesma à insolvente.
Por despacho de. 04/03/2019 foi ordenada a notificação do recorrente para, sob pena de não ser _admitida a substituição processual requerida, comprovar nos autos que os créditos reclamados pelo BIF... lhe foram efectivamente transmitidos, uma vez que, de acordo com a deliberação do Banco de Portugal, que aplicou a ..medida de resolução ao BIF..., nem _todas as activas deste foram.alienadas ao BST... SA, dependendo, pois, da apreciação do requerido a legitimidade do requerente.
Por requerimento de 10/04/2019 (junto aos autos principais), o requerente insistiu com a interpretação de que devia ser considerado corno sucessor dos direitos -e obrigações do BIF..., informando que, cautelarmente, se encontrava a diligenciar pela obtenção de uma declaração da OTT..., SA que atestasse não ter recebido os activos em causa nestes autos.
Por despacho proferido em 17/05/2010, foi então considerado que, ainda que -o requerente BST... viesse a comprovar a sucessão nos direitos reclamados nos autos pelo BIF..., e viesse a ser admitida a pretendida substituição processual, a arguição de nulidade seria manifestamente
extemporânea, não fazendo sentido protelar mais a decisão sobre o incidente, aguardando a eventual substituição/habilitação, que em nada alteraria a decisão a respeito da tempestividade do incidente_
Assim, por considerar manifestamente extemporânea a arguição da dita nulidade, o tribunal recorrido não admitiu a mesma.
Não se conformando com tal despacho, dele Interpôs recurso o credor BST...,
SA, juntando alegações e formulando as seguintes conclusões que se reproduzem:
«A) O despacho sub judice proferido por parte do Tribunal a quo considerou que (...) por manifestamente extemporânea, não se admite a arguição de nulidade.
B)Dra, salvo o devido respeito, o aludido despacho proferido por parte do Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, decidiu mal face à interpretação do disposto no artigo 164.º do CIRE.
C) O Recorrente não foi informado do valor base fixado nem da data projectada para a venda do imóvel no prazo de uma semana nem em tempo útil para querendo propor a aquisição do bem por preço superior ao da _alienação projectada_ou valor base fixada.
D) A falta de informação em tempo útil das condições de venda e da data da diligência de venda é prejudicial aos interesses dos credores, dos insolventes e da massa insolvente, na medida em que, é essencial para o credor apresentar proposta na diligência de venda ou analisar e tomar posição quanto às propostas que forem então apresentadas.
E) Relativamente às modalidades da alienação, rege o seu artigo 164.º, de acordo com o qual (n.º 1) incumbe ao administrador escolher a respectiva modalidade, sendo que, existindo, credor com garantia real sobre o bem a alienar, nos termos do seu n.9 2, o mesmo é sempre ouvido sobre a modalidade da alienação e informado do seu valor base fixado ou do preço da alienação projectada a entidade deterrninada.
F) Com tal informação pode o credor garantido propor, para si ou para terceiro, a aquisição do bem, nos termos e consequências previstas no n.° 3 do preceito em referência, o que não aconteceu.
G) O Recorrente apresentou nos autos em, 13/06/2016 requerimento autónomo a requerer a substituição processual do Ex-BIF por si, nos termos da medida de resolução do Banco de Portugal aplicada a este..
H) Como é publicamente consabido o BIF... — ..., S.A. foi integrado no BST..., S.A.
I) Pese embora esse facto, a verdade é que o Tribunal a quo ainda não considera o Recorrente investido na posição _do credor.Ex BIF!
J) No entanto, ainda assim considera que a arguição de nulidade pelo Recorrente foi extemporânea, o que em si é contraditório.
K) Certo é que o Recorrente apenas teve conhecimento que foram vendidos os dois bens imóveis dados em hipoteca ao.Ex-BIF, posteriormente à sua intervenção nos autos.
L) No entanto, sempre se dirá que a comunicação do Administrador de Insolvência ao, na altura BIF..., apenas solicitava a avaliação do imóvel nada dizendo quanto ao valor base fixado nem data projectada para a venda do imóvel.
M} Assim o Recorrente não foi notificado do valor base para a alienação projectada, nem data da venda, para eventualmente apresentar propostas para aquisição dos referidos imóveis.
N) Acresce que, salvo o devido respeito que é muito, entende o Recorrente que a invocada nulidade, tendo em conta que se trata de um negócio jurídico (venda de imóveis), poderia ser invocada a todo o tempo, nos termos do disposto nos artigos 286.° do C.C.
O) Nos termos do artigo 289.9 do Código Civil, a declaração de nulidade do negócio jurídico tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que foi prestado.
P) Operando tanto em relação às partes como em relação a terceiros.
Q) A notificação ao credor hipotecário, nos termos do nº 2 do art 164° do CIRE, mesmo que se entenda não ser vinculativa, é fundamental para o exercício do seu direito de apresentar proposta nos termos do n.9 3 do mesmo preceito.
R) Assim falta dessa notificação, determina a preterição de formalidades essenciais susceptíveis de influir no resultado da liquidação e importará por isso o nulidade da venda
S) Por outro lado, o valor atribuído aos imóveis alienados e objecto de venda foi muito inferior ao valor de mercado dos mesmos, o que contraria frontalmente os termos do n.º3 do art. 812.º do Código de Processo Civil, norma que é aplicável, também, ao processo de insolvência, tanto mais que este é um processo de execução universal».
A recorrida Massa Insolvente contra-alegou como dos autos consta, pugnando pela manutenção da decisão proferida nos autos.
O recurso foi admitido, como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com ,efeito devolutivo_
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II. Questões a decidir:
Estando o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes —artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a questão que se coloca à apreciação deste Tribunal consiste em saber:
(i) se foram preteridas as formalidades legais previstas no artigo 164º do CIRE no que ao recorrente respeita;
(ii) quais as consequências da preterição das mesmas e prazo para a sua arguição.

III — Do mérito do recurso:
1/ Da invocada preterição das formalidades legais previstas no artigo 164º do CIRE:
Afirma o recorrente que apresentou nos autos em 13/06/2016, requerimento autónomo a requerer a substituição processual do Ex-BIF... por si, nos termos da medida de resolução do Banco de Portugal aplicada a este, pois que, alega, é publicamente consabido que o BIF... — ..., S.A. foi integrado no BST..., S.A.
Mais alega que não foi informado do valor base fixado nem da data projectada para a venda dos imóveis dados em hipoteca ao Ex-BIF..., de que apenas teve conhecimento posteriormente à sua intervenção nos autos.
Defende que o artigo 164.º do CIRE obriga, existindo credor com garantia real sobre o bem a alienar, que o mesmo seja sempre ouvido sobre a modalidade da alienação e informado do valor base fixado ou do-preço da alienação projectada a entidade determinada, o que foi omitido nos autos.
Assim, alega, foram preteridas as formalidades legais exigidas pelo artigo 164º do CIRE, o que deve implicar a nulidade da venda, pois que a falta de informação em tempo útil das condições de venda e da data da diligência de venda (já que mesmo a comunicação do Administrador de Insolvência ao, na altura BIF, apenas solicitava a avaliação do imóvel) é prejudicial aos interesses dos credores, dos insolventes e da massa insolvente.
Vejamos então.
O processo de insolvência é um processo de execução universal e concursal, que tem como finalidade a satisfação dos credores, sendo por ele abrangido praticamente todo o património do devedor, e chamados todos os credores a intervir no processo, de modo a garantir a igualdade de todos aqueles que se encontrem nas mesmas condições (artigos 1° e 47º do CIRE).
O processo -de insolvência rege-se também pelo Código de _Processo Civil em tudo -o que não contrarie as disposições do CIRE (art.° 17º do CIRE).
A desjudicialização do processo, a ampla autonomia dos credores, e o reforço dos poderes do administrador, mormente, no que respeita à liquidação do activo do insolvente, constituem hoje .princípios basilares do CIRE.
Na sequência desses princípios, incumbe então ao administrador da insolvência promover a alienação dos bens que constituem a massa insolvente, funções que exerce sob a fiscalização da comissão de credores, da assembleia de credores e do juiz, sendo o administrador civilmente -responsável pelos danos causados ao devedor e aos credores da insolvência e da massa insolvente pela inobservância culposa dos deveres que lhe incumbem, podendo ser destituído, a todo o tempo, pelo juiz se fundadamente considerar existir justa causa (artigos 55º, 56º, 58º, 59º, 79º e 80º do CIRE).
Relativamente às modalidades da alienação, regia o disposto no artigo 164.º do CIRE, vigente à data da venda em causa nos autos, cuja nulidade é objecto deste recurso, que («1 - O administrador da
insolvência escolhe a modalidade da alienação dos bens, podendo optar por qualquer das que são admitidas em processo executivo ou por alguma outra que tenha por mais conveniente. 2 - O credor com garantia real sobre o bem a alienar é sempre ouvido sobre a modalidade da alienação, e informado do valor base fixado ou do preço da alienação projectada a entidade determinada. 3 - Se, no prazo de uma semana, ou posteriormente mas em tempo útil, o credor garantido propuser a aquisição do bem, por si ou por terceiro, por preço superior ao da alienação projectado ou ao valor base fixado, O administrador da insolvência, se não aceitar a proposta, fica obrigado a colocar o credor na situação que decorreria da alienação a esse preço, caso ela venha a ocorrer por preço inferior. 4 - A proposta prevista no número anterior só é eficaz se for acompanhada, como caução, de um cheque visado à ordem da massa falida, no valor de 20/prct. do montante da proposta, aplicando-se, com as devidas adaptações, 0 disposto nos artigos 997.º e 898.º do Código de Processo Civil. 5 Se o bem tiver sido dado em garantia de dívida de terceiro ainda não exigível pela qual o insolvente não responda pessoalmente, a alienação pode ter lugar com essa oneração, excepto se tal prejudicar a satisfação de crédito, com garantia prevalecente, já exigível ou relativamente ao qual se verifique aquela responsabilidade pessoal. 6 - À venda de imóvel, ou de fracção de imóvel, em que tenha sido feita, ou esteja em curso de edificoçõo, uma construção urbana, é aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 905.º do Código de Processo Civil, não só quando tenha lugar por negociação particular como quando assuma a forma de venda directa».
Sobre esta problemática, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, 3ª ed., Quid luris, Lisboa, 2015, pp. 616/619, dizem que decorre do n.º 1 deste artigo, por um lado, que a decisão quanto à escolha da modalidade de alienação dos bens integrantes da massa insolvente é cometida, em exclusivo, ao administrador da .insolvência, segundo o seu critério e tendo em conta o que entenda ser mais conveniente para os interesses dos credores, advertindo para o facto de a decisão não ser censurável, através de qualquer tipo de impugnação, perante outros órgãos ou perante o juiz.
Acrescentam os citados autores que se é verdade impor o n.º 2 do mesmo artigo ao administrador o dever de ouvir (sempre) previamente os credores que tenham garantia real sobre os bens a alienar acerca do meio pelo qual devem ser vendidos, também não é menos verdade resultar da mesma norma que «a pronúncia dos credores notificados não é vinculativa, o que parece excluir relevância processual à eventual violação desse dever, apesar de esta poder comportar responsabilidade para o administrador e de constituir justa causa de destituição».
E considerando a possibilidade de o administrador proceder à venda sem prévia notificação do valor fixado ou projectado ao credor garante, concluem: «Com essa omissão ilícita, o administrador
inviabilizou a oferta ao credor. Cremos que em tal situação, tendo em conta o objectivo da lei, (...), o
administrador responderá perante o credor pelo diferencial entre o valor obtido e o total do crédito garantido, sem prejuízo da faculdade de provar que o credor preterido, se devidamente notificado, apresentaria proposta que não permitiria o ressarcimento integral do seu crédito, caso em que então responderá somente até à concorrência da proposta presuntiva.
Por conseguinte, e em síntese, antes de escolher a modalidade da alienação, o administrador da insolvência deve sempre ouvir o credor que tenha garantia real sobre o bem a alienar, devendo igualmente facultar-lhe informação quanto à alienação.
Revertendo agora à situação dos autos, vemos que foi considerada a seguinte factualidade na decisão recorrida:
1. Em 28/06/2016, a fls. 1420-1441 dos autos principais, o BST..., SA requereu que passasse a figurar na posição processual do credor reclamante BIF... — ..., SA, com _garantia hipotecária.
2. Em 13/07/2016, a fls. 1443-1464 dos autos principais, o BST..., SA requereu que fosse investido na posição processual de credor reclamante no que respeita às operações creditícias peticionadas pelo BIF... — ..., SA no âmbito do presente processo, passando a assumir os respectivos direitas_e obrigações.
3. Em 22/03/2016 o Administrador de Insolvência em funções nos autos veio informar, no apenso de liquidação, terem sido vendidos os imóveis respeitantes às verbas 5 e 6 do apenso de apreensão (correspondentes aos prédios urbanos descritos na Conservatória do Registo Predial de Arruda dos Vinhos sob os _números ... e 3...).
4. Nas certidões permanentes referentes aos prédios urbanos descritos na Conservatória do Registo Predial de Arruda dos Vinhos sob os números 3... e 3... consta registada, com data de 24/11/2016, a respectiva venda no âmbito do presente processo de insolvência.
5. O requerimento de arguição de nulidade deu entrada em juízo no dia-20/10/2017.
6. O BST..., SA consta da lista do artigo 129, n.° 1 do CIRE com um crédito reconhecido no valor de E 147.593,36 (capital) e E 23.886,69 (juros), classificado como comum.
7. O BIF... — ..., SA consta da lista do artigo 129°, n.° 1 do CIRE com um crédito reconhecido no valor de E 316231,58 (capital) e E 34299,93 (juros), classcado como .garantido por hipoteca sob as verbas 5 e 6 do auto de apreensão».
Decorre então, à luz dos factos antecedentes, como é fácil de ver, que o credor BST..., SA, à data da arguição da nulidade invocada — 20/10/2017 - não figurava nos autos como credor com garantia hipotecária.
Com efeito, ainda que defenda que requereu ser investido na posição processual do BIF... —..., SA no âmbito do presente processo, passando a assumir os _respectivos direitos e obrigações daquele, certo é que tal assim não foi entendido, não havendo decisão a permitir a aludida substituição.
Antes pelo contrário.
Veja-se que, por despacho de 04/03/2019, foi ordenada a notificação do recorrente para, sob -pena de não ser admitida a substituição processual requerida, comprovar nos autos que os créditos reclamados pelo BIF... lhe foram efectivamente transmitidos, uma vez que, de acordo com a deliberação do Banco de Portugal, que aplicou a medida de resolução ao BIF..., nem todos os activos deste foram alienados ao BST... SA.
_Não resulta dos autos que o recorrente o tivesse feito e que tivesse sido proferido despacho .a permitir a sobredita substituição processual.
Não obstante a medida de resolução tomada pelo Banco de Portugal, a substituição das partes não é automática, estando a pretendida substituição dependente de despacho nesse sentido, seja por aplicação do preceituado no artigo 269º n.º 2 do CPC, para quem defende a proximidade das duas situações, seja pelo recurso ao mecanismo legal de habilitação, previsto no artigo 356º nº 2 do CPC.
Ora, na situação dos autos, o recorrente foi notificado para comprovar que os créditos .reclamados _pelo BIF... lhe foram efectivamente transmitidos_
Não o tendo feito, e não havendo despacho a determinar a substituição processual, ao administrador de insolvência não era exigível ouvir o recorrente antes de processar a venda.
Em conclusão, não existindo nos autos decisão a substituir/habilitar o recorrente, o mesmo não era credor com garantia real, mas apenas credor comum, pelo que não tinha que ser cumprido o disposto no artigo 164º do CIRE quanto a si, como não foi.
Pelo que, por aqui, sempre teria que improceder a apelação, pois que, contrariamente ao pretendido pelo apelante, o preceito legal invocado não obrigava à sua notificação.
2/ Consequências legais da preterição das formalidades previstas no artigo 164º do CIRE e prazo de arguição:
Mas, entendeu-se na decisão proferida, objecto do recurso de que aqui apreciamos, que mesmo que tivessem sido preteridas tais formalidades, tal consubstanciaria mera irregularidade arguida intempestivamente.
Vejamos também.
A não observância das formalidades legais prevista no artigo 164° do CIRE, tem sido alvo de posições interpretativas divergentes na jurisprudência e na doutrina.
,Para uns, a ilicitude decorrente daquelas omissões, em si, não afecta a validade ou eficacia da venda efectuada, havendo apenas uma responsabilidade do administrador da insolvência perante os credores reclamantes, no sentido de lhes garantir a diferença entre o valor porque foi alienado o bem e o valor do seu crédito garantido; para outros, o credor com garantia real sobre o bem a alienar não tem sequer a faculdade de arguir, perante o juiz do processo, a nulidade da alienação efectuada pelo administrador com violação dos deveres de informação; para outros, pode consubstanciar uma nulidade processual que acarreta a anulação da venda (ver acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13/06/2019, relatado por Alcides Rodrigues, publicado na dgsi, que aborda as diferentes posições jutisprudenciais e doutrinais)
A posição sufragada na decisão recorrida considerou então que, uma vez que a lei não comina de nulidade a violação do disposto no artigo 164° do CIRE, a falta de audição do credor com garantia real constitui .mera irregularidade que pode influir no exame ou decisão da causa, o que constitui uma nulidade atípica, prevista no artigo 195° do CPC.
Admitindo que assim fosse, caso se viesse a demonstrar a dita falta de audição (o que dependia, desde logo, da invocada qualidade de credor hipotecário que não se verificava à data da venda) tal nulidade, que constitui -em si mesma um desvio do formalismo processual prescrito na lei, não é de conhecimento oficioso, devendo, consequentemente, ser arguida pelos interessados, tal como resulta do artigo 196° do CPC.
Ora, o regime de arguição está então sujeito ao disposto no artigo 199º do mesmo diploma, .contando-se aprazo, de 10 dias --artigo 149º, n.º 1 do CPC - para a arguição a partir do dia -em que, depois de cometida a nulidade, a parte intervier em algum acto praticado no processo ou for .notificada para qualquer termo dele, mas, neste último caso, só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.
No caso objecto do presente recurso, não oferece quaisquer dúvidas que a pretensa nulidade —que, reitera-se, entendemos não ter existido —foi arguida para lá do prazo legal.
Senão vejamos.
O requerente, em 28/06/2016 e em 13/07/2016, veio aos autos principais pedir para ser admitido a intervir nos autos em substituição do BIF.... Quando o fez, já constava dos autos a informação, prestada por requerimento do administrador de insolvência de 22/03/2016, da venda dos imóveis respeitantes às verbas 5 e 6 do auto de apreensão pelos valores, respectivos, de € 62.000,00 e € 56.000 (nessa informação, o administrador informou que, na sequência do leilão efectuado com vista à venda dos bens pertencentes à massa insolvente, foram vendidos os imóveis respeitantes às verbas 5, 6, e 7 do auto de apreensão).
Assim sendo, uma.vez que o _prazo de arguição das nulidades secundárias se conta, como vimos já, do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo, com a apresentação do primeiro pedido de substituição processual, em 28/06/2016, iniciou-se o prazo geral de 10 dias para o recorrente arguir a nulidade invocada apenas em 20/10/2017.
Agindo com a diligência devida, tanto mais que, pedindo a substituição processual, teria de aceitar os autos no estado em que os mesmos se encontravam, facilmente poderia ter tido conhecimento dos referidos actos.
Assim, em 20/10/2017, estava largamente ultrapassado o aludido prazo de 10 dias, o que torna manifestamente extemporânea a arguiçião da dita nulidade.
E não se diga, como pretende o recorrente, que estamos perante um negócio jurídico (venda de imóveis), o que permite, à luz do artigo 289.2 do Código Civil, que seja declarada a nulidade a todo o tempo, com efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que foi prestado.
A falta de notificação ao credor hipotecário, nos termos do n.2 2 do artigo 164.2 do CIRE - e é essa a nulidade invocada - constitui um desvio processual ao regulado por lei do processo, e é no processo, em 10 dias, que deve ser arguida a mesma.
Por último, defende o recorrente que o preço pelo qual os bens imóveis foram vendidos é manifestamente inferior ao seu valor real/mercado, o que por si contraria frontalmente os termos do n.º 3 do artigo 812.º do CPC, norma que é também aplicável ao processo de insolvência, pelo que, também com este fundamento, a venda não deixaria de ser nula.
Ora, a ter acontecido o assim alegado, que dos autos não nos é possível, sem mais, concluir, recorrendo à posição defendida por Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, acima sintetizada, poderia o administrador vir a ser civilmente responsabilizado pelas consequências da sua actuação, a comprovar-se ser ilícita (artigo 59º do CIRE), incorrendo na obrigação de indemnizar os danos resultantes para os credores dessa actuação, que, por si só, não determinaria a nulidade da venda.
A decisão recorricla merece, assim, confirmação, improcedendo as conclusões do apelante.
IV. Decisão:
Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a
apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo do apelante (artigo 5272 do CPC).
Lisboa, 26/11/2019
Paula Cardoso
Eurico Reis
Rosário Gonçalves
   Contactos      Índice      Links      Direitos      Privacidade  Copyright© 2001-2024 Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa