Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Laboral
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 - ACRL de 11-09-2019   PREVPAP. Contrato sem termo. Clausula Nula.
A ré, entidade abrangida pelo art. 2, n.º1 da Lei n9 112/2017 de 29/12 (que estabelece o programa de regularização extraordinário dos vínculos precários -PREVPAP), ao formalizar com o autor o contrato de trabalho sem termo reconheceu, por força da lei, que a relação existente anteriormente era de trabalho subordinado.
Sendo a Lei PREPAP de carácter imperativo, não podiam autora e ré estipular, sob pena de nulidade, cláusulas limitativas dos seus efeitos. Deste modo, é nulo segmento da cláusula do contrato de trabalho celebrado ao abrigo do PREVPAP onde consta que somente será considerada a antiguidade para efeitos de desenvolvimento da carreira.
Ainda que não fosse nula por esta via e consubstanciasse uma remissão abdicativa, a cláusula não poderia ser válida porquanto, havendo reconhecimento de um contrato de trabalho anterior, por força da Lei do PREVPAP, aquando da declaração da renúncia vigorava um contrato de trabalho vinculando as partes.
Estando a ré abrangida nas entidades referidas nos arts. 142-1 e 29-1 da Lei PREVPAP, não é aplicável o nº 3 do art.° 14° mas sim o disposto no seu n° 2, não podendo haver alteração do valor das retribuições anteriormente estabelecidas com a empregadora durante o vínculo pré-existente.
Os Tribunais do Trabalho são incompetentes em razão da matéria para conhecer pedidos de condenação da empregadora a efetuar descontos devidos à Segurança Social.
Proc. 930/18.3T8FNC.L1 4ª Secção
Desembargadores:  Sérgio Manuel de Almeida - Francisca da Mata Mendes - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa
RELATÓRIO
Autor (A.) e recorrente: ENP...
Ré (R.): SSR..., E.P.E.
O A. alega que por convénio celebrado 1 de junho de 20… foi contratado pela
R., sob o regime de prestação de serviços, para prestar serviços de engenharia, mediante a retribuição, a título de honorários, no montante base mensal de € 1.350,0o, acrescida de IVA à taxa legal. Esta contratação teve a duração de seis meses. Todavia, a R. foi renovando ininterrupta e sucessivamente a prestação de serviços, contratan¬do-o para as mesmas funções, para o mesmo local de trabalho, com a mesma retribuição e carga horária. Considerando as circunstâncias em que prestava a atividade trata-se de um contrato de trabalho, que deve ser reconhecido e declarado.
Com estes fundamentos pede que seja reconhecida a existência de um contrato de trabalho entre A. e a ré com efeitos reportados a 1 de junho de 2014 e a ré condenada no pagamento de todos os direitos e regalias decorrentes do vínculo de natureza laboral iniciado a 1 de Junho de 2014, nomeadamente salários, subsídios, férias e descontos para o regime contributivo da segurança social e deduções fiscais.
Não havendo acordo a ré contestou, excecionando a incompetência em razão da matéria, defendendo ser competente o tribunal administrativo. Face ao contrato de trabalho entretanto subscrito pelo autor, considera que existe uma inutilidade superveniente da lide. Para o caso de assim não se entender, impugna, ainda, a factualidade alegada pelo autor.
Em saneador sentença o Tribunal a quo julgou improcedente a exceção, porém extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

Inconformado, o A. apelou, concluindo:
A) Da assinatura do contrato de trabalho por tempo indeterminado, em 29 de junho de 2018, não resultou qualquer renúncia de direitos laborais para o trabalhador.
B) Contrariamente, na sentença foi considerado que, a outorga do contrato de trabalho sem termo entre o A. e a Ré teve como consequência direta e necessária a renúncia daquele a (...) quaisquer eventuais direitos anteriores à data da celebração do contrato, não previstos no programa de regularização extraordinária. (...).
C, D) No âmbito programa de regularização extraordinária dos vínculos precários da Administração Pública Regional e do setor empresarial da Região …, por força da Portaria nº 165/2018, de 14 de maio, art.º 41.º do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2018/M, de 9 de janeiro e da Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro, que o A. veio a outorgar o sobredito contrato de trabalho sem termo, sendo certo que o mesmo não foi suscetível de discussão/debate acerca do conteúdo das suas cláusulas, antes limitou-se a assiná-lo e não lhe foi dada a possibilidade de contestar as suas cláusulas.
E) A R. tem de conformar a sua atuação com as regras do Código do Trabalho, oferecendo um contrato de trabalho que cumpra com as mesmas, reconhecendo na plenitude dos seus direitos o contrato de trabalho com o A.
F) Todavia não o fez, pois no contrato celebrado, ficou plasmado que a antiguidade do A., contada desde oi de junho de 2014, seria somente considerada para efeitos de desenvolvimento da carreira, designadamente para efeitos de alteração do posicionamento remuneratório, e de acordo com o que for estabelecido para os restantes trabalhadores da R.
G) Era sobre a R. que recaia o ónus de regularizar a relação jurídico-laboral com o A., a obrigação de lhe oferecer um contrato de trabalho que cumprisse com as regras do Código do Trabalho, nomeadamente, considerando a antiguidade daquele, reportada a 1de Junho de 20.., na sua plenitude legal.
H) Obrigação que haverá de aplicar-se, até por maioria de razão ao Estado, ou seja, à R., pois, considerar o contrário, ou dar patrocínio através de um contrato ou decisão judicial, corresponderá, necessariamente, a ter uma porta aberta para que as empresas do sector empresarial do Estado, com os argumentos invocados pela R. (inutilidade superveniente da lide pelo facto de ter sido assinado um contrato), regularizarem trabalhadores ao seu serviço, nos termos e nas condições que bem quiserem e entenderem, não importando se cumprem ou não com as regras do Código do Trabalho e com os direitos dos trabalhadores.
I) Salvo o devido respeito pela douta decisão, o Tribunal a quo andou mal ao considerar, liminarmente, que a simples outorga do referido contrato de trabalho pelo A. implicou (...) uma renúncia pelo autor a quaisquer eventuais direitos anteriores à data da celebração do contrato, não previstos no programa de regularização extraordinária. (...). [Itálico é nosso]
J) Só pode haver renúncia de um direito quando há liberdade de escolha e de decisão sobre esse mesmo direito!
K) No caso sub júdice, estão em crise precisamente direitos de créditos de natureza laboral (diferenças salariais e subsídios de férias e de natal) e os direitos a férias, à categoria profissional e ao nível remuneratório adequados.
L) Os créditos laborais são irrenunciáveis ou indisponíveis durante a vigência do contrato de trabalho, conforme tem uniformemente entendido a jurisprudência a partir do disposto, em matéria de prescrição, no artigo 381 do Código de Trabalho.
M) Tal resulta precisamente do facto de, na vigência da relação laboral, se verificar uma situação de subordinação ou sujeição económica do trabalhador ao empregador que justifica a proteção legal dos direitos deste.
N) Há no ordenamento jurídico português um primado da irrenunciabilidade do direito à retribuição na vigência do contrato de trabalho, dada a situação de subor¬dinação jurídica em que se encontra o trabalhador relativamente ao seu empregador!
O) Razão pela qual, mesmo que se conclua pela existência de uma renúncia nos termos propugnados na douta sentença recorrida, a mesma nunca poderia ser juridicamente válida!
P) O contrato de trabalho viola claramente o direito do trabalhador às condições de trabalho mais favoráveis inerentes às funções exercidas, conforme previsto no art.° 120.º, n.º 4 do Código do Trabalho, pois retira ao A. o direito a receber as diferenças salariais a que teria direito desde o dia 24 de abril de 2014 até lhe serem reconhecidos a plenitude dos seus direitos de retribuição.
Q) A sentença padece de um vício de ilegalidade, ao concluir pela existência de uma renúncia do trabalhador aos seus direitos (inalienáveis) e pugnando, em consequência, pela inutilidade superveniente da lide.
R) Apesar de o trabalhador ter subscrito o sobredito contrato, o certo é que do mesmo resulta a violação de um conjunto de direitos de natureza subjetiva e creditória que não são suscetíveis sequer de renúncia!
S) O Tribunal a quo poderia e deveria, inclusive, ter lançado mão no presente aresto do disposto no art.° 74° do Código de Processo do Trabalho, onde se permite a condenação extra vel ultra petitum, e no sentido de conferir a legalidade e a justiça que se impunha.
T) O Apelante tem, pois, o direito de ver reconhecida a antiguidade reportada à data de 01 de junho de 2014, na plenitude dos seus efeitos legais, nomeadamente, todos os que resultarem dos créditos de natureza retributiva e os inerentes à categoria profissional adequada.
Remata pedindo se considere a decisão sobre a inutilidade superveniente da lide sem efeito, por não ter havido qualquer renúncia do Apelante aos seus direitos creditórios laborais, devendo estes serem-lhe plenamente reconhecidos com todos os seus devidos efeitos legais.
Contra-alegou a R., pedindo a final a improcedência do recurso, e concluindo:
A) O A. celebrou validamente um contrato de trabalho com a R. em 29 de junho de 2018, o que permitiu a sua integração nos quadros da R., facto que determinou a desistência, pelo A., do pedido formulado em I da sua petição inicial.
B) Com a outorga do contrato de trabalho, procederam as partes outorgantes (A. e R.) à regulação de uma relação de natureza jurídico-laboral entre si, conforman¬do todos os aspectos da relação laboral: vínculo, remuneração e acréscimos remunera-tórios, local de trabalho, período semanal de trabalho, direito a férias e antiguidade, como resulta da cláusula sétima do contrato de trabalho em causa.
C) A celebração do contrato de trabalho foi possível no âmbito e dentro dos limites estabelecidos pelo regime jurídico especial denominado: Programa de regularização extraordinária dos vínculos precários de pessoas que exerçam ou tenham exercido funções que correspondam a necessidades permanentes (...) de entidades do Sector Empresarial do Estado.
D) A adesão a este regime especial, corporizada na celebração do contrato de trabalho, fez precludir qualquer outro pedido do A., nomeadamente o pedido formulado no ponto II da sua PI, na medida em que este pedido depende intrinsecamente do pedido formulado em I, de que o A. desistiu.
E) O A. ao aceitar que a situação de precaridade laboral fosse regularizada por via da adesão ao Programa de regularização extraordinária dos vínculos, do modo especial, contemplado no regime jurídico em apreço, fê-lo em prejuízo de qualquer outro, inexistindo, dentro dos limites daquele regime extraordinário, e das cláusulas contratuais negociadas, base legal para manter o segundo pedido formulado pelo A.
F) Mas, ainda que assim não fosse, sempre se dirá, que a acção de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho, de que o A. lançou mão, é, como a própria nomenclatura indica, uma acção de simples apreciação positiva, não há condenação da R.
G) A R., enquanto entidade pública empresarial, está sujeita a normas e procedimentos de natureza pública, que exigem que a contratação em regime de contrato individual de trabalho seja precedida de um procedimento de recrutamento e seleção de pessoal, com a publicitação das ofertas de emprego e selecção de candidatos conforme Regulamento Interno do SSR..., E.P.E., publicado no JORAM, II Série, n.º 245, de 24 de dezembro de 2008.
H) A celebração do contrato entre as partes não consubstancia qualquer renúncia de direitos laborais. O A. apenas pode renunciar a direitos que já detém na sua esfera jurídica, facto que não sucede nos autos. Até à sentença declarativa que qualifique os indícios trazidos pelo A. como contrato de trabalho, este só tem uma expetativa.
I) A inclusão do A. na lista a que se refere o programa de regularização extra-ordinária de vínculos precários é tão-só o reconhecimento de que o A. exerceu fun¬ções para a R., sob um vínculo inadequado e não necessariamente que o vínculo para aquelas funções fosse o do contrato de trabalho sem termo. Não atribuí de per si qualquer direito ao A.
J) O A. antes de 29/06/2018 não tinha qualquer contrato de trabalho com a R., pelo que antes disso não pode o A. falar em créditos laborais irrenunciáveis.
K) Só a sentença poderia atribuir a tais eventuais indícios de laboralidade alegados a qualificação jurídica de contrato de trabalho.
L) Só pode o juiz condenar em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso dele quando isso resulte da aplicação à matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do art.° 514° do Código de Processo Civil, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho. Nos autos só ocorre a subordinação jurídica com a celebração do contrato de trabalho de 29/06/2018.
M) Mais, e ao que verdadeiramente importaria neste recurso, o A. em mo¬mento algum especifica ou sequer alega qual e/ou quais as concretas consequências vantajosas para si, que justificariam, em seu entender, a manutenção da lide.
N) Pelo exposto deve ser negado provimento ao recurso interposto, confirmando-se a sentença recorrida.
O M°Pº teve vista e emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
Não houve resposta ao parecer.
Foram colhidos os vistos legais.

FUNDAMENTAÇÃO
Cumpre apreciar neste recurso - considerando que o seu objecto é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.° 635/4, 608/2 e 663, todos do Código de Processo Civil - se o acordo celebrado entre as partes tornou ou não inútil o prosseguimento da ação e com que consequências.

Factos provados.
O Tribunal a quo deu como assente a matéria de facto que infra se exara.
No entanto, refere logo no n.° 1, seguindo a terminologia infeliz do próprio A., que o contrato está sob o regime de prestação de serviços, o que é suscetível de conter já uma solução de direito e é, por isso, inaceitável numa ação em que se discute precisamente a qualificação do contrato (e, diga-se, não reflete o pensamento da parte, que defende de seguida nos art.° 11 e ss. da pi, e mormente 15 e 29, que se trata de uma relação de trabalho subordinado).
Retifica-se, pois, a terminologia, nos termos do n.º1 do art.° 662 do Código de Processo Civil (e 1º/2/a do Código de Processo do Trabalho), tendo em conta o documento de fls. 11 e ss., alterando-se a redação de O autor foi contratado pela ré, sob o regime de prestação de serviços, por contrato outorgado a 26 de Maio de 2014, para prestar serviços de engenharia para
O autor foi contratado pela ré por contrato outorgado a 26 de Maio de 2014, designado de prestação de serviços de engenharia biomédica na SSR…, E.P.E., para prestar a atividade de engenharia
Acrescentar-se-á ainda, atenta admissão na contestação, consentânea com a posição da R., sob o n.º 8: Até à celebração do negócio jurídico referido em 6. o prestador da atividade não viu reconhecido o direito a férias nem recebeu a correspondente retribuição e subsidio e nem subsidio de Natal (cfr. art.2 125 a 127 da contestação).
São, pois, estes os factos assentes nos autos:
1 - O autor foi contratado pela ré por contrato outorgado a 26 de Maio de 2014, designado de prestação de serviços de engenharia biomédica na SSR…, E.P.E., para prestar a atividade de engenharia.
2 - A contratação destinou-se a ocupar o posto de trabalho de engenheiro biomédico da ré, mediante o pagamento de uma retribuição mensal, a título de honorários, no montante base de € 1.350,00 (mil trezentos e cinquenta euros), acrescido de IVA à taxa legal.
3 - A contratação inicial do autor pela ré teve a duração de seis meses.
4 - A ré foi renovando, ininterrupta e sucessivamente, a sua relação contratual com o autor, contratando-o para as mesmas funções, para o mesmo local de trabalho, com a mesma retribuição e a mesma carga horária.
5 - A ré recorreu sempre ao mesmo formalismo procedimental para contratar os serviços do A., fazendo-o através de convites dirigidos ao A. para que este apresen¬tasse propostas, no âmbito das quais, este entregava à ré uma carta contendo uma proposta e uma declaração, ambas já previamente redigidas e facultadas pela ré ao autor.
6 - Em 29 de junho de 2018, ao abrigo do programa de regularização extraor-dinária dos vínculos precários, o autor e a ré celebraram um contrato de trabalho sem termo, nos termos do qual o autor foi contratado para exercer as funções inerentes à categoria de técnico superior, da carreira de técnico superior.
7 - No contrato celebrado, o autor e a ré acordaram que a antiguidade do autor, contada desde 9 de junho de 2014, será somente considerada para efeitos de desenvolvimento da carreira, designadamente para efeitos de alteração do posicionamento remuneratório, de acordo com o que for estabelecido para os restantes trabalhadores da ré.
8 - Até à celebração do negócio jurídico referido em 6. o prestador da atividade não viu reconhecido o direito a férias nem recebeu a correspondente retribuição e subsidio e nem subsídio de Natal.

De direito
A sentença recorrida, para motivar a inutilidade superveniente da lide, estribou-se na seguinte ordem de razões (reproduzindo-se sem as locuções irrelevantes para a economia do acórdão):
No contrato de trabalho sem termo celebrado na pendência da presente ação, em 29 de junho de 2018, entre o A. e a ré, ao abrigo do programa PREVPAP [Regula-rização dos Vínculos Precários na Administração Pública e no Setor Empresarial do Estado], nos termos do qual o A. foi contratado para exercer as funções inerentes à categoria de técnico superior, da carreira de técnico superior, acordaram as partes que a antiguidade deste, contada desde 6 de junho de 2014, será somente considerada para efeitos de desenvolvimento da carreira, designadamente para efeitos de alteração do
posicionamento remuneratório, de acordo com o que for estabelecido para os restantes trabalhadores da ré.
Resulta, assim, que relativamente ao pedido de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho entre o A. e a R., com efeitos reportados a 6 de junho de 2014, esta ação tornou-se inútil. E atento o teor do contrato celebrado pelo A. em 29 de junho de 2018, designadamente a cláusula transcrita, nos termos do qual as partes acordaram que a antiguidade do A. apenas seria considerada para efeitos de desenvolvimento da carreira, também o segundo pedido fica prejudicado. Com efeito, tal acordo acabar por configurar uma renúncia pelo A. a quaisquer eventuais direitos anteriores à data da celebração do contrato, não previstos no programa de regularização extraordinária.
Nos termos do art. 277.º, alínea e) do Código de Processo Civil ex vi do art. 1.º, n.º 2, al. e) do Código de Processo Civil, a instância extingue-se, entre outras causas, por inutilidade superveniente da lide. Só se verifica a inutilidade superveniente da lide quando essa inutilidade for uma inutilidade jurídica. A utilidade da lide correlaciona-se, assim, com a possibilidade da obtenção de efeitos úteis da mesma pelo que a sua extinção só deve ser declarada quando se conclua que o seu prosseguimento não poderá trazer quaisquer consequências vantajosas para o autor/requerente. É o que sucede no caso.
Será assim?
Decidiu esta Relação, por acórdão de 26.6.19, disponível em www.dgsi.pt
(relator Duro Cardoso'), um caso paralelo, transcrevendo-se, com a devida vénia:
Estabelece o art. 8632-1 do CC que o credor pode remitir a dívida por contrato com o devedor, sendo que a remissão de dívida é, por conseguinte, a renúncia do credor ao direito de exigir a prestação, feita com a aquiescência da contraparte, sendo uma das causas de extinção das obrigações, tendo como efeito imediato a perda definitiva do crédito, de um lado, e a liberação do débito, pelo outro- Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 3-q ed., Vol. II, pags. 209 e 218.
Ficou provado que autora e ré, a 29/6/2018, celebraram um acordo escrito segundo o qual disseram que A antiguidade da autora, contada desde i de Março de 2014, ... será somente considerada para efeitos de desenvolvimento da carreira (...). Temos uma declaração escrita emitida pela A. e pela ré que a fizeram sua ao assiná-la, a qual não foi afastada através da alegação ou prova por parte da autora da existência de falta ou de vícios da vontade susceptíveis de a invalidar, nos termos previstos nos arts. 2402 e s. do CC. (...)
Cumpre proceder à sua interpretação. Determina o art. 236º do CC que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele; porém, sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante é de acordo com ela que a declaração vale.
(—)
Não se está perante um reconhecimento negativo de dívida, o qual é o negócio declarativo pelo qual o possível ou aparente credor reconhece vinculativamente perante a contraparte que certa obrigação não existe, ou porque nunca existiu ou porque foi extinta entretanto - Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, C. Civil Anotado, 2-4 ed., II Vol., pag. 136 - pois a declaração constante do da Clã 7ª do contrato de trabalho não consubstancia um reconhecimento de que a obrigação da aqui ré não existe.
Ora o documento reflecte um acordo entre as partes nestes autos, mas tal mais não é do que a implicação necessária da celebração do contrato de trabalho ao abrigo do PREVPAP, como resulta do art. 132-1 da Lei PREVPAP, ... Após a integração e o posicionamento remuneratório na base da carreira respectiva, para efeitos de reconstituição da carreira, o tempo de exercício de funções na situação que deu origem à regularização extraordinária releva para o desenvolvimento da carreira, designadamente para efeito de alteração do posicionamento remuneratório....
Ou seja, a consequência da referida Clã 7q do contrato já resultava, ope legis da Lei PREVPAP como uma das consequências decorrentes daquele art. 13º, até sem necessidade que a mesma, ou as mesmas, constassem do teor do contrato de trabalho celebrado.
Porém, em tal cláusula, A. e R. acrescentaram 'algo que a Lei não contempla, dizendo que ... será somente considerada para efeitos de desenvolvimento de carreira
1.1
Acontece que sendo a Lei PREPAP de carácter imperativo, não podiam A. e ré estipular quaisquer cláusulas limitativas dos seus efeitos, sob pena de nulidade, porque contrária à lei, nulidade que, como se sabe, é de conhecimento oficioso nos termos dos arts. 280º-1 e 286º do CC.
É assim nula a parte da Cl 7ã do contrato de trabalho de 29/6/2018 onde consta que somente será considerada a antiguidade para efeitos de desenvolvi¬mento de carreira. E sendo nula, a restrição constante do contrato de trabalho, não produz quaisquer efeitos.
Ainda que assim não fosse e a Clã 7ª fosse integralmente válida, e pudéssemos configurar a situação jurídica como uma remissão abdicativa por parte da autora, haveria de se considerar a validade de tal renúncia, isto porque, como se viu, havendo reconhecimento da existência de um contrato de trabalho desde 1/3/2014, por força da Lei PREVPAP, aquando da declaração da renúncia, estava-se em plena vigência de um contrato de trabalho entre autora e ré. E, como é sabido, a retribuição do trabalhador, durante a vigência do contrato de trabalho, é considerado direito indisponível, estando a disponibilidade do mesmo retirada da sua vontade (art. 97º da LCT) (v. a propósito, Dr. João Leal Amado, A Protecção do Salário, Coimbra, 1993, pag. 214 e 215).
Portanto, ainda que a Cl 7g contratual fosse totalmente válida, a autora não podia renunciar a quaisquer direitos de carácter remuneratório.
Acompanhamos estes considerandos. Efetivamente, o contrato ora celebrado,
em obediência ao regime do PREPAP, acaba por ir para além dele, contrariando-o ao limitar os seus efeitos meramente ao desenvolvimento da carreira, não obstante o desiderato da Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro, ser a regularização extraordinária dos vínculos precários. Esta limitação meramente ao desenvolvimento da carreira dei¬xa de lado outras vertentes, nomeadamente os eventuais créditos que o trabalhador deva perceber face aos termos da atividade entretanto prestada, sem que se encontra cobertura na lei. Impõe-se, pois, a conclusão de que tal limitação atinge a imperativi-dade da lei, não podendo, pois, subsistir.
Por outro lado, mais do que ter sido virtualmente imposta sem uma negociação livre prévia, como defende o A., também não oferece dúvidas de que tal perda redunda numa disposição de retribuições na pendência da relação de trabalho subordinado, quando tais réditos alimentares são indisponíveis, pelo que não poderia, de todo o modo, o trabalhador deles dispor (de que é afloramento o n.º 1 do art.° 337 do Código do Trabalho). Relação que existia, como as partes acabam por reconhecer face aos termos do PREPAP e da factualidade referida nos n.° 6 e 7 dos factos assentes.
Assim, entendemos que o recurso merece provimento nesta parte, não podendo dar-se por verificada a remissão abdicativa do crédito.
O A. pretende que a R. seja condenada no pagamento de todos os direitos e regalias decorrentes do vínculo de natureza laboral iniciado a 1 de Junho de 2014, nomeadamente salários, subsídios, férias e descontos para o regime contributivo da segurança social e deduções fiscais.
Acontece que, desde logo, não é possível este último segmento ser atendido, visto que a competência material pertence aos tribunais administrativos, não estando em causa uma relação entre sujeitos de direito privado mas uma relação de direito público tributário entre a administração - no caso a segurança social - e o empregador, sendo tendo as contribuições sociais natureza parafiscal. O facto de o Tribunal a quo ter declarado a competência material da jurisdição laboral é, aqui, irrelevante, já que fê-lo nesta parte tabelarmente, sem equacionar esta questão dos descontos para a segurança social e deduções fiscais. Assim, e nesta parte, há que absolver da instância a R.
No que respeita aos créditos laborais propriamente ditos há que excluir aquilo que o A. chama genericamente salários, que não podem ser atendidos face
aos termos do art.° 14/2 da Lei (n.º 112/2017, de 29/12) do PREVPAP, apenas podendo receber o correspondente a férias e subsídios de férias e de Natal do período sito entre 9.6.14 (data a que se tem por iniciada a relação de trabalho subordinado) e 29.6.18
Convergindo, refere nesta matéria o supra referido acórdão de 26.06.19 (transcrevendo-se ainda, atento o paralelismo dos casos):
(...) A ré encontra-se abrangida pelas entidades referidas nos art.-º 14º-1 e 2º-1 da Lei PREVPAP pelo que não se aplica o disposto no nº 3 (...) é aplicável o disposto no n2 2 do art. 142 onde se estabelece que De acordo com a legislação laboral, o reconhecimento formal da regularização, produzida por efeito da lei, não altera o valor das retribuições anteriormente estabelecido com a entidade empregadora em causa quando esta era parte do vínculo laboral preexistente. Consequentemente, a autora apenas tem direito às retribuições de férias, subsídios de férias e subsídios de Natal, não pagos, entre 1/4/2014 e 1/7/2018, considerando-se para efeitos de cálculos os valores mensais respectivos que eram pagos em cada ano ...
Quanto ao pedido de condenação da ré a proceder aos descontos para a Segurança Social, a incompetência material do Tribunal do Trabalho foi suscitada expressamente pela ré na sua contestação. Porém, o Tribunal a quo apesar de se ter pronunciado quanto à também excecionada incompetência material por se alegar estar em causa um contrato de serviços públicos realizado nos termos do Código de Contratos Públicos, não dispensou uma única linha quanto a esta específica questão. Este assunto foi já objecto de antiga, repetida e uniforme pronúncia jurisprudencial, quer do Supremo Tribunal de justiça, quer dos Tribunais da Relação, quer, principalmente, do Tribunal dos Conflitos. De facto, como já se decidiu no Ac. do STJ de 13/11/02, Col. STJ, T. 3, pag. 276, a questão da eventual falta de pagamento de contribuições do réu à Segurança Social, não é da competência dos tribunais do trabalho. No mesmo sentido podem ver-se o Ac. da Rel. de Lisboa de 14/2/2007, disponível em
www.dgsi.pt/jtrl, P. nº 998º/2006-4; o Ac. da Rel. de Lisboa de 7/3/2007, disponível em www.dgsi.pt/jtrl, P. nº 9393/2006-4; o Ac. do Tribunal de Confli¬tos de 27/10/2004, disponível em www.dgsi.pt/jcon, P. n2 02/04; o Ac. do Tribu¬nal de Conflitos de 29/6/2005, disponível em www.dgsi.pt/jcon, P. 112 01/05; o Ac. do Tribunal de Conflitos de 4/10/2006, disponível em www.dgsi.pt/jcon, P. nº 03/06; o Ac. do Tribunal de Conflitos de 4/10/2007, disponível em www.dgsi. pt/jcon, P. nº 014/07; o Ac. da Rel. de Lisboa de 5/11/03, Recurso nº 4825/03-4R secção; e o Ac. da Rel. de Lisboa de 12/5/04, Recurso n2 7944/03-48 secção (com sumário disponível em www.dgsi.pt/jtrl), onde se decidiu que a questão da eventual falta de pagamento de contribuições do réu à segurança social não é da competência dos tribunais de trabalho e também não e de qualquer outro tribunal judicial, sendo que competentes para o conhecimento de tais acções são os tribunais administrativos e fiscais. Assim, é entendimento (...) no pedido formulado de condenação na regularização de descontos para a Segurança Social estão em causa verdadeiras quotizações sociais com natureza parafiscal que se encontram no âmbito das imposições financeiras públicas a favor de organismos do Estado. Por isso o pedido de pagamento das contribuições em causa resulta da relação jurídica contributiva da qual emergia uma obrigação da entidade empregadora perante a Segurança Social, mediante a concretização e entrega dos descontos. E embora a prestação contributiva pressuponha a existência de um contrato de trabalho, a obrigação respectiva só se concretiza mediante uma relação jurídica entre a entidade que procede aos descontos e o Estado. Não estão em causa direitos e deveres recíprocos das partes no contrato de trabalho, nem respeita a relações jurídicas estabelecidas directamente entre as mesmas. Assim, não sendo os Juízos do Trabalho competentes em razão da matéria para conhecer deste pedido concreto, terá a ré de ser absolvida da instância do mesmo, atento o art. 99º-1 do CPC/2013.
Destarte, e sem necessidade de maiores considerandos, são devidas ao A. desde 9 de junho de 2014, com fundamento no contrato de trabalho, as retribuições de férias, subsídios de férias e subsídios de Natal, vencidos e não pagos entre 9/6/2014 e 1/7/2018, considerando-se para efeitos de cálculos os valores mensais respectivos que eram pagos em cada ano à autora como remuneração, acrescidos de juros de mora à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento

DECISÃO
Pelo exposto, este Tribunal julga a apelação procedente, revoga a sentença e recorrida e consequentemente:
a) Reconhece a existência de um contrato de trabalho entre autor e ré desde 9/6/2014;
b) Condena a ré a pagar ao autor as retribuições de férias, subsídios de férias e subsídios de Natal, vencidos e não pagos entre 9/6/2014 e 1/7/2018, considerando-se para efeitos de cálculos os valores mensais respectivos que eram pagos em cada ano ao autor como remuneração, acrescidos de juros de mora à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.
c) Absolve a ré da instância quanto ao pedido de descontos para a Segurança Social.
Custas em ambas as instâncias pelas partes, na proporção de 9/10 pela R. e
1/10 pelo A.
Lisboa, 11 de setembro de 2019
Sérgio Almeida
Francisca Mendes
Celina Nóbrega
I- A ré, entidade abrangida pelo art.9 22-1 da Lei n9 112/2017 de 29/12 (que estabelece o programa de regularização extraordinário dos vínculos precários -PREVPAP), ao formalizar com o autor o contrato de trabalho sem termo reconheceu, por força da lei, que a relação existente anteriormente era de trabalho subordinado.
II- Sendo a Lei PREPAP de carácter imperativo, não podiam autora e ré estipular, sob pena de nulidade, cláusulas limitativas dos seus efeitos. Deste modo, é nulo segmento da cláusula do contrato de trabalho celebrado ao abrigo do PREVPAP onde consta que somente será considerada a antiguidade para efeitos de desenvolvimento da carreira.
III- Ainda que não fosse nula por esta via e consubstanciasse uma remissão abdicativa, a cláusula não poderia ser válida porquanto, havendo reconhecimento de um contrato de trabalho anterior, por força da Lei do PREVPAP, aquando da declaração da renúncia vigorava um contrato de trabalho vinculando as partes.
IV- Estando a ré abrangida nas entidades referidas nos arts. 142-1 e 29-1 da Lei PREVPAP, não é aplicável o n9 3 do art.° 14° mas sim o disposto no seu n° 2, não podendo haver alteração do valor das retribuições anteriormente estabelecidas com a empregadora durante o vínculo pré-existente.
V- Os Tribunais do Trabalho são incompetentes em razão da matéria para conhecer pedidos de condenação da empregadora a efetuar descontos devidos à Segurança Social.
(Sumário do Relator, art.º 663/7, do Código de Processo Civil).
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