Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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 - ACRL de 11-07-2019   Participação em motim. Prova indirecta/indiciária.
1 - Protege-se com esta incriminação bens jurídicos pessoais e patrimoniais, sejam da titularidade de pessoas privadas ou públicas, e sejam estas individuais ou colectivas.O tipo legal objectivo deste crime de participação em motim divide-se em duas partes: tomar parte em motim, a primeira, sendo a segunda, o cometimento, durante o motim, de violências contra pessoas ou contra a propriedade, uma condição objectiva de punibilidade.Tem que existir uma relação de adequação entre a prática das lesões pessoais ou patrimoniais e o motim, ou seja, a violência tem que ser considerada como efeito adequado do motim, segundo a experiência comum.
2 - Está prevista no art. 302°, n° 1, uma cláusula de subsidiariedade, ou seja, o agente só é punido pela prática desde crime, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal. Portanto, se, num motim, um dos intervenientes agride corporalmente uma pessoa ou danifica gravemente um automóvel, e os outros intervenientes não tiveram qualquer comparticipação nesta agressão corporal ou neste dano, o primeiro será sancionado somente com a pena aplicável ao crime de ofensas corporais ou do crime de dano (puníveis com penas mais elevadas que a prevista para a participação em motim) enquanto os outros intervenientes serão sancionados pela sanção da participação em motim. Na hipótese da impossibilidade de prova de qual ou quais dos intervenientes cometeram o crime de violência, durante o motim, responderão todos apenas pelo crime de participação em motim.
3 - In casu, resultou provado que os arguidos participaram no ajuntamento, com número não inferior a 50 indivíduos, em que foram cometidas colectivamente violências contra pessoas ou contra a propriedade, designadamente foram arremessadas pedras que atingiram agentes, causando-lhes dores, bem como foram danificados quatro escudos policiais e um capacete, provocando danos no valor de € 1 740, 20. Mais se provou que no grupo de pessoas que compunha o referido ajuntamento, no qual se incluem os arguidos, estava presente a aceitação da eventualidade da criação de perigo para bens jurídicos pessoais ou patrimoniais e que a vontade e actuação dos manifestantes dirigia-se contra a acção da polícia, que foi o que motivou o arremesso de pedras.Por outro lado, segundo a experiência comum, foi precisamente por a violência ter sido exercida por alguns elementos do grupo de manifestantes, inseridos nesse todo, que lograram concretizar os actos de violência, sendo tais actos efeito adequado do motim. Encontram-se, pois, preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do crime de participação em motim, pelos arguidos, impondo-se a sua condenação, considerando que não lhes cabe pena mais grave por força de outra disposição legal.
4 - No caso, embora se admita que a manifestação numa fase inicial tenha decorrido de forma pacífica, o certo á que, a dada altura, o carácter pacífico da manifestação gorou-se, na medida cm que alguns dos manifestantes usaram armas de arremesso (pedras) contra os agentes policiais que ali se encontravam. Esses manifestantes que usaram armas não eram todos os que integravam a manifestação, mas apenas um grupo. Todavia, a partir do momento em que um grupo de manifestantes deixou de actuar de forma pacífica, a protecção constitucional conferida ao direito de manifestação deixou de existir para esse específico grupo (onde se integravam os recorrentes).
5 - A prova pode ser directa ou indirecta/indiciária. Enquanto a prova directa se refere directamente ao tema da prova, a prova indirecta ou indiciária refere-se a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação quanto ao tema da prova. A nossa lei processual penal não estabelece requisitos especiais sobre a apreciação da prova, quer a directa, quer a indiciária, estando o fundamento da sua credibilidade dependente da convicção do julgador que, sendo embora pessoal, deve ser sempre motivada e objectivável, sendo apreciada de acordo com as regras da experiência.
Proc. 46/19.5PALSB.L1 5ª Secção
Desembargadores:  Alda Tomé Casimiro - Anabela Simões - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
Recurso Penal n° 46/19.5PALSB.L1
Processo Sumário n° 46/19.5PALSB — Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa — Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa — Juiz 5
Acordam, após Conferência, na 5a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa,
Relatório
No âmbito do processo Sumário com o n° 46/19.5PALSB que corre termos no Juiz 5 do Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foram os arguidos,
BA..., solteiro, desempregado, nascido a . .1990, em S. Jorge de Arroios, Lisboa, filho de…, residente na Rua …;
JJ..., solteiro, desempregado, nascido a . .1996, na Guiné Bissau, filho de …, residente na Rua …;
BF..., copeiro, solteiro, nascido a . .1988, em Agualva, Sintra, filho de …, residente na Rua…; e
TF..., desempregado, solteiro, nascido a . .1992, na Guiné Bissau, filho de …, residente na Rua …
condenados:
- o arguido BA..., pela prática de um crime de participação em motim, p. e p. pelo art. 302° do Cód. Penal, na pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, tendo sido absolvido da prática dos quatro crimes de ofensa à integridade física qualificada, um crime de ofensa à integridade física qualificada, na forma tentada, e um crime de dano qualificado que lhe eram imputados na acusação;
- o arguido JJ..., pela prática de um crime de participação em motim, p. e p. pelo art. 302° do Cód. Penal, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros), num total de € 350 (trezentos e cinquenta euros), tendo sido absolvido da prática dos quatro crimes de ofensa à integridade física qualificada, um crime de ofensa à integridade física qualificada, na forma tentada, e um crime de dano qualificado que lhe eram imputados na acusação;
- o arguido BF..., pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade qualificada, na forma tentada, p. e p. pelo art. 143°, n° 1,145°, n° 1, alínea a) e 132°, n° 1 e n° 2 alínea I), ex vi art. 145°, n° 2, todos do Cód. Penal, na pessoa do ofendido LM..., na pena de 3 (três) meses de prisão, substituída por 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros); e pela prática de dois crimes de injúria agravada, p. e p. pelos arts. 181°, n° 1, 184° e 132°, n° 2, alínea I), todos do Cód. Penal, um na pessoa do ofendido LM... e outro na pessoa do ofendido AA..., na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de € 5 para cada um dos crimes. Operado o cúmulo jurídico pela prática dos dois crimes de injúria agravada referidos ficou este arguido condenado na pena única de 80 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), num total de €400 (quatrocentos euros);
- o arguido TF..., pela prática de dois crimes de injúria agravada, p. e p. pelos arts. 181°, n° 1, 184° e 132°, n° 2, alínea 1), todos do Cód. Penal, um na pessoa do ofendido LM... e outro na pessoa do ofendido AA..., na pena de 50 dias de multa para cada um dos crimes. Operado o cúmulo jurídico ficou condenado na pena única de 80 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), num total de €400 (quatrocentos euros).
Sem se conformarem com a decisão, todos os arguidos recorreram pedindo a revogação da sentença e a sua absolvição.
Para tanto, formulam as conclusões que se transcrevem:
1. É entendimento dos Apelantes que a douta Sentença, por um lado, julgou incorretamente diversos pontos da matéria de facto - daí se requerendo a reapreciação da prova gravada - e, por outro, interpretou incorrectamente normas jurídicas, aplicando-as aos Apelantes, motivos pelos quais a presente apelação tem como objecto matéria de facto e de direito.
2. Requer-se, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea d), do n° 2 do Artigo 403° do Código de Processo Penal (doravante CPP) que o presente recurso seja limitado à questão da culpabilidade.
1- Apelantes BA... e JJ... - Do crime de participação em motim
3. Entendem os Apelantes que a condenação pela prática do crime de participação em motim é o resultado, por um lado, do incorrecto julgamento da matéria de facto por parte do Tribunal a quo e, por outro, da incorrecta interpretação e aplicação da norma jurídico-penal que tipifica o crime de participação em motim, encetada pelo Tribunal a quo.
4. Recorde-se que o Tribunal o quo incluiu na matéria de facto não provada, toda a factualidade que se reconduzisse à autoria de arremesso de pedras pelos Apelantes, tendo, consequentemente, absolvido os mesmos dos crimes respetivos.
5. Sucede, porém, que, de forma surpreendente, o Tribunal a quo condenou os Apelantes pela prática do crime de participação em motim, dando, por um lado, como provado que toda a manifestação, pelo menos a partir do Marquês de Pombal, no sentido descendente da Avenida da Liberdade, configurou um ajuntamento para efeitos de subsunção naquele ilícito jurídico-penal e, por outro, que o elemento subjectivo do tipo, no que concerne aos Apelantes, se teve como cabalmente demonstrado.
6. Com efeito, no que diz respeito ao julgamento da matéria de facto, considerou o Tribunal a quo - incorrectamente, do ponto de vista dos Apelantes, conforme adiante se demonstrará ¬ser de inserir no segmento da Sentença reservado ao elenco de factos provados, os pontos 2, 10, 11 e 18.
7. Justamente, alicerçado nestes pontos da matéria de facto que considerou provada, o Tribunal a quo concluiu, a fls. 15 da decisão da matéria de facto, que Resultou provado que os arguidos BA... e JJ... se encontravam no grupo de manifestantes que desceu do Marquês de Pombal contra a indicação da polícia, ocupando a faixa de rodagem e o passeio e em que indivíduos não identificados arremessaram pedras contra a polícia e viaturas, cometendo, por conseguinte, violência contra pessoas e a propriedade, afectando, ipso modo, o sossego e tranquilidade públicas, o que pretendiam colectivamente..
8. Do ponto de vista do Tribunal a quo, todos os manifestantes que permaneceram no desfile após o Marquês de Pombal, encetando a descida da Avenida da Liberdade, cometeram um crime de participação em motim, na medida em que se conformaram, nas palavras do Tribunal a quo, com a possibilidade de lesão de bens jurídicos, pretendendo, ademais, concretizar essas lesões colectivamente.
9. Para elucidar aquilo que fica dito, requer-se que esta Relação possa reapreciar a prova gravada - a qual impunha e impõe decisão diversa - e, em especial no que concerne a esta matéria, o depoimento das testemunhas da defesa, MB... e JS..., ambos docentes universitários, os quais, de forma fortuita, acompanharam a manifestação na altura dos confrontos, tendo relatado, perante o Tribunal a quo, os acontecimentos que antecederam e sucederam os confrontos entre alguns manifestantes e elementos da Polícia de Segurança Pública (doravante PSP).
10. No que concerne à testemunha MB..., Docente Universitário na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, sublinhe-se, a título preliminar, que o mesmo compareceu no Tribunal, no dia da 1a sessão de Julgamento, oferecendo-se para ser testemunha de defesa, afirmando que o fazia por dever cívico, uma vez que não se revia na atuação da PSP.
11. O respetivo depoimento, na 2a Sessão de Julgamento, no dia 21 de fevereiro de 2019, consignando-se em ata que o seu início ocorreu pelas 14 horas e 33 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 18 minutos, foi gravado no sistema Habilus - entre os 4m40 e os 48m00 - e, pese embora se requeira possam V. Exas., Venerandos Desembargadores, reapreciá-lo na sua globalidade, na medida em que, julgamos, é deveras esclarecedor no que diz respeito à conduta geral dos manifestantes e ao desenrolar dos acontecimentos até ao momento dos confrontos, justifica que transcrevamos os seguintes excertos:
• Aos 9m34: (...) e portanto a manifestação nessa altura está completamente controlada, sempre pacífica, os mesmos gritos de ordem, os mesmos slogans (...).
• Aos 12m03: (...) e à frente da garagem do hotel há aí um grupo que está a atirar pedras, não era o grupo todo (...).
• Aos 26m27: (...) eram manifestantes, ou se calhar até podiam não ser, mas era um grupo de gente que ali estava, todos vestidos como estavam os outros manifestantes (..).
12. De igual forma, no que concerne ao depoimento de JS..., realizador de cinema e docente universitário, o qual, por motivos idênticos aos invocados pela testemunha MB..., não hesitou em disponibilizar-se para ser testemunha de defesa, o mesmo prestou o seu depoimento na 3ª Sessão de Julgamento, no dia 1 de março de 2019, consignando-se em ata que o seu início ocorreu pelas 14 horas e 16 minutos e o seu termo pelas 14 horas e 47 minutos, gravado no sistema Habilus - entre os 0m45 e os 31m15 -, requerendo-se a V. Exas., Venerandos Desembargadores, possam reapreciá-lo na sua globalidade.
13. Contudo, uma vez que o respetivo depoimento é revelador da conduta geral dos manifestantes, julgamos que se justifica, igualmente, que transcrevamos os seguintes excertos:
• Aos 2m29 : (...) deparei-me com um grupo de jovens, estas duas ou três centenas que têm sido mencionadas pela imprensa. Não entendi imediatamente que se tratava de uma manifestação, porque inicialmente não havia um grito, um espalhafato característico das manifestações e aproximei-me com curiosidade para tentar entender o que era e finalmente vi as placas pedindo justiça, pedindo o fim da violência policial e entendi que se tratava de facto de uma manifestação (..).
• Aos 5m58 : (...) há um momento em que eles decidem sentar-se no chão (...) e vi muita gente que parava e que se sentia sensibilizada pela manifestação (...) voltaram a levantar-se e seguiram ordeiramente até à rotunda do Marquês de Pombal (..).
• Aos 7m08: (...) novamente gostava de destacar (...) havia uma presença enorme de raparigas na manifestação (...) e vi várias vezes pedidos de calma, para nos mantermos ordeiramente até ao fim, estamos a conseguir os nosso objectivos (...) estamos a ser ouvidos (...).
• Aos 9m14: (...) efetivamente, há um grupo de trezentas pessoas que se quer continuar a manifestar (...) e os jovens começam a descer a Avenida da Liberdade, há uma maioria que vai junto à faixa da direita do corredor central e outra percentagem grande de jovens que vai junto ao passeio (...).
• Aos 9m54: (..) mas não previa o que ia acontecer em seguida (..).
• Aos 10m23: (...) é verdade que os jovens ocupavam a via pública, mas parece-me mais relevante que tinham um enorme apoio popular, de carros que buzinavam (.,.) portanto, há uma ocupação da via pública, mas totalmente ordeira, eu que não conhecia absolutamente nenhum dos manifestantes, em nenhum momento senti que aquela manifestação poderia descambar para qualquer tipo de violência, portanto, continuei a acompanhar a manifestação (...) e subitamente oiço (...) e começo a perceber que os jovens estão a ser impelidos pela polícia, já alguns de bastão em riste e outros com as armas na mão e a gritarem vão para o passeio (...).
• Aos 12m45: (...) nesse momento vejo de facto os jovens a serem forçados a fugir para o passeio, oiço duas explosões que eu não identifiquei se seriam balas ou se seriam petardos (...) e nesse momento consigo contornar a polícia que estava já a agredir indiscriminadamente os manifestantes (...).
• Aos 14m43: (...) não vi pedras e gostava também de referir que (...) vi nas notícias que é mencionado (...) centenas de pedras (...) mas eu não vi uma única destas pedras (...) portanto, não vi pedras e acho (...) que o arremesso de pedras seja utilizado como justificação para se devolver violência desproporcional, nomeadamente balas de borracha (...).
• Aos 16m13: (...) e na verdade, nesse momento, quando oiço as balas, senti-me enquanto cidadão ameaçado na minha integridade física, tive que me baixar atrás de um carro, vi turistas (...) a atirarem-se para o chão também sem perceberem o que se estava a passar no momento em que se escutam tiros (...) vi depois nas notícias (...) que há um manifestante que quase ficou cego por ter sido alvejado entre os olhos (...).
• Aos 17m15: (...) e portanto, para mim o que é relevante desta manifestação é esta atitude que me parece bastante irracional, descontrolada, pouco ponderada (...) e se há dois ou três indivíduos que tenham atirado pedras, eu não os vi, mas assumindo essa possibilidade, não me parece uma conduta, digamos, decente e racional, que se atire indiscriminadamente sobre a população, manifestantes ou não, porque há dois ou três tipos que possam ter atirado pedras e ainda mais que se detenham outros sem nenhuma prova de que eles efetivamente tenham atirado essas pedras (..).
14. Ora, Venerandos Desembargadores, os depoimentos dos dois docentes universitários, os quais, de resto, mereceram toda a credibilidade por parte do Tribunal a quo, permitem retirar importantes ilações.
15. Desde logo, que a manifestação decorreu, em geral, de forma pacífica, mesmo após a descida do Marquês de Pombal.
16. Resulta, ainda, provado, que o arremesso de pedras que veio a provocar a lesão de bens jurídicos teve como autores um grupo minoritário de manifestantes e que ocorreu, de forma súbita, durante a descida da Avenida da Liberdade, após a PSP ter forçado os manifestantes a desocupar a faixa de rodagem.
17. Daquilo que se acaba de expor, resulta que os confrontos entre manifestantes e a PSP ocorreram subitamente, de forma inesperada e contrariando o curso normal e, em geral, pacífico da manifestação.
18. Mais, resulta ainda que o arremesso de pedras foi protagonizado por um grupo reduzido ou circunscrito de manifestantes, tendo os demais sido alheios a tais factos.
19. Sucede que, para o Tribunal a quo, conforme resulta da Sentença recorrida, todos estes cidadãos, incluindo os dois docentes universitários e os Apelantes, praticaram um crime de participação em motim.
20. Mais, pretenderam colectivamente, nas palavras do Tribunal a quo, provocar lesões em bem jurídicos ou, noutra formulação utilizada na Sentença recorrida, conformaram-se com a possibilidade dessa lesão.
21. Ora, salvo o devido respeito, que é muito, tal entendimento encerra, por um lado, uma visão conservadora, do ponto de vista ideológico, do direito de manifestação e, por outro, uma concepção justicialista da acção penal.
22. A circunstância de a manifestação não ter sido previamente autorizada, assim como o facto de os manifestantes terem ocupado a via de rodagem, não podia autorizar o Tribunal a quo a inferir que todos os manifestantes são penalmente responsáveis por quaisquer danos que daí venham a decorrer.
23, É certo que tais condutas, de desobediência, poderiam ter relevância penal - o que, aliás, foi equacionado pelo Ministério Público, o qual decidiu pelo arquivamento dos autos no que diz respeito a esse ilícito jurídico-penal -, todavia, o Tribunal a quo não podia, como fez, utilizar o tipo de crime de participação em motim como pretexto para a punição dos Apelantes, sem que os respetivos pressupostos se pudessem ter como preenchidos.
24. Justamente, não foi feita qualquer prova do preenchimento do elemento subjectivo do tipo, circunstância que fica patente na fundamentação da Sentença recorrida, a qual, no essencial, dirige a todos os manifestantes, sem exceção, um juízo de censura quanto à circunstância de se terem mantido na manifestação após o Marquês de Pombal, altura em que já teriam conhecimento de que tinha havido, em momentos anteriores, lesão de bens jurídicos.
25. O Tribunal a quo, assim, com os fundamentos expostos e de forma manifestamente abusiva, fez assentar o preenchimento do elemento volitivo do tipo justamente na alegada conformação de todos os manifestantes, entre os quais os dois docentes universitários e os Apelantes, com a probabilidade de ocorrência de novas lesões a bens jurídicos.
26. Tal concepção, ademais, configura uma aplicação desadequada e inaceitável do tipo de crime de participação em motim, com efeitos perversos no direito à manifestação, consagrado no Artigo 45° da Constituição da República Portuguesa.
27. Com efeito, não é, nem pode ser, exigível aos participantes numa determinada manifestação, que dela se retirem assim que um grupo minoritário provoque a lesão de bens jurídicos, sob pena de, não o fazendo, constituírem-se como comparticipantes de um crime de participação em motim.
28. Ademais, resulta das regras de experiência comum que, em grande parte das manifestações, mesmo naquelas que foram previamente autorizadas, registam-se danos, desacatos, ofensas à integridade física, injúrias, entre outras condutas configuráveis como crime, circunstâncias que, pese embora se lamente, são não raras vezes o resultado inevitável da aglomeração de um elevado número de pessoas e da exaltação característica do protesto político.
29. Não há, nestes casos, convergência de vontades ou atuação conjunta, elementos indispensáveis para que se encontre preenchida a previsão daquele ilícito jurídico-penal.
30. O Tribunal a quo, no entanto, conforme resulta da Sentença recorrida, considerou que sim.
31. Acresce que, mesmo que se considerasse, como fez o Tribunal a quo, que todos os manifestantes, entre os quais os Apelantes, se conformaram, desde a ocorrência de danos na Praça do Comércio, com a possibilidade de novas lesões a bens jurídicos - o que não se concede -, haveria ainda, necessariamente, que demonstrar o preenchimento do elemento volitivo quanto a cada um dos Apelantes, isto é, haveria que provar que os Apelantes assistiram a tais eventos, por um lado e, por outro, que se conformaram com a possibilidade de os mesmos se repetirem.
32. Ora, nenhuma prova foi produzida a este respeito.
33. A audiência de julgamento apenas permitiu concluir que os Apelantes se encontravam no grupo, ou melhor, no local, de onde foram arremessadas pedras.
34. No entanto, como os Apelantes, muitos outros manifestantes e transeuntes foram apanhados em fogo cruzado, conforme resulta dos depoimentos supra citados, em especial do depoimento de JS....
35. Não podia, consequentemente, o Tribunal, ancorado nessa circunstância - de os Apelantes se encontrarem na zona do arremesso de pedras -, mas recorrendo à argumentação que já referimos, ter condenado os Arguidos pela prática do crime de participação em motim.
36. Os Arguidos, em nenhum momento, se conformaram com a possibilidade de lesão de bens jurídicos, mas tão-só com a possibilidade de lesão da sua própria integridade física, na medida em que, de forma súbita, se viram no meio de uma troca de pedras e balas de borracha.
Venerandos Desembargadores,
37. O Tribunal a quo, ignorando, todavia, a situação concreta dos Apelantes, limitou-se a declarar, sem qualquer fundamentação adequada, que as centenas de cidadãos que integravam a manifestação se conformaram, a partir de determinado momento, com a eventualidade de criação de perigo para bens jurídicos.
38. Por conseguinte, o Tribunal a quo, por via da condenação dos Apelantes pela prática do crime de participação em motim, com a fundamentação aduzida na Sentença recorrida, violou, antes de mais, o Artigo 302° do Código Penal, na medida em que o mesmo impõe que se dê como provado o preenchimento do elemento volitivo, o que, conforme vimos, não ocorreu.
39. Acresce que a condenação dos Apelantes pela prática do crime de participação em motim, com a fundamentação aduzida na Sentença recorrida, violou, ainda, a Constituição da República Portuguesa, mormente o seu Artigo 45°.
40. Justamente, se bem se entende a posição do Tribunal a quo, ter-se-ia verificado, a partir da ocorrência de danos na Praça do Comércio, uma colisão de direitos: de uma parte, pelo menos, o direito à integridade física dos manifestantes, dos transeuntes e dos Agentes da PSP e, de outra parte, o direito de manifestação dos cidadãos participantes daquele protesto.
41. Ora, do ponto de vista do Tribunal a quo, este último teria necessariamente que ceder face à verificação da lesão dos bens jurídicos protegidos pelo primeiro, sob pena de todos os manifestantes se constituírem como comparticipantes de um crime de participação em motim.
42. De outra perspectiva, para o Tribunal a quo, os manifestantes, incluindo todos os que foram alheios a tais factos, teriam que fazer cessar imediatamente a sua participação na manifestação.
43. Ora, ''✓Verandos Desembargadores, tal interpretação configura, salvo melhor entendimento, a imposição de um limite ao exercício do direito de manifestação que a Constituição da República Portuguesa não autoriza.
44. Com efeito, tratando-se de um direito fundamental, em especial de um dos direitos pertencentes ao elenco Constitucional dos direitos, liberdades e garantias, o direito de manifestação goza, no nosso ordenamento jurídico, de protecção reforçada, pelo que, qualquer restrição, deve obedecer aos parâmetros decorrentes do princípio da proporcionalidade, consagrado nos Artigos 2° e 18°, n° 2, ambos da CRP.
45. Julgamos redundante referi-lo, mas seria absolutamente inadmissível exigir que no contexto do exercício do direito de manifestação, os seus participantes vissem coarctado este direito fundamental como efeito da conduta criminosa de um grupo reduzido de cidadãos.
46. A protecção de bens jurídicos deve ser assegurada, numa primeira linha, pelas forças de segurança, as quais se encontravam no local e em condições de reprimir qualquer conduta criminosa.
47. No limite, havendo alteração substancial da ordem pública, caberia às forças de segurança fazer cessar a manifestação, praticando todos os actos legalmente permitidos tendo em vista tal desiderato.
48. Desta forma, a asserção veiculada pelo Tribunal a quo, nos termos da qual os manifestantes que, a partir da Praça do Comércio, se mantiveram na manifestação praticaram um crime de participação em motim, consubstancia uma restrição injustificada, desproporcional e abusiva do direito de manifestação.
49. Face a tudo o que antecede, requer-se a V. Exas. Venerandos Desembargadores que, após reapreciação da prova gravada, e à luz dos argumentos expostos, procedam à alteração da matéria de facto provada, nos seguintes termos:
50. No que concerne ao Ponto 2, supra citado, este deverá ter a redação seguinte, sendo sublinhados os excertos alterados, por forma a facilitar a respetiva localização: Neste contexto, no dia 21 de Janeiro de 2019, cerca das 18:40 horas, um número não concretamente apurado de indivíduos, mas não inferior a 50 (cinquenta) encontrava-se a descer a Avenida da Liberdade, quando à passagem pelo cinema São Jorge, um número indeterminado de manifestantes não identificados e inseridos no referido grupo, agarrou em pedras da calçada, com cerca de 10 cm X 10 cm, e começou a atirá-las contra o dispositivo policial que aí se encontrava, composto, designadamente, pelos agentes da Polícia de Segurança Pública (doravante designada por PSP) LM..., RB..., AA..., HS... e FS..., os quais se encontravam devidamente uniformizados.
51. No que concerne aos Pontos 10, 11 e 18, supra citados, os mesmos deverão transitar integralmente para o segmento da Sentença recorrida destinado ao elenco dos factos não provados, porquanto, face à prova produzida em sede de julgamento, em especial aos depoimentos das testemunhas supracitadas e, em qualquer caso, à circunstância de não se poder ter, conforme vimos, por verificado o elemento volitivo do tipo de crime de participação em motim quanto aos Apelantes, a respetiva factualidade não se encontrar provada.
52. De igual forma, sem prejuízo da alteração da matéria de facto nos termos requeridos, mas independentemente da concreta configuração dessa alteração, requer-se seja reconhecido que o Tribunal a quo violou as normas jurídicas preceituadas nos Artigos 302° do CPP, 2°, 18°, n°2 e 45°, todos da CRP, sendo a Sentença recorrida revogada e substituída por outra que absolva os Apelantes BA... e JJ... da prática do crime de participação em motim. Ainda que assim não se entenda, o que por mera hipótese de raciocínio se equaciona, Venerandos Desembargadores,
53. No que concerne ao Apelante BA..., resulta da prova testemunhal produzida em Audiência que o Apelante, que se encontrava no local de arremesso de pedras, tomou a iniciativa de se aproximar dos Agentes da PSP, com as mãos no ar, afastando-se do local de arremesso de pedras, tendo sido, nessa sequência, detido pela PSP.
54. Neste sentido, requer-se a reapreciação da prova gravada referente à 1a sessão de julgamento, no dia 7 de fevereiro de 2019, consignando-se em ata que o seu início ocorreu pelas10 horas e 08 minutos e o seu termo pelas 10 horas e 24 minutos, mormente das declarações do Apelante BA..., o qual refere:
• Aos 11m50: (...) não atirei uma única pedra
• Aos 12m30: (...) fui apanhado no fogo cruzado de ambas as partes (...)
• Aos 14m00: (...) não peguei em nenhuma pedra (...).
• Aos 18m19: (...) eu não fugi do local e não resisti à detenção (...).
• Aos 26m15: (...) eu levantei as mãos e dirigi-me a eles (...).
55. Tais declarações são coincidentes com as constantes do depoimento do Agente da PSP HS..., na mesma sessão de julgamento, consignando-se em ata que o seu início ocorreu pelas 14 horas e 51 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 15 minutos, o qual referiu o seguinte, a respeito do Apelante BA..., aos 3m39: (...) ele estava no grupo, as pedras vinham de onde ele estava (...) mais tarde o grupo foge para a artéria (...) ele fica na estrada. (...) viu que nós estavamos ali e dirigiu-se, opá eu não fiz nada (...).
56. Ora, resulta destas transcrições que o Apelante se retirou do grupo ou do local do arremesso de pedras, sendo, ademais, consensual que, conforme assente na Sentença recorrida, o Apelante não arremessou qualquer pedra.
57. Assim, salvo melhor entendimento, os factos indicados deveriam ter sido enquadrados no n° 3 do Artigo 302° do CPP, com a consequência da absolvição do Apelante, pelo que errou o Tribunal a quo no julgamento da matéria de direito.
- BF... e TF... - Dos crimes de ofensas à integridade física na forma tentada e de Injúrias.
58. O Tribunal a quo, conforme resulta da Sentença recorrida, condenou os Apelantes BF... e TF... pela prática dos crimes de que vinham acusados pelo Ministério Público.
59. Para o efeito, o Tribunal a quo fez assentar a sua convicção quanto à veracidade dos factos constantes da acusação, exclusivamente na prova testemunhal, mormente nos depoimentos dos Agentes da PSP que procederam às respetivas detenções, os quais o Tribunal a quo considerou credíveis e aptos a dar como provada a matéria de facto correspondente.
60. Entendem os Apelantes, no entanto, que o Tribunal a quo desconsiderou, por completo, a produção de prova em sede de Julgamento, por via da qual a credibilidade dos depoimentos dos Agentes da PSP foi, de forma clara e abundante, posta em causa, quer pelas sucessivas contradições nos respetivos depoimentos, quer pelos depoimentos dos próprios Arguidos, quer, ainda, pela prova testemunhal e documental apresentada pela Defesa.
61. Para melhor enquadramento dos factos, refira-se que, na sequência dos incidentes de arremesso de pedras, a PSP acompanhou os manifestantes, na descida da Avenida da Liberdade, até aos Restauradores.
62. O depoimento do Dr. MB... descreve, de forma clara, o ambiente que se vivia naquele momento nos Restauradores, pelo que se requer a sua reapreciação neste contexto.
63. Relatou a testemunha, em depoimento prestado no dia 21 de fevereiro de 2019, consignando-se em ata que o seu início ocorreu pelas 14 horas e 33 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 18 minutos, aos 34m25 (...) à frente do palácio foz há um polícia que me pergunta o que é que eu estou ali a fazer, se estou na manifestação ou se não estou na manifestação e eu disse, não, que estava só a observar os acontecimentos e nomeadamente a observar o comportamento deles (...) e ele diz: então tás na manifestação (...) dou uns passos no ar, pegado por alguém que me integra na manifestação, atiram-me lá para dentro.
64. Mas, mais, refere o docente universitário que, nesta sequência, aos 35m30, (...) e há um polícia que me pergunta, porque eu aí era o único branco, que me pergunta o que é que tás a aqui a fazer (...) e eu, então o seu colega acabou de me atirar cá para dentro (...) então mas tu pertences a esta manifestação? Não, não pertenço (...) eu tava só a observar (...) então sai já daqui antes que eu te parta os cornos e pega em mim e tira-me dali (...) e eu, porque estava a ser ameaçado, decidi nesse momento atravessar a rua e ponho-me à frente do Hotel Altis (...).
65. Portanto, Venerandos Desembargadores, a PSP, nesta fase, obrigava os cidadãos que se encontravam na rua, contra a sua vontade e com uso da força, a integrar o perímetro de segurança.
66. E é neste contexto que se desencadeiam as detenções dos Apelantes BF... e TF....
67. No que diz respeito ao Apelante BF..., o mesmo não se encontrava na manifestação, estando apenas a passar nos Restauradores, com o telemóvel na mão, tendo sido interpelado por vários Agentes da PSP que correram na sua direcção. E fugiu porque se assustou, como qualquer cidadão que assista a comportamentos hostis por parte de órgãos de polícia criminal.
68. E foi detido. Foi detido porque os Agentes da PSP julgavam que ele estava a filmar a sua atuação de fora do perímetro de segurança.
69. A versão apresentada pelos Agentes da PSP e, em especial pelo Intendente LM..., não corresponde à verdade, motivo pelo qual não podia merecer a credibilidade do Tribunal a quo, pelos motivos que se exporão.
70. Desde logo, se houve arremesso de uma garrafa de plástico pelo Apelante BF..., porque motivo é que esse objecto não foi conservado como meio de prova? Não se diga que não havia condições, uma vez que naquele momento a PSP tinha a situação controlada.
71. Porque é que a polícia quebrou o protocolo e não preservou o veículo da prática do crime de ofensas à integridade física qualificada na forma tentada imputado ao Apelante BF...?
72. Não o fez, Venerandos Desembargadores, porque não houve qualquer arremesso de garrafa de água, assim como o Apelante BF... não proferiu quaisquer injúrias.
73. Quem é que, no completo domínio das suas faculdades mentais, estando sozinho nos Restauradores, com vários Agentes da PSP à sua frente, vai dizer Aqui estão os filhos da Puta? Não faz sentido, é inverosímil, ninguém o faria Venerandos Desembargadores.
74. Contudo, reconhecêmo-lo, a falta de lógica na versão dos factos relatada pela PSP, secundada pelo Ministério Público e, a final, considerada provada pelo Tribunal a quo, não é suficiente para absolver o Apelante BF..., sendo necessário convocar outros e melhores argumentos, o que se fará de seguida.
75. Justamente, no que concerne ao depoimento do Intendente LM..., fundamental na imputação dos factos ao Apelante, importa sublinhar que este revela, de forma clara, aquele que foi o verdadeiro motivo da detenção.
76. Disse o intendente LM..., na 1a sessão de julgamento, no dia 7 de fevereiro de 2019, consignando-se em ata que o seu início ocorreu pelas 12 horas e 12 minutos e o seu termo pelas 12 horas e 45 minutos, aos 11m10: (...) efetivamente houve uma alteração de ordem pública e todas e quaisquer atitudes que pudessem instigar ainda mais, portanto nós tentamos retraí-las e faze-las cessar e o que eu disse ao Sr. BF... foi no sentido de ele efetivamente parar com aquele comportamento (...) ele estava a filmar ostensivamente com o telemóvel e estava a dizer aqui estão os filhos da puta dos policias (..).
77. Ele estava a filmar ostensivamente com o telemóvel. Eis o motivo da detenção!
78. Os depoimentos dos Agentes da PSP, Venerandos Desembargadores, no que diz respeito à imputação da prática de crimes ao Apelante BF..., são falaciosos,
79. Mas se dúvidas houvesse de que são falaciosos, vejamos o que se passou com a detenção do Apelante TF...,
80. Neste caso, os mesmos agentes da PSP referem que o Apelante TF... proferiu injúrias, motivo pelo qual foi detido.
81. Acontece, porém, que há vários elementos nos autos que demonstram a falsidade destes depoimentos, elementos esses que o Tribunal a quo, pura e simplesmente, ignorou na Sentença recorrida.
82. Desde logo, o próprio vídeo dos acontecimentos captado pelo Arguido TF... e junto aos autos como vídeo 2 na sessão de julgamento do dia 21 de fevereiro de 2019, o qual se requer que V. Exas. possam reapreciar.
83. Nesse vídeo, com efeito, é patente que o Apelante TF..., embora exaltado, em nenhum momento dirige injúrias aos Agentes da PSP.
84. Mas vejamos o que disse o Intendente LM..., desta vez a respeito do Apelante TF..., para percebermos exactamente os motivos da detenção.
85. Referiu o Intendente LM... aos 13m00 do mesmo depoimento supracitado: (..) O Sr. TF... assumiu sempre um comportamento ao longo da manifestação de instigação contra a polícia (...) no sentido de pôr em causa todo o trabalho que a polícia estava afazer (...) o Sr. T… esteve muito próximo das pessoas que estavam a fazer a detenção, filmando ostensivamente (...) ele referiu que podia estar a filmar (...) ao mesmo tempo que ia proferindo algumas afirmações insultuosas contra os polícias (...) filhos da puta, racistas (...).
Venerandos Desembargadores,
86. Este depoimento é gravíssimo, por duas razões:
• Desde logo, na medida em que o Intendente LM... revela que já conhecia o Apelante TF... de uma fase anterior e que o seu comportamento já lhe merecia censura, Citamos novamente: O Sr TF... assumiu sempre um comportamento ao longo da manifestação de instigação contra a polícia (...) no sentido de pôr em causa todo o trabalho que a polícia estava a fazer (...).
• Mas a outra razão, que citamos novamente, é a seguinte: (...) o Sr. TF...esteve muito próximo das pessoas que estavam a fazer a detenção, filmando ostensivamente (...) ele referiu que podia estar a filmar (...) ao mesmo tempo que ia proferindo algumas afirmações insultuosas contra os polícias (...) filhos da puta, racistas (...).
87. Sublinhamos esta última parte, (...) ao mesmo tempo que ia proferindo algumas afirmações insultuosas contra os polícias (...) filhos da puta, racistas (...).
88. É falso Venerandos Desembargadores!
89. O Apelante TF..., tal como resulta de forma clara do vídeo que capta o momento, não ia proferindo quaisquer injúrias, contrariamente ao afirmado pela testemunha Intendente LM....
90. Aliás, não chegou a proferir qualquer injúria. Foi detido porque estava a filmar ostensivamente e, ademais, porque assumiu sempre um comportamento ao longo da manifestação de instigação contra a polícia, nas palavras do Intendente LM....
91. Não colhe o argumento do Tribunal a quo, o qual, na Sentença recorrida diz o seguinte a fls. 17, in fine e 18: (...) A visualização do filme que o arguido levava a cabo também não infirma as declarações dos ofendidos uma vez que o vídeo termina abruptamente e as expressões podem ter sido proferidas posteriormente.
92. O vídeo, é certo, termina abruptamente, mas como se depreende do contexto em que o mesmo termina, o Apelante TF... está já nessa fase a ser abordado pelos Agentes da PSP, na medida em que se ouvem berros que evidenciam a existência de uma altercação física.
93. Mas o referido vídeo evidencia algo mais, designadamente que o Apelante TF... não ia, conforme declarou perante o Tribunal a quo o Intendente LM..., proferindo injúrias. Nenhuma injúria se ouve da boca do Apelante TF..., Venerandos Desembargadores.
94. O que o vídeo revela é que os Agentes da PSP se fartaram de ouvir o Apelante e abordaram-no sem que este tivesse cometido nenhum crime que o justificasse.
95. Mas se dúvidas houvesse, Venerandos Desembargadores, estes factos foram presenciados pelo Advogado P..., o qual se encontrava, de forma fortuita, nos Restauradores na altura da detenção do Apelante TF..., e que declarou, perante o Tribunal a quo, na 28 Sessão de Julgamento, no dia 21 de fevereiro de 2019, consignando-se em ata que o seu início ocorreu pelas 16 horas e 26 minutos e o seu termo pelas 16 horas e 36 minutos, o seguinte:
• Aos 2h01m05: (...) Aquilo que eu vi foi alguém que estava a filmar uma detenção policial (...) o que vi foi o TF...a filmar, a queixar-se: o que é que estão a fazer, isso não é maneira de tratar as pessoas (...).
• Aos 2h01m50: (...) 2 ou 3 agentes mais orientados para o TF...a dizer: para de filmar, anda cá (...) ele continuou sempre a filmar e a dizer eu posso filmar, não tou a fazer nada de mal, vocês é que estão a tratar mal as pessoas (...) e foi detido, ou seja, foi agarrado. Viu-o a proferir algumas injúrias? não! Eu, pelo menos, não vi nada que justificasse a intervenção policial. Especificamente o T..., ele não fez nada que não tenha sido filmar e dizer à polícia para parar de fazer o que tava afazer, mas nem sequer de uma maneira violenta, nem nada disso, tava sobretudo indignado (...) não houve gestos ameaçadores, nem de violência (...).
• Aos 2h05m24: (...) Eu o que vi foi alguém a ser detido por estar a filmar (...)
• Aos 2h05m47.• (...) Eu não ouvi nada que tivesse sido injurioso ou insultuoso (...).
• Aos 2h06m19: (...) A que distância é que o Senhor estava do Arguido T...? Estava à distância de 2 faixas de rodagem (...).
96. Esta testemunha, Venerandos Desembargadores, estava a 7/8 metros, relatou de forma clara e inequívoca a troca de palavras entre o Apelante TF... e os Agentes da PSP e nunca ouviu o Sr. TF...proferir qualquer injúria! E não se diga, como fez o Tribunal a quo, que podia não ter ouvido tudo, porque não é verdade.
97. Precisamente, no vídeo 2, ouvimos que o Apelante TF... tem uma voz forte e que estava a falar de forma exaltada, sendo, por isso, bem audível aquilo que dizia, sendo certo que, de qualquer forma, a testemunha relatou com rigor aquilo que foi dito pelo Apelante,
98. E, segundo a testemunha, o Apelante nunca disse ou proferiu qualquer injúria! Assim como não proferiu qualquer injúria, nem atirou qualquer garrafa de água, o Apelante BF....
Venerandos Desembargadores,
99. Em ambos os casos, o motivo da detenção foi a circunstância de estes cidadãos estarem com telemóveis na mão, fora do perímetro de segurança.
100. Esta circunstância foi intolerável para os Agentes da PSP e, em especial, para o intendente LM....
101. A PSP, como é natural, a partir do momento do arremesso de pedras, bem ou mal, adotou uma postura hostil e intolerante.
102. Essa postura é muito bem relatada pelo docente universitário MB... nos segmentos que acabámos de citar e ainda no seu depoimento entre os 36m20 e os 40m00, cuja reapreciação se requer.
103. Sublinhe-se que, além do Dr. MB..., houve outras pessoas que foram ameaçadas por Agentes da PSP fardados, conforme resulta do depoimento do docente universitário JS... supra citado, entre os 24m25 e 28m00, cuja reapreciação se requer.
Venerandos Desembargadores,
104. Se foi assim com mulheres e com o docente universitário MB..., que sofreu ameaças por parte de Agentes da PSP, só podemos imaginar o que terá acontecido com outros cidadãos. E, com efeito, aconteceu com os Apelantes BF... e TF....
105. Foram ambos detidos porque o Intendente LM... não tolerou aquelas condutas.' nas palavras do próprio, que recordamos: (...) estavam a filmar ostensivamente (...).
106. Refira-se, em linha com aquilo que fica dito, que os docentes universitários MB... e JS..., relataram, ainda, perante o Tribunal a quo, um episódio que ocorreu naquele Tribunal no dia da 18 sessão de julgamento, o qual, pese embora não diga respeito aos factos dos autos, ajuda a perceber o estado de espírito dos Agentes da PSP que estiveram na manifestação e, em especial, o estado de espirito dos Agentes da PSP cujos depoimentos o Tribunal a quo considerou credíveis e nos quais fez assentar, sem convocação de nenhum outro elemento de prova, a condenação dos Apelantes.
107. No depoimento do Dr. MB..., na 28 sessão de julgamento, no dia 21 de fevereiro de 2019, consignando-se em ata que o seu início ocorreu pelas 14 horas e 33 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 18 minutos, é, a respeito destes incidentes ocorridos nos corredores do Tribunal, referido o seguinte aos 42m00: (...) há uma testemunha que se exalta e o Intendente, o Sr. LM..., diz que lhe ia dar ordem de prisão. E ou, nesse momento, junto com o JS..., intercedemos. por essa testemunha e eu coloco-me à frente do intendente LM... (..).
108. Refere a testemunha, ainda, aos 42m15: (...) o Sr. não pode fazer isso que está a fazer, está a incomodar, está a assediar uma das testemunhas (...) nós somos interpelados por um agente da PSP que é o chefe da Esquadra aqui do Campus de Justiça, que realmente diz que isto não pode acontecer e pede-me a mim, à testemunha e ao JS... para irmos aqui para uma sala e pede desculpa pela atuação do Colega dele, do Intendente LM..., que aquilo não podia acontecer e que não voltava a acontecer (...).
109. Sublinhe-se que estes acontecimentos foram, de igual forma, presenciados e relatados pelo docente universitário JS... no seu depoimento supra citado.
Venerandos Desembargadores,
110. O próprio Chefe da Esquadra do Campus de Justiça pediu desculpa aos dois docentes universitários pela atuação do Colega Intendente LM..., a qual reputou de desadequada.
111. Não obstante, foi, no essencial, no teor do depoimento deste Agente da PSP, o Intendente LM..., que o Tribunal a quo assentou a sua convicção quanto à circunstância de os Apelantes terem praticado os crimes de que vinham acusados.
112. A credibilidade deste depoimento foi decisivamente abalada pelos elementos de prova acima mencionados, pelo que o Tribunal a quo não podia, como fez, considerar tal depoimento credível e, com base nessa convicção, dar como provados os factos correspondentes.
113. Por outro lado, a Sentença recorrida socorreu-se, igualmente, do depoimento prestado pelo Agente da PSP RB..., o qual o Tribunal a quo considerou credível na parte em que imputou a prática dos factos ao Arguido BF....
114. Na 18 sessão de Julgamento, no dia 7 de fevereiro de 2019, consignando-se em ata que o seu início ocorreu pelas 14 horas e 34 minutos e o seu termo pelas 14 horas e 50 minutos, o Agente da PSP RB... começa o seu depoimento, cuja reapreciação se requer, por identificar peremptoriamente, aos 6m15, o Apelante BF..., para depois referir o seguinte:
• Aos 6m37: (...) sei que eles começaram a injuriar, não sei que tipo de nomes, sei que eles começaram a injuriar (...).
• Apenas minutos mais tarde, quando questionado, refere, quanto ao Apelante BF..., mas sem o relacionar aos factos, aos 14m20: (...) vi uma garrafa no ar (...).
• Após, relativamente ao mesmo Apelante, aos 15m07: (...) Não sei dizer que tipos de nome ele disse (...) Não consigo identificar (...).
• Quando questionado a que distância se encontrava, nos momentos anteriores à detenção do Apelante TF..., disse, aos 15m32: (...) define perto, 5 metros, 10, 20, não sei devia tar aí a uns 10 metros (...).
• Finalmente, aos 15m50, quando questionado se reconhecia o Apelante TF..., esta testemunha olhou para o Apelante, em sala de audiência, e disse peremptoriamente:
Não.
Venerandos Desembargadores,
115. Este depoimento até poderia merecer alguma credibilidade, não fosse a circunstância - ignorada de forma incompreensível pelo Tribunal a quo - de este mesmo Agente da PSP, que disse não reconhecer o Apelante TF..., uma vez que se encontrava a 5, 10, 20 metros do mesmo, ter sido captado no vídeo 2, junto na sessão de julgamento do dia 21 de fevereiro de 2019, precisamente a 1 metro do Apelante TF... e a com ele interagir activamente, dizendo-lhe para parar de filmar.
116. Ora, este mesmo Agente, afinal, estava junto ao Apelante TF... e não consegue confirmar que este tenha proferido injúrias.
117. Todavia, não se coibiu de identificar o Apelante BF... e associá-lo, ainda que de forma muito genérica, sem concretização, aos factos que lhe foram imputados, pese embora este se encontrasse à distância, conforme resulta do vídeo 2.
118. Seja como for, fica patente a tentativa de manipulação dos factos, para a qual contribuiu o depoimento deste Agente da PSP, reforçando-se as interrogações quanto à credibilidade deste e dos outros depoimentos.
119. Ademais, aquilo que, segundo regras de experiência se pode inferir deste depoimento, é que esta testemunha pretendia reforçar a versão dos factos apresentada pela acusação, em solidariedade com os seus colegas, mas, na verdade, ou não tinha ouvido nenhuma expressão injuriosa - uma vez que nunca as reproduziu em Tribunal, embora estivesse no local, conforme resulta provado no vídeo 2 - ou, o que é mais provável, sabia que nenhuma expressão injuriosa tinha sido proferida, optando, durante o seu depoimento, por não prestar falsas declarações.
120. Face a tudo o que antecede, a prova produzida em sede de julgamento impunha que o Tribunal a quo considerasse os factos imputados aos Apelantes BF... e TF... como não provados, com a consequente absolvição pelos crimes de que vinham acusados.
121. Com efeito, de um ponto de vista lógico e de coerência valorativa, não é aceitável que o Tribunal a quo faça - como fez - prevalecer a palavra de Agentes da PSP sobre a palavra de cidadãos, ainda para mais sobre a palavra de dois docentes universitários e de um Advogado, cujos depoimentos, por um lado, contrariaram frontalmente a versão dos factos apresentada pelas testemunhas de acusação e, por outro, trouxeram ao processo elementos que, necessariamente, descredibilizaram as respetivas versões, colocando em evidência a falta de confiança que a atuação dos Agentes da PSP que depuseram mereceria.
122. Tanto mais que, conjugando estes meios de prova com a prova documental apresentada - o vídeo 2, junto na sessão na sessão de julgamento do dia 21 de fevereiro de 2019 ¬suscitava-se e suscita-se a dúvida legítima sobre a veracidade dos factos constantes da acusação, assentes em depoimentos pouco credíveis.
123. De qualquer forma, Venerandos Desembargadores, de tudo o que fica dito, o mínimo que seria exigível ao Tribunal a quo, ponderadas todas as provas produzidas em sede de julgamento, seria proferir uma decisão/juízo de probabilidade quanto à veracidade dos factos que concluísse pela incerteza da sua ocorrência.
124. Os meios de prova indicados, Venerandos Desembargadores, exigiam e exigem que se se considere que há uma dúvida razoável quanto à prática dos factos pelos quais os Apelantes BF... e TF... vêm, a final, condenados.
125. Face ao que antecede, tendo o Tribunal a quo feito um incorreto julgamento da respetiva factualidade, impugna-se, no que concerne aos Apelantes BF... e TF..., todo o julgamento da matéria de facto provada, mormente os pontos 7, 8, 9, 15, 16, 17 e 18, requerendo que os respetivos factos sejam julgados como não provados.
126. Consequentemente, requer-se que a Sentença recorrida seja revogada e substituída por outra que absolva os Apelantes da prática dos crimes pelos quais vêm acusados.
A Digna Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância propugnou que a sentença recorrida fosse confirmada, apresentando as seguintes conclusões: Relativamente aos arguidos BA... e JJ...
1. A sentença não padece de qualquer erro na apreciação e valoração da prova;
2. Não viola igualmente o princípio do in dúbio pro reo, por optar dar credibilidade à descrição dos factos, prejudicial à situação dos arguidos.
3. Ao contrário do alegado pelos arguidos e pelas testemunhas MB... e JS..., a manifestação não se encontrava a decorrer de forma pacífica, tal como resulta da demais prova existente dos autos, bem como, da produzida em sede de audiência de discussão e julgamento,
Senão vejamos:
4. Do depoimento das testemunhas LM..., AA..., RB..., HS..., FS... e TF..., agentes da PSP que ali ocorreram para evitar lesão dos bens jurídicos de vida, integridade física e património tanto dos manifestantes como de terceiros que ali se encontravam, resulta que na verdade a manifestação ganhou proporções de «terror»;
5. Com efeito, alguns manifestantes lançaram pedras da calçada na direcção dos agentes da polícia e na de viaturas que ali circulavam e invadiam as faixas de rodagem de uma das principais artérias da cidade de Lisboa, provocando perigo para os que nela circulavam;
6. Do arremesso de pedras resultaram danos graves em viaturas e objectos usados pela polícia de segurança pública para protecção dos agentes do corpo de intervenção e lesões corporais bem patentes nas fotografias juntas aos autos, e descritas nos depoimentos dos agentes inquiridos;
7. Os respectivos depoimentos encontram-se gravados e devidamente analisados pelo que nos abstemos de os reproduzir nesta sede.
8. Contudo, salientamos do depoimento de LM... os seguintes excertos:
- «houve lançamento de pedras contra a polícia» aos 03minutos do seu depoimento;
- «na Ribeira das Naus estavam a guardar pedras da calçada e a guardá-las nas mochilas», aos
03minutos e 9 segundos do seu depoimento;
- «a manifestação não estava comunicada», aos 3minutos e 40 segundos do seu depoimento;
- «um taxi foi vandalizado», aos 03minutos e 50 segundos;
- «um polícia foi agredido», aos 04 minutos;
- «as pessoas estavam a circular nas vias de trânsito», aos 5minutos e 30 segundos;
- «fomos apedrejados», aos 06minutos e 31 segundos;
- «os carros foram atingidos pelas pedras», aos 06 minutos e 48 segundos;
- «havia perigo de alguém morrer», aos 07 minutos;
9. Do depoimento de AA... referem-se os seguintes excertos:
- «vi muita gente a atirar pedras», aos 2minutos e 51 segundos do seu depoimento;
10. Do depoimento de RB... salientamos o seguinte excerto:
- «começam a chover pedras contra os elementos policiais», aos 03 minutos e 40 segundos;
- «ouvi vidros a estilhaçar», aos 04minuto e 04 segundos,'
- «vinham várias pedras de várias direcções», aos 04minutos e 10 segundos»;
11. Do seu depoimento salientamos, ainda, que este agente da PSP teve necessidade
de descer a avenida da liberdade para evitar que o trânsito prosseguisse receando que as pedras atingissem quem circulava na via.
12. Do depoimento da testemunha HS... resulta igualmente que o arguido BA… estava no grupo que lançou as pedras:
- «a pedra veio de lá e ele estava lá», aos 02 minutos e 51 segundos,.
- «ele estava a lançar pedras com os outros», aos 03minutos e 10 segundos, bem como que o JJ... lançou pedras, (vide 09minutos e 10 segundos do seu depoimento).
13. De igual modo, as testemunhas FS... e TF... foram claros em esclarecer o tribunal que foram atingidos pelas pedras arremessadas no corpo e no material de protecção da polícia e que as mesmas vieram lançadas do grupo de manifestantes que descia a Avenida da Liberdade.
14. A Mma. Juiz deu credibilidade a tais depoimentos, sobretudo porque os mesmos eram consentâneos com a demais prova existente nos autos, mormente a documental, reportando-se às imagens recolhidas, as fotografias juntas e demais informação relativas aos estragos verificados nos capacetes dos agentes da PSP.
15. A acrescer a estes depoimentos constam dos autos gravações de onde resulta o ambiente de terror sentido durante o decurso da manifestação, sendo visível a existência de pedras a serem escondidas e posteriormente alcançadas para serem usadas, bem como, é facto conhecido do público em geral, através da comunicação social que foi efectuando relatos do local para conhecimento do país.
16. Além do mais, eram credíveis face às regras da experiência comum.
17. E inverosímil que estando no grupo que se encontrava a arremessar pedras aos agentes da PSP e demais transeuntes, os arguidos BA... e JJ... não tivessem aceitado e conformado com a possibilidade de provocar lesões corporais, ou danos materiais.
18. Tais conclusões já resultam da sentença proferida, decorrendo da mesma que:
a) os arguidos admitiram ter participado na manifestação, mormente no grupo que saiu do Marquês de Pombal, bem como no facto de terem sido detidos após o arremesso de pedras, em local próximo a tais factos e de terem sido vistos no grupo pela testemunha HS... que, de forma circunstanciada e escorreita e, por conseguinte credível, declarou que fixou os arguidos no grupo e determinou a sua detenção, sendo que, relativamente ao arguido JJ... seguiu os seus movimentos, desde que saiu do grupo, até à sua detenção.
b) acresce que a testemunha TF... esclareceu que após o primeiro arremesso de pedras contra a polícia, na Praça do Comércio, alguns indivíduos abandonaram a manifestação mas grande parte seguiu. Ou seja, o grupo de manifestantes, nos quais se incluem os arguidos, aceitou e conformou-se com a eventualidade da criação de perigo para bens jurídicos ou patrimoniais, como já havia ocorrido previamente, perigo esse que se concretizou com o arremesso de pedras.
c) resulta do depoimento das testemunhas LM..., AA..., RB..., HS..., FS... e TF... (agentes da PSP) que a vontade e actuação dos manifestantes dirigia-se contra a acção da polícia, que foi o que motivou o arremesso de pedras.
d) decorre do depoimento da testemunha GD... que o grupo no qual se encontravam os arguidos, saiu do Marquês, após indicação em contrário da polícia, a correr pelo passeio e pela estrada, tendo resultado das declarações das testemunhas agentes da PSP que perturbaram o trânsito e agiram contra a indicação da polícia;
19. Deste modo, foi efectuada prova de que os arguidos BA... e JJ... se encontravam no grupo que tomou a dianteira do arremesso de pedras e da invasão das faixas de rodagem, pelo que a decisão da Mma. Juiz a quo não se encontra ferida de qualquer erro de apreciação e de avaliação;
20. No entanto, sem prejuízo do exposto supra, e considerando a tese constante das alegações de recurso a que se responde, sempre se dirá, que a existir contradição entre o depoimento das testemunhas da defesa e da acusação, sempre caberia à Mma. Juiz apreciar a credibilidade de cada uma delas, e assim construir a sua convicção.
21. Com efeito, a Mma. Juiz a quo usou das regras de experiência comum e da livre convicção face à prova produzida para tomar posição quanto aos factos provados vertidos na sentença. Ou seja, usou da regra da livre apreciação da prova prevista no art. 127°, do Código de Processo Penal.
22. Ora, como se extrai do art. 127° do CPP, salvo os casos de prova vinculativa, o julgador aprecia a prova segundo a sua própria convicção, formada à luz das regras da experiência comum. E, só perante a constatação de que tal convicção se configurou em termos errados é legalmente possível ao tribunal superior alterar a matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido.
23. No seguimento, da opinião veiculada pela jurisprudência citada, acrescenta-se que tem sido defendida a existência de vários níveis do juízo sobre a valoração da prova. Assim,
24. O primeiro nível respeita à credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e que depende substancialmente da imediação, intervindo a este nível, elementos não racionais explicáveis.
25. Num segundo nível, inerente à valoração da prova, intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios.
26. Nestas, as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correcção do raciocínio, que há-de fundamentar-se nas regras da lógica, princípio da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão, regras da experiência.
27. Ora, os factos dados como provados na sentença são conclusões lógicas da prova produzida em audiência e plausíveis face a essas provas.
28. A convicção assim formada pelo tribunal a quo não pode ser censurada, sob pena de se aniquilar a livre apreciação da prova do julgador, construída na base da imediação e da oralidade.
29. Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proc. n° 05A2007, datado de 20/09/2005, relatado por Fernandes Magalhães, «a convicção do tribunal é construída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e das lacunas, das contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, olhares, linguagem silenciosa e do comportamento, coerência do raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por ventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos».
30. Elementos que uma transcrição da prova produzida em julgamento, não fornece e de que a reapreciação em sede de recurso não dispõe.
31. Ora, a sentença recorrida faz uma análise crítica e objectiva dos meios de prova e não há qualquer contradição entre os factos provados entre si, entre estes e os não provados, entre uns e outros e a respectiva fundamentação, e entre esta e a decisão recorrida. Isto é, os factos dados como provados estão, pois suficientemente fundamentados, com expressa referência aos meios de prova, às razões determinantes da convicção tribunal, e é esta que conta
32. Com efeito, a Mma. Juiz a quo, esclareceu em sede de fundamentação o motivo que a levou a dar credibilidade ao depoimento das testemunhas, em prejuízo da versão dos factos dada pelos arguidos e pelas testemunhas que a defesa apresentou;
33. Não violou igualmente as regras da experiência comum ao valorar os depoimentos nos termos em que o fez.
34. Motivo pelo qual, mostra-se, por conseguinte, justa e acertada a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo, aderindo o Ministério Público, in totum à fundamentação respectiva.
35. Alegam os recorrentes que a mera presença numa manifestação, ainda que com elementos que provocam distúrbios, não integra a prática de um crime de participação em motim, sob pena de tal interpretação violar o direito constitucional de reunião e de manifestação consagrado no art. 45°, da Constituição da República Portuguesa.
36. Ora, dos factos provados resulta claro que a manifestação não era pacífica, houve dano corporal e material em consequência do arremesso de pedras da calçada e que os arguidos estavam inseridos no grupo que praticava tais factos.
37. Assim e ao contrário do que a defesa pretende demonstrar a Mma. Juiz não considerou que todos os que se encontravam na manifestação cometeram o crime, mas que ao invés, todos os que se encontravam inseridos no grupo que praticava os factos já descritos e provados nos autos.
38. Não é pelo facto de as testemunhas MB... e JM... serem docentes universitários e estando na manifestação que saíram impunes da imputação criminal, mas por não terem estado envolvidos no grupo de jovens que tomou os comportamentos descritos.
39. Nem se diga que BA... não se encontrava no grupo, tanto assim que se deslocou para local mais afastado. Ora, o arguido não o fez de forma voluntária. Decorre do depoimento do agente HS... que depois de ter identificado BA..., lhe ordenou que se afastasse e se encostasse à parede para efeitos de detenção.
40. Além do mais, o direito constitucional de reunião e manifestação não é absoluto, tendo de ceder face aos demais direitos constitucionalmente consagrados, como o da inviolabilidade da vida humana e da integridade física (artigos 24° e 25°, da CRP).
41. Ora, é do conhecimento geral que uma pedra pode provocar lesões graves no corpo humano, e danos em bens materiais, bem como, que a circulação na via pública desordenada pode levar à ocorrência de acidentes rodoviários.
42. Acresce que o exercício de violência não integra a noção de manifestação, estando a mesma consagrada na constituição na sua forma pacífica.
43. Pelo exposto, bem andou a Mma. Juiz em condenar os arguidos BA... e
JJ... em condenar os arguidos pela prática do crime de Participação em Motim.
Relativamente aos arguidos BF... e TF...
44. A sentença não padece de qualquer erro na apreciação e valoração da prova;
45. Não viola igualmente o princípio do in dúbio pro reo, por optar dar credibilidade à descrição dos factos, prejudicial à situação dos arguidos.
46. Os factos vertidos nos pontos 7, 8, 9, 15, 16, 17 e 18 constantes dos factos provados deverão continuar a estar integrados no grupo dos provados.
47. Alegam os recorrentes que a Mma. Juiz a quo deveria ter decidido face à prova produzida em julgamento, que os arguidos não praticaram actos que integram a prática dos crimes pelos quais vêm acusados e condenados.
48. Para suportar tal alegação, os arguidos reiteram que o motivo das respectivas detenções se reporta ao facto de terem filmado aquilo que descreveram como «violência policial» por parte dos agentes da PSP que acorreram ao local, e não qualquer outra conduta.
49. Mais salientam que a que a principal testemunha da conduta dos arguidos BF... e TF... faltou à verdade durante o seu depoimento.
50. Assim, enuncia BF... que não estava a gravar a conduta dos agentes da PSP ou mesmo a apelidá-los de «filhos da puta» mas que, perante o clima de violência a que assistiu, logo que visualizou os agentes a correr na sua direcção fugiu com medo de ser alvo da mesma.
51. Negou, ainda, ter lançado uma garrafa na direcção de LM..., afirmado que se tal tivesse sido verdade, a mesma teria sido apreendida e entregue no Tribunal ficando à ordem dos autos como meio de prova.
52. Ora, tal argumento cai por terra se visualizadas as imagens da detenção de BF..., bem como, os argumentos usados pelos agentes para a não preservação daquele objecto.
53. Nesse sentido são claras as palavras das testemunhas RB... e LM..., no sentido em que a ordem pública estava em causa e que a principal preocupação era proteger a integridade física própria e de terceiros, bem como, restaurar a normalidade.
54. Do depoimento de LM... o Ministério Público salienta os seguintes excertos:
- «Não sei se seria uma garrafa de água (...) não foi recolhida», aos 18m19segundos;
- «A polícia não estava preocupada em recolher as pedras (...) estavam preocupados em não ser atingidos
pelas pedras», aos 20m e 09 segundos;
- «A primeira preocupação era a nossa integridade física», aos 20m e 19 segundos;
- «A prioridade era repor a ordem pública (...) e não recolher a prova», aos 20m15 segundos,.
55. Do mesmo modo RB... esclarece que:
- «foi uma confusão muito grande», aos 6m47 segundos, referindo-se ao motivo pelo qual não conseguiu identificar de imediato o arguido TF...como sendo a pessoa que havia injuriado os seus colegas de profissão;
56. Voltou a repetir as mesmas palavras aos 14m e 08 segundos do seu depoimento «Era uma confusão tão grande».
57. Deste modo, resulta do depoimento das mencionadas testemunhas que o ambiente «hostil» por parte de alguns manifestantes era tal que não se preocuparam no local em recolher meios de prova que corroborassem as suas queixas, mas ao invés salvaguardar a sua integridade física e repor a ordem pública numa das principais artérias da cidade de Lisboa.
58. Do mesmo modo, das imagens recolhidas resulta que o ambiente no local era muito tenso e confuso.
59. Perante tais evidências de forma a colocar em causa o raciocínio elaborado pela Mma. Juiz a quo, a defesa, para suportar a sua versão dos factos, faz em alusão ao depoimento da testemunha MB... que não assistiu à detenção de BF... ou de TF....
60. Mais alega ser inverosímil que BF... sozinho nos Restauradores e na proximidade da polícia estivesse a proferir as palavras descritas nos factos provados.
61. Ora, neste Tribunal de Pequena Instância Criminal não são poucos os casos em que se verifica tal conduta de desrespeito gratuito pela presença e funções das forças de autoridade. Pelo que bem andou Tribunal a quo a dar como provado que o arguido tivesse proferido tais palavras naquelas circunstâncias e tempo e lugar, considerando que as mesmas não são inverosímeis ou descabidas, como a defesa parece querer fazer ver.
62. Relativamente ao arguido TF..., alega a defesa que o teor do depoimento de P... e o vídeo junto aos autos pelo arguido, colocam em causa o depoimento da testemunha LM..., AA....
63. Acrescenta que LM... apenas deteve TF... por o mesmo estar a gravar «ostensivamente», e que o referido intendente já estaria desde o início da manifestação a observar o arguido, porque o mesmo esteve desde o início da mesma a instigar os manifestantes contra a polícia.
64. Não entende o Ministério Público como tal conclusão pode colocar em causa o depoimento do intendente. Se o arguido tinha efectivamente uma conduta de desrespeito com as entidades policiais, porque razão não deveria ter sido identificado pela testemunha?
65. No que respeita ao depoimento de P..., esqueceu a defesa de salientar que durante a contra inquirição efectuada pelo MP a testemunha salientou que à distância que estava de TF...poderia não ter ouvido tudo quanto pelo mesmo era dito na direcção dos agentes.
66. Acresce que como bem salienta a defesa o mesmo estava a cerca de duas faixas de rodagem de T..., e como resulta das imagens visualizadas no local, o barulho era intenso. Assim, é natural que a testemunha não tenha ouvido os impropérios que foram apontados ao arguido.
67. Assim, salientamos os seguintes excertos do depoimento da testemunha P...:
- «Eu pelo menos não vi nada que justificasse a intervenção policial»;
- O «TF...gritava indignado», na direcção dos agentes da PSP;
- «Portanto estava à distância de duas faixas de rodagem», referindo-se á sua localização face
aos factos respeitantes ao arguido TF...;
68. À pergunta do Ministério Público se a testemunha percebia tudo o que era dito, face à distância a que se encontrava do arguido e dos agentes da PSP, P... respondeu «Não»,'
69. Por outro lado, e como bem salienta a Mma. Juiz o vídeo entregue pelo arguido, para suportar a sua tese de inocência termina de forma abrupta, desconhecendo-se se posteriormente o arguido não terá efectivamente apelidado os agentes de «racistas» e «filhos da puta».
70. E, ainda, de salientar que nada garante que tal vídeo não tenha sido manipulado de forma a ocultar sons ou imagens. O mesmo não foi entregue na primeira sessão, não obstante a mesma tenha sido marcada cerca de 20 dias depois dos factos, mas apenas na segunda sessão (de dia 20 de Fevereiro).
71. Porque motivo, estando na posse do arguido, tal prova não foi de imediato apresentada?
72. Assim, consideramos que a mera circunstância de no vídeo não constarem quaisquer palavras injuriosas proferidas pelo arguido, não afasta a veracidade do depoimento das testemunhas LM... e AA....
Deste modo,
73. Sem necessidade de tecer outros considerandos, cumpre afirmar que na decisão recorrida não existe qualquer erro judiciário e muito menos um erro tão crasso que salte aos olhos, sem necessidade de qualquer exercício mental.
74. Em conclusão, da análise e simples leitura da sentença recorrida, não resulta que a prova produzida haja sido erroneamente apreciada, nem, tão pouco, que a fundamentação não tenha sido tão exaustiva quanto por lei se impõe.
75. A livre apreciação da prova a que alude o artigo 127° do Código de Processo Penal não é reconduzível a um íntimo convencimento, a um convencimento meramente subjectivo sem possibilidade de justificação objectiva, mas a uma liberdade de apreciação no âmbito das operações lógicas probatórias que sustentem um convencimento qualificado pela persuasão racional do juízo e que, por isso, também externamente possa ser acompanhado no seu processo formativo segundo o princípio da publicidade da actividade probatória (Ac. do S.T.J. de 3-3-1999 (P. 29/98) de 3-Mar-1999, Bol. do Min. da Just., 485,248).
76. Muito pelo contrário, o tribunal a quo fundamentou de forma assaz exaustiva, quanto à sua convicção dos testemunhos.
77. Em relação à credibilidade das testemunhas, dispõe o artigo 127° do Código de Processo Penal que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e livre convicção.
78. Concluindo, ponderados os argumentos invocados pelos Recorrentes na motivação do seu recurso, não podemos deixar de considerar que não lhe assiste qualquer razão e que a sentença recorrida não merece reparo algum.
79. A decisão de direito, em matéria criminal, baseia-se apenas nos factos previamente dados como provados em sede de audiência de discussão e julgamento.
80. Tendo isto como ponto assente e analisados os factos que o Tribunal a quo deu como provados na decisão recorrida constata-se que a condenação dos arguidos, ora recorrentes, resultou da convicção que o Tribunal a quo formou com base na prova, frisa-se, em toda a prova produzida e examinada em sede de audiência de discussão e julgamento.
81. Assim, e ao contrário do que pretendem fazer crer os Recorrentes, o Tribunal a quo socorreu-se de uma apreciação ponderada e conjugada de toda a prova produzida, a qual permitiu ao mesmo Tribunal concluir pela condenação do arguido.
82. Afigura-se-nos que, no essencial, os Recorrentes se prevalecem do direito de discordar da apreciação efectuada pelo Tribunal a quo relativamente à apreciação da matéria de facto.
83. E, pese embora o facto dos Recorrentes poderem discordar da posição assumida na decisão recorrida quanto à valoração da matéria de facto por não se conformarem com o valor concedido pelo julgador ao depoimento prestado por uma testemunha em detrimento de outra ou outras, de sentido divergente, a verdade, porém, é que tal divergência de opinião não constitui fundamento legal de reexame da matéria de facto que, enquanto tal, é insindicável.
84. É que não pode deixar de ter-se presente que, no ordenamento jurídico onde nos movemos vigora um princípio fundamental: o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127° do Código de Processo Penal.
85. Tal princípio é válido para todas as fases processuais e para as diversas entidades competentes, às quais é permitido apreciar a prova existente nos autos ou produzida perante si, com base exclusivamente na livre valoração destas e na convicção pessoal - cfr. Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal, pág. 199.
86. Não se verificando, como não se verificam, quaisquer das situações excepcionais, há que acatar a posição assumida pelo Mm° Juiz no exercício do poder jurisdicional que lhe foi conferido e ao abrigo da liberdade de apreciação da prova que lhe assiste,.
87. Por todo o exposto, e considerando o que acima ficou dito quanto à prova produzida em audiência de julgamento, afigura-se que não têm razão os Recorrentes quanto às questões afloradas na sua motivação, uma vez que, tendo em atenção a factualidade dada como provada, outra não poderia ser a conclusão a retirar pelo Tribunal a quo.
88. Pelo exposto, bem andou o Tribunal a quo na condenação dos arguidos pela prática dos crimes constantes do dispositivo.
Nesta Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto subscreveu as contra-alegações apresentadas pelo Ministério Público junto da primeira instância.
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, procedeu-se à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
Fundamentação
Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos:
1. Na sequência de uma intervenção policial ocorrida, em 20/01/2019, em Vale de Chícharos, também conhecido por Bairro da Jamaica, Seixal, um conjunto de pessoas promoveu uma concentração em Lisboa, tendo a mesma tido lugar no dia 21/01/2019, cerca das 15:00 horas, junto do Ministério da Administração Interna, sendo que, de seguida, muitos dos elementos que a compunham, dirigiram-se para o Marquês de Pombal e, após desceram a Avenida da Liberdade em direcção aos Restauradores.
2. Neste contexto, no dia 21 de Janeiro de 2019, cerca das 18:40 horas, um número não concretamente apurado de indivíduos, mas não inferior a 50 (cinquenta) encontrava-se a descer a Avenida da Liberdade, quando à passagem pelo hotel Tivoli, agarraram em pedras da calçada, com cerca de 10 cm X10 cm, e começaram a atirá-las contra o dispositivo policial que aí se encontrava, composto, designadamente, pelos agentes da Polícia de Segurança Pública (doravante designada por PSP) LM..., RB..., AA..., HS... e FS..., os quais se encontravam devidamente uniformizados.
3. inseridos nesse grupo de manifestantes encontravam-se os arguidos BA... e JJ...; manifestantes não identificados e inseridos no referido grupo, munidos de pedras da calçada, arremessaram-nas contra os agentes da PSP que aí se encontravam, com a intenção de os atingir, bem como ao material policial que os mesmos utilizavam.
4. Dada a quantidade de pedras arremessadas contra o contingente da PSP que aí se encontrava, foram atingidos alguns dos agentes, designadamente, o Comissário RB..., que foi atingido por uma pedra na zona da canela (cfr. fls. 45), Subcomissário AA..., que foi atingido por uma pedra na zona do joelho (cfr. fls. 46), o agente principal HS..., atingido por uma pedra nas costas e o agente FS..., atingido por uma pedra na coxa esquerda.
5. Tais agressões foram causa directa e necessária de dores.
6. No mesmo contexto, o arremesso das referidas pedras danificou ainda 4 escudos policiais e um capacete (cfr. fotografias de fls. 43 e 44), provocando danos no valor de €1.740,2.
7. No mesmo dia, já no final da Avenida da Liberdade, cerca das 18:50 horas, junto à Praça dos Restauradores, o arguido BF... encontrava-se a filmar com o seu telemóvel e quando os agentes da PSP, Intendente LM... e Subcomissário AA..., se aproximaram, o mesmo dirigindo-se-lhes proferiu em tom de voz alto Aqui estão os filhos da puta.
8. De seguida, como o Intendente LM... o advertisse para a ilicitude da sua conduta, o arguido BF... arremessou na sua direcção uma garrafa de água de 1,5 Its, que se encontrava a mais de meio, só não lhe tendo acertado, em virtude de este se ter conseguido desviar.
9. Quando o Intendente LM... e o Subcomissário AA... se encontravam a ultimar a detenção do arguido BF..., o arguido TF..., enquanto filmava com o seu telemóvel, após ter sido advertido pela polícia que devia parar de filmar, dirigindo-se-lhes, proferiu as seguintes expressões Racistas e Filhos da Puta.
10. Os arguidos BA... e JJ..., ao agirem da forma descrita, fizeram-no de forma livre e com a perfeita consciência de estarem a participar activamente num ajuntamento, em que pela acção conjunta do numeroso grupo em que se integravam e, com a utilização por diversos elementos do grupo, de pedras da calçada, foram por todos e como cada um deles visava, arremessadas pedras contra os elementos da força policial que aí se encontravam
11. Os arguidos BA... e JJ... integravam o grupo em que indivíduos não identificados arremessaram as pedras contra os agentes da PSP que aí se encontravam, com o propósito de os molestar na sua integridade física e de provocar danos, prevendo e conformando-se com tal conduta.
15. O arguido BF... ao atirar a garrafa de água contra o Intendente LM..., quis molestá-lo fisicamente, revelando um especial desprezo pela autoridade que representava e só não conseguiu concretizar os seus intentos, por motivos alheios à sua vontade.
16. Os arguidos BF... e TF... quiseram e conseguiram proferir as expressões narradas, cientes que as mesmas atingiam os agentes da autoridade, Intendente LM... e Subcomissário AA..., na sua honorabilidade.
17. Os arguidos BF... e TF... ao proferirem as referidas expressões, dirigindo-se ao Intendente LM... e Subcomissário AA..., bem sabiam que estes eram agentes da Polícia de Segurança Pública e que se encontravam no exercício de funções.
18. Os arguidos BA..., JJ..., BF... e TF..., em todas as suas condutas agiram de forma livre, deliberada e consciente, estando cientes da censura penal das suas condutas e tendo capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.
Mais se provou que:
19. Do certificado de registo criminal do arguido BA... constam averbadas as seguintes condenações:
i) Pela prática de três crimes de roubo, a 25.05.2010, foi condenado por sentença transitada em julgado a 17.06.2010, na pena de 6 meses de prisão suspensa na sua execução por um ano.
ii) Pela prática de um crime de dano e de um crime de ofensa à integridade física qualificada, a 09.09.2009, foi condenado por sentença transitada em julgado a 23.01.2012, na pena de 16 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período e na pena de 120 dias de multa à taxa diária de € 5.
iii) Pela prática de um crime de roubo, a 20.02.2011, foi condenado por sentença transitada em julgado a 04.06.2012, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão, pena declarada extinta a 09.04.2014.
iv) Pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, a 22.01.2016, foi condenado por sentença transitada em julgado a 30.09.2016, na pena de 3 meses de prisão, substituída pela prestação de 90 horas de trabalho a favor da comunidade.
20. Do certificado de registo criminal do arguido BF... consta uma condenação pela prática de um crime de ofensa à integridade física na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 6.
21. Dos certificados de registo criminal dos arguidos JJ... e TF... nada consta.
22. O arguido BA... tem 29 anos de idade.
23. Está desempregado e vive com a namorada, a mãe e o padrasto daquela que o ajudam economicamente.
24. Tem o 9° ano de escolaridade.
25. O arguido JJ... tem 22 anos de idade.
26. Está desempregado e vive com a tia e os primos, sendo sustentado por aquela.
27. Tem o 9° ano de escolaridade.
28. O arguido BF... tem 31 anos de idade.
29. Vive com a avó.
30. É copeiro e aufere € 530 por mês, dos quais declarou entregar cerca de € 250 à avó para as despesas.
31. Paga € 122,50 pela prestação do carro.
32. Tem o 7° ano de escolaridade.
33. O arguido TF... tem 26 anos de idade
34. Está desempregado e vive sozinho.
35. Economicamente é ajudado pela família.
36. Tem o 12° ano de escolaridade.
Na sentença recorrida deram-se como não provados os seguintes factos:
- Inseridos nesse grupo de manifestantes, na linha da frente, encontravam-se os arguidos BA... e JJ..., os quais, igualmente munidos de pedras da calçada, as arremessaram contra os agentes da PSP que aí se encontravam, com a intenção de os atingir, bem como ao material policial que os mesmos utilizavam,
- Os arguidos BA... e JJ... em conjunto com os demais indivíduos do referido ajuntamento, arremessaram as pedras contra os agentes da PSP que aí se encontravam, com o propósito de os molestar na sua integridade física, o que conseguiram, causando-lhes ferimentos e lesões corporais, revelando um especial desprezo pela autoridade que representavam.
- Ao arremessarem as referidas pedras, em conjunto com os demais indivíduos do referido ajuntamento, os arguidos BA... e JJ... só não terão acertado nos demais elementos policiais que compunham o dispositivo policial, designadamente, o Intendente LM..., por motivos alheios à sua vontade.
- Ao arremessarem as referidas pedras em conjunto com os demais indivíduos do referido ajuntamento, os arguidos BA... e JJ..., bem sabiam que poderiam danificar, como danificaram, os elementos de protecção utilizados pelos agentes da PSP, como escudos e capacetes que estes portavam para sua protecção e conformaram-se com tal resultado, tendo em consequência partido 4 escudos e amolgado um capacete (cfr. fls. 43 e 44).
- Os arguidos BA... e JJ..., em todas as suas condutas, bem sabiam que aqueles eram agentes da Polícia de Segurança Pública e que se encontravam no exercício de funções, pois estavam devidamente uniformizados.
O tribunal recorrido motivou a sua decisão sobre a matéria de facto como segue:
O tribunal formou a sua convicção relativamente aos factos dados como provados na ponderação do conjunto da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, logicamente conjugada e criticamente analisada à luz das regras da experiência comum, em conjugação com os documentos juntos aos autos.
O arguido BA... prestou declarações negando a prática dos factos que lhe são imputados. Quando foi detido estava sozinho ao pé do Hotel Tivoli e acha que foi confundido com alguém. Referiu ter participado na manifestação por querer protestar contra a violência policial.
O arguido JJ... também negou a prática dos factos que lhe são imputados. Foi detido 30 minutos após a manifestação na paragem de autocarro. Referiu ter participado na manifestação por querer protestar contra a violência policial.
O arguido BF... também negou a prática dos factos que lhe são imputados. Referiu que não estava na manifestação; estava de folga e tinha ido buscar a sua farda para lavar e quando ia para o comboio, com o telemóvel na mão porque ia fazer uma videochamada um agente disse queres filmar, filma agora apanha esse e cinco agentes foram direitos a si com o cassetete na mão, pelo que se assustou e fugiu.
O arguido TF... também negou a prática dos factos que lhe são imputados. Referiu que tinha ido à manifestação, estava a descer a Av. da Liberdade com o Lucas quando viu os polícias a deter o BF... e começou a filmar; então o agente empurra-o e diz-lhe para ir para casa, que não podia filmar; recusou e continuou a filmar e disse, então se eu viver na rua vai-me prender por viver na rua, momento em que o agente disse que o ia prender. Foi à manifestação pelos abusos que fazem às classes baixas.
A testemunha LM..., Intendente da PSP, descreveu ao Tribunal a sua intervenção na contenção da manifestação que ocorreu em virtude de ter havido notícia que algumas pessoas apanharam pedras na Ribeira das Naus e as guardaram nas mochilas, ter sido vandalizado um táxi, um polícia à civil ter sido agredido e ainda por terem subido a Av. da Liberdade ocupando a via, o que não tinha sido comunicado, nem autorizado.
Quando chegou ao Marquês de Pombal falou com o promotor no sentido de se manifestarem de forma pacífica sem ocupação da via pública.
A manifestação prosseguiu e quando lhe foi comunicado que havia ocupação da via, pelo meio dos carros, de forma desordenada deu ordem para a polícia obrigar as pessoas a saírem da via e irem para o passeio. O objectivo dos manifestantes, na sua opinião, era instigar e provocar o confronto.
Quando a manifestação se encontrava no meio da Avenida houve uma nova tentativa que ocupassem os passeios e começou o apedrejamento, tendo várias pessoas sido atingidas. Deu ordem de vaga de dispersão (disparos de advertência para o ar, como a advertência não foi suficiente disparos de balas de borracha contra as pessoas).
Várias pessoas foram atingidas pelas pedras. Não consegue identificar ninguém que tivesse atirado pedras.
Nos restauradores o arguido BF... estava a filmar, pelo que se dirigiu-se a este para o afastar, por haver uma alteração da ordem pública, pelo que se deve cessar actos que possam instigar uma maior alteração dessa ordem, tendo o arguido continuado a filmar enquanto dizia aqui estão os filhos da puta a si e ao Subcomissário AA.... Após atirou-lhe uma garrafa de água meia cheia com um líquido - que acredita não ser água pois sujou o seu boné e farda - que só não lhe acertou por se ter esquivado e fugiu a correr.
Quando o arguido BF... estava a ser detido o arguido TF...adoptou um comportamento de instigação contra a polícia; estava próximo das pessoas a deter a filmar ostensivamente tendo-lhe sido dito diversas vezes para se afastar, tendo este sempre dito que podia estar onde quisesse. Dirigiu-lhe a si e ao AA... as expressões filhos da puta e racistas.
Como consequência do arremesso de pedras ficaram danificados três escudos, Gadd um com o valor aproximado de E 360 a 380 e um capacete, com o valor de € 190, Referiu ainda que praticamente todos os manifestantes estavam a filmar.
A testemunha AA..., sub-comissário da PSP, relatou que foi atingido no joelho direito por uma das pedras, que teve dores e ficou com o joelho inchado. Referiu ter visto muita gente a atirar pedras mas não conseguir identificar ninguém.
Referiu que o arguido BF... estava a filmá-lo com o telemóvel na horizontal a si e ao agente M... enquanto dizia aqui estão os filhos da puta.
O arguido TF...enquanto estava a filmar dirigiu-lhe as expressões racistas e filhos da puta.
O arguido BF... atirou uma garrafa de água ao agente M... mas não o atingiu.
A testemunha RB..., oficial da PSP, referiu ser o chefe do núcleo de operações e que acompanhou o Superintendente M... quando este foi para o terreno.
Relatou que quando estavam a tentar encaminhar os manifestantes para o passeio, por estes estarem a ocupar a via, começaram a chover pedras, paralelos da calçada tendo sido atingido na canela e tendo sentido dor. Não sabe quem arremessou.
Referiu que, dada a quantidade de pedras arremessadas, de certeza que tinham sido recolhidas antes pois não existiria tal quantidade de pedras soltas na Av. da Liberdade.
Viu uma garrafa ir na direcção do Superintendente M..., mas não viu quem arremessou.
A testemunha HS..., agente principal do corpo de intervenção da PSP, acompanhou com a sua equipa o superintendente M… para acompanhar a vaga de manifestantes.
Relatou ter visto o arguido BA... no grupo de onde as pedras vinham, fugiu para outra artéria e diz que não fez nada.
Referiu ter quase a certeza que foi o arguido que lhe atirou uma pedra já que não estava ninguém nas imediações, só não sabe se foi a que lhe acertou.
Viu o arguido JJ... a atirar pedras, fixou-o (designadamente a sua indumentária), deixou-o andar e depois organizou uma equipa para o ir buscar. Não sabe se alguma das pedras arremessadas pelo arguido o atingiu porque eram centenas de pedras.
Referiu que os manifestantes não levaram a bem ser encaminhados para o passeio pois a sua intenção era desestabilizar, ser notícia e aí começaram a atirar pedras.
A testemunha FS..., agente do corpo de intervenção, relatou que foi atingido na zona da anca do lado esquerdo e que teve dores, mas não conseguiu identificar quem arremessou as pedras.
A testemunha TF..., comissário da PSP, constatou que quatro escudos e um capacete da polícia ficaram danificados na sequência do apedrejamento.
Esclareceu ainda que o primeiro arremesso de pedras e isqueiros contra a polícia ocorreu na Praça do Comércio; que alguns manifestantes provocaram danos no pára-brisas de um táxi, na Rua do Ouro e que uma viatura policial foi atingida. Referiu que o primeiro arremesso ocorreu às 16:00 horas, tendo o arremesso da Avenida da Liberdade ocorrido várias horas após, às 19:20 horas. A manifestação era formada por mais de cem pessoas, sendo que, após o primeiro arremesso alguns indivíduos abandonaram a manifestação mas grande parte seguiu.
A testemunha Dr. MB..., docente universitário, declarou desconhecer os arguidos e que, no dia dos factos, estava a passear quando se apercebeu da manifestação anti-racismo pelo que, por curiosidade ficou a observar a actuação da polícia. A manifestação estava no Marquês, controlada, pacífica, o corpo de intervenção está a conter a manifestação, quando, de repente, manifestantes começam a deslocar-se, de forma desordenada, e ocupam a Av. a da Liberdade no sentido descendente. É esse grupo exaltado que começa a causar distúrbios.
A testemunha começou a descer e junto ao hotel Tivoli começa a ouvir muito barulho, o corpo de intervenção começa a descer em passo de corrida, a bater com os cassetetes nos escudos e ouve tiros de shotgun. À frente da garagem do hotel Tivoli há um grupo a atirar pedras. Quando se apercebe do que está acontecer procura quem coordena a situação e coloca-se junto ao Intendente M... e assiste à detenção do arguido BA....
Para auxiliar a compreensão do seu depoimento a testemunha auxiliou-se de dois croquis por si elaborados - juntos aos autos. Esclareceu que à frente do hotel estão estacionados três autocarros, pelo que não há visibilidade do passeio. Há um carro cinzento a ser apedrejado e três agentes encontram-se atrás deste.
Vê o arguido BA... ser trazido por três agentes da zona onde não estavam a ser arremessadas pedras, mas não viu o que motivou a detenção. Os agentes que o detiveram vieram de baixo e apanharam-no junto aos autocarros.
Mais referiu que a distância entre os manifestantes que arremessaram pedras e a polícia era grande.
A testemunha JS..., amigo há cerca de 30 anos do arguido BF... e seu colega de trabalho, referiu que este é pessoa cumpridora e de confiança. Mais referiu que no dia dos factos o arguido tinha ido buscar a farda por se encontrar de folga.
A testemunha GD... declarou ter participado na manifestação e já conhecer o arguido TF...anteriormente, conhecendo os restantes arguidos da manifestação.
Relatou, em suma, que a manifestação, quando chegou ao Marquês de Pombal era composta por cerca de 200 pessoas, a polícia fez um cordão à volta dos manifestantes e houve troca de provocações entre manifestantes e polícia. A polícia não deixava os manifestantes sair e houve um grupo de pessoas que desceram pelo passeio e pela estrada, cerca de 100 pessoas, e começou o clima de tensão, conflitos entre os manifestantes, sendo que quem estava a provocar, agredir, eram polícias disfarçados- sic. Os polícias começaram a agredir com os bastões do nada e só houve arremesso de pedras depois dos disparos, mas admite que possa ter havido arremesso de pedras que não tenha visto.
Viu pessoas a arremessar pedras que retiraram dos canteiros do jardim, do lado direito. Estava a dois metros do grupo onde começaram a atirar pedras.
Correu para se proteger; na paragem viu polícia à paisana a correr e só não foi detido porque uma senhora interferiu e disse que o viu ali parado.
Percebeu que não podia ficar ali porque seria detido e foi para os Restauradores e ficou à espera das pessoas.
Viu a polícia atrás do arguido BF..., a deterem-no e pessoas que começaram a filmar, viu o arguido TF...a filmar e foi aí que foi detido, mas não ouviu o que disseram.
Não viu qualquer garrafa de água.
A testemunha Dr. P..., advogado, relatou que se encontrava no Martim Moniz, perto da manifestação, pelo que resolveu ir ver. Ao chegar aos Restauradores assistiu à intervenção policial e ficou no local. No centro vê um rapaz a ser algemado e o arguido TF...a filmar com o telemóvel; os agentes diziam pára de filmar e o arguido respondia que podia filmar, que não estava a fazer nada de mal,' foi detido e encostado à carrinha com violência. Não ouviu nada de injurioso ou insultuoso de nenhuma parte, encontrava-se a duas faixas de rodagem do arguido. Não percebia tudo o que era dito.
A testemunha Dr. JS..., realizador de cinema e docente universitário, relatou ter-se deparado com a manifestação quando estava em trânsito e como achou relevante a nível de participação cívica resolveu acompanhá-la. Daquilo que se apercebeu a manifestação era pacífica, a dado momento os polícias permitem que os manifestantes voltem a descer a Av. da Iiberdade, a maioria junto à faixa do corredor central e outros no passeio; a ocupação era ordeira. Dc repente apercebe-se que os manifestantes estão a ser impelidos pela polícia com o bastão em riste a correrem para o passeio, ouviu a polícia dirigir insultos aos manifestantes, alguns xenófobos. Depois ouviu duas explosões, não sabe se eram petardos ou balas, e vê a polícia a agredir indiscriminadamente os manifestantes. Viu o arguido BA... ser detido de forma violenta e despropositada. Não viu pedras serem arremessadas.
Viu ainda outra detenção, mas não sabe identificar de que arguido.
Esclareceu ainda que no Marquês de Pombal estariam cerca de 200 pessoas e o grupo que desceu seria composto por cerca de 30 a 50 pessoas, afro-descendentes, sendo uma grande parte do sexo feminino.
Cotejada a prova produzida verifica-se que desta resultam provados os factos acima elencados, da forma que se passa a explicitar.
No que tange aos factos ínsitos nos art.s 1° e 2° da acusação a prova dos mesmos decorreu do acordo de todos os intervenientes quanto a tais factos, com excepção de que os factos ocorreram à passagem do cinema S. Jorge, já que se provou que ocorreram junto do hotel Tivoli, como referido pelas testemunhas e pelos arguidos e por tal decorrer das imagens de videovigilância do cinema S. Jorge.
No que toca ao facto ínsito no art. 3° da acusação entende o Tribunal que não resultou provado que os arguidos BA... e JJ... se encontravam na linha da frente munidos de pedras da calçada e as arremessaram contra os agentes da PSP. Com efeito, os arguidos negaram tal facto e resulta do cotejo da prova produzida que apenas a testemunha HS..., agente da PSP, do corpo de intervenção, referiu tal facto.
Embora o Tribunal entenda que a testemunha está convicta de tal facto, considerando, por um lado, que a visibilidade se encontraria necessariamente diminuída, uma vez que já tinha escurecido, a testemunha encontrar-se-ia a cerca de 15 metros e, por outro, o contexto atribulado em que ocorreram os factos - bem patente nas imagens visualizadas e nas palavras das testemunhas agentes da PSP que referiram que choviam pedras e tinham que se proteger - e que seriam vários os indivíduos a arremessar pedras, considerou o Tribunal como cabalmente provado que os arguidos se encontravam inseridos no grupo de manifestantes que arremessou pedras, mas, face à ausência de outra prova que corroborasse as declarações da testemunha, neste particular, que tivessem sido estes a arremessar pedras na linha da frente do grupo. Com efeito, persiste uma dúvida razoável e sustentada quanto à circunstância de os arguidos terem arremessado pedras. Dúvida para a qual também contribuiu o depoimento da testemunha MB..., que referiu que o arguido BA... foi trazido de uma zona onde, naquele momento, não estavam a ser arremessadas pedras (embora não tivesse visto o que motivou a detenção).
Neste âmbito, o Tribunal reverte esse estado de dúvida, de acordo com o princípio in dúbio pro reo. O princípio in dúbio pro reo é um princípio probatório vigente no nosso direito processual penal, segundo o qual a dúvida em relação à prova da matéria de facto tem de ser sempre valorada favoravelmente ao arguido.
Conforme refere Helena Bolina (In Razão de ser, significado e consequências do princípio da presunção de inocência, BFD 70 (1994), 433-61), o princípio in dúbio pro reo tem reflexos exclusivamente ao nível da apreciação da matéria de facto - 'á dúvida que o Julgador está vinculado a resolver favoravelmente ao arguido, é uma dúvida relativamente aos elementos de facto, quer sejam pressupostos do preenchimento do tipo de crime, quer sejam factos demonstrativos da existência de uma causa de exclusão de ilicitude ou da culpa. No mesmo sentido, veja-se Cavaleiro Ferreira, in Processo Penal, 1956, folha 312 e Processo Penal, 1986, folha 216.
Assim, a dúvida tem que se resolver a favor dos arguidos, dando-se como não provado que os arguidos arremessaram pedras na linha da frente. Consequentemente, o Tribunal considerou como não provados os factos ínsitos nos arts. 11°, 12°, 13° e 14° atinentes ao elemento volitivo que pressupunha a prova do arremesso de pedras.
De notar que são realidades distintas a verdade processual (judiciária) e a verdade material (histórica): aquela haverá, necessariamente, de ser (re)construída com recurso à prova produzida em audiência de julgamento, caminhando-se da prova para a convicção - e não pela forma inversa.
A prova dos factos 4° e 5° decorreu das declarações credíveis dos ofendidos nesse sentido, bem como dos fotogramas de fls. 45 a 46.
Os factos ínsitos no art. 6° resultaram provados com base na conjugação das fotografias de fls. 43 44, com o aditamento de fls. 108 e com as declarações das testemunhas LM..., RB... e TF....
Resultou provado que os arguidos BA... e JJ... se encontravam no grupo de manifestantes que desceu do Marquês de Pombal contra a indicação da polícia, ocupando a faixa de rodagem e o passeio e em que indivíduos não identificados arremessaram pedras contra a polícia e viaturas, cometendo, por conseguinte, violência contra pessoas e propriedade, afectando, ipso modo, o sossego e tranquilidade públicas, o que pretendiam colectivamente.
Pese embora o Tribunal entenda, como referido supra, que quanto ao facto de os arguidos terem arremessado pedras não existe uma prova cabal e segura, pelas razões atrás apontadas, já quanto ao facto de os arguidos integrarem o grupo onde se encontravam a ser arremessadas pedras essa prova existe.
A prova de tais factos decorre, desde logo, das declarações dos arguidos, que admitem ter participado na manifestação, mormente no grupo que saiu do Marquês de Pombal (embora refiram que não se encontravam no grupo que provocou os desacatos), bem como no facto de terem sido detidos após o arremesso de pedras, em local próximo a tais factos e de terem sido vistos no grupo pela testemunha HS... que, de forma circunstanciada e escorreita e, por conseguinte credível, declarou que fixou os arguidos no grupo e determinou a sua detenção, sendo que, relativamente ao arguido JJ... seguiu os seus movimentos, desde que saiu do grupo, até à sua detenção.
Mais se provou que os arguidos e os demais manifestantes que saíram do Marquês de Pombal contra a indicação da polícia aceitaram a eventualidade da criação de perigo para bens jurídicas (facto 11). A prova de tal facto decorre do comportamento do grupo de manifestantes, como descrito pelas testemunhas agentes da PSP, e adveio ainda das declarações da testemunha TF... que esclareceu que após o primeiro arremesso de pedras contra a polícia, na Praça do Comércio, alguns indivíduos abandonaram a manifestação mas grande parte seguiu. Ou seja, o grupo de manifestantes, nos quais se incluem os arguidos, aceitou e conformou-se com a eventualidade da criação de perigo para bens jurídicos ou patrimoniais, como já havia ocorrido previamente, perigo esse que se concretizou com o arremesso de pedras. A título ilustrativo salienta-se que é visível no vídeo das câmaras de videovigilância do cinema S. Jorge um manifestante a apanhar e guardar uma pedra da calçada.
Aliás, como decorreu das declarações das testemunhas LM..., AA..., RB..., HS..., FS... e TF... (agentes da PSP) a vontade e actuação dos manifestantes dirigia-se contra a acção da polícia, que foi o que motivou o arremesso de pedras.
Acresce que, como referido pela testemunha GD... o grupo no qual se encontravam os arguidos, saiu do Marquês, após indicação em contrário da polícia, a correr pelo passeio e pela estrada, tendo resultado das declarações das testemunhas agentes da PSP que perturbaram o trânsito e agiram contra a indicação da polícia.
No que toca aos factos imputados ao arguido BF... (art. 7°, 8°, 15°, 16°, 17° e 18°) entende o Tribunal que foi produzida prova cabal da sua ocorrência. Desde logo porque as declarações do arguido não se afiguraram credíveis. Pretendeu o arguido colocar-se à margem de todos os eventos e referir que nem sequer se encontrava a filmar, que ia fazer uma videochamada que ainda não tinha iniciado. Tais declarações não se coadunam com o facto de o ofendido AA... ter referido que este já tinha o telefone na horizontal, nem com o facto de ter encetado fuga, mas sobretudo são infirmadas pelas declarações dos ofendidos LM... e AA... que relataram de forma espontânea, circunstanciada e coincidente e, por conseguinte credível, que o arguido se encontrava a filmá-los dizendo aqui estão os filhos da puta. Mais relataram que o arguido arremessou na direcção de LM... uma garrafa de água de 1,5 litros, que se encontrava a meio, que só não lhe acertou por este se ter desviado. Tais factos foram também relatados de forma credível pela testemunha AA..., tendo a testemunha RB... também visualizado o arremesso da garrafa de água na direcção de LM..., embora não tivesse visto o autor de tal acção.
No que toca aos factos imputados ao arguido TF... (arts. 9°, 12°, 13°, 14°, 16°, 17° e 18°), cotejada a prova produzida, entende o Tribunal que estes também foram cabalmente provados. Com efeito os ofendidos LM... e AA... descreveram de modo consentâneo e credível, os factos constantes da acusação, resultando para o tribunal a convicção segura e fundada de que os factos ocorreram da forma aí descrita, que se considerou provada, ou seja, que o arguido lhes dirigiu as expressões racistas e filhos da puta. É certo que o arguido negou a sua prática, contudo, resulta até das suas declarações que adoptou um comportamento de desafio e desrespeito para com os agentes da PSP, o que reforça a credibilidade dos ofendidos. A visualização do filme que o arguido levava a cabo também não infirma as declarações dos ofendidos uma vez que o vídeo termina abruptamente e as expressões podem ter sido proferidas posteriormente.
Quanto aos antecedentes criminais dos arguidos ou sua ausência, o tribunal socorreu-se dos certificados de registo criminal junto aos autos.
As condições sócio-económicas dos arguidos resultaram provadas com base nas declarações destes.

Apreciando...
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência dos vícios indicados no n° 2 do art. 410° do Cód. Proc. Penal.
Assim, os recorrentes alegam erro de julgamento e inconstitucional interpretação jurídica no que respeita ao crime de participação em motim.
Do erro de julgamento...
Alegam os recorrentes BA... e JJ... que foram erradamente
dados como provados os factos 2°, 10°, 11° e 18°.
Os recorrentes BF... e TF... alegam que foram erradamente
dados como provados os factos 7°, 8º, 9º, 15°, 17° e 18°.
Define o art. 124° 1 do Cód. Proc. Penal, o que vale em julgamento como prova, ali se determinando que constituem objecto de prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis. Neste artigo, onde se regula o tema da prova, estabelece-se que o podem ser todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou para a inexistência de qualquer crime, para a punibilidade ou não punibilidade do arguido, ou que tenham relevo para a determinação da pena. A ausência de quaisquer limitações aos factos probandos ou aos meios de prova a usar, com excepção dos expressamente previstos nos artigos seguintes ou em outras disposições legais (só não são permitidas as provas proibidas por lei ou as obtidas por métodos proibidos — arts. 125° e 126° do mesmo Cód.), é afloramento do princípio da demanda da descoberta da verdade material que continua a dominar o processo penal português (Maia Gonçalves, Cód. Proc. Penal, 12a ed., p. 331).
A prova pode ser directa ou indirecta/indiciária (Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Proc. Penal, II vol., p. 99 ss). Enquanto a prova directa se refere directamente ao tema da prova, a prova indirecta ou indiciária refere-se a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação quanto ao tema da prova.
A nossa lei processual penal não estabelece requisitos especiais sobre a apreciação da prova, quer a directa, quer a indiciária, estando o fundamento da sua credibilidade dependente da convicção do julgador que, sendo embora pessoal, deve ser sempre motivada e objectivável, sendo apreciada de acordo com as regras da experiência.
Com efeito, o art. 127° do Cód. Proc. Penal prescreve que salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente. É o chamado princípio da livre apreciação da prova.
Ora o princípio da livre apreciação da prova está intimamente relacionado com os princípios da oralidade e da imediação. O primeiro exige que a produção da prova e a discussão, na audiência de julgamento, se realizem oralmente, de modo a que todas as provas (excepto aquelas cuja natureza não o permite) sejam apreendidas pelo julgador por forma auditiva. O segundo, diz respeito à proximidade que o julgador tem com os intervenientes no processo, ao contacto com todos os elementos de prova, através de uma percepção directa.
Como salienta o Prof. Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, vol. I, p.233 e 234) só os princípios da oralidade e imediação... permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles, por outro lado, permitem avaliar o mais concretamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais.
Os meios de que o Tribunal de primeira instância dispõe para a apreciação da prova são diferentes dos que o Tribunal de recurso possui, uma vez que a este estão vedados os princípios da oralidade e da imediação e é através destes que o julgador percepciona as reacções, os titubeios, as hesitações, os tempos de resposta, os olhares, a linguagem corporal, o tom de voz, tudo o que há-de constituir o acervo conviccional da fé e credibilidade que a testemunha há-se merecer.
Isto significa que o Tribunal de recurso não pode sindicar certos meios de prova quando para a credibilidade do testemunho foi relevante o funcionamento do princípio da imediação, mas pode controlar a convicção do julgador da primeira instância quando ela se mostre contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos.
Tendo em consideração o supra exposto, vejamos das razões dos recorrentes.
Referem os recorrentes BA... e JJ... que foram erradamente dados como provados os factos 2°, 10°, 11° e 18°, ou seja:
2. Neste contexto, no dia 21 de Janeiro de 2019, cerca das 18:40 horas, um número não concretamente apurado de indivíduos, mas não inferior a 50 (cinquenta) encontrava-se a descer a Avenida da Liberdade, quando à passagem pelo hotel Tivoli, agarraram em pedras da calçada, com cerca de 10 cm X10 cm, e começaram a atirá-las contra o dispositivo policial que aí se encontrava, composto, designadamente, pelos agentes da Polícia de Segurança Pública (doravante designada por PSP) LM..., RB..., AA..., HS... e FS..., os quais se encontravam devidamente uniformizados.
10. Os arguidos BA... e JJ..., ao agirem da forma descrita, fizeram-no de forma livre e com a perfeita consciência de estarem a participar activamente num ajuntamento, em que pela acção conjunta do numeroso grupo em que se integravam e, com a utilização por diversos elementos do grupo, de pedras da calçada, foram por todos e como cada um deles visava, arremessadas pedras contra os elementos da força policial que aí se encontravam.
11. Os arguidos BA... e JJ... integravam o grupo em que indivíduos não identificados arremessaram as pedras contra os agentes da PSP que aí se encontravam, com o propósito de os molestar na sua integridade física e de provocar danos, prevendo e conformando-se com tal conduta.
18. Os arguidos BA..., JJ..., BF... e TF..., em todas as suas condutas agiram de forma livre, deliberada e consciente, estando cientes da censura penal das suas condutas c tcndo capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.
Quanto ao facto dado como provado em 2., nomeadamente que um número não concretamente apurado de indivíduos, mas não inferior a 50 (cinquenta) encontrava-se a descer a Avenida da Liberdade, quando à passagem pelo hotel Tivoli, agarraram em pedras da calçada, com cerca de 10 cm X10 cm, e começaram a atirá-las contra o dispositivo policial que aí se encontrava, composto, designadamente, pelos agentes da Polícia de Segurança Pública é um facto que foi relatado por todas as testemunhas — excepção feita a JS... — e que resulta das imagens que constituem prova. Não está provado, nem tal era a acusação, que todos os indivíduos desse grupo tivessem atirado pedras, mas que houve vários que o fizeram, e não em número diminuto, entendemos estar provado em face dos inúmeros elementos que apontam nesse sentido.
Quanto ao facto dado como provado em 10. (Os arguidos BA... e JJ..., ao agirem da forma descrita, fizeram-no de forma livre e com a perfeita consciência de estarem a participar activamente num ajuntamento, em que pela acção conjunta do numeroso grupo em que se integravam e, com a utilização por diversos elementos do grupo, de pedras da calçada, foram por todos e como cada um deles visava, arremessadas pedras contra os elementos da força policial que aí se encontravam), diremos, antes de mais, que ele está interligado ao facto dado como provado em 3. — e que não foi impugnado especificadamente — (Inseridos nesse grupo de manifestantes encontravam-se os arguidos BA... e JJ...; manifestantes não identificados e inseridos no referido grupo, munidos de pedras da calçada, arremessaram-nas contra os agentes da PSP que aí se encontravam, com a intenção de os atingir, bem como ao material policial que os mesmos utilizavam). Já especificadamente impugnado foi o facto dado como provado em 11.: Os arguidos BA... e JJ... integravam o grupo em que indivíduos não identificados arremessaram as pedras contra os agentes da PSP que aí se encontravam, com o propósito de os molestar na sua integridade física e de provocar danos, prevendo e conformando-se com tal conduta.
Alegam os recorrentes BA... e JJ... que a manifestação decorria de forma pacífica e que os confrontos entre os manifestantes e a polícia ocorreram subitamente e de forma inesperada. Porém, embora se possa afirmar que a manifestação decorreu de forma pacífica até os manifestantes, na Av. da Liberdade, serem encaminhados para a PSP para o passeio por forma a ficar desimpedida a faixa de rodagem (numa altura em que a manifestação programada já tinha terminado), já não se pode dizer que o arremesso de pedras da calçada foi súbito e inesperado, desde logo porque é preciso fazer algum esforço para arranjar pedras da calçada num local como a Av. da Liberdade: é preciso retirá-las do local onde estão fixas e essa actividade, por isso mesmo, não pode ter ocorrido de forma súbita e inesperada. Repare-se ainda que de acordo com o depoimento da testemunha TF..., a quem o Tribunal recorrido conferiu credibilidade, após o primeiro arremesso de pedras contra a polícia, na Praça do Comércio, alguns indivíduos abandonaram a manifestação mas grande parte seguiu. E considerando que foram atingidos 4 homens, 4 escudos e um capacete, teremos que concluir que não foram poucas as pedras arremessadas.
Por outro lado, decorre da experiência comum que, se são atiradas pedras da calçada contra pessoas e bens, a intenção é de os atingir e ofender a integridade física (das pessoas) e danificar (os bens). É sabido que a intenção subjectiva do agente, salvo no caso de confissão, é sempre apurada em face das regras da experiência comum e de juízos de normalidade social, extraindo-se dos demais factos dados como provados. Realmente, o dolo é uma realidade que não é apreensível directamente, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum — como lembra Cavaleiro Ferreira (Curso de Processo Penal, Vol. II, 1981, pág. 292), existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são susceptíveis de prova indirecta, como são todos os elementos de estrutura psicológica, os relativos ao aspecto subjectivo da conduta criminosa; no mesmo sentido, Malatesta, (A Lógica das Provas em Matéria Criminal, págs. 172 e 173) defende que, exceptuando o caso da confissão, não é possível chegar-se à verificação do elemento intencional, senão por meio de provas indirectas (percebem-se coisas diversas da intenção propriamente dita e, dessas coisas, passa-se a concluir pela sua existência).
Ora os recorrentes BA... e JJ... não abandonaram o grupo que atirava as pedras quando o respectivo arremesso começou. Embora os recorrentes neguem que estivessem inseridos no grupo que arremessou pedras contra os agentes da PSP que aí se encontravam, com a intenção de os atingir, bem como ao material policial que os mesmos utilizavam, temos que recordar que o Tribunal recorrido, escudado nos princípios da imediação e da oralidade considerou credível o depoimento da testemunha HS... que não teve dúvidas em afirmar que viu os recorrentes nesse grupo e disse de forma circunstanciada e escorreita e, por conseguinte credível, (declarou) que fixou os arguidos no grupo e determinou a sua detenção, sendo que, relativamente ao arguido JJ... seguiu os seus movimentos, desde que saiu do grupo, até à sua detenção. Também relativamente ao recorrente BA... a mesma testemunha refere que depois do arremesso das pedras, vindas do grupo onde o recorrente se encontrava, o mesmo grupo fugiu e ele ficou.
E ao contrário do que alegam os recorrentes, o Tribunal recorrido não considerou todos os manifestantes como integrando o grupo que arremessou as pedras contra os elementos da PSP, mas apenas aqueles manifestantes que atiraram pedras, independentemente de terem ou não acertado nos alvos, ou que estavam junto dos que as atiraram, sem que tenham fugido dali quando o arremesso começou, por essa via participando nos factos que consubstanciavam já uma agressão e não a manifestação pacífica que até então decorria.
Pelo que podemos concluir que os recorrentes estavam inseridos no referido grupo de forma livre e com a perfeita consciência de estarem a participar activamente num ajuntamento, em que pela acção conjunta do numeroso grupo em que se integravam e, com a utilização por diversos elementos do grupo, de pedras da calçada, foram por todos e como cada um deles visava, arremessadas pedras contra os elementos da força policial que aí se encontravam, com o propósito de os molestar na sua integridade física e de provocar danos, prevendo e conformando-se com tal conduta.
E podemos também concluir, tal como provado em 18., que Os arguidos BA..., JJ... (..,) em todas as suas condutas agiram de forma livre, deliberada e consciente, estando cientes da censura penal das suas condutas e tendo capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento, já que não se vislumbra a existência de qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, nem tal foi alegado.
Assim, quanto aos factos impugnados pelos recorrentes BA... e JJ..., não podemos deixar de aceitar a posição do Julgador a quo, fundamentada, e que de modo algum aponta para uma apreciação arbitrária da prova sendo, pelo contrário, todos os elementos probatórios suficientes para se concluir como fez o Tribunal recorrido.
Os recorrentes BF... e TF... alegam que foram erradamente
dados como provados os factos 7°, 8°, 9°, 15°, 16°, 17° e 18°.
Referem-se ao recorrente BF... os seguintes factos:
7. No mesmo dia, já no final da Avenida da Liberdade, cerca das 18:50 horas, junto à Praça dos Restauradores, o arguido BF... encontrava-se a filmar com o seu telemóvel e quando os agentes da PSP, Intendente LM... e Subcomissário AA..., se aproximaram,
o mesmo dirigindo-se-lhes proferiu em tom de voz alto Aqui estão os filhos da puta.
8. De seguida, como o Intendente LM... o advertisse para a ilicitude da sua conduta, o arguido BF... arremessou na sua direcção uma garrafa de água de 1,5 Its, que se encontrava a mais de meio, só não lhe tendo acertado, em virtude de este se ter conseguido desviar.
15. O arguido BF... ao atirar a garrafa de água contra o Intendente LM..., quis molestá-lo fisicamente, revelando um especial desprezo pela autoridade que representava e só não conseguiu concretizar os seus intentos, por motivos alheios à sua vontade.
16. Os arguidos BF... e TF... quiseram e conseguiram proferir as expressões narradas, cientes que as mesmas atingiam os agentes da autoridade, Intendente LM... e Subcomissário AA..., na sua honorabilidade.
17. Os arguidos BF... e TF... ao proferirem as referidas expressões, dirigindo-se ao Intendente LM... e Subcomissário AA..., bem sabiam que estes eram agentes da Polícia de Segurança Pública e que se encontravam no exercício de funções.
18. Os arguidos BA..., JJ..., BF... e TF..., em todas as suas condutas agiram de forma livre, deliberada e consciente, estando cientes da censura penal das suas condutas e tendo capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.
Referem-se ao recorrente TF... os seguintes factos:
9. Quando o Intendente LM... e o Subcomissário AA... se encontravam a ultimar a detenção do arguido BF..., o arguido TF..., enquanto filmava com o seu telemóvel, após ter sido advertido pela polícia que devia parar de filmar, dirigindo-se-lhes, proferiu as seguintes expressões Racistas e Filhos da Puta.
15. O arguido BF... ao atirar a garrafa de água contra o Intendente LM..., quis molestá-lo fisicamente, revelando um especial desprezo pela autoridade que representava e só não conseguiu concretizar os seus intentos, por motivos alheios à sua vontade.
16. Os arguidos BF... e TF... quiseram e conseguiram proferir as expressões narradas, cientes que as mesmas atingiam os agentes da autoridade, Intendente LM... e Subcomissário AA..., na sua honorabilidade.
17. Os arguidos BF... e TF... ao proferirem as referidas expressões, dirigindo-se ao Intendente LM... e Subcomissário AA..., bem sabiam que estes eram agentes da Polícia de Segurança Pública e que se encontravam no exercício de funções.
18. Os arguidos BA..., JJ..., BF... e TF..., em todas as suas condutas agiram de forma livre, deliberada e consciente, estando cientes da censura penal das suas condutas e tendo capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.
Alega o recorrente BF... que para prova dos factos o Tribunal considerou apenas os depoimentos das testemunhas — agentes da PSP — que procederam à sua detenção, considerando credíveis tais depoimentos e desconsiderando outra prova, testemunhal e documental que punha em causa tal credibilidade, além de que não teve em atenção a contradição dos depoimentos desses agentes.
Diz o recorrente que não estava a filmar a actuação dos agentes, mas que foi detido porque os agentes pensaram que os estava a filmar. Diz ainda que se atirou uma garrafa de plástico, essa garrafa devia ter sido apreendida e não foi, o que denota que não existe. E diz que não proferiu injúrias contra os agentes e que é inverosímil que num local cheio de agentes alguém lhes dirija insultos.
Ora parece evidente que o recorrente BF... não foi detido por estar a filmar a actuação policial (embora admitamos que foi esse comportamento do recorrente que chamou a atenção da policia sobre si), foi detido porque depois de interpelado para cessar tal actuação chamou filhos da puta aos agentes da PSP que se dirigiram na sua direcção e arremessou na direcção deles uma garrafa meio cheia de água, como afirmaram em Tribunal, em depoimento que foi considerado credível, à luz dos princípio da oralidade e da imediação, as testemunhas LM... e AA.... A circunstância de a garrafa não ter sido apreendida, no meio da confusão que estava a decorrer não pode ser motivo de estranheza; tal como não é motivo de estranheza os insultos dirigidos a gontes policiais não obstante a sua presença em número significativo — de facto, é algo que acontece frequentemente.
Alega o recorrente TF... que não proferiu injúrias e que isso mesmo resulta do vídeo que captou e está junto aos autos, mais resultando do depoimento da testemunha LM... que o recorrente foi detido por estar a filmar e por ter tido ao longo da manifestação um comportamento que a testemunha achou digno de censura. Alega ainda que a testemunha e advogado P... disse que estava à distância de duas faixas de rodagem do recorrente e não o ouviu proferir qualquer injúria.
De novo diremos que o recorrente não foi detido por estar a filmar, mas por ter injuriado agentes da autoridade. Também neste caso o Tribunal recorrido, escudado nos princípios da oralidade e da imediação, conferiu credibilidade aos depoimentos das testemunhas LM... e AA... resultando para o tribunal a convicção segura e fundada de que os factos ocorreram da forma aí descrita, que se considerou provada, ou seja, que o arguido lhes dirigiu as expressões racistas e filhos da puta.
Diremos ainda que o vídeo junto como prova e que estava a ser filmado pelo recorrente, não implica necessariamente a prova do contrário, pois, tal como disse o Tribunal recorrido, o vídeo termina abruptamente e as expressões podem ter sido proferidas posteriormente, além de que, o vídeo não foi percepcionado logo após a detenção e pode ter sido adulterado, como bem lembra o M.P.. Também o facto da testemunha P... não ter ouvido injúrias não pode significar que não foram ditas, pois a confusão seria muita e o que é ouvido a um metro pode não ser ouvido a seis.
O recorrente repristina, também, o depoimento da testemunha RB..., que disse em audiência não o reconhecer por estar longe, apesar de aparecer no vídeo muito próximo dele e a dizer-lhe para não filmar. Salvo o devido respeito por diversa opinião, não vemos que tal coloque em dúvida os depoimentos das testemunhas LM... e AA.... É perfeitamente admissível que numa situação como aquela, e uma vez que não foi ele que procedeu à detenção, haja alguma confusão relativamente aos intervenientes.
Acrescentamos, apenas, que não se mostra que tenha havido violação do princípio in dubio pro reo. Tal violação só se verificaria se, produzida a prova e efectuada a sua valoração, subsistindo no espírito do julgador uma dúvida insanável sobre a verificação ou não de determinado facto, o julgador não decidisse a favor do arguido, dando como não provado o facto que lhe é desfavorável.
E no caso, lida a motivação da decisão de facto, verificamos que o Tribunal recorrido não ficou com qualquer dúvida sobre a prova, pelo que não pode pôr-se a questão de violação do princípio in dubio pro reo. Como se refere no sumário do Ac. do STJ de 27.05.2010, no Proc. 18/07.2GAAMT.P1.S1, a eventual violação do princípio in dubio pro reo só pode ser aferida...quando da decisão impugnada resulta, de forma evidente, que o tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto, que tenha chegado a um estado de dúvida `patentemente insuperável' e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido, optando por um entendimento decisório desfavorável ao arguido.
Posto isto, lembramos que se tem vindo a entender que a ausência de imediação determina que o tribunal superior, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela primeira instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida, nos termos previstos pelo art. 412°, n.° 3, al. b) do Cód. Proc. Penal, mas já não quando permitirem outra decisão. Ou seja, a convicção da primeira instância, só pode ser posta em causa quando se demonstrar ser a mesma inadmissível em face das regras da lógica e da experiência comum.
O que significa que os recorrentes não podem pretender substituir a convicção alcançada pelo Tribunal recorrido por via de argumentos que permitam concluir que uma outra convicção era possível, sendo imperioso demonstrar que as provas indicadas impõem uma outra convicção (neste sentido cfr. o acórdão do STJ de 25.03.2010, Proc. 427/08.0TBSTB. El .S1, pesquisado em www.dgsi.pt ). Não é o caso.
Tudo visto, não podemos deixar de aceitar a posição do Julgador a quo, fundada e criteriosa, não havendo motivo para alterar a decisão sobre a matéria de facto.
E não sendo patente que a sentença recorrida enferme de vícios do conhecimento oficioso, tem-se por definitiva a decisão sobre a matéria de facto proferida na primeira instância.
Da inconstitucionalidade interpretativa do crime de participacão em motim...
Afirmam os recorrentes BA... e JJ... que a sua condenação pela prática do crime de participação em motim, com a fundamentação aduzida na sentença recorrida, violou o art. 45° da Constituição da República Portuguesa, já que entre a colisão do direito à integridade física dos manifestantes, dos transeuntes e dos Agentes da PSP e o direito de manifestação dos cidadãos participantes daquele protesto, entendeu o Tribunal a quo que este último teria necessariamente que ceder face à verificação da lesão dos bens jurídicos
protegidos pelo primeiro. E afirmam que o Tribunal, ao preconizar que os manifestantes, incluindo todos os que foram alheios aos factos, teriam que fazer cessar imediatamente a sua participação na manifestação quando começaram os desacatos, impôs um limite ao exercício do direito de manifestação que a Constituição da República Portuguesa não autoriza.
Defendem que o direito de manifestação goza, no nosso ordenamento jurídico, de protecção reforçada e que qualquer restrição deve obedecer aos parâmetros decorrentes do princípio da proporcionalidade, consagrado nos arts. 2° e 18°, n° 2, ambos da Constituição da República Portuguesa, não podendo ser coarctado o direito de manifestação como efeito da conduta criminosa de um grupo reduzido de cidadãos.
Sobre o crime do participação em motim escreveu o Tribunal recorrido:
Os arguidos BA... e JJ... encontram-se acusados da prática de um crime de participação em motim, p. e p. pelo art. 302° do Código Penal. Dispõe o art. 302° do Código Penal, sob a epígrafe Participação em motim:
1 - Quem tomar parte em motim durante o qual forem cometidas colectivamente violências contra pessoas ou contra a propriedade é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legai.
2- Se o agente tiver provocado ou dirigido o motim, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
3- O agente não é punido se se tiver retirado do motim por ordem ou admoestação da autoridade sem ter cometido ou provocado violência.
Protege-se com esta incriminação bens jurídicos pessoais e patrimoniais, sejam da titularidade de pessoas privadas ou públicas, e sejam estas individuais ou colectivas. Como refere Américo Taipa Carvalho, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo II, p. 1189, o legislador considera, adequadamente, que o motim lesa o bem jurídico paz ou tranquilidade pública, e põe em perigo bens jurídicos pessoais e/ou patrimoniais, nomeadamente a vida, a integridade física e a propriedade das pessoas contra as quais se dirige a actuação tumultuosa.
O tipo legal objectivo deste crime de participação em motim divide-se em duas partes: tomar parte em motim, a primeira, sendo a segunda, o cometimento, durante o motim, de violências contra pessoas ou contra a propriedade, uma condição objectiva de punibilidade.
Tem que existir uma relação de adequação entre a prática das lesões pessoais ou patrimoniais e o motim, ou seja, a violência tem que ser considerada como efeito adequado do motim, segundo a experiência comum.
O conceito jurídico-criminal de motim não se reduz a um ajuntamento tumultuoso de várias pessoas, afectador do sossego público, mas exige que tal ajuntamento crie o perigo de lesão de pessoas e bens. Assim, uma reunião/manifestação, por mais ruidosa e ilegal que o seja, não poderá qualificar-se como motim se, na mente dos seus participantes, não estiver presente a aceitação da eventualidade da criação de perigo para bens jurídicos pessoais ou patrimoniais, trata-se pois de um crime plurisubjectivo de convergência: exige uma pluralidade de pessoas dirigindo-se a vontade e actuação delas num mesmo sentido.
O motim pressupõe um conjunto de pessoas tal que a entrada ou saída do ajuntamento de uma pessoa seja irrelevante.
Este crime exige o dolo e bastará a representação do risco de virem a ser lesados, durante o motim, bens jurídicos; ou seja, é suficiente o dolo eventual.
Está prevista no art. 302°, n° 1, uma cláusula de subsidiariedade, ou seja, o agente só é punido pela prática desde crime, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
Portanto, se, num motim, um dos intervenientes agride corporalmente uma pessoa ou danifica gravemente um automóvel, e os outros intervenientes não tiveram qualquer comparticipação nesta agressão corporal ou neste dano, o primeiro será sancionado somente com a pena aplicável ao crime de ofensas corporais ou do crime de dano (puníveis com penas mais elevadas que a prevista para a participação em motim) enquanto os outros intervenientes serão sancionados pela sanção da participação em motim. Na hipótese da impossibilidade de prova de qual ou quais dos intervenientes cometeram o crime de violência, durante o motim, responderão todos apenas pelo crime de participação em motim.
In casu, resultou provado que os arguidos BA... e JJ... participaram no ajuntamento, com número não inferior a 50 indivíduos, em que foram cometidas colectivamente violências contra pessoas ou contra a propriedade, designadamente foram arremessadas pedras que atingiram os agentes RB..., AA..., HS... e FS..., causando-lhes dores, bem como foram danificados quatro escudos policiais e um capacete, provocando danos no valor de € 1 740, 20.
Mais se provou que no grupo de pessoas que compunha o referido ajuntamento, no qual se incluem os arguidos, a partir das 18:40 horas, estava presente a aceitação da eventualidade da criação de perigo para bens jurídicos pessoais ou patrimoniais e que a vontade e actuação dos manifestantes dirigia-se contra a acção da polícia, que foi o que motivou o arremesso de pedras.
Por outro lado, segundo a experiência comum, foi precisamente por a violência ter sido exercida por alguns elementos do grupo de manifestantes, inseridos nesse todo, que lograram concretizar os actos de violência, sendo tais actos efeito adequado do motim.
Encontram-se, pois, preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do crime de participação em motim, pelos arguidos BA... e JJ..., impondo-se a sua condenação, considerando que não lhes cabe pena mais grave por força de outra disposição legal.
O art. 45° da Constituição da República Portuguesa consagra o direito de manifestação preceituando que:
«1. Os cidadãos têm o direito de se reunir, pacificamente e sem armas, mesmo em lugares abertos ao público, sem necessidade de qualquer autorização.
2. A todos os cidadãos é reconhecido o direito de manifestação.»
Sabido que o direito de reunião e o direito de manifestação não são idênticos —desde logo porque a reunião é necessariamente colectiva, enquanto a manifestação pode ser colectiva ou individual — comportam, ainda assim, elementos comuns, sendo que a exigência constitucional de carácter pacífico e sem armas (n° 1) constitui um limite explícito da liberdade de reunião (e, por maioria de razão, de manifestação) — Gomes Canotilho / Vital M..., Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. 1, 4a ed., p. 638.
No caso, embora se admita que a manifestação numa fase inicial tenha decorrido de forma pacífica, o certo á que, a dada altura, o carácter pacífico da manifestação gorou-se, na medida cm que alguns dos manifestantes usaram armas de arremesso (pedras) contra os agentes policiais que ali se encontravam. Esses manifestantes que usaram armas não eram todos os que integravam a manifestação, mas apenas um grupo. Todavia, a partir do momento em que um grupo de manifestantes deixou de actuar de forma pacífica, a protecção constitucional conferida ao direito de manifestação deixou de existir para esse específico grupo (onde se integravam os recorrentes).
Não se trata de dizer que uns princípios constitucionais prevalecem sobre outros, ou de coarctar direitos constitucionalmente consagrados, trata-se apenas de afirmar que, não sendo pacífica, a manifestação deixa de se constituir como um direito. Nestes termos, a interpretação do Tribunal recorrido não se afigura inconstitucional, nem violou qualquer preceito da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente os artigos 2°, 18° 2 e 45°.
Quanto à integração jurídica da actuação dos recorrentes BA... e JJ..., na prática de um crime de participação em motim, subscrevemos a que foi feita pelo Tribunal recorrido, realçando que não tendo ficado provado que os recorrentes se tivessem retirado do motim (sem ter cometido ou praticado violência), antes da fuga colectiva, não pode enquadrar-se a actuação de qualquer deles na previsão do n° 3 do art. 302° do Cód. Penal.
Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento aos recursos, declarando-os
totalmente improcedentes.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em cinco (5) UCs.
Lisboa, 11.07.2019 (processado e revisto pela relatora)
Alda Tomé Casimiro
Anabela Simões Cardoso
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