Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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 - ACRL de 14-05-2019   Constituição de arguido. Revogação da suspensão provisória do processo.
O Ministério Público vislumbrou a possibilidade de arquivar o inquérito ab initio, e essa possibilidade resulta não só do despacho em que decide ouvir o denunciado na qualidade de testemunha, como resulta do despacho de arquivamento do inquérito. Ou seja, o Ministério Público — enquanto titular do inquérito — considerou não haver fundada suspeita de crime. Nestes termos, não se pode dizer que existia, no caso, a obrigatoriedade de proceder ao interrogatório do arguido no inquérito, pelo que a falta de interrogatório do arguido durante o inquérito não constitui qualquer nulidade.
Em sede de instrução não existe norma a definir qualquer tipo de obrigação de interrogar o arguido. Nem se pode dizer que o disposto no art. 272° do Cód. Proc. Penal vigora também para a fase de instrução, considerando que a dita norma se refere claramente ao inquérito. Por outro lado, não existe regra equivalente àquele art. 272° para a fase de instrução. Em sede de instrução o arguido pode requerer o seu interrogatório, como estipula o n° 2 do art. 292° do Cód. Proc. Penal, não sendo este obrigatório.
A revogação da suspensão provisória do processo não é automática e tem que ser precedida da audição do arguido sobre o não cumprimento das injunções/regras de conduta, conforme estipula o n° 2 do art. 495° do Cód. Proc. Penal, aplicável por força do n° 3 do art. 498° do mesmo diploma (e considerando ainda o disposto no art. 61°, n° 1, alínea b), do Cód. Proc. Penal). O Tribunal recorrido diligenciou pela audição do arguido, por duas vezes, nunca ele tendo comparecido apesar de justificar a falta. O arguido sabia das obrigações impostas, porque as tinha aceite, sabia que o prazo para as cumprir já tinha passado, e ainda assim também não apresentou qualquer requerimento a informar das razões do não cumprimento. Perante tal situação só podia o Tribunal concluir por um incumprimento culposo e por isso foi proferido o despacho recorrido que determinou que o processo prosseguisse.
Proc. 3223/16.7T9PDL-A.L1 5ª Secção
Desembargadores:  Alda Tomé Casimiro - Anabela Simões - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Recurso Penal n° 3223/16.7T9PDL-A.L1
Recurso Independente em Separado — Inquérito n° 3223/16.7T9PDL — Tribunal Judicial da Comarca dos Açores — Juízo de Instrução Criminal de Ponta Delgada
Acordam, em conferência, na 5a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa,
Relatório
No âmbito do Inquérito com o n° 3223/16.7T9PDL que corre termos no Juízo de Instrução Criminal de Ponta Delgada, do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, foi proferido despacho que pronunciou o arguido JPC... pela prática de um crime de abuso de poder, p. e p. pelo art. 382° do Cód. Penal.
Sem se conformar com a decisão o arguido interpôs o presente recurso onde pede que seja declarada a nulidade insanável do despacho de pronúncia por omissão narrativa do elemento subjectivo do tipo quanto à liberdade de determinação do agente e, em consequência, seja proferido despacho de não pronúncia; subsidiariamente que seja declarada a nulidade insanável por falta de interrogatório de arguido em instrução após não ter sido interrogado nessa qualidade em inquérito e, em consequência seja declarada nula toda a fase de instrução; subsidiariamente que seja declarada a nulidade insanável do despacho de pronúncia, por falta de audição do arguido quando à revogação da suspensão provisória do processo.
Para tanto formula as conclusões que se transcrevem:
a) O presente recurso tem como objeto a decisão instrutória proferida acerca da pronúncia do arguido, aqui recorrente, devendo subir em separado, de forma imediata e com efeito suspensivo, como decorre dos art.s 2° a 9° das motivações de recurso.
b) A primeira questão que o recorrente pretende ver apreciada decorre da nulidade insanável do despacho de pronúncia por falta de concretização do elemento subjectivo, nomeadamente pela ausência de um dos seus elementos essenciais consubstanciado na liberdade de determinação do agente. Assim,
c) Ao despacho de pronúncia é aplicável o disposto nos n°s 2, 3 e 4 do art. 283° do CPP, ex vi do art. 308° n° 2 do mesmo diploma legal, sendo que a alínea b) do artigo 283° do mesmo diploma dispõe que:
(...) A acusação contém, sob pena de nulidade:
b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma
pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada; (...)
d) Quando referida a uma acusação ou ao despacho de pronúncia, tal nulidade - por omissão dos factos imputados ao arguido, pelos quais deverá responder em julgamento - deverá ser considerada insanável, tendo em vista a lógica do sistema, (cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, de 26.10.2011, no Processo n° 199/10.8GDCNT.C1 disponível em www.dol.pt). Na verdade, se a falta de narração dos factos na acusação pode ser conhecida oficiosamente, levando à rejeição desta como manifestamente infundada - artigo 311°, n° 3, alínea b) do CPP, não faria sentido que a falta de factos no despacho de pronúncia não pudesse ser objecto do mesmo tipo de conhecimento em sede de recurso.
e) Entende o arguido, aqui recorrente, que nem o requerimento de abertura de instrução, nem o despacho de pronúncia, cumpriram o requisito do art. 283° n° 3 alínea b) do CPP, nomeadamente por apresentarem deficiente descrição, por omissão narrativa, do tipo subjetivo do crime imputado, sendo que como é consabido, a falta de descrição, no requerimento de abertura da instrução, dos elementos do tipo subjetivo do ilícito, não pode ser integrada, no final da instrução, por recurso ao mecanismo previsto no art. 303° do CPP.
t) É assim essencial, porque exigido pelo art. 287°, n° 2 do C.P.P. que quer o RAI quer o despacho de pronúncia contenham a descrição clara, ordenada, à semelhança do que é exigido para a acusação, seja pública, seja particular, de todos os factos suscetíveis de responsabilizar criminalmente algum arguido - ou seja, a factualidade resultante da atividade ou comportamento do arguido que preencha todos os requisitos objetivos e subjetivos do tipo legal denunciado.
g) O despacho de pronúncia refere que: (...) e pronuncio o mesmo pelos factos que constam dos arts. 42 a 49, 52, 57, parte final e 64, primeira parte, do requerimento para abertura de instrução de fls. 99-106, que aqui tenho por integramente reproduzidos, susceptíveis de entregarem o crime de abuso de poder, p. e p. pelo art. 382°, do C.P.. (...)
h) Percorrendo os artigos do requerimento de abertura de instrução que dizem respeito ao elemento subjectivo, e da forma que foi delimitada pelo despacho de pronúncia, encontramos as seguintes menções:
art.° 52 do RAI: O comportamento descrito foi desenvolvido com perfeito e declarado conhecimento de que se estava a transferir uma Delegada sindical e com consciência e vontade de o fazer ao arrepio e mesmo contra a lei e em prejuízo ao sindicato representado que assim deixaria de ter na unidade orgânica em causa (Núcleo de Apoio Geral do CRA) qualquer Delegado.
art.° 57 parte final do RAI: (...) o que fez com declarado conhecimento e vontade da prática desse acto e, ainda, não podendo desconhecer que o mesmo tem potencialidade para causar, como causou, prejuízo, mesmo que não patrimonial, à delegada sindical e, outrossim, ao sindicato que representa.
art.° 64. primeira parte do RAI: Como também já atrás dito, o arguido sabia que tal conduta não lhe era permitida por lei (...)
i) O AUJ n° 1/2015 do Supremo Tribunal de Justiça publicado na 1.a Série do Diário da República de 27 de Janeiro de 2015, veio uniformizar jurisprudência no sentido de que:
«A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.° do Código de Processo Penal.» (..)
Em conclusão: a acusação, enquanto delimitadora do objecto do processo, tem de conter os aspectos que configuram os elementos subjectivos do crime, nomeadamente os que caracterizam o dolo, quer o dolo do tipo, quer o dolo do tipo de culpa no sentido acima referido, englobando a consciência ética ou consciência dos valores e a atitude do agente de indiferença pelos valores tutelados pela lei criminal, ou seja: a determinação livre do agente pela prática do facto, podendo ele agir de modo diverso: o conhecimento ou representação, de todas as circunstâncias do facto, tanto as de carácter descritivo, como as de cariz normativo e a vontade ou intenção de realizar a conduta típica, apesar de conhecer todas aquelas circunstâncias, ou, na falta de intenção, a representação do evento como consequência necessária (dolo necessário) ou a representação desse evento como possível, conformando-se o agente com a sua produção (dolo eventual), actuando, assim, conscientemente contra o direito.
j) Assim, cfr. explanado no Acórdão do de 07-06-2011, com n° de processo 25/10.8SCLSB.L1-5: tratando-se de crime doloso, da acusação deveria constar, pela sua relevância para a possibilidade de imputação do crime ao agente, e segundo a fórmula que se segue ou outra equivalente mas inequívoca, que o arguido agiu livre (afastamento das causas de exclusão da culpa - o arguido pôde determinar a sua acção), deliberada (elemento volitivo ou emocional do dolo - o agente quis o facto criminoso) e conscientemente (imputabilidade - o arguido é imputável), bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (elemento intelectual do dolo, traduzido no conhecimento dos elementos objectivos do tipo).
k) Em momento algum do Requerimento de Abertura de Instrução, bem como no despacho de pronúncia, se faz alusão à liberdade de actuação do agente, ou seja que o arguido agiu de forma livre (afastamento das causas de exclusão da culpa - o arguido pôde determinar a sua acção), sendo que o agente pode agir de forma consciente e voluntária, bem sabendo do carácter proibido e punível da sua conduta e, contudo, esta não decorrer com liberdade. (vide p.e. situações abrangidas por coacção moral).
I) -.Em termos dogmático-penais, a liberdade de decisão/acção constitui elemento integrante do tipo de culpa ou da culpa tout court, sendo que a sua falta obsta á existência de crime, sendo que se afigura de especial importância o vertido no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 22-11-2010, com o n° de processo 114/09.GFPRT.G1, onde se afirma que: (...) Dito de outro modo, sendo uma tal liberdade pressuposto da punibilidade juspenal, sem aquela inexiste crime, na medida em que considera-se «crime» o conjunto de pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou de uma medida de segurança criminais - cf alínea a) do artigo 1° do Código de Processo Penal. -
Entender que a liberdade de decisão/acção apenas revela juspenalmente enquanto causa de exclusão da culpa e, pois, concluir que onde inexiste esta há liberdade é, desde logo, presumir esta, o que se configura inadmissível no seio de um direito penal moderno, já que este exige, além do mais, que todos os factos que integram os «pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou de uma medida de segurança criminais» sejam provados. (...)
m) Em idêntico sentido veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30.09.2009 com o n° de processo 910/….7TAVIS.C1, bem como, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 06-11-2017, este último referindo que: (...) No caso, a acusação é totalmente omissa quanto à atuação livre da arguida (isto é, podia ela agir de modo diverso, em conformidade com o direito ou o dever-ser jurídico), se atuou conscientemente (isto é, tendo representado na sua consciência todas as circunstâncias do facto) e, finalmente, se sabia ser sua conduta proibida e punida por lei (consciência da proibição como sinónimo de consciência da ilicitude).
A ausência dos aludidos elementos da acusação. como decorre da fundamentação da decisão recorrida e do aludido A.F.J., deverá conduzir à sua rejeição que foi o que sucedeu no caso destes autos, cfr. artigos 283°, n° 3 aí. b), 284°, n° 2, e 311°, n° 3 als. b) e d) do C.P.P.. (...)
n) Ainda no mesmo sentido veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 01 de Junho de 2011 (disponível para consulta em www dgsi.pt), bem como, por remissão para este, do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-02-2015 com o n° de processo 290/13.9TACNT.C1, onde se lê o seguinte.' ff (...) da acusação há-de constar necessariamente, pela sua relevância para a possibilidade de imputação do crime ao agente, que o arguido agiu livre (afastamento das causas de exclusão da culpa - o arguido pôde determinar a sua acção), deliberada (elemento volitivo ou emocional do dolo - o agente quis o facto criminoso) e conscientemente (imputabilidade - o arguido é imputável), bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (elemento intelectual do dolo, traduzido no conhecimento dos elementos objectivos do tipo).
o) O despacho de pronúncia, bem como o RAI, são completamente omissos quanto à atuação livre do arguido, pelo que estão feridos de nulidade insanável, sendo que no mesmo sentido, v.g., Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 12 de Novembro de 2014, de 10 de Julho de 2014, 25 de Junho de 2014 e decisão sumária de 27 de Novembro de 2013 e ainda, Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 4 de Junho de 2014, de 6 de Julho de 2011, de 17 de Novembro de 2010, de 15 de Setembro de 2010, de 14 de Julho de 2010, de 3 de Fevereiro de 2010, de 20 de Janeiro de 2010, de 23 de Setembro de 2009 e de 7 de Janeiro de 2009, do de 15 de Setembro de 2011, de 27 de Maio de 2010 e de 1 de Abril de 2008, do Tribunal da Relação de Évora de 19 de Março de 2013, de 5 de Fevereiro de 2013, de 15 de Novembro de 2011, de 12 de Abril de 2011, de 11 de Março de 2014, de 13 de Abril de 2004, de 20 de Março de 2007 e de 17 de Maio de 2006 e do Tribunal da Relação de Guimarães de 18 de Dezembro de 2012 e de 28 de Maio de 2012.
p) Pelo que, delimitado que se encontra o despacho de pronúncia pela remissão feita para o requerimento de abertura de instrução dos assistentes, encontra-se o mesmo ferido de nulidade insanável - tal como o RAI - por falta de concretização do elemento subjectivo, nomeadamente quanto
à falta do elemento essencial consubstanciado na liberdade de determinação do agente, termos em que deve tal despacho ser revogado e. em consequência, ser substituído por despacho de não pronúncia.
q) A segunda questão que o recorrente pretende ver apreciada consiste na nulidade do despacho de pronúncia, decorrente da falta de interrogatório de arguido na fase de instrução (e no inquérito).
r) O Ministério Público entendeu arquivar o processo, por não existir suspeita fundada da prática de crime e, nessa sequência, não procedeu à constituição de arguido nem ao seu interrogatório nessa qualidade, sendo que requerida a instrução pelos assistentes, adquiriu o suspeito, de forma automática, a qualidade de arguido nos termos do art. 57° n° 1 do CPP.
s) Em sede de instrução, o arguido também não foi interrogado sobre os factos que lhe eram imputados entendendo o Mmo. Juiz de Instrução Criminal - Juiz dos Direitos Liberdades e Garantias - que o arguido tem mais direitos em sede de inquérito do que em sede de instrução, ou seja, em sede de inquérito o arguido tem o direito de ser interrogado, obrigatoriamente, sob pena de nulidade e, em sede de instrução, o arguido que nunca foi inquirido, apenas terá o direito a ser interrogado se assim o requerer.
t) O Mmo. Juiz a quo entende que estamos perante um direito potestativo e, ao invés, o arguido considera que estamos perante um direito subjectivo de natureza absoluta e fundamental a que corresponde um dever juridico-judicial imediato, pelo que, não tendo ele sido constituído nem interrogado nessa qualidade em inquérito, a lei impõe (e não apenas permite) o seu interrogatório quanto aos factos que lhe são imputados em sede de instrução.
u) Tal entendimento do tribunal de instrução, a ser seguido, levaria a que - como acontece nos presentes autos - sempre que o M.P. arquivasse o inquérito, e fosse requerida a abertura de instrução por parte do assistente - assumindo o suspeito a partir deste momento a qualidade de arguido (art. 57° do CPP) - o arguido veria os seus direitos de defesa substancialmente diminuídos, nomeadamente o direito ao exercício do contraditório, constitucionalmente consagrado no art. 32° da CRP, e ínsito no art. 61° n° 1 alínea b) do CPP que estatui o direito de o arguido Ser ouvido pelo tribunal ou pelo _juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente os afecte.
v)- Sucede porém que, em sede de debate instrutório, não foi o arguido ouvido quanto aos factos que lhe estão imputados no RAI, julgando o Mmo. Juiz de Instrução que a presença processual do arguido em instrução se basta com a sua presença física não sendo necessária a sua audição, quanto aos factos que lhe são concretamente imputados.
w) Tal entendimento é contrário ao espírito da lei fundamental, da lei penal e processual penal, bem como à vasta doutrina e esmagadora jurisprudência que tem sido proferida pelos tribunais de recurso. Assim,
x) A ausência do arguido, tem em vista não só a sua ausência física mas também a sua ausência processual, sendo certo que, como refere o Prof. Figueiredo Dias, a propósito do direito de
audição, in Direito Processual Penal, 1981, I, 157/8, constitui a expressão necessária do direito do cidadão à concessão de justiça, das exigências comunitárias inscritas no Estado de Direito, da essência do Direito como tarefa do homem e, finalmente, do espírito do processo como comparticipação de todos os interessados na criação do Direito: a todo o participante processual antes de qualquer decisão que o possa afectar, dever ser dada a oportunidade através da sua audição, de influir na declaração do direito.
y) A jurisprudência dominante também faz o enquadramento de que qualquer decisão que diga respeito ao arguido deve ser precedida da sua audição prévia e tem-se enquadrado a preterição dessa formalidade como nulidade insanável, prevista no art. 119°, al. c) do CPP, e, por conseguinte, de conhecimento oficioso pelo tribunal enquanto a decisão que lhe sucedeu não transitar em julgado (V. Acs. da RL de 9/7/2014, de 1/3/2005 (CJ, 2°/123) e de 10/2/2004, da RE de 30/9/2014 e de 18/1/2005 e da RP de 4/3/2009.
z) É entendimento do Mmo. Juiz de Instrução que apenas existe nulidade caso o arguido requeira a sua inquirição e a mesma seja indeferida, nos termos do art. 292° n° 2 do CPP a que lhe corresponde a nulidade prevista no art. 120° n° 2 alínea d) do CPP.
A) Não assiste razão, ao tribunal recorrido, na invocação da norma do art. 292° n° 2 do CPP, para justificar a ausência total de interrogatório do arguido quanto aos factos que lhe são imputados.
B) Como é de fácil constatação a norma contida no art. 292° diz respeito, quanto ao arguido, da obrigatoriedade de admissão de produção de prova por este requerida, in casu, a sua audição, no entanto o art. 292° pressupõe a existência prévia de interrogatório de arguido, por ser legalmente obrigatório, devendo o juiz de instrução interrogar novamente o arguido se este assim o requerer.
C) Mas tal norma não desonera o juiz de instrução da obrigatoriedade de ouvir o arguido quanto aos factos que lhe são imputados se, até àquele momento, tal formalidade não foi concretizada.
D) Não se desconhece a jurisprudência que vem declarando a nulidade relativa nos termos do art. 120° n° 2 alínea d) do CPP nos casos em que o arguido, em sede de instrução, tenha requerido o seu interrogatório - nos termos e para os efeitos do art. 292° n° 2 do CPP e o mesmo tenha sido indeferido. Bem como,
E) Também não se desconhece o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 1/2006 sumariado da seguinte forma: A falta de interrogatório como arguido, no inquérito, de pessoa determinada contra quem o mesmo corre, sendo possível a notificação, constitui a nulidade prevista no artigo 120°, n° 2, alínea d), do Código de Processo Penal
F) No entanto, a nulidade de que padece os presentes autos, vai muito para além destas duas situações.
G) Em primeira linha, sempre diremos, que a jurisprudência uniformizada pelo AUJ 1/2006, vem reforçar o facto de os presentes autos estarem eivados de nulidade insanável, tanto mais que nele se refere o seguinte: (...)Por outro lado, a lei, ao estatuir que é obrigatório interrogar como arguido a
pessoa contra quem corre o inquérito, está a pressupor que aquela pessoa ainda não foi constituída como arguido, ou seja, que ainda não há arguido. Deste modo, sendo certo que a nulidade insanável a que vimos de aludir tem em vista, apenas, os casos de ausência do arguido a actos em que a lei exige a respectiva comparência, é evidente ser inaplicável à omissão do interrogatório previsto no artigo 272°, n° 1. (...)
H) Nos presentes autos, com a apresentação do requerimento de abertura de instrução, passou a existir arguido, ao contrário do caso concreto do AUJ que incide sobre a falta de interrogatório como arguido da pessoa contra quem correr inquérito - suspeito.
I) E se relativamente à falta de interrogatório da pessoa contra quem corre inquérito crime o AUJ 1/2006 aponta como vício a nulidade sanável prevista no art. 120° n° 2 alínea d) do CPP não é menos verdade que o mesmo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência enquadra o caso dos presentes autos na nulidade insanável do art. 119° c) do CPP ao referir que: (...) a nulidade insanável a que vimos de aludir tem em vista, apenas, os casos de ausência do arguido a actos em que a lei exige a respectiva comparência.
J) Por outro lado, se é verdade que a falta de interrogatório do arguido, a seu requerimento, nos termos do art. 292° n° 2 do CPP está enquadrada pela jurisprudência como nulidade relativa prevista no art. 120° n° 2 alínea d) do CPP, nos presentes autos, conforme anteriormente já se explanou, a nulidade é absoluta por ausência total de interrogatório do arguido,
K) É pois entendimento do Mmo. Juiz de Instrução de Ponta Delgada que o arguido pode chegar à fase de julgamento sem ser interrogado nessa qualidade e, se o quiser fazer, terá de o requerer sendo que tal interpretação viola profunda e transversalmente a lei fundamental, a lei penal e processual penal, firmada da seguinte forma pela jurisprudência: 'A preterição da audição presencial do arguido, sendo ela possível, integra a nulidade do art. 119°, aL c) do Código de Processo Penal, sendo invocável a todo o tempo e de conhecimento oficioso.
L) Como acima se mencionou e a jurisprudência tem assinalado, a ausência do arguido em relação à sua defesa não é só a ausência física mas também a ausência processual no sentido da impossibilidade do exercício do direito de defesa, sendo que as garantias que a lei prevê só se podem tornar efetivas com a sua audição, tornando nulo, de forma insanável, o ato em que essas garantias não tenham sido respeitadas.
M) Ora, dúvidas não restam que se está na presença de um processado anómalo, sendo que foi omitido ato legalmente obrigatório e claramente violado o direito de defesa do arguido, consagrado nos arts. 60°, 61° e do C.P.P. e 32° da C.R.P., verificando-se a nulidade insanável da ausência do arguido em caso em que a lei exige a respetiva comparência prevista no art. 119°, al. c), do C.P.P.
N) A consequência é a prevista no art. 122°, n° 1, do mesmo diploma, ou seja, a invalidade do ato praticado bem como dos que dele dependerem, ou seja, impõe-se declarar a nulidade do debate instrutório e dos atos subsequentes, que deverão passar a considerar-se inválidos. Acresce que,
O) A interpretação normativa que o Mmo. JIC faz ao lançar mão do art. 292° n° 2 do CPP para branquear a inexistência de interrogatório de arguido é manifestamente inconstitucional.
P) O Mmo. Juiz de Instrução reconhece que o arguido não foi inquirido quanto aos factos que lhe são imputados, mais acrescentando que tal não aconteceu porquanto o mesmo não requereu a sua inquirição nos termos do art. 292° n° 2 do CPP.
Q) Assim, é inconstitucional o art. 61° n° 1 alínea b), por violação do art. 32° n° 5 da CRP quando interpretado no seguinte sentido: O arguido que não tiver sido interrogado na fase de inquérito, nem tendo sido constituído nessa qualidade, prosseguindo o processo para a fase instrutória, apenas terá o direito de ser interrogado pelo Juiz de Instrução, quanto aos factos que lhe são imputados, se o requerer ou se este o julgar necessário nos termos e para os efeitos previstos no art. 292° n° 2 do CPP.
R) A interpretação feita pelo Mmo. JIC viola ainda o direito ao processo equitativo, consagrado no art. 20° n° 4 da CRP e na CEDH, bem como os direitos deste decorrentes, aqui com relevante contributo da jurisprudência do TEDH, que tem considerado o contraditório um elemento integrante do princípio do processo equitativo, inscrito como direito fundamental no art. 6°, § 1° da CEDH, que tem aplicação directa no ordenamento jurídico interno por força do art. 7° e 8° da CRP, processo equitativo esse densificado pela Diretivas 2012/13/UE e 2016/343 do Parlamento Europeu e do Conselho.
S) O Mmo. Juiz de Instrução, no despacho em que procedeu à suspensão provisória do processo, apresentou desde logo o arguido como culpado da prática do crime de abuso de poder, que deu como verificado, em violação crassa de todo o normativo supra exposto, sem que o arguido se pudesse pronunciar quanto aos factos imputados através do seu direito de audição.
T) Pelo que, também por esta via, está ferida de nulidade insanável toda a fase de instrução, inclusive o despacho judicial que ordenou a suspensão provisória do processo.
U) A terceira questão que o recorrente pretende ver apreciada por este Tribunal Superior, está relacionada com a nulidade do despacho de pronúncia, decorrente da falta de audição do arguido a respeito das razões do incumprimento da suspensão provisória do processo
V) Nestes autos o Mm.° Juiz de instrução assumiu que a apreciação do incumprimento por parte do arguido da suspensão provisória do processo era automática, sem necessidade de averiguação da sua culpa no incumprimento e inclusive sem a sua audição
W) Com efeito, na acta de Debate Instrutório, que antecedeu o despacho de pronúncia, do qual se recorre, consta o seguinte: «A fase processual em que nos encontramos é já posterior ao despacho que pôs termo (ainda que condicional) à instrução e que suspendeu provisoriamente o processo nos termos que constam de fls. 145-148. Não curarei de fazer aqui uma apreciação jurídica demorada sobre se a diligência que decorre é ou não, ainda, debate. Cedo é que mesmo que de debate se tratasse a mesma não podia ser adiada mais do que uma vez, pois é isso que decorre do art. 300°, 4, do C.P.P. Se isto é assim, não pode deixar de sê-lo quanto audição do arguido a respeito das razões de incumprimento (já que não ensaiou demonstrar o cumprimento) das injunções que condicionaram a suspensão provisória do processo. Aquela audição, que entendo dever ser presencial, e por essa razão o notifiquei duas vezes, está obviamente orientada do ponto de vista teleológico ao exercício do contraditório: o que não pode servir é como instrumento para o arguido, a seu belo falante, obstar à decisão que se impõe. Nestes termos, representado que está por defensora seguirá o processo os seus termos».
X) Daqui se retira que o Mm° juiz a quo ao concluir que a audição do arguido a respeito das razões de incumprimento, não pode ser adiada, não tendo procedido à mesma, proferindo, de imediato, despacho de pronúncia, partiu, pois, do princípio que a constatação do incumprimento por parte do arguido, era de cariz automático e que o decurso do prazo preclusivo sem qualquer manifestação por parte do arguido impedia-o de vir justificar a sua aventada omissão.
Y) Sendo certo que, no caso presente, as faltas do arguido foram consideradas justificadas pelo tribunal recorrido, por motivo de doença.
Z) Operar-se-ia, no entender do tribunal a quo, uma espécie de caducidade da medida da suspensão provisória, com o ressurgimento da tramitação processual normal dos autos.
aa) A revogação da suspensão provisória do processo não é automática, sendo sempre precedida da audição do arguido (artigos 498°, n° 3 e 495°, n° 2 do CPP) e sendo sempre necessário verificar se existiu culpa do arguido no incumprimento das medidas aplicadas - neste sentido se pronunciam Fernando Torrão (TORRÃO, Fernando-...dos Santos Pinto, A Relevância Político-Criminal da Suspensão Provisória do Processo, Coimbra, Almedina, 2000, p. 230) e Sónia Fidalgo (FIDALGO, Sónia, O consenso no processo penal: reflexões sobre a suspensão provisória do processo e o processo sumaríssimo, RPCC n° 2 e 3, ano 18 (2008), pp. 289-290), que defendem que o incumprimento a que se refere o n° 3 do artigo 282° do CPP deve ser um incumprimento culposo à semelhança do que sucede com o artigo 55° do CP, a propósito do incumprimento dos deveres e regras de conduta no contexto da suspensão da execução da pena de prisão.
ab) Na verdade, a opção pela dedução de acusação/pronúncia em vez do arquivamento não decorre automaticamente de qualquer incumprimento, muito menos quando ele é parcial, envolvendo antes um juízo de culpa ou vontade de não cumprir por parte do arguido. Podendo, nomeadamente, haver lugar à revisão das injunções e regras de conduta decretadas, optando-se pela imposição de outras, ou pela prorrogação do prazo das anteriores até ao limite legalmente admissível, obviamente após prévio acordo do arguido, assistente e juiz de instrução.
ac) Trata-se de aplicar aqui os mesmos princípios de garantia (substantiva) dos direitos de defesa do incidente de incumprimento da suspensão da execução da prisão, previstos nos Arts. 55° e 56°, ambos do Código Penal.
ad) Neste enquadramento, estabelece depois o Art. 495°, n° 2, do CPPenal, do ponto de vista adjectivo, que o tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova e antecedendo parecer do Ministério Público e audição do condenado.
ae) Tal como refere Maia Costa em anotação ao Art. 282° do Código de Processo Penal, o incumprimento deverá ser culposo, ou repetido, em termos idênticos aos que o Código Penal prevê para a revogação da suspensão da pena, no art. 56°, n° 1, a). Ou seja, o incumprimento não terá que ser
doloso, mas deverá ser imputável pelo menos a título de negligência grosseira ao arguido, ou então repetidamente assumido (...). Assim, a constatação do incumprimento não pode conduzir automaticamente à «revogação» da suspensão, devendo o Ministério Público (ou o juiz de instrução, se a suspensão tiver sido decretada nessa fase) indagar das razões do incumprimento, em ordem a decidir-se pelo prosseguimento do processo para julgamento ou pelo decurso do prazo da suspensão, consoante apure haver, ou não, comportamento culposo, ou repetido, por parte do arguido. - assim, em António Henriques Gaspar e outros, Código de Processo Penal Comentado, 2014, Coimbra: Almedina, pp. 989. Idêntica opinião é manifestada por Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2007, Lisboa: Universidade Católica Editora, também em anotação ao Art. 282° do Código de Processo Penal, a pp. 729.
at) Neste sentido, consulte-se o Ac. da RL de 18/5/2010, processo n° 107/08.6GACCH. L1.5, ou ainda, o Ac. da R. L. de 22-03-2017, onde se lê que: Em consequência, o tribunal decidiu a revogação sem que ao arguido tivesse sido dada a possibilidade ao condenado de pessoalmente contrariar os argumentos expostos pelo magistrado do Ministério Público, de apresentar a sua posição no sentido de justificar a omissão e de apresentar os meios de prova considerados relevantes.
A circunstância de a decisão final no incidente ter sido proferida sem a presença do arguido e sem terem sido encetadas as diligências exequíveis para a notificação pessoal conduziu a uma situação de ausência processual do arguido, abrangida na alínea c) do artigo 119° do Código do Processo Penal que constitui uma nulidade insanável e torna também insanavelmente nulo o despacho recorrido que revogou a suspensão da execução da pena de prisão (artigo 122° n° 1 do Código de Processo Penal).
A declaração de nulidade inutiliza os efeitos da decisão de revogação da suspensão e fica assim prejudicada a apreciação da questão de saber se se verificam os pressupostos de que depende a revogação da suspensão da execução da pena. Sempre se dirá ainda que para apreciar e decidir a revogação da suspensão de uma pena de prisão o Tribunal deve averiguar se as finalidades da suspensão se encontram ou não comprometidas, o que pressupõe necessariamente a indagação dos motivos que levaram ao incumprimento das obrigações impostas na sentença. (...)
Obviamente que o incidente tendente a apreciação de eventual revogação da suspensão da execução tem de obedecer aos princípios gerais que presidem ao processo penal e não existe qualquer presunção de culpa do arguido na omissão de cumprimento dos deveres a que ficou subordinada a suspensão de execução.
ag) Acórdão este que está sumariado da seguinte forma:
I- Uma interpretação da norma constante do artigo 495° n° 2 do Código do Processo Penal, à luz dos princípios constitucionais do contraditório e do processo leal e equitativo, pressupõe necessariamente a exigência de uma participação presencial e eficaz do arguido.
II- A garantia do arguido de ser ouvido previamente só se torna efectiva se se entender que a lei processual penal fulmina com nulidade insanável o acto que a tenha desrespeitado.
A preterição da audição presencial do arguido não constitui causa de nulidade processual quando se torne inviável a localização ou quando a impossibilidade de contacto ou a falta de participação na diligência sejam imputáveis ao condenado.
ah) Acresce que, como decorre dos autos, o arguido sempre esteve contactável e localizável, sendo que a falta de participação na diligência ocorreu por motivos de doença, que o tribunal considerou sempre devidamente justificadas.
ai) Impunha-se, assim, ao tribunal de instrução a quo proceder à averiguação dos motivos do verificado incumprimento, cuidando de interpelar o arguido no sentido de vir apresentar uma eventual justificação para tal.
a]) Essa audição do arguido constitui mesmo uma garantia de defesa do arguido e do essencial contraditório, na sua manifestação do direito de audição sobre decisão que o afecte do ponto de vista pessoal, que aqui se manifesta na sua radicação constitucional e legal - cfr. Art.s 32°, n° 5, da Constituição da República, 6°, n° 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, e 61°, n° 1, alínea b), do C. P. Penal.
ak) Na realidade, o arguido não foi ouvido para se pronunciar sobre o incumprimento desenhado nos autos.
al) Quando é certo que se impunha a tribunal o impulso de audição do arguido e da sua defesa, na linha de entendimento acima exposta e defendida, tanto mais e, em contradição com o que foi decidido, é o próprio juiz do tribunal a quo a entender que a audição do arguido dever ser presencial, por estar obviamente orientada do ponto de vista teleológico ao exercício do contraditório.
am) Ora, dúvidas não restam que se está, mais uma vez neste concreto aspecto, na presença de um processado anómalo, sendo que, com a não audição do arguido a respeito das razões de incumprimento, foi omitido acto legalmente obrigatório e claramente violado o direito de defesa do arguido, consagrado nos arts. 60°, 61° e 113°, n° 9, do C.P.P. e 32° da C.R.P., verificando-se a nulidade insanável da ausência do arguido em caso em que a lei exige a respetiva comparência prevista no art. 119°, al.c), do C.P.P., entendendo-se que o texto legal, ao aludir à ausência do arguido, tem em vista não só a sua ausência física mas também a sua ausência processual.
an) Tinha o arguido o direito de se pronunciar a respeito das razões de incumprimento, sendo inequívoca tal exigência, não sendo uma mera consulta dos autos, que não é manifestamente um ato processual, suscetível de colmatar tal omissão, em nome do respeito pelas garantias de defesa.
ao) Para que o princípio do contraditório possa ser respeitado (arts.18° e 32°, da C. R.P.), necessário se torna que o arguido manifeste a respeito das razões de incumprimento da suspensão provisória do processo, permitindo assim o exercício do seu direito de defesa da forma que entender oportuna.
ap) Como acima se mencionou e a jurisprudência tem assinalado, a ausência do arguido em relação à sua defesa não é só a ausência física mas também a ausência processual no sentido da impossibilidade do exercício do direito de defesa, sendo que as garantias que a lei prevê só se podem tornar efetivas com a sua audição, tornando nulo, de forma insanável, o ato em que essas garantias não tenham sido respeitadas. O que significa que em casos tais se comete a nulidade prevista no art. 119°, al. c), do C.P.P..
aq) Com efeito, é inquestionável que não foram observados os formalismos legais, verificando-se omissão e atropelo dos direitos do arguido, sendo manifesta a existência de violação das garantias de defesa do mesmo.
ar) A consequência é a prevista no art. 122°, n° 1, do mesmo diploma, ou seja, a invalidade do ato praticado bem como dos que dele dependerem.
as) Assim sendo, e face ao disposto no art. 122° do C.P.P., impõe-se declarar a procedência da arguição da nulidade processual suscitada, e a revogação do despacho de pronúncia, que deverá ser substituído pela procedência da mesma nulidade arguida, com a anulação da antecedente decisão do mesmo tribunal de instrução a quo, de 16/11/2018.
Anteriormente à interposição deste recurso já o arguido tinha interposto um outro do despacho que tinha indeferido a arguição de nulidade do processo decorrente da sua falta de inquirição como arguido.
Nesse recurso o arguido pedia que se declarasse a fase de instrução ferida de nulidade insanável com os efeitos previstos no art. 122° do CPP, nomeadamente o debate instrutório e o despacho de 12.07.2018, em que pelo Mm° juiz a quo, foi proferida decisão a suspender provisoriamente o processo e dos atos subsequentes, que deverão passar a considerar-se inválidos.
Para tanto o arguido apresentou as seguintes conclusões:
a) Vem o presente recurso interposto do despacho proferido pelo M.mo Juiz de Instrução de Ponta Delgada, datado de 16/10/2018, despacho esse que desatendeu à arguição de nulidade invocada pelo arguido - nulidade essa decorrente da falta de interrogatório de arguido. Isto porquanto,
b) O Ministério Público entendeu arquivar o processo, por não existir suspeita fundada da prática de crime e, nessa sequência, não procedeu à constituição de arguido nem ao seu interrogatório nessa qualidade, sendo que requerida a instrução pelos assistentes, adquiriu o suspeito, de forma automática, a qualidade de arguido nos termos do alf. 57° n° 1 do CPP.
c) Em sede de instrução, e conforme reconhece o despacho recorrido, o arguido também não foi inquirido sobre os factos que lhe eram imputados, apenas lhe tendo sido solicitado que o mesmo desse o seu consentimento (ou não) à suspensão provisória do processo, à qual veio a anuir.
d) O arguido, após ponderada reflexão, entendeu que o presente processo não lhe assegurou todas as garantias de defesa legal e constitucionalmente consagradas, nomeadamente o direito ao contraditório consubstanciado na sua audição quanto aos factos concretamente imputados, bem como o direito a um processo equitativo, pois que em algum momento lhe foi dada a oportunidade de ser ouvido.
e) Entende o Mmo. Juiz de Instrução Criminal - Juiz dos Direitos Liberdades e Garantias - que o arguido tem mais direitos em sede de inquérito do que em sede de instrução, ou seja, em sede de inquérito o arguido tem o direito de ser interrogado, obrigatoriamente, sob pena de nulidade e, em sede de instrução, o arguido que nunca foi inquirido, apenas terá o direito a ser interrogado se assim o requerer.
f) O Mmo. Juiz a quo entende que estamos perante um direito potestativo e, ao invés, o arguido considera que estamos perante um direito subjectivo de natureza absoluta e fundamental a que corresponde um dever jurídico-judicial imediato, pelo que, não tendo ele sido constituído nem interrogado nessa qualidade em inquérito, a lei impõe (e não apenas permite) o seu interrogatório quanto aos factos que lhe são imputados em sede de instrução.
g) Tal entendimento do tribunal de instrução, a ser seguido, levaria a que - como acontece nos presentes autos - sempre que o M.P. arquivasse o inquérito, e fosse requerida a abertura de instrução por parte do assistente - assumindo o suspeito a partir deste momento a qualidade de arguido (art. 57° do CPP) - o arguido veria os seus direitos de defesa substancialmente diminuídos, nomeadamente o direito ao exercício do contraditório, constitucionalmente consagrado no art. 32° da CRP, e ínsito no art. 61° n° 1 alínea b) do CPP que estatui o direito de o arguido Ser ouvido pelo tribunal ou pelo iuiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente os afecte.
h) Sucede porém que, em sede de debate instrutório, como é reconhecido pelo despacho recorrido, não foi o arguido ouvido quanto aos factos que lhe estão imputados no RAI, julgando o Mmo. Juiz de Instrução que a presença processual do arguido em instrução se basta com a sua presença física não sendo necessária a sua audição, quanto aos factos que lhe são concretamente imputados.
i) Tal entendimento é contrário ao espirito da lei fundamental, da lei penal e processual penal, bem como à vasta doutrina e esmagadora jurisprudência que tem sido proferida pelos tribunais de recurso. Assim,
j) A ausência do arguido, tem em vista não só a sua ausência física mas também a sua ausência processual, sendo certo que, como refere o Prof. Figueiredo Dias, a propósito do direito de audição, in Direito Processual Penal, 1981, I, 157/8, constitui a expressão necessária do direito do cidadão à concessão de justiça, das exigências comunitárias inscritas no Estado de Direito, da essência do Direito como tarefa do homem e, finalmente, do espírito do processo como comparticipação de todos os interessados na criação do Direito: a todo o participante processual antes de qualquer decisão que o possa afectar, dever ser dada a oportunidade através da sua audição, de influir na declaração do direito.
k) A jurisprudência dominante também faz o enquadramento de que qualquer decisão que diga respeito ao arguido deve ser precedida da sua audição prévia e tem-se enquadrado a preterição dessa formalidade como nulidade insanável, prevista no art. 119°, aL c) do CPP, e, por conseguinte, de conhecimento oficioso pelo tribunal enquanto a decisão que lhe sucedeu não transitar em julgado (V. Acs. da RL de 9/7/2014, de 1/3/2005 (CJ, 2°/123) e de 10/2/2004, da RE de 30/9/2014 e de 18/1/2005 e da RP de 4/3/2009.
O Refere o despacho recorrido que apenas existe nulidade caso o arguido requeira a sua inquirição e a mesma seja indeferida, nos termos do art. 292° n° 2 do CPP a que lhe corresponde a nulidade prevista no art. 120° n° 2 alínea d) do CPP.
m) Não assiste razão, ao tribunal recorrido, na invocação da norma do art. 292° n° 2 do CPP, para justificar a ausência total de interrogatório do arguido quanto aos factos que lhe são imputados.
n) Como é de fácil constatação a norma contida no art. 292° diz respeito, quanto ao arguido, da obrigatoriedade de admissão de produção de prova por este requerida, in casu, a sua audição, no entanto o art. 292° pressupõe a existência prévia de interrogatório de arguido, por ser legalmente obrigatório, devendo o juiz de instrução interrogar novamente o arguido se este assim o requerer.
o) Mas tal norma não desonera o juiz de instrução da obrigatoriedade de ouvir o arguido quanto aos factos que lhe são imputados se, até àquele momento, tal formalidade não foi concretizada.
p) Não se desconhece a jurisprudência que vem declarando a nulidade relativa nos termos do art. 120° n° 2 alínea d) do CPP nos casos em que o arguido, em sede de instrução, tenha requerido o seu interrogatório - nos termos e para os efeitos do art. 292° n° 2 do CPP e o mesmo tenha sido indeferido. Bem como,
q) Também não se desconhece o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 1/2006 sumariado da seguinte forma: A falta de interrogatório como arguido, no inquérito, de pessoa determinada contra quem o mesmo corre, sendo possível a notificação, constitui a nulidade prevista no artigo 120°, n° 2, alínea d), do Código de Processo Penal
r) No entanto, a nulidade de que padece os presentes autos, vai muito para além destas duas situações.
s) Em primeira linha, sempre diremos, que a jurisprudência uniformizada pelo AUJ 1/2006, vem reforçar o facto de os presentes autos estarem eivados de nulidade insanável, tanto mais que nele se refere o seguinte:
(...)Por outro lado, a lei, ao estatuir que é obrigatório interrogar como arguido a pessoa contra quem corre o inquérito, está a pressupor que aquela pessoa ainda não foi constituída como arguido, ou seja, que ainda não há arguido. Deste modo; sendo cedo que a nulidade insanável a que vimos de aludir tem em vista, apenas, os casos de ausência do arguido a actos em que a lei exige a respectiva comparência, é evidente ser inaplicável à omissão do interrogatório previsto no artigo 272° n° 1. (...)
t) Nos presentes autos, com a apresentação do requerimento de abertura de instrução, passou a existir arguido, ao contrário do caso concreto do AUJ que incide sobre a falta de interrogatório como arguido da pessoa contra quem correr inquérito - suspeito.
u) E se relativamente à falta de interrogatório da pessoa contra quem corre inquérito crime o AUJ 1/2006 aponta como vício a nulidade sanável prevista no art. 120° n° 2 alínea d) do CPP não é menos verdade que o mesmo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência enquadra o caso dos presentes autos na nulidade insanável do art. 119° c) do CPP ao referir que: (...) a nulidade insanável a que vimos de aludir tem em vista, apenas, os casos de ausência do arguido a actos em que a lei exige a respectiva comparência.
v) Por outro lado, se é verdade que a falta de interrogatório do arguido, a seu requerimento, nos termos do art. 292° n° 2 do CPP está enquadrada pela jurisprudência como nulidade relativa prevista no art. 120° n° 2 alínea d) do CPP, nos presentes autos, conforme anteriormente já se explanou, a nulidade é absoluta por ausência total de interrogatório do arguido.
w) É pois entendimento do Mmo. Juiz de Instrução de Ponta Delgada que o arguido pode chegar à fase de julgamento sem ser interrogado nessa qualidade e, se o quiser fazer, terá de o requerer sendo que tal interpretação viola profunda e transversalmente a lei fundamental, a lei penal e processual penal, firmada da seguinte forma pela jurisprudência:
A preterição da audição presencial do arguido, sendo ela possível, Integra a nulidade do art. 119°, al. c) do Código de Processo Penal, sendo invocável a todo o tempo e de conhecimento oficioso.
x) Como acima se mencionou e a jurisprudência tem assinalado, a ausência do arguido em relação à sua defesa não é só a ausência física mas também a ausência processual no sentido da impossibilidade do exercício do direito de defesa, sendo que as garantias que a lei prevê só se podem tornar efetivas com a sua audição, tornando nulo, de forma insanável, o ato em que essas garantias não tenham sido respeitadas.
y) Ora, dúvidas não restam que se está na presença de um processado anómalo, sendo que foi omitido ato legalmente obrigatório e claramente violado o direito de defesa do arguido, consagrado nos arts, 60°, 61° do C.P.P. e 32° da C.R.P., verificando-se a nulidade insanável da ausência do arguido em caso em que a lei exige a respetiva comparência prevista no art. 119°, al. c), do C.P.P.
z) A consequência é a prevista no art. 122°, n° 1, do mesmo diploma, ou seja, a invalidade do ato praticado bem como dos que dele dependerem, ou seja, impõe-se declarar a nulidade do debate instrutório e dos atos subsequentes, que deverão passar a considerar-se inválidos. Acresce que,
A) A interpretação normativa que o Mmo. JIC faz ao lançar mão do art. 292° n° 2 do CPP para branquear a inexistência de interrogatório de arguido é manifestamente inconstitucional.
B) O Mmo. Juiz de Instrução reconhece que o arguido não foi inquirido quanto aos factos que lhe são imputados, mais acrescentando que tal não aconteceu porquanto o mesmo não requereu a sua inquirição nos termos do art. 292° n° 2 do CPP.
C) Assim, é inconstitucional o ad. 61° n° 1 alínea b), por violação do ad. 32° n° 5 da CRP quando interpretado no seguinte sentido: O arguido que não tiver sido interrogado na fase de inquérito, nem tendo sido constituído nessa qualidade, prosseguindo o processo para a fase instrutória, apenas terá o direito de ser interrogado pelo Juiz de Instrução, quanto aos factos que lhe são imputados, se o requerer ou se este o julgar necessário nos termos e para os efeitos previstos no art. 292° n° 2 do CPP.
D) A interpretação feita pelo Mmo. JIC, viola ainda o direito ao processo equitativo, consagrado no art. 20° n° 4 da CRP e na CEDH, bem como os direitos deste decorrentes, aqui com relevante contributo da jurisprudência do TEDH, que tem considerado o contraditório um elemento integrante do princípio do processo equitativo, inscrito como direito fundamental no ad. e § 1° da CEDH, que tem aplicação directa no ordenamento jurídico interno por força do art. 7° e 8° da CRP, processo equitativo esse densificado pela Diretivas 2012/13/UE e 2016/343 do Parlamento Europeu e do Conselho.
E) O Mmo. Juiz de Instrução, no despacho em que procedeu à suspensão provisória do processo, apresentou desde logo o arguido como culpado da prática do crime de abuso de poder, que deu como verificado, em violação crassa de todo o normativo supra exposto, sem que o arguido se pudesse pronunciar quanto aos factos imputados através do seu direito de audição.
F) Pelo que, também por esta via, está ferida de nulidade insanável toda a fase de instrução, inclusive o despacho judicial que ordenou a suspensão provisória do processo.
A Digna Magistrada do Ministério Público contra-alegou em ambos os recursos e em ambos pugnou pela respectiva improcedência.
Relativamente ao recurso interposto do despacho de pronúncia apresentou as seguintes conclusões:
la.- Nos autos não subsiste a invocada nulidade insanável do despacho de pronúncia, por falta de concretização do elemento subjectivo, nomeadamente pela ausência de um dos elementos essenciais consubstanciado na liberdade de determinação do agente.
2a.- Pois que, os assistentes, ao descreverem, no artigo 64°, do RAI que o arguido sabia que tal conduta não lhe era permitida por lei e, ainda assim, decidiu praticá-la e praticou-a, o que fez com elevado grau de ilicitude e de culpa, tiveram presente a liberdade de determinação do agente - no caso, do arguido/recorrente - incluindo nesta, a consciência que o mesmo teve, sabendo que o acto que praticava era proibido e punido por lei, sendo que, na posse de todo esse conhecimento, mesmo assim, decidiu praticar o acto, que sabia/estava consciente, ser proibido e punido por lei, o que realmente veio a acontecer.
3a.- Ou seja, que o arguido, perante todos esses factores positivamente presentes, e na posse de todos esses factores de conhecimento, agiu de forma livre, não lhe tendo, os mesmos, cerceado qualquer uma das suas faculdades intelectuais, e consequentemente volitivas, agindo de forma livre e deliberada, após ter determinado a sua vontade de praticar o acto, que sabia ser previsto e punido por lei como ilícito criminal.
4a.- É comummente entendido e consagrado na nossa lei penal, que o dolo é composto por conhecimento e vontade, englobando o primeiro termo, o conhecimento propriamente dito, mas também a representação e a previsão, enquanto que, no segundo termo, poderemos incluir a intenção, e também a aceitação. Tal conhecimento e tal vontade são actos interiores, psíquicos, ou seja, conceitos a que poderemos chamar mentalísticos.
5a.- Também não subsiste a invocada nulidade, por falta de interrogatório como arguido de JPC..., nos termos previstos no artigo 120°, n°s 1, 2 alínea d) e 3, alínea c), do CPP).
7a.- Porquanto a não constituição e interrogatório do arguido JPC... no inquérito, não poderá ser sancionada como nulidade.
8a.- Constituiria uma nulidade (nulidade sanável), nos termos do artigo 120°, n° 2, alínea d), do Código de Processo Penal, se, no decurso do inquérito o Ministério Público tivesse entendido que sobre aquele/ora recorrente, recaíam fundadas suspeitas da prática de crime(s), nos termos consignados no artigo 272°, n° 1, do Código de Processo Penal.
9a.- Entendendo porém, o Ministério Público, que não existiam fundadas suspeitas da prática de qualquer crime pelo arguido, e que a facticidade indiciada iria conduzir à prolação de um despacho de arquivamento, como efectivamente conduziu, não foi preterida a realização de qualquer acto obrigatório, nomeadamente a constituição e interrogatório do ora recorrente como arguido, como condição de verificação da nulidade prevista no artigo 120°, n° 2, alínea d), do CPP.
10a.- Já na fase de instrução, tal como fundamenta na sua decisão, o Mm° Juiz a quo, a nulidade assim invocada pelo arguido, apenas existiria, e seria então de declarar, se este tivesse requerido o seu interrogatório na qualidade de arguido. e se tal acto lhe tivesse sido indeferido, porquanto, face a tal requerimento, o direito a ser interrogado/inquirido assume um direito de natureza potestativa, conforme dispõe n° 2, do artigo 292°, do CPP, sendo o acto que lhe corresponde, obrigatório, nos termos definidos no já citado artigo 120°, n° 2, alínea d), do CPP.
1/a.- O arguido, que na fase da instrução sempre esteve assessorado, primeiro por defensor oficioso e, após, por mandatário constituído, em momento algum veio requerer a sua inquirição/ou interrogatório na qualidade de arguido, pelo que, a sua inquirição/interrogatório, não seria obrigatória, considerando que, em sede de instrução, só a preterição de acto obrigatório constitui nulidade, ainda nos termos definidos no artigo 120°, n° 2, alínea d), do CPP.
12a.- Ainda assim, e pese embora se entender, tal decidiu o Mm°. Juiz a quo que a nulidade arguida, não ocorreu nos autos, a verdade é que que a invocação desta, também não poderia proceder, quer por invocação extemporânea, quer porque sanada pela intervenção do arguido no acordo de suspensão provisória do processo, com a qual expressa e livremente concordou, bem como com as injunções que lhe foram aplicadas.
13a.- A fim de obviar à sua sujeição a audiência de discussão e julgamento, o arguido aceitou e concordou de forma expressa, com a suspensão provisória do processo, pois, caso o não tivesse feito, o processo não poderia ter sido suspenso, conforme decorre das disposições conjuntas dos artigos 281°, n° 1, alínea a) e 307°, n° 2, do CPP., sendo que, nessa fase processual, já tal nulidade não podia vir a ser arguida.
14a.- Na verdade, o debate instrutório decorreu e foi encerrado, sem que tivesse sido invocada, pelo arguido, a nulidade decorrente da sua falta de interrogatório na qualidade de arguido, sendo que, a existir a nulidade invocada, ou qualquer outra, sempre teria de ser arguida até ao final do debate instrutório, ou seja, até ao encerramento da discussão desse mesmo debate instrutório (cfr. o disposto no artigo 120°, n°s 1, 2, alínea d), e n° 3 alínea c), do CPP), o que não aconteceu, mas muito posteriormente.
15a.- Inexiste, por seu turno, a alegada nulidade insanável do despacho de pronúncia, por falta de audição do arguido, no que respeita ao incumprimento das injunções que lhe foram impostas no despacho de suspensão provisória do processo.
16a.- O debate instrutório visa permitir uma discussão perante o juiz, por forma oral e contraditória, sobre se, do decurso do inquérito e da instrução, resultam indícios de facto, e elementos de direito, suficientes para justificar a submissão do arguido a julgamento - (cfr. o artigo 298°, do CPP).
- No que respeita ao adiamento do debate, e posterior despacho de pronúncia do arguido pela autoria do crime de abuso de poder, p. e p., pelo artigo 382°, do Código Penal:
17a.- O arguido tem o direito de estar presente no debate instrutório, e de nele intervir -(cfr. o n° 1, do artigo 289° e o n° 2 do artigo 301°, do CPP).
- E, por isso, a notificação da data da diligência é feita ao arguido e ao seu defensor. 18a,- Mas, o debate, só pode ser adiado uma vez por absoluta impossibilidade de ter lugar, nomeadamente, por grave e legítimo impedimento do arguido estar presente.
- Em caso de adiamento, o juiz designa imediatamente nova data, que não pode exceder em dez dias a anteriormente fixada. Tal data é comunicada aos presentes, procedendo-se à notificação dos ausentes cuja presença seja necessária.
19a.- Renunciando o arguido ao direito de estar presente, o debate não é adiado com o fundamento da sua falta, sendo representado pelo defensor constituído ou nomeado (cfr. o n° 3, do artigo 300°, do CPP).
20a.- Se o arguido faltar na segunda data marcada, é representado pelo defensor constituído ou por defensor nomeado, não sendo o debate adiado - (cfr. o n° 4 do artigo 300° do CPP).
21a.- Encerrado o debate instrutório, o juiz profere despacho de pronúncia, ou de não pronúncia, o qual é imediatamente ditado para a ata, considerando-se notificado aos presentes (cfr. o
n° 1 do artigo 307°, do CPP).
22a.- O processo também pode terminar com a suspensão provisória do processo (cfr.
n° 2 do artigo 307°, aplicável ex vi, do artigo 281°, do CPP).
- Findo o prazo da suspensão e tendo sido cumpridas as regras de conduta e injunções,
o juiz de instrução proferirá uma decisão de não pronúncia.
23a.- Findo o prazo (IP suspensão, se não tiverem sido cumpridas as regras de conduta,
o juiz proferirá uma decisão de pronúncia.
- Temos assim:
24a.- que não é obrigatória a presença do arguido no debate instrutório;
- que a regra é a impossibilidade do adiamento do debate instrutório, e só em caso de
absoluta impossibilidade de ter lugar é adiado;
- como impossibilidade absoluta é considerado o impedimento do arguido em estar presente, mas tal impedimento só gera impossibilidade, se for grave e legítimo, e deve ser transmitido ao tribunal, até ao inicio do debate, e apesar dele, pode o debate ter lugar se o arguido renunciar ao direito de estar presente.
25a.- Obrigatória é a realização do debate, mas não a presença do arguido.
26a.- Esta conclusão sai reforçada em face do disposto no artigo 300°, do CPP, que define o regime de adiamento do debate, porquanto, a regra é a impossibilidade de adiamento; -excepcionalmente, em caso de absoluta impossibilidade de ter lugar, será adiado (por uma só vez).
27a.- Como tal, como impossibilidade absoluta, é considerado o impedimento do arguido em estar presente.
- Mas esse impedimento só gera absoluta impossibilidade de realização do debate instrutório se for grave e legítimo, o que pressupõe, que um tal impedimento seja transmitido ao tribunal até ao início da diligência.
28a.- Contudo, mesmo que se verifique esse impedimento grave e legítimo, o debate não será adiado por falta do arguido, se este renunciar ao direito de estar presente, sendo então representado, pelo seu defensor nomeado ou constituído (cfr. o n° 3 do artigo 300° do CPP).
29a,- Reconhecendo a conveniência da presença do arguido, a lei impõe que lhe seja notificado o despacho que designa data para a realização do debate (artigo 297°, n° 3, do CPP), sancionando com multa a respectiva falta injustificada (n° 5, do artigo 297°, e artigo 116°, n° 1, do CPP).
30a.- Todavia, contrariamente ao que se prevê no artigo 332°, n° 1, do CPP, relativamente à obrigatoriedade da presença do arguido em audiência de julgamento, não existe norma correspondente, no que concerne à sua presença no debate instrutório, nem essa obrigatoriedade se pode inferir do disposto no artigo 300°, do CPP.
31a.- Uma correcta e equilibrada ponderação das regras da hermenêutica impõe uma interpretação integrada dos vários preceitos contidos no artigo 300°, do CPP, que levam à conclusão de que a renúncia do arguido a estar presente no debate instrutório, só é válida e eficaz, enquanto modo de obviar ao adiamento, nos casos previstos no n° 1, isto é, nos casos de grave e legítimo impedimento do arguido em estar presente.
32a.- Se  arguido impedido de estar presente por razão grave e legitima, não renunciar ao direito de estar presente, há lugar a um só adiamento, não podendo a nova data exceder em 10 dias a anteriormente fixada (cfr, o artigo 300° n° 3, primeira parte, e n° 4, primeira parte do CPP).
33a.- Faltando novamente o arguido, o debate instrutório tem lugar, ainda que subsista impedimento legitimo e grave de o arguido estar presente, sendo este representado pelo defensor constituído ou nomeado (cfr. o artigo 300°, n° 4, primeira parte do CPP).
34a- Do exposto, resulta que a falta do arguido ao debate instrutório, não fundamenta o seu adiamento; - o adiamento só pode ocorrer, ... por grave e legítimo impedimento de o arguido estar presente.
- Mas, obrigatória é a presença do defensor, e uma nulidade insanável resultaria, isso sim, da falta deste, sem que fosse substituído (cfr. os artigos 64°, n° 1, alínea c), e 119°, alínea c), do CPP).
350.- É entendimento uniforme do STJ., que a nulidade insanável contemplada no artigo 119°, alínea c), do CPP, só se verifica em relação a actos processuais em que a lei impõe a presença do arguido (cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 12.07.2012, de 21.11.2012, in proc. n° 150/10.5 JELSB-5a, e de 13.11.2013).
36a.- Tal não é, porém, o caso do debate instrutório, nos termos e em face das disposições legais atrás mencionadas, pelo que, mesmo que se verificasse o tal impedimento grave e legítimo de o arguido estar presente, sem ter renunciado a esse direito, a realização do debate sem a sua presença e do seu mandatário constituído, mas com a presença de defensora nomeada para o cargo, não constitui nulidade insanável, como é sua pretensão.
37a.- É pois, claro, que também não foi cometida qualquer ilegalidade que afecte a validade do debate instrutório e da decisão de não pronúncia, e de pronúncia proferida em 16.11.2018.
E relativamente ao recurso interposto do despacho que indeferiu a arguição de nulidade do processo decorrente da falta de inquirição do arguido, apresentou as seguintes conclusões:
1a.- A não constituição e interrogatório do arguido JPC... no inquérito, não poderá ser sancionada como nulidade.
2a.- Constituiria uma nulidade (nulidade sanável), nos termos do artigo 120°, n° 2, alínea d), do Código de Processo Penal, se, no decurso do inquérito o Ministério Público tivesse entendido que sobre aquele/ora recorrente, recaíam fundadas suspeitas da prática de crime(s), nos termos consignados no artigo 272°, n° 1, do Código de Processo Penal.
3a.- Entendendo porém, o Ministério Público, que não existiam fundadas suspeitas da prática de qualquer crime pelo arguido, e que a facticidade indiciada iria conduzir à prolação de um despacho de arquivamento, como efectivamente conduziu, não foi preterida a realização de qualquer acto obrigatório, nomeadamente a constituição e interrogatório do ora recorrente como arguido, como condição de verificação da nulidade prevista no artigo 120°, n° 2, alínea d), do CPP.
4a.- Já na fase de instrução, tal como fundamenta na sua decisão, o Mm° Juiz a quo, a nulidade assim invocada pelo arguido, apenas existiria, e seria então de declarar, se este tivesse requerido o seu interrogatório na qualidade de arguido e se tal acto lhe tivesse sido indeferido, porquanto, face a tal requerimento, o direito a ser interrogado/inquirido assume um direito de natureza potestativo, conforme dispõe o n° 2, do artigo 292°, do CPP, sendo o acto que lhe corresponde, obrigatório, nos termos definidos no já citado artigo 120°, n° 2, alínea d), do CPP.
5a.- O arguido, que na fase da instrução sempre esteve assessorado, primeiro por defensor oficioso e, após, por mandatário constituído, em momento algum veio requerer a sua inquirição/ou interrogatório na qualidade de arguido, pelo que, a sua inquirição/interrogatório, não seria obrigatória, considerando que, em sede de instrução, só a preterição de acto obrigatório constitui nulidade, ainda nos termos definidos no artigo 120°, n° 2, alínea d), do CPP.
6a.- Ainda assim, e pese embora se entender, tal decidiu o Mm° Juiz a quo que a nulidade arguida não ocorreu nos autos, a verdade é que que a invocação desta, também não poderia proceder, quer por invocação extemporânea, quer porque sanada pela intervenção do arguido no acordo de suspensão provisória do processo, com a qual expressa e livremente concordou, bem como com as injunções que lhe foram aplicadas.
7a.- A fim de obviar à sua sujeição a audiência de discussão e julgamento, o arguido aceitou e concordou de forma expressa, com a suspensão provisória do processo, pois, caso o não tivesse feito, o processo não poderia ter sido suspenso. conforme decorre das disposições conjuntas dos artigos 281°, n° 1, alínea a) e 307°, n° 2, do CPP, sendo que, nessa fase processual, já tal nulidade não podia vir a ser arguida.
8a.- Na verdade, o debate instrutório decorreu e foi encerrado, sem que tivesse sido invocada, pelo arguido, a nulidade decorrente da sua falta de interrogatório na qualidade de arguido, sendo que, a existir a nulidade invocada, ou qualquer outra, sempre teria de ser arguida até ao final do debate instrutório, ou seja, até ao encerramento da discussão desse mesmo debate instrutório (cfr, o disposto no artigo 120°, n°s 1, 2, alínea d), e n° 3 alínea c), do CPP), o que não aconteceu, mas muito posteriormente.
Também os assistentes AN… e S… — Sindicato …, contra-alegaram em ambos os recursos e em ambos pugnaram pela respectiva improcedência.
Relativamente ao recurso interposto do despacho de pronúncia pedem que se rejeite toda a matéria vertida nos n°s 36 a 90 e nas conclusões das alíneas q) a T) e, bem assim, quanto se apresenta vertido nos n°s 91 a 127 da motivação e nas conclusões U) a as) do recurso a que ora se responde e se mantenha a decisão instrutória recorrida. Para tanto apresentaram as seguintes conclusões:
A) O arguido delimita o objecto do presente recurso ao despacho de pronúncia
B) Porém, analisada a motivação do recurso, constatamos que todo o seu capítulo IV (n°s 36 a 90, pp. 12 a 22) é transcrição integral do recurso antes interposto do despacho proferido a 16.10.2018, o qual foi admitido para subir nos autos, com o que puser termo à causa e com efeito devolutivo - cfr. despacho de 22.11.2018
C) Claramente, vem o arguido aqui pretender fazer entrar pela janela o que não lhe foi permitido que entrasse pela porta.
D) Com efeito, salvaguardadas pinceladas formais e certos manuseios de locuções adverbiais, temos uma total equivalência discursiva entre o capítulo IV da motivação a que se responde e o recurso antes interposto do despacho de 16.10.2018.
E) Da mesma forma, as conclusões que preenchem as alíneas q) a T) (páginas 38 a 44 do recurso) são transcrição das conclusões do recurso interposto do despacho de 16.10.2018.
F) Apenas com a particularidade, como que a servir de cortina, de na conclusão q) se substituir, de modo artificioso, a referência à decisão de 16.10.2018 pelo despacho de pronúncia.
G) Trata-se de situação inadmissível, reveladora de clara manobra dilatória e que, no limite, obrigaria à pronúncia desse Venerando Tribunal duas vezes sobre a mesma questão.
H) Procedimento e consequências que a lei não permite e que devem ser vigorosamente coarctadas.
I) Até porque - e bem - no despacho de 15.01.2019 que admitiu o presente recurso, foi decidido que ambos os recursos subam conjuntamente, em separado.
J) O que, há-de determinar que o Tribunal ad quem não considere e, consequentemente, não decida neste recurso matéria que é objecto de outro, previamente interposto.
K) Termos em, ao abrigo do princípio da cindibilidade dos recursos (tal como entendido no Ac. Fixação de Jurisprudência de 24.06.1992, deve ser rejeitada toda a matéria vertida nos n°s 36 a 90 e nas conclusões das alíneas q) a T) do articulado do recorrente.
L) Caso assim se não entenda, o que cautelarmente e sem conceder se equaciona, sempre se dirá que os assistentes mantém - e consideram aqui reproduzido - tudo quanto alegaram e concluíram na resposta ao recurso interposto quanto ao despacho de 16.10.2018.
M) Da mesma forma, no capítulo V (n°s 91 a 127) da motivação a que, ardilosamente, chamou Da nulidade do despacho de pronúncia, decorrente da falta de audição do arguido a respeito das razões de incumprimento da suspensão provisória do processo, vem o arguido, verdadeiramente, impugnar o primeiro despacho proferido em 16.11.2018, lavrado, com perfeita autonomia na acta respectiva, com o teor acima transcrito e para o qual se remete.
N) E esse é um despacho autónomo, que ordena o prosseguimento dos autos em face da reiterada falta do arguido e do respectivo mandatário às duas diligências marcadas para ser aquele ouvido sobre as razões para o incumprimento das injunções que condicionavam a suspensão provisória do processo.
O) Não estamos, portanto, a falar de decisão instrutória.
P) Não sendo admissível que, a propósito do recurso da decisão instrutória e a (des)coberto do artigo 310°, CPP se venha pretender impugnar, por arrasto, um despacho que a antecede, repita-se, de forma perfeitamente autonomizada. Autonomia que, outrossim, o arguido reconhece, obrigando-se a várias piruetas argumentativas, que culminam no discurso a outrance que verte nos n°s 126 e 127 e nas correspondentes conclusões.
Q) Deve, portanto, ser igualmente rejeitado tudo quanto se apresenta vertido nos referidos n°s 91 a 127 da motivação e, bem assim, nas conclusões U) a as) do recurso a que ora se responde.
R) Pois, como ensina Germano Marques da Silva, no nosso sistema processual penal, o objecto do recurso é a decisão recorrida e do despacho de 16.11.2018 que antecede a decisão instrutória não interpôs o arguido recurso.
S) O que, aliás, decorre do objecto da impugnação que ele próprio define. Ainda assim, por (excesso) de cautela de patrocínio e sem conceder:
T) É falso que o JIC tenha, alguma vez, assumido que a apreciação do incumprimento das injunções pelo arguido é automática, sem necessidade de averiguação da sua culpa no incumprimento (cfr. n° 98° da motivação e conclusãoV)).
U) Bem diversamente, os autos demonstram que o tribunal notificou o arguido por duas vezes para se pronunciar sobre o incumprimento.
V) Sendo que, em nenhuma das datas designadas o arguido compareceu no Tribunal.
W) Como bem se diz no despacho que ordenou o prosseguimento dos autos, a diligência de audição do arguido está obviamente orientada do ponto de vista teleológico ao exercício do contraditório: o que não pode servir é como instrumento para o arguido, a seu belo talante, obstar à decisão que se impõe.
X) Acresce que, não podendo desconhecer — desde logo por se tratar de facto pessoal —que não deu cumprimento a nenhuma das injunções a que se vinculou, poderia o próprio arguido ter apresentado as razões pelas quais não as levara a cabo.
Y) Ou, bem vistas as coisas, até podemos entender que as apresentou: é que o arguido veio dizer que após ponderada reflexão, entendeu que o presente processo não lhe assegurou todas as garantias de defesa (...)— cfr. n° 6 do recurso interposto do despacho de 16.10.2018.
Z) De tudo decorre que todo o comportamento do arguido posterior à prolação do despacho de suspensão provisória do processo passou a ter a finalidade que o despacho de 16.11.2018 lhe descortina, ou seja, obstar à decisão que se impõe.
AA) Dito de outra forma, o comportamento processual do arguido mostra-se preordenado a criar todos os obstáculos possíveis à prolação da decisão de pronúncia.
BB) O incumprimento (das injunções) revelou-se, pois, mais do que culposo, reiterado e confessadamente doloso (e o dolo é intenção e vontade que revela nos comportamentos assumidos e na forma como são executados), cabendo inteiramente no trecho da anotação de Maia Costa que o artigo transcreve no n° 112 da motivação.
CC) Não tendo qualquer aplicação ao caso vertente a parte do Acórdão desse Venerando de 22.03.2017, transcrita no n° 114 da motivação, pois nestes autos foram encetadas, concretizadas e repetidas as diligências para notificação pessoal do arguido para ensaiar a justificação da omissão do cumprimento.
DD) Pelo que, como se diz no ponto III do sumário desse mesmo aresto, A preterição da audição presencial do arguido não constitui causa de nulidade processual (...) quando a impossibilidade de contacto ou a falta de participação na diligência sejam imputáveis ao condenado.
EE) A falta de participação na diligência é, aqui, exclusivamente imputável ao arguido.
FF) Razões pelas quais bem andou o tribunal a quo ao ordenar o prosseguimento dos autos e, nessa sequência, proferir a decisão de pronúncia.
GG) Termos em que, vindo a ser admitida a sua análise (o que apenas por dever de patrocínio se equaciona), deve improceder a enviesada arguição de nulidade deduzida pelo arguido.
HH) Entende o arguido que nem o requerimento de abertura de instrução, nem o despacho de pronúncia, cumpriram o requisito do artigo 283°, n° 3, alínea b) do CPP, nomeadamente por apresentarem deficiente descrição, por omissão narrativa, do tipo subjectivo do crime imputado (cfr. n° 16 da motivação).
II) Não tem razão.
JJ) Porquanto, como o seu teor evidencia, o RAI respeita inteiramente as exigências do artigo 283°, n° 3, alínea b), CPP; nele é claríssima a afirmação do dolo, não só no que concerne aos respectivos elementos intelectual e volitivo (conhecimento e vontade da prática dos actos que integram o elemento objectivo do tipo e do resultado produzido), mas também quanto ao seu elemento emocional (consciência da ilicitude, traduzida na atitude de indiferença, contrariedade ou sobreposição da vontade do agente aos valores protegidos pela norma, como nos ensina Figueiredo Dias).
KK) E, por isso, também não padece o despacho de pronúncia (que, ademais, integra o despacho de fls. 145-148) de qualquer nulidade.
LL) Aliás, recorde-se, mais uma vez com Figueiredo Dias, que o que se visa com a exigência do conhecimento, representação ou consciência (psicológica ou intencional) de todas as circunstâncias do facto realizador de um tipo de ilícito objectivo, é que o agente conheça tudo quanto é necessário a uma correcta orientação da sua consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga à acção intentada, para o seu carácter ilícito; porque tudo isso é indispensável para se poder afirmar que o agente detém, ao nível da sua consciência intencional ou psicológica, o conhecimento necessário para que a sua consciência ética, ou dos valores, se ponha e resolva correctamente o problema da ilicitude do comportamento.
MM) E, como refere o Acórdão de Fixação de Jurisprudência n° 1/2015, com aplicação ao RAI e à decisão instrutória que para ele remete,
Em conclusão: a acusação, enquanto delimitadora do objecto do processo, tem de conter os aspectos que configuram os elementos subjectivos do crime, nomeadamente os que caracterizam o dolo, quer o dolo do tipo, quer o dolo do tipo de culpa no sentido acima referido, englobando a consciência ética ou consciência dos valores e a atitude do agente de indiferença pelos valores tutelados pela lei criminal, ou seja: a determinação livre do agente pela prática do facto, podendo ele agir de modo diverso, o conhecimento ou representação, de todas as circunstâncias do facto, tanto as de carácter descritivo, como as de cariz normativo e a vontade ou intenção de realizar a conduta típica, apesar de conhecer todas aquelas circunstâncias, ou, na falta de intenção, a representação do evento como consequência necessária (dolo necessário) ou a representação desse evento como possível, conformando-se o agente com a sua produção (dolo eventual), actuando, assim, conscientemente contra o direito.»
NN) O RAI e a decisão de pronúncia contêm todos os elementos conformadores do tipo de crime imputado ao arguido (objectivos e subjectivos), estando alegada a consciência dos valores e a atitude do agente de indiferença perante os valores tutelados pela norma, isto é, a sua determinação livre pela prática do facto, o conhecimento de todas as suas circunstâncias e consequências e a vontade de o realizar, como realizou.
E relativamente ao recurso interposto do despacho que indeferiu a arguição de nulidade do processo decorrente da falta de inquirição do arguido, apresentaram as seguintes conclusões:
1. O objecto do recurso, definido pelo arguido, versa o despacho de 16.10.2018, que desatendeu à arguição de nulidade invocada pelo arguido - nulidade essa decorrente da falta de interrogatório do arguido.
2. Lida a peça recursiva, identificamos três temas, alegadamente geradores de vícios da decisão recorrida, a saber: I) o (des)respeito pelos limites materiais de competência do tribunal de instrução; ii) nulidade decorrente da falta de interrogatório, na qualidade de arguido, em sede de inquérito; Hl) nulidade por falta de interrogatório do arguido em sede de instrução.
3. As posições assumidas pelo arguido em relação a qualquer destes temas não são sustentáveis, devendo o recurso improceder, in totum, mantendo-se a decisão recorrida.
4. Em relação ao primeiro ((des)respeito pelos limites materiais de competência do tribunal de instrução], a primeira coisa que ressalta da motivação do recurso é a leitura enviesada e o uso truncado do despacho proferido pelo Mmo. JIC em 12.07.2018.
5. O despacho em causa é, expressamente (cfr. desde logo, o parágrafo 2), proferido no contexto do juízo de indiciaçáo que constitui objecto legal da decisão instrutória.
6. E é no pressuposto de aferição da indiciação pelos factos imputados no RAI que o Mmo. JIC desenvolve, nos parágrafos seguintes, a análise cuidada da prova produzida (parte essencial dela documental e obtida, a requerimento dos assistentes, no âmbito da instrução e sujeita ao total contraditório do arguido) que o tribunal considera - e bem! - estar assente o preenchimento do crime de abuso de poder.
7. O que equivale à conclusão de se encontrarem suficientemente indiciados factos que, submetidos a julgamento, são susceptíveis de conduzir à aplicação ao arguido de uma pena, pela prática do referido crime de abuso de poder, p. e p. pelo artigo 382°, CP.
8. O que, ademais, vem confirmado no primeiro parágrafo do excerto decisório (capítulo III do despacho ora em causa), já acima transcrito e que aqui se considera reproduzido.
9. Mostra-se, portanto, inteiramente respeitada a competência material do tribunal de instrução.
10. E nenhum ensinamento há a retirar das alegações do arguido, que falecem, na íntegra. Como, de resto, a falta de seriedade posta na análise do despacho que lhes dá pressuposto já indiciava.
11. Falece, igualmente, a invocada nulidade decorrente da falta de interrogatório, na qualidade de arguido, em sede de inquérito.
12. Como bem se refere no despacho recorrido, no decurso do inquérito, para que o interrogatório como arguido seja obrigatório à luz do artigo 272°, n° 1, CPP (Correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime é obrigatório interrogá-la como arguido, salvo se não for possível notificá-la,) não basta que esse inquérito corra contra pessoa determinada e notificável, sendo igualmente necessário que o Ministério Público considere fundada a suspeita da prática de crime.
13. E terá sido este último o pressuposto que o MP considerou falhar (não importa agora se com ou sem razão), ao ponto de justificar o apelo que fez no despacho de encerramento dessa fase processual ao princípio da presunção de inocência plasmado no artigo 32°, n° 2, CRP.
14. Pelo que não só inexiste nulidade alguma como, ainda que tivesse existido e bem ao contrário do que afirma o arguido, não estaria em prazo para a arguir, por estar, há muito, encerrado o debate instrutório que é, como decorre da alínea c) do artigo 120°, n° 3, o termo ad quem para tal arguição.
15. No que concerne à alegada nulidade por falta de interrogatório do arguido em sede de instrução, também ela não se verifica.
16. Ao contrário do que é afirmado na peça recursiva, não foi negado ao arguido o direito de tomar posição nem lhe foi recusado o interrogatório.
17. O que sucedeu foi, simplesmente, que o arguido não requereu o seu interrogatório, como podia ter feito ao abrigo do disposto no artigo 292°, n° 2, CPP.
18. Como decorre da lei e nos recorda Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, pp. 157 e seg., na instrução, o interrogatório do arguido só é obrigatório quando solicitado por ele, ou seja, Deve entender-se que o arguido tem o direito a ser interrogado na fase de instrução, desde que o solicite, mas não que tem o direito a ser interrogado todas as vezes que o solicite.
19. A jurisprudência é unânime na partilha deste entendimento.
20. Portanto, na única interpretação possível do artigo 292°, n° 2, CPP, temos de concluir que não ocorreu qualquer nulidade, designadamente a prevista no artigo 120°, n° 2, alínea d).
21 Mesmo que tivesse ocorrido (o que não é, no caso, sequer equacionável, a não ser para efeitos de raciocínio), o prazo para a sua arguição esgota-se com o encerramento do debate (artigo 120°, n° 3, alínea c)), prazo inultrapassável até ao qual JPC..., sempre acompanhado de Advogado, nada arguiu, pelo que sempre estaria sanada.
22. Além disso, ao participar na formação do (imprescindível) acordo que permitiu a decisão de suspensão provisória do processo, o arguido aceitou o processo tal como ele se desenvolveu, isto é, reconhecendo total irrelevância a qualquer irregularidade ou nulidade que se pudesse ter verificado.
23. Pelo que sempre lhe estaria, agora, vedada a respectiva arguição (cfr. artigo 121°, n° 1, CPP).
24. Importa, ainda, ter bem presente foram exemplarmente cumpridos todos os trâmites para se alcançar a suspensão provisória do processo, tal como previstos no artigo 281°, ex vi do artigo 307°, n° 2, ambos do CPP; ou seja, foi dada efectiva oportunidade ao arguido, aos assistentes e ao MP de analisar e tomarem posição sobre a suspensão do processo.
25. Antes de tomar posição sobre a suspensão que lhe foi proposta pelo JIC, o arguido conferenciou várias vezes e de forma demorada com o seu Ilustre Advogado, não podendo deixar de ter memória disso e da posição que, pessoal e livremente, assumiu, retomados os trabalhos, perante o Juiz de Instrução e o MP.
26. Não sendo irrelevante ter presente que não estamos a falar de um arguido iletrado ou arredado do meio jurídico. Bem ao invés, estamos diante de um arguido especialmente qualificado, que exerce funções como Comandante Regional da …., com tudo o que isso significa de inserção no meio jurídico e, em particular, jurídico-penal, mas, da mesma forma, com tudo o que isso tem de significar quanto à consciência dos comportamentos assumidos, do valor da palavra dada e da lealdade na actuação.
27. De resto, com excepção das que se traduzem no pagamento de valores pecuniários aos assistentes, as injunções fixadas traduzem-se na prática de actos funcionalmente ligados ao desempenho do arguido como Comandante Regional da …, com prazos de cumprimento que foram estabelecidos com discussão com o próprio, na respectiva consciência dos limites funcionais para a sua execução. Sendo insustentável vir agora alegar-se que após ponderada reflexão como se os prazos de alegação de nulidades estivessem na disposição dos sujeitos processuais!) entendeu que, afinal, o presente processo não lhe assegurou todas as garantias de defesa.
28. Deve, por conseguinte, ser reconhecida a integral regularidade da instância e a estrita obediência aos ditames legais em que decorreu a instrução, nenhum vício podendo ser assacado à decisão recorrida ou ao percurso que a ela conduziu. E, bem assim, confirmado que, a agora produzida alegação de tais vícios consubstancia um exuberante exemplo de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, razão pela qual, como se refere na decisão recorrida, ainda que se tivesse verificado nulidade e tivesse ela sido arguida em tempo, sempre para efeitos de raciocínio, (...) o princípio da lealdade processual constituiria obstáculo à pretensão do arguido.
Nesta Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto e cuidado Parecer, no sentido da improcedência dos recursos.
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
Fundamentação
Em diligência de debate instrutório, a 16.11.2018, foram proferidos os seguintes despachos:
A fase processual em que nos encontramos é já posterior ao despacho que pôs termo (ainda que condicional) à instrução e que suspendeu provisoriamente o processo nos termos que constam de fls. 145-148. Não curarei de fazer aqui uma apreciação jurídica demorada sobre se a diligência que decorre é ou não, ainda, debate. Certo é que mesmo que de debate se tratasse a mesma não podia ser adiada mais do que uma vez, pois é isso que decorre do art. 300°, 4, do C,P.P.. Se isto é assim, não pode deixar de sê-lo quanto à audição do arguido a respeito das razões de incumprimento (já que não ensaiou demonstrar o cumprimento) das injunções que condicionaram a suspensão provisória do processo. Aquela audição, que entendo dever ser presencial, e por essa razão o notifiquei duas vezes, está obviamente orientada do ponto de vista teleológico ao exercício do contraditório: o que não pode servir é como instrumento para o arguido, a seu belo talante, obstar à decisão que se impõe. Nestes termos, representado que está por defensora seguirá o processo os seus termos.
(...)
Naturalmente, a suspensão provisória do processo pressupõe já reunidos indícios de facto e elementos de direito suficientes e necessários à introdução do feito em juízo, o que só não sucedeu, ainda, por razões de oportunidade mitigada (no fundo é nisso que se resolve a suspensão provisória do processo). Dito isto, não é preciso fundamentar a pronúncia do arguido quanto ao crime de abuso de poder em termos mais substanciais do que os que resultam já do despacho de fls. 145¬148. Assim, não pronuncio JPC... pelo crime de violação da autonomia ou independência sindical, p. e p. pelos arts. 405°, 2, 407°, 1 e 2, do Código do Trabalho, e pronuncio o mesmo pelos factos que constam dos arts. 42 a 49, 52, 57, parte final e 64, primeira parte, do requerimento para abertura de instrução de fls. 99-106, que aqui tenho por integramente reproduzidos, susceptíveis de integrarem o crime de abuso de poder, p. e p. pelo art. 382°, do C.P., indicando como elementos de prova destes factos os documentos de fls. 8-16 e 125-131, e bem assim as declarações da assistente AN..., identificada a fls. 67 e ss., a fim de ser julgado por Tribunal Singular. (...)
Anteriormente, em 16.10.2018, tinha sido proferido o seguinte despacho:
§1 O arguido JPC..., impetrou (lis. 175-181) longo requerimento no culminar do qual pretende que o tribunal declare nulidade decorrente da falta do interrogatório como arguido do denunciado [ele mesmo], devendo ser revogada a decisão que suspendeu provisoriamente o processo, bem como todo o processado anterior, até remessa dos autos para instrução, devendo ainda na fase de inquérito proceder-se ao interrogatório do arguido pelo MP. A nulidade, sustenta-a o requerente no art. 120°/1/2/d/3/c CPP. O MP e assistentes, ouvidos, opuseram-se à pretensão do arguido (fls. 187, 188 e 190-197). Apreciemos, então.
§2 Boa parte do requerimento do arguido assume, numa parte, a feição de peça didáctica, explicando o que é a instrução, qual a sua finalidade, o que é o debate e quais os desfechos possíveis de tal fase processual (fls. 175-177) e, noutra (fls. 178 e s.), conta a história do processo desde o despacho de arquivamento do MP. Naturalmente, nada direi quanto ao primeiro aspecto ¬porque é conatural à função do tribunal saber em que é que a instrução consiste - e, quanto ao segundo, apenas sublinharei que ocorre uma falha na descrição histórica dos autos desde o dito arquivamento: ao contrário do que pretende o arguido o debate leve lugar, com a tomada de declarações de um assistente, com exposição por mim mesmo, detida aliás, das questões fácticas e jurídicas controvertidas e com formulação, sempre diante dele, das conclusões, pelo MP, assistentes e próprio arguido, através do seu ilustre defensor.
§3 É bem verdade que essa acta (fls. 142-A) não foi, por lapso da secretaria, junta aos autos no momento próprio, mas só agora, por ordem minha, quando me apercebi da falta. Sucede que não ter sido junta no momento devido não é o mesmo quer dizer que não existia. Existia, desde sempre, no histórico informático do CITIIIS — e, mais importante, o arguido, pessoa com óbvia competência de acção (não fosse Comandante Regional da …), não podia desconhecer ter participado num debate, acompanhado de defensor, 10 dias antes do dia em que foi tomada decisão de suspensão provisória do processo, debate que ocorreu em escrupulosa observação dos ditames legais! Por isso, ultrapassada essa questão, resta ir no que verdadeiramente importa: ocorreu ou não nulidade consistente em não ter sido ele ouvido?
§4 Todos sabemos que as nulidades estão sujeitas a um regime apertado, taxativo: o legislador só fulmina qualquer vício com o estigma da nulidade onde ela esteja expressamente cominada na lei (art. 118°/1 CPP). E daqui decorre a primeira questão: a não inquirição do arguido em instrução (note-se que aqui se pergunta sobre uma falta de inquirição sobre os factos, já que o arguido interveio na instrução e nomeadamente para efeitos de aceitar a suspensão provisória do processo) é sancionada como nulidade? A resposta é simples: pode sê-lo e pode não sê-lo. Será uma nulidade sempre que o arguido (a) requeira a sua inquirição e (b) ela seja indeferida, pois diante de requerimento o direito a ser inquirido é um direito de natureza potestativo (art. 292°/2 CPP) e o acto que lhe corresponde é, então, obrigatório (art. 120°/2/d CPP). Já se vê que por aqui não tem o arguido, manifestamente, razão: não requereu, em momento algum, e sempre assessorado por defensor, a sua inquirição. Do que decorre que não era obrigatória a inquirição e só a preterição, em instrução, de acto obrigatório constitui nulidade nos termos do art. 120°12/d CPP.
§5 A segunda questão, logo se alcança, é simétrica à primeira: saber se a não inquirição do arguido em inquérito é sancionada como nulidade. Será nulidade - e de, acordo com o ac. STJ/FJ 1/2006, nulidade sanável, nos termos do art. 120°/2/d CPP - sempre que o inquérito corra contra pessoa determinada e seja possível a sua notificação. Não há dúvida que o arguido era desde o início pessoa determinada e que em momento algum ocorreu dúvida sobre o seu paradeiro ou dificuldade na sua notificação. Mas isso não basta, já que o art. 272°/1 CPP postula ainda, a mais da determinabilidade e notificabilidade da pessoa, como requisito da obrigatoriedade da inquirição, o recair sobre a mesma, ainda, fundada suspeita da prática de crime. Ora, foi precisamente isso que o MP terá entendido minguar ao ponto de poupar o arguido a uma inquirição quando prognosticava um despacho de arquivamento que, bem ou mal, foi o que ele veio a proferir. Só se tivesse concluído haver fundada suspeita e, ainda assim, omitisse o interrogatório se poderia concluir ter ele declinado acto obrigatório que é condição de verificação da nulidade prevista no art. 120°/2/d CPP. Também por aqui não tem o arguido razão, remota sequer.
§6 As conclusões tomadas no parágrafo antecedente tornariam ocioso saber se a nulidade foi invocada em tempo, já que essa questão pressupõe logicamente a verificação de uma nulidade - e esta, como se viu, não ocorreu. Seja como for, como mero exercício de argumentação por excesso, direi que ainda que a dita nulidade tivesse ocorrido não podia proceder a invocação dela. À uma porque se trataria de invocação extemporânea; à duas, porque sanada pela intervenção do arguido no acordo de suspensão. Desde já, quanto à primeira conclusão, creio que o debate instrutório se aparta, funcional, teleológica e analiticamente da decisão que lhe põe termo. Primeiro o debate analisa-se numa 'discussão, de facto e de direito (art. 298° CPP), depois encerra-se (quer dizer: encerra-se a discussão em que ele se actualiza) imediatamente antes das conclusões do MP, assistente e arguido (art. 302°/4 CPP) e, por fim, só depois desse encerramento é proferida a decisão que põe termo à instrução, sendo por isso que o legislador apoda aquela de decisão instrutória e não de decisão do debate (ad. 307°/1 CPP), sendo evidente que uma das possibilidades decisórias no culminar da instrução será que determina a suspensão provisória do processo (ad. 307°/2 CPP). Dito isto, ficam mais claras as coisas: o debate (a) ocorreu e (b) foi encerrado, com as conclusões, no dia 2.10.2018 (fls. 142-A), de modo que a nulidade em causa (aliás não verificada mas pressuposta para efeitos argumentativos) teria de ser invocada até ao fim do debate, quer dizer até ao encerramento da discussão em que ele se analisa. E não o foi.
§7 Por outra banda - e é este o aspecto talvez mais insólito da invocação da nulidade aqui em causa - não terá alcançado exactamente o arguido qual é o sentido de uma suspensão provisória do processo. Essa suspensão pressupõe o acordo do arguido, quanto a ela e quanto às injunções em que se resolve, sua natureza e medida. É, pois, escusado seria dizer, um mecanismo de consenso em que (e por o ser) todos os intervenientes comprometem a sua palavra. Esse compromisso tem por isso que ter uma consequência (de entre outras), imposta pela lógica das coisas e pela lisura que deve pautar o processo penal: nulidades sanáveis (pelo menos estas, já para não falar de meras irregularidades) que se lenham verificado antes do acordo de suspensão terão de irrelevar, nisto tendo inteira razão os assistentes ao afirmarem que o processo não é um 'jogo. Entre outros ternários, a visão lúdica da Justiça foi na verdade tratada de modo seminal (creio), em 1938, pelo filósofo neerlandês Johan Iluizinga (Homo Ludens), mas ela não foi seguramente aceite pelo nosso legislador, que erigiu a lealdade e lisura processual como princípio cogente do sistema. Ou então, o que dá o mesmo para o que nos importa, se a justiça é um jogo ela tem porém, como todos os jogos, regras de natureza deontológica que postulam que nem tudo é admissível - e uma delas é a de que ninguém pode ir contra facto próprio quando fazê-lo importe deslealdade processual. O legislador consagrou esse princípio como princípio geral (art. 334° CC), mas ele tem projecções em várias regulamentações processuais penais. E, para o que aqui nos importa, precisamente em matéria de nulidades.' ficam sanadas se os interessados renunciarem expressamente a arguí-las, se tiverem aceite expressamente os efeitos do acto anulável ou se tiverem prevalecido de faculdade a cujo exercício o acto anulável se dirige (art. 121°/1/a/b/c CPP).
§8 Não creio, porém, que essas normas importem directamente para o caso, porque o caso foi que o arguido, com o compromisso que assumiu, conformou os próprios termos de disposição final do processo: se ele não tivesse aceitado a suspensão provisória o processo pura e simplesmente não podia ter sido suspenso (arts. 281°/1/a e 307°/2 CPP). E quando o fez foi em momento em que a (putativa) nulidade já tinha ocorrido e ele tomado basto conhecimento dela. De modo que uma actuação do arguido diametralmente contrária à anteriormente plasmada, pondo em causa a relação de confiança que deve iluminar toda a interacção comunicativa em que se resolve o acordo de suspensão, com base em (putativas) circunstâncias anteriores a esse acordo em que interveio de modo conformador e que não podia desconhecer, como não desconhecia, essa actuação, dizia, releva de gritante venire contra factum proprium que densifica o comportamento processualmente leal - não devendo olvidar-se que se o princípio da lealdade processual respeita em primeira linha ao MP [cf. JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, RLJ, 128 (1996), p. 332 ss.], dele não está, dentro de certos limites, desonerado o arguido. Creio que é esse o caso e, como tal, ainda que se tivesse verificado nulidade e tivesse ela sido arguida em tempo, sempre para efeitos de raciocínio, repiso, ainda assim, diria, o princípio da lealdade processual constituiria obstáculo à pretensão do arguido.
Em face do exposto:
a) Desatendo à invocada nulidade.
b) Uma vez que já se mostra ultrapassado o prazo assinalado para cumprimento das injunções, não se mostrando elas satisfeitas, designo o dia 25.10.2018. às 10:45 h, para ouvir o arguido sobre o incumprimento.

Apreciando...
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.
Assim, o recorrente alega nulidade do despacho de pronúncia:
- por falta de concretização do elemento subjectivo;
- por falta de interrogatório do arguido na instrução e no inquérito;
- por falta de audição do arguido a respeito das razões do incumprimento da suspensão provisória do processo.
Da nulidade por falta de interrogatório do arguido na instrução e no inquérito...
O recorrente interpôs recurso com esta mesma arguição por duas ocasiões que agora apreciaremos de forma conjunta.
Alega o arguido/recorrente que o processo prosseguiu para a fase de instrução e foi proferido despacho de pronúncia sem que nunca tenha sido interrogado, o que afirma constituir a nulidade, insanável prevista no art. 119° c) do Cód. Proc. Penal, ou a prevista no art. 120°, n° 2, alínea d) do mesmo Código.
E alega que entendimento diverso é inconstitucional por violação dos seus direitos de defesa (arts. 60° e 61° do Cód. Proc. Penal) e do exercício do contraditório, consagrados no art. 32°, n° 5, da Constituição da República Portuguesa, bem como do seu direito a um processo equitativo, consagrado no art. 20° n° 4 da Constituição da República Portuguesa e ainda no art. 6°, § 1° da CEDH.
Compulsados os autos, verificamos que estes tiveram início com queixa apresentada por AN… e S…. — Sindicato …. contra o Comandante Regional da …, JPC..., a quem imputaram os crimes de abuso de poder e de violação da autonomia ou independência sindical.
No decurso do inquérito foram ouvidas a assistente e testemunhas, tendo o denunciado JPC... sido ouvido na qualidade de testemunha por o Ministério Público ter entendido não haver na altura elementos suficientes para configurar a actuação do denunciado como crime de abuso de poder. E em 3 de Abril de 2018, o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento nos termos do artigo 277°, n° 2, do Cód. Proc. Penal.
Na sequência, os assistentes AN... e S... requereram a abertura da Instrução.
Remetidos os autos ao Tribunal de Instrução Criminal, determinou o Mm° JIC que o denunciado fosse constituído arguido (em conformidade com o disposto nos arts. 57°, n° 3 e 58°, n° 2 a 4, do Cód. Proc. Penal) tendo sido lavrado Termo de Constituição de Arguido e prestado TIR.
Foi então declarada aberta a instrução e solicitados elementos documentais, após o que foi designada data para realização do Debate Instrutório.
O arguido esteve presente no Debate Instrutório, acompanhado de advogado que constituiu por intermédio da Procuração, e foi identificado, como consta da respectiva acta. No decurso do Debate foi ouvida a testemunha arrolada no requerimento de abertura da Instrução e pelo Mm° JIC foi feita uma exposição sumária sobre os factos do processo e as questões de prova relevantes para a decisão instrutória, tendo sido dada a palavra ao representante do Ministério Público e aos Exm°s Mandatários presentes para se pronunciarem sobre a suficiência ou insuficiência dos indícios e as questões jurídicas de que dependesse o sentido daquela decisão, após o que foi designada data para a leitura da Decisão Instrutória.
Em 12 de Julho de 2018 foi proferida a decisão instrutória, tendo o Mm° JIC concluído haver indícios suficientes para pronunciar o arguido pela prática de um crime de abuso de poder. Todavia, entendendo haver motivos para tal, foi proposta pelo Mm°. JIC a possibilidade de suspensão provisória do processo, pelo período de quatro meses, sujeita a determinadas injunções, que quer a representante do Ministério Público, quer os assistentes, Quer o arguido, declararam aceitar. Foi então proferido despacho judicial em que se determinou a suspensão provisória do processo pelo período de quatro meses, devendo o arguido «em dez dias dirigir ao comandante de Divisão da PSP de P… solicitação no sentido de integrar AN... no programa Escola Segura da PSP» e, «em um mês entregar a cada um dos assistentes, AN... e S..., através da ilustre mandatária deles, dando conta do facto nos autos, a quantia de 750€»; e, no caso de não ser deferida a solicitação dirigida ao Comandante de Divisão da PSP de P…, «no prazo de um mês, proceder à reintegração de AN... no Núcleo de Apoio Geral do Comando da PSP de P…, se esta o solicitar». Mais se determinou que, os autos aguardariam por quatro meses e, decorridos, caso tivessem sido cumpridas as elencadas injunções, seria proferido despacho de não pronúncia quanto ao crime de violação da autonomia ou independência sindical e despacho de arquivamento quanto ao crime de abuso de poder. Todos os presentes foram notificados das decisões contidas neste despacho.
Em 2.10.2018 vem o arguido arguir a nulidade decorrente de nunca ter sido interrogado como arguido nos autos.
Sobre este requerimento veio a incidir o despacho recorrido de 16.10.2018, onde se decidiu desatender à nulidade invocada e se designou data para audição do arguido quanto ao incumprimento das injunções fixadas.
Com resulta claro da resenha que acabamos de efectuar, o arguido nunca foi inquirido como tal, nem no decurso do inquérito, nem no decurso da instrução.
Impõe-se então perguntar se tal configura uma nulidade: insanável, prevista no art. 119° c) do Cód. Proc. Penal (a ausência do arguido nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência); ou, ao menos, sanável, nos termos do art. 120°, n° 2, alínea d), do Cód. Proc. Penal (a insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios).
Relativamente ao interrogatório do arguido na fase de inquérito dispõe o n° 1 do art. 272° do Cód. Proc. Penal que correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime é obrigatório interrogá-la como arguido, salvo se não for possível notificá-la.
A Lei 59/98 de 25.08, tinha estabelecido a obrigatoriedade de interrogar o arguido enquanto tal no caso de o inquérito correr contra pessoa determinada, cessando a obrigatoriedade só quando não fosse possível a notificação. Porém, a Lei 48/2007 de 29.08, mantendo a obrigação de interrogatório no inquérito, restringe essa obrigação aos casos em que haja fundada suspeita de a pessoa ter cometido o crime, o que afasta a obrigatoriedade de interrogar o arguido nos casos em que o Ministério Público desde logo vislumbra a possibilidade de arquivar o inquérito e vem a arquivá-lo (assim, Paulo Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Portuguesa, 4' ed., p.733).
Ora resulta evidente que o Ministério Público vislumbrou a possibilidade de arquivar o inquérito ab initio, e essa possibilidade resulta não só do despacho em que decide ouvir o denunciado na qualidade de testemunha, como resulta do despacho de arquivamento do inquérito. Ou seja, o Ministério Público — enquanto titular do inquérito — considerou não haver fundada suspeita de crime.
Nestes termos, não se pode dizer que existia, no caso, a obrigatoriedade de proceder ao interrogatório do arguido no inquérito, pelo que a falta de interrogatório do arguido durante o inquérito não constitui qualquer nulidade. Efectivamente, só a preterição de acto obrigatório, no decurso do inquérito constitui nulidade nos termos do art. 120°, n° 2, alínea d), do Cód. Proc. Penal.
Explicitaremos desde já que a falta de interrogatório nunca poderá ser considerada equivalente a ausência do arguido, até porque o arguido só poderá ser considerado ausente depois de ser constituído como tal e não enquanto mero denunciado, pelo que a nulidade, a existir, em inquérito, não poderá ser a prevista no art. 119° c) do Cód. Proc. Penal, mas tão somente a prevista nos termos do art. 120°, n° 2, alínea d), do mesmo Código.
E em sede de instrução não existe norma a definir qualquer tipo de obrigação de interrogar o arguido. Nem se pode dizer que o disposto no art. 272° do Cód. Proc. Penal vigora também para a fase de instrução, considerando que a dita norma se refere claramente ao inquérito.
Por outro lado, não existe regra equivalente àquele art. 272° para a fase de instrução.
Em sede de instrução o arguido pode requerer o seu interrogatório, como estipula o n° 2 do art. 292° do Cód. Proc. Penal, não sendo este obrigatório.
Se o arguido tivesse requerido o seu interrogatório, o Tribunal teria que o ter interrogado, pois que tem ele o direito a ser ouvido. Mas o arguido não requereu o seu interrogatório. E esteve presente no debate instrutório.
Ora só a preterição de acto obrigatório, no decurso da instrução, constitui nulidade nos termos do art. 120°, n° 2, alínea d), do Cód. Proc. Penal. E também não se pode dizer que a falta de interrogatório equivale a ausência do arguido (nos termos e para os efeitos do art. 119° c) do Cód. citado), já que essa diligência não é obrigatória em sede de instrução.
Pelo que também nesta sede não podemos falar de nulidade por falta de interrogatório do arguido.
Assim, não havia qualquer obstáculo a que fosse proferida decisão instrutória —como foi — onde se reconheceu a existência de indícios suficientes para pronunciar o arguido pela prática de um crime de abuso de poder.
Resta dizer que este entendimento não é inconstitucional por violação dos direitos de defesa do arguido (arts. 60° e 61° do Cód. Proc. Penal, nomeadamente o direito a ser ouvido quando o Tribunal deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte) e do exercício do contraditório, consagrados no art. 32°, n° 5, da Constituição da República Portuguesa, bem como do seu direito a um processo equitativo, consagrado no art. 20° n° 4 da Constituição da República Portuguesa e ainda no art. 6°, § 1° da CEDH. Com efeito, durante a fase de inquérito não é sempre obrigatório o interrogatório do arguido e tal interrogatório também não é obrigatório em fase de instrução, sendo de realçar que nesta fase o arguido esteve sempre assessorado por advogado, esteve presente no debate instrutório, e nunca manifestou qualquer interesse em ser ouvido, apesar de o poder ter feito. Mesmo que sem interrogatório — e lembramos que o arguido tem direito ao silêncio — manteve o arguido todos os direitos de defesa e a possibilidade de exercer o contraditório, nomeadamente através de advogado, decorrendo o processo com equidade.
Da nulidade por falta de audição do arguido a respeito das razões do incumprimento da suspensão provisória do processo...
Alega o arguido/recorrente que o Mm° JIC decidiu que o incumprimento das obrigações assumidas na suspensão provisória do processo era de apreciação automática, sem necessidade de averiguação da culpa no incumprimento e sem necessidade de ouvir o incumpridor.
Refere o recorrente que a revogação da suspensão provisória do processo não é automática, sendo sempre precedida da audição do arguido, nos termos do disposto nos arts. 498° 3 e 495° 2 do Cód. Proc. Penal, e só pode ser decretada se o incumprimento for considerado culposo, à semelhança da previsão do art. 55° do Cód. Penal no contexto do incumprimento dos deveres condições de suspensão da execução da pena.
Mais alega que o arguido tinha o direito a pronunciar-se sobre essa revogação e que essa audição constitui mesmo uma garantia de defesa do arguido e do essencial contraditório, na sua manifestação do direito de audição sobre decisão que o afecte do ponto de vista pessoal, que aqui se manifesta na sua radicação constitucional e legal (cfr. arts. 32°, n° 5, da Constituição da República, 6°, n° 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, e 61°, n° 1, alínea b), do Cód. Proc. Penal).
Conclui dizendo que a não audição do arguido constitui a omissão de acto legalmente obrigatório, e acarreta a nulidade prevista no art. 119° c) do Cód. Proc. Penal por ausência do arguido nos casos em que a lei exige a respectiva comparência.
Compulsados os autos, e como já dissemos, em 12 de Julho de 2018 foi proferida a decisão instrutória, tendo o Mm° JIC concluído haver indícios suficientes para pronunciar o arguido pela prática de um crime de abuso de poder. Todavia, entendendo haver motivos para tal, foi proposta pelo Mm°. JIC a possibilidade de suspensão provisória do processo, pelo período de quatro meses, sujeita a determinadas injunções, que quer a representante do Ministério Público, quer os assistentes, quer o arguido, declararam aceitar. Foi então proferido despacho judicial em que se determinou a suspensão provisória do processo pelo período de quatro meses, devendo o arguido «em dez dias dirigir ao comandante de Divisão da PSP de P… solicitação no sentido de integrar AN... no programa Escola Segura da PSP» e, «em um mês entregar a cada um dos assistentes, AN... e S..., através da ilustre mandatária deles, dando conta do facto nos autos, a quantia de 750€»; e, no caso de não ser deferida a solicitação dirigida ao Comandante de Divisão da PSP de P…, «no prazo de um mês, proceder à reintegração de AN... no Núcleo de Apoio Geral do Comando da PSP de P…, se esta o solicitar». Mais se determinou que, os autos aguardariam por quatro meses e, decorridos, caso tivessem sido cumpridas as elencadas injunções, seria proferido despacho de não pronúncia quanto ao crime de violação da autonomia ou independência sindical e despacho de arquivamento quanto ao crime de abuso de poder. Todos os presentes, incluindo o arguido, foram notificados das decisões contidas neste despacho.
Por despacho de 16.10.2018 foi designada data para audição do arguido quanto ao incumprimento das injunções que tinham sido fixadas em 12.07.2018. O arguido não compareceu e justificou a falta, tendo sido designado novo dia para a sua audição. Na segunda data o arguido também não compareceu, novamente justificando a falta, não tendo ainda comparecido o seu mandatário.
Nesta segunda data, após nomeação de defensora oficiosa ao arguido, foi proferida decisão pronunciando-o pela prática do crime de abuso de poder, após ter sido dada a palavra às partes para formularem as suas conclusões e posto que a mandatária dos assistentes informou que não tinha sido cumprida qualquer das injunções fixadas.
O regime da suspensão provisória do processo (aplicável em sede de instrução nos termos do n° 2 do art. 307° do Cód. Proc. Penal) está regulado nos arts. 281° e 282° do Cód. Proc. Penal.
Da análise deste regime resulta evidente que não pode haver suspensão sem imposição de injunções e regras de conduta que o arguido é livre, ou não, de aceitar mas, aceitando-as o seu cumprimento é obrigatório, sob pena de o processo prosseguir. Com efeito, nos termos do n° 4 do art. 282° citado, O processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas: a) Se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta; ou b) Se, durante o prazo de suspensão do processo, o arguido cometer crime da mesma natureza pelo qual venha a ser condenado.
Refere o recorrente que a revogação da suspensão provisória do processo não é automática, sendo sempre precedida da audição do arguido, nos termos do disposto nos arts. 498° 3 e 495° 2 do Cód. Proc. Penal, e só pode ser decretada se o incumprimento for considerado culposo, à semelhança da previsão do art. 55° do Cód. Penal no contexto do incumprimento dos deveres condições de suspensão da execução da pena.
É certo que a revogação da suspensão provisória do processo não é automática e tem que ser precedida da audição do arguido sobre o não cumprimento das injunções/regras de conduta, conforme estipula o n° 2 do art. 495° do Cód. Proc. Penal, aplicável por força do n° 3 do art. 498° do mesmo diploma (e considerando ainda o disposto no art. 61°, n° 1, alínea b), do Cód. Proc. Penal). Todavia, o Tribunal recorrido diligenciou pela audição do arguido, por duas vezes, nunca ele tendo comparecido apesar de justificar a falta.
Mais, o arguido sabia das obrigações impostas, porque as tinha aceite, sabia que o prazo para as cumprir já tinha passado, e ainda assim também não apresentou qualquer requerimento a informar das razões do não cumprimento.
Perante tal situação só podia o Tribunal concluir por um incumprimento culposo e por isso foi proferido o despacho recorrido que determinou que o processo prosseguisse.
Todavia, não pode haver paralelo entre a revogação da suspensão provisória do processo e a previsão do art. 55° do Cód. Penal no contexto do incumprimento dos deveres condições de suspensão da execução da pena.
O instituto da suspensão provisória do processo (introduzido com a reforma do processo penal levada a cabo pelo Código de 1987) visa responder àquelas situações em que a busca de consenso, da pacificação e da reafirmação estabilizadora da norma assente na reconciliação, vale como um imperativo ético-jurídico, consenso que se obterá através do acordo de vários sujeitos processuais como pressuposto de institutos como o da suspensão provisória do processo (cfr. o respectivo Preâmbulo da Lei que aprova o Código).
Ora, não só as fases preliminares do processo, em que se inclui o inquérito e a instrução, não se confundem com a do julgamento, na sua conformação e razão de ser, como o despacho de suspensão provisória do processo não tem paralelo com uma sentença.
A imposição, com o correlativo acatamento, de injunções e regras de conduta, surge como manifestação de anuência. A condenação por sentença, surgida na sequência de julgamento, não depende de qualquer anuência do arguido. Por isso defende Anabela Rodrigues (O inquérito no novo Código de Processo Penal, in O Novo Código de Processo Penal, Jornadas de Direito Processual Penal, Almedina, 1988, pág. 75) que as injunções e regras de conduta, sem terem a natureza de pena ou sanção penal, inscrevem-se na linha de medidas que visam alertar o arguido para a validade da ordem jurídica e despertar nele o sentimento de fidelidade ao direito .
E é precisamente porque a injunção/regra de conduta não é uma pena, que o arguido continuará a presumir-se inocente, e nunca poderá considerar-se a aceitação da suspensão como uma confissão do facto.
No caso, com a suspensão provisória do processo foi dada uma oportunidade ao arguido de se subtrair a um julgamento e a uma eventual condenação. Mas o arguido violou o acordo e, independentemente de não ter comparecido para a audição das razões do incumprimento, não apresentou qualquer justificação para tal violação, como podia e devia ter feito, nomeadamente por requerimento.
Pelo que não existe a alegada nulidade nem se mostram violadas as suas garantias de defesa e do direito ao contraditório, consagradas nos arts. 32°, n° 5, da Constituição da República e 6°, n° 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
Da nulidade do despacho de pronúncia por falta de concretização do elemento subjectivo...
Alega o recorrente que o despacho de pronúncia é nulo nos termos do disposto nos n°s 2, 3 e 4 do art. 283° do Cód. Proc. Penal, aplicáveis por força do n° 2 do art. 308° do mesmo diploma, por falta de concretização do elemento subjectivo, concretamente, a imputação de o arguido ter agido com vontade livremente determinada. Refere que se a falta do elemento subjectivo, na acusação, pode ser conhecida oficiosamente e levar à rejeição daquela como manifestamente infundada, a mesma falta no despacho de pronúncia tem que ser considerada como uma nulidade insanável.
Começaremos por lembrar que nulidades insanáveis são aquelas que têm a sua previsão no art. 119° do Cód. Proc. Penal. E só aquelas. Assim é por força do princípio da legalidade estabelecido no n° 1 art. 118° do mesmo Código, que determina que a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei. Ora não se enquadrando o vício alegado em qualquer das alíneas do art. 119° acima referido, não se poderá nunca qualificar tal vício como nulidade insanável.
Contudo, em face do disposto no n° 2 do art. 283° do Cód. Proc. Penal, aplicável à decisão instrutória por força do n° 2 do art. 308° do mesmo diploma, o vício invocado configura uma nulidade dependente de arguição, na previsão do n° 1 do art. 120° do Código que se tem vindo a citar, e sujeita à disciplina do n° 3 do mesmo artigo.
Ou seja, tinha que ter sido invocada até ao encerramento de debate instrutório e este encerrou em 12.07.2018, pelo que a arguição tem que se ter por extemporânea.
Mas sempre se dirá que a decisão instrutória (que é posterior ao encerramento do debate instrutório) afirma que pronuncia o arguido pelos factos que constam dos arts. 42 a 49, 52, 57, parte final e 64, primeira parte, do requerimento para abertura de instrução de fls. 99¬106, que aqui tenho por integramente reproduzidos, susceptíveis de entregarem o crime de abuso de poder, p. e p. pelo art. 382°, do C.P.. (...)
Analisado o requerimento para abertura de instrução verificamos que os factos que constam dos artigos 42 a 49 descrevem a actuação do arguido e descrevem uma actuação livre de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa. A actuação livre que se reforça com as afirmações de que: O comportamento descrito foi desenvolvido com perfeito e declarado conhecimento de que se estava a transferir uma Delegada sindical e com consciência e vontade de o fazer ao arrepio e mesmo contra a lei e em prejuízo ao sindicato (. „) (art.° 52 do RAI); (...) o que fez com declarado conhecimento e vontade da prática desse acto (...) (art.° 57 parte final do RAI); Como também já atrás dito, o arguido sabia que tal conduta não lhe era permitida por lei e, ainda assim, decidiu praticá-la e praticou-a (...) (art.° 64, primeira parte do RAI) — ou seja, está o Tribunal a afirmar que o arguido praticou os factos de forma não só deliberada e consciente, mas também livre, já que a decisão consciente e com vontade de praticar o facto sabendo que a sua conduta não lhe era permitida por lei, encerra a ideia de uma decisão livre de causas de exclusão da ilicitude.
Pelo que não só não se verifica a alegada nulidade como a sua invocação é extemporânea.

Decisão
Pelo exposto, acordam em julgar improcedentes os recursos e confirmam os despachos recorridos.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em cinco (5) UCs.
Lisboa, 14.05.2019 (processado e revisto pela relatora)
(Alda Tomé Casimiro)
(Anabela Simões Cardoso)
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