Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
Actualidade | Jurisprudência | Legislação pesquisa:


    Jurisprudência da Relação Laboral
Assunto    Área   Frase
Processo   Sec.                     Ver todos
 - ACRL de 27-03-2019   Tabela Nacional de Incapacidade. Incapacidade Permanente Parcial.
I - Não foi intenção do legislador tornar a TNI um instrumento estanque de avaliação do dano corporal, antes deixando uma ampla margem decisória aos peritos médicos e ao tribunal para a determinação da sequela e subsequente incapacidade do sinistrado, fruto da substancial complexidade que pauta esta operação.
II - A aplicação analógica a que se reporta a Instrução 5ª f) da TNI visa permitir que, perante a semelhança de casos, estando um contemplado na norma e outro não contemplado, apresentando ambos similitudes entre si, a norma se estenda ao caso omisso, por se considerar que, se o caso omisso tivesse sido considerado pelo legislador, teria o mesmo tratamento legislativo do que o caso previsto, por ser a mesma a razão de decidir.
III — Tendo sido fixada ao sinistrado uma IPP por acidente de trabalho anterior ao presente, ao serviço da mesma entidade patronal e sendo a mesma a seguradora responsável, tem aplicação a instrução geral nº5 d) da TNI, ou seja, obtendo-se o coeficiente global de incapacidade pela soma dos coeficientes parciais segundo o princípio da capacidade restante, calculando-se o primeiro coeficiente por referência à capacidade do indivíduo anterior ao acidente ou doença profissional e os demais à capacidade restante fazendo-se a dedução sucessiva de coeficiente ou coeficientes já tomados em conta no mesmo cálculo.
Proc. 143/14.3TTFUN.L1 4ª Secção
Desembargadores:  Paula de Jesus Santos - José Feteira - -
Sumário elaborado por Margarida Fernandes
_______
Processo 143/14.3TTFUN.L1
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
I — Relatório
Os presentes autos referem-se a um acidente de trabalho de que foi vítima JL..., nascido em 24 de Junho de 19…, acidente que ocorreu no dia 28 de Setembro de 20…, quando disputava um jogo de futebol. Trabalhava por conta do MM... — Futebol SAD e a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho estava transferida para a CST... SA.
A companhia de seguros deu alta ao sinistrado em 21 de Janeiro de 2014, com instruções
para retomar a sua actividade profissional. Continua, porém, a sentir dores.

Em 27 de Março de 2015 foi realizado exame por perito médico, que referiu que o examinando apresentava, na altura, as seguintes sequelas: no membro superior direito, cicatriz nacarada linear no dorso da mão, na zona correspondente ao 32 metacarpo, com vestígios de pontos, medindo 5 cm de comprimento, não retráctil nem aderente, palpação dolorosa do 2º e 3º metacarpos, mobilidade dos dedos e do punho mantidas, sendo ligeiramente dolorosas na extensão máxima do punho, sem sinais de edema, força muscular discretamente diminuída (grau 4).
Concluiu o exame que a data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 08-01¬2014, e atribuiu-lhe uma ITA por um período de 30 dias, uma ITP por um período de 72 dias
e uma IPP de 3,000/prct., integrando a lesão, por analogia, no Cap 1 .8.2.3.c) da TNI.

A tentativa de conciliação frustrou-se pelo facto de a seguradora não ter concordado,
nomeadamente com a IPP atribuída pelo perito médico.

O sinistrado interpôs então acção emergente de acidente de trabalho, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe pensão anual e vitalícia a calcular sobre a incapacidade restante (100/prct. - 4,94/prct.), em função da retribuição anual de € 130.552,20, e a IPP que vier a ser fixada em perícia por junta médica, por força da incapacidade permanente parcial que o afecta, bem como juros moratórios vencidos e vincendos, desde o dia seguinte ao da alta.

A Ré contestou, impugnando os factos alegados pelo Autor.

Foi realizada junta médica que confirmou as lesões descritas pelo perito médico, e considerou que não se verifica fractura viciosamente consolidada e que não há prejuízo estético, nem alterações da rotação, força muscular ligeiramente diminuída e preensão grossa dolorosa.
Os peritos médicos atribuíram ao sinistrado uma IPP de 2,85/prct., fundando-se no Capitulo I 8.2.3 b) da TNI, por analogia. Apuraram uma capacidade restante de 95,06/prct..
m perito médico da seguradora votou contra porque no capítulo através do qual a junta médica se baseou para determinar a IPP diz que fractura viciosa consolidada do 2º e 3º metacarpo só determina a incapacidade quando origina prejuízo estético factor que não é objectivável no exame como indica na alínea nº4 dos quesitos.

Foram pedidas explicações aos srs peritos médicos, que esclareceram que a incapacidade que lhe foi atribuída, foi por analogia, uma vez que, feito exame clínico, verificou-se alterações funcionais da mão direita, que prejudicam o trabalho do sinistrado em causa, nomeadamente o trabalho no ginásio.

m sinistrado, por determinação do tribunal, realizou RX à mão direita, tendo sido pedidos novos esclarecimentos aos peritos médicos, os quais referiram que mediante a visualização da radiografia efectuada, verificamos a presença material de osteossíntese no 2º e 3º metacarpo da mão direita, encontrando-se as fracturas consolidadas. Mantiveram o coeficiente global de incapacidade numa IPP de 2,85/prct., com base na mesma rubrica da TNI, aplicada por analogia.
O perito da seguradora elaborou voto de vencido, nos seguintes termos: a)No relatório elaborado pelo Médico do Clube e do IML, no exame objectivo, o sinistrado não ficou com qualquer sequela incapacitante, tendo alta C.S.D. a 08/01/2014.
b) Mesmo antes da alta, com ITP de 15/prct., no período de 28/10/2013 a 08/01/2014, realizou 515 minutos de jogos, sendo destes 4 jogos completos.
c) Logo após a alta, a 08/01/2014, o sinistrado continua a jogar, tendo participado na
maioria dos jogos realizados pela equipa principal do MM..., num total de 714 horas.
Na liga dos Campeões da Ásia, 2014/2015 — 120 minutos.
AFC Cup 450 minutos e na 2ª divisão 576 minutos.
Estes dados encontram-se no processo, fornecido pela Seguradora.
d) A desvalorização atribuída pelo Gabinete de Medicina Legal : Cap I — 8.2.3 c), está descrita como fractura viciosa consolidada do 2º 3º 4º e 5º metacárpicos, só determina incapacidade quando originar prejuízo estético-rotação anormal, que não existe, ou preensão dolorosa, que não é o caso, porque o Colega no exame objectivo afirma que há uma discreta diminuição da força muscular grau 4.
A posição do representante da Seguradora, pelo atrás descrito é C.S.D., pelo que ficou atrás exposto, e porque por muito mau que fosse o treinador do MM... e dos outros clubes por onde passou, não colocariam a jogar na equipa principal um atleta com lesão incapacitante.

Foi proferida sentença, que julgou a acção improcedente.

Inconformado, o Autor interpôs recurso, concluindo nas suas alegações que
1. A sentença em crise viola, entre outras, as normas contidas no artigo 8.9 e 21.9, n.9 3 da Lei 98/2009, de 04/09 e na alínea f) do n.9 5 das instruções gerais que antecedem a Tabela Nacional de Incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais (TNI);
2. Resultou provado nos autos que o recorrente sofreu um acidente enquanto exercia a sua actividade profissional em 28/09/2013 (facto provado n.9 5);
3. Bem como que desse acidente resultou a fractura do 2º e 3º metacárpicos da mão direita (facto provado n.º 6);
4. E, ainda, resultou provado que em consequência do acidente, o recorrente ficou com uma cicatriz nacarada linear no dorso da mão, na zona correspondente ao 3.° metacárpico, com vestígios de pontos, medindo 5 cm de comprimento, não retráctil, nem aderente, palpação dolorosa do 2.° e 3.° metacárpico, mobilidade dos dedos e dos punhos mantidas, sendo ligeiramente dolorosas na extensão máxima do punho, sem sinais de edema e força muscular discretamente diminuída (grau +).
5. Todavia, entendeu o Tribunal a quo, em entendimento contrário aos dos laudos periciais existentes nos autos, que tais sequelas não afectam a capacidade de ganho de trabalho ou de ganho do sinistrado, não resultando das mesmas nenhum grau de incapacidade permanente parcial (IPP) para o sinistrado.
6. O senhor perito médico que realizou o exame singular, bem como os senhores peritos médicos do Tribunal e do Sinistrado que integraram a junta médica, tendo em conta que as sequelas identificadas em 5. não se encontram exactamente descritas na TNI, fizeram uma integração analógica da situação e enquadraram as identificadas sequelas, por analogia, no capítulo I, 8.2.3. alínea b) da Tabela Nacional de Incapacidades, atribuindo ao sinistrado uma IPP de 2,85/prct..
7. Tal enquadramento respeitou a instrução consignada na alínea f) do n.2 5 das instruções gerais formuladas no capítulo preliminar do anexo I da Tabela Nacional de Incapacidades (As incapacidades que derivem de disfunções ou sequelas não descritas na Tabela são avaliadas pelo coeficiente relativo a disfunção análoga ou equivalente.) 8. Os senhores peritos não tiveram dúvidas que as sequelas identificadas em 5. provocam uma redução da capacidade de trabalho do sinistrado, e por esse motivo, avaliariam tais sequelas, por analogia, atribuindo ao sinistrado uma IPP de 2,85/prct..
9. Não é aceitável nem conforme o Direito que, nestes autos se reconheça a existência de um acidente de trabalho, a existência de lesões decorrentes desse acidente, a existência de sequelas emergentes dessas lesões e, ainda a redução da capacidade de trabalho do sinistrado por força de tais sequelas;
10. E não se fixe ao sinistrado a respectiva indemnização apenas porque as sequelas de que padece não estão exactamente descritas na Tabela Nacional de Incapacidades.
11. Por conseguinte, deverá ser revogada a sentença em crise, substituindo-se a mesma por acórdão que fixe ao sinistrado uma IPP 2,85/prct. em função das sequelas emergentes do acidente dos autos, e, em consequência, julgue a acção totalmente procedente, com todos os legais efeitos.
Julgando assim, estarão, Venerandos Juízes Desembargadores, a fazer uma vez mais JUSTIÇA!

A Ré contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.

A Exma Procuradora-Geral Adjunta, junto deste Tribunal da Relação, emitiu parecer nos seguintes termos: Afigura-se salvo o devido respeito, assistir razão ao recorrente, porquanto não se trata de integração directa naquele capítulo da TNI, mas integração por analogia. Ora uma operação analógica é uma comparação entre duas coisas parecidas mas distintas.
O Anexo I da TNI refere que as incapacidades que derivem de disfunções ou sequelas não descritas na Tabela são avaliadas pelo coeficiente relativo a disfunção análoga ou equivalente. Os peritos identificaram as sequelas emergentes do acidente e que estão descritas o ponto 9. Ou seja, do acidente resultaram sequelas que porém não estão exactamente descritas na TNI mas que constituem alterações funcionais (da mão direita) que prejudicam o trabalho do sinistrado em causa, nomeadamente o trabalho de ginásio — cfr. esclarecimentos da junta médica.
No direito laboral, por exemplo, está em causa a avaliação da incapacidade de trabalho resultante de acidente de trabalho ou doença profissional que determina perda da capacidade de ganho (...)Na realidade, tal princípio justifica por si só, quer a manutenção de um instrumento próprio de avaliação das incapacidades geradas no específico domínio das relações do trabalho, quer ainda a sua constante evolução e actualização, por forma a abranger todas as situações em que, do exercício da actividade laboral, ou por causa dele, resultem significativos prejuízos para os trabalhadores, designadamente os que afectam a sua capacidade para continuara desempenhar, de forma normal, a actividade profissional e, consequentemente, a capacidade de ganho daí decorrente. — Preâmbulo do DL 352/2007 de 23.10.
Como tal, não pode deixar de se ter em conta a profissão do sinistrado, como aliás fez a junta médica, nomeadamente quando se trata de um jogador de futebol profissional, que como todos sabemos, exige preparação e treino físico regular, sem o que diminuirá certamente o seu rendimento.
Assim, aderimos a argumentação do recorrente/sinistrado e pelas razões expostas, somos de parecer que o recurso merece provimento

A Ré exerceu o contraditório

Os autos foram aos vistos aos Exmos Desembargadores Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir
II — Objecto
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas respectivas conclusões, cumpre decidir se se o tribunal a quo errou ao não considerar a aplicação analógica do Capítulo I. 8. 2.3 c) da Tabela Nacional de Incapacidades ao presente caso. Caso seja de considerar que o sinistrado está afectado de IPP , cumpre decidir sobre o cômputo de tal IPP e acerca da pensão devida ao sinistrado.

III — Fundamentação de Facto
São os seguintes os factos considerados provados pela primeira instância, a que acrescem os
factos que resultam do relatório:
1- O sinistrado nasceu em 24 de Junho de 1985.
2 - Em 15 de Maio de 2013, o sinistrado celebrou um contrato de trabalho desportivo
com o MM... — Futebol, SAD, com a duração de duas épocas desportivas,
com início em 01/07/2013 e termo em 30/06/2015.
3 - O sinistrado auferia a retribuição salarial mensal de € 10.229,23 x 12, acrescida de outras remunerações de € 409,00 x 12, num total anual de € 127.658,76.
4 - O MM... — Futebol, SAD transferiu a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho, relativamente ao sinistrado, para a Ré, com referência ao montante salarial mensal de € 10.879,35 x 12, num total anual de € 130.552,20.
5 - No dia 28 de Setembro de 2013, durante um jogo oficial entre as equipas de futebol profissional MM... — Futebol, SAD e FP, que se iniciou às 16:15 horas, no Estádio dos Barreiros, no Funchal, o sinistrado, numa disputa de uma bola com um jogador da equipa adversária, foi pisado na mão direita, o que lhe provocou de imediato dores.
6 - O sinistrado fracturou o 2.º e 3.º metacárpico da mão direita.
7 - No dia 30 de Setembro de 2013, o sinistrado foi operado na Clínica de SC..., no Funchal, pelo Dr. HS…, tendo sido realizada osteossíntese do 2.º e 3.º metacárpico.
8 - O sinistrado foi submetido a terapêutica médica e fisioterapia.
9 - Em consequência dos factos descritos, o sinistrado ficou com uma cicatriz nacarada linear no dorso da mão, na zona correspondente ao 3.º metacárpico, com vestígios de pontos, medindo 5 cm de comprimento, não retráctil, nem aderente, palpação dolorosa do 2.º e 3.º metacárpico, mobilidade dos dedos e dos punhos mantidas, sendo ligeiramente dolorosas na extensão máxima do punho, sem sinais de edema e força muscular discretamente diminuída (grau 4+).
9-A - Não se verifica fractura viciosamente consolidada e não há prejuízo estético, nem alterações da rotação. A força muscular está ligeiramente diminuída e a preensão grossa é dolorosa. — Acrescentado conforme decisão infra.
9 — B — As alterações funcionais referidas em 9. e 9A que o sinistrado apresenta na mão direita prejudicam o seu trabalho, nomeadamente o trabalho no ginásio.
10 - O sinistrado sofreu ITA desde 29/09/2013 até 28/10/2013, num período de 30 dias.
11 - O sinistrado sofreu ITP a 15/prct. desde 29/10/2013 até 08/01/2014, num período de 72 dias.
12 - O sinistrado já se encontra pago das indemnizações devidas a título de incapacidades temporárias.
13 - O sinistrado teve alta clínica no dia 8 de Janeiro de 2014.
14. No processo 1188/13.6TTPNF, que correu termos na comarca do Porto Este — Penafiel foi decidido: l)Declarar que o sinistrado JL..., em consequência do acidente de trabalho objecto dos presentes autos, apresenta uma incapacidade parcial permanente de 4,94/prct. desde 17 de Maio de 2013, data da alta definitiva.
ll)Em consequência, condeno a CST..., S.A., enquanto companhia seguradora leader do contrato de co-seguro, a pagar ao sinistrado:
1 — A pensão anual, vitalícia e actualizável de €4.198,40, a ser paga mensalmente, até ao 3º dia de cada mês e no seu domicílio, devida a partir do dia 18 de Maio de 2013, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão, bem como o subsídio de férias e de Natal, no valor de 1/14 da pensão anual, a serem pagos nos meses de Junho e Novembro de cada ano, prestações essas acrescidas de juros de mora, à taxa legal, devidos desde o dia do respectivo vencimento até efectivo e integral pagamento. Aditado conforme decisão infra

IV — Questão Prévia
Considerando o disposto no artigo 607º nº4 do CPC, e face à prova produzida, a saber, o exame médico levado a efeito no IML e o exame feito por junta médica e respectivos esclarecimentos, resulta demonstrado que, no que respeita às lesões apresentadas pelo sinistrado, não se verifica fractura viciosamente consolidada e que não há prejuízo estético, nem alterações da rotação, bem como a força muscular está ligeiramente diminuída e a preensão grossa é dolorosa. Resulta ainda provado que as alterações funcionais na mão direita do sinistrado prejudicam o seu trabalho, nomeadamente o trabalho no ginásio.
Estes factos são relevantes para a decisão do recurso, e passarão a constar do elenco dos factos provados sob o nº 9-A e 9-B.
Mostra-se também junta aos autos cópia da sentença proferida nos autos 1188/13.6TTPNF, que correram termos na comarca do Porto Este, Penafiel- Instância Central-Secção Trabalho - Juiz 2, nos termos da qual resulta a fixação de IPP ao ora Autor, por acidente ocorrido em data anterior àquela a que se referem estes autos, e cálculo da respectiva pensão. Embora sem nota de trânsito em julgado, em sede de contestação — artigos 14º e 15º - a Ré considerou, para efeitos da aplicação da alínea d) do nº5 do Anexo I do Decreto-Lei 352/2007, de 23 de Outubro, o facto alegado no artigo 28º da p.i., que remete para essa sentença, junta com a p.i. E assim sendo, este tribunal considera o teor da referida sentença, aditando o facto nº14 ao elenco dos provados.

V — Apreciação do Recurso
1.Cumpre apreciar e decidir da pertinência do recurso pelos peritos médicos ao disposto na instrução geral nº 5º f), da TNI, por referência ao capítulo 18.3.b) do mesmo diploma legal, no que respeita às lesões apresentadas pelo Autor.
A sentença recorrida considerou não ser de aplicar analogicamente tal dispositivo legal, pelas seguintes razões: Ora, se o legislador previu expressamente que a fractura viciosamente consolidada do 2.º, 3.º, 4.° ou 5.º metacárpicos só determina incapacidade quando originar prejuízo estético - rotação anormal ou preensão dolorosa - e não previu a situação em que, ou a fractura não esteja viciosamente consolidada, ou até o esteja e não exista prejuízo estético, ou nem se verifique qualquer uma destas situações, é porque considerou que, em tais situações, aquela função corporal, da mão, não está diminuída. Constate-se que, a formulação desta sequela é inequívoca: utiliza-se a conjuntiva e não se utiliza a alternativa ou.
Daqui decorre que a desvalorização em apreço atribui-se quando cumulativamente se observem sintomas e sequelas; já não quando se verifique apenas um destes ou não se verifique nenhum.
Assim sendo, a aplicação por analogia do Cap. 1, 8.2.3., alínea b) da Tabela Nacional de Incapacidades implicaria que cumulativamente a junta médica tivesse verificado a existência daquelas sequelas e sintomas, o que não sucedeu no caso concreto.
Ainda que, em hipótese, de acordo com o art. 12.º do Anexo I da Tabela Nacional de Incapacidades, se considerasse que se verifica a preensão dolorosa (atento o facto de o autor ter sofrido uma discreta diminuição da força muscular — grau 4+) sempre seria necessário que se verificasse igualmente uma fractura viciosamente consolidada, o que não é o caso. Ou seja, os parâmetros expressos não se encontram preenchidos.
Por todo o exposto, resta concluir que o sinistrado não se encontra afectado de qualquer incapacidade, pelo que a acção improcede.
Vejamos
A Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo Decreto-Lei 352/2007, de 23 de Outubro, tem aplicação ao caso, face ao disposto no seu artigo 6º nº1 a) desse diploma legal e à data do acidente.
Nos termos do disposto no artigo 2º nº1 desse diploma legal, a incapacidade do sinistrado no âmbito do direito do trabalho é calculada em conformidade com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho. E nos termos do nº2 desse preceito legal Na avaliação do sinistrado ou doente é tido em conta o disposto no artigo 41º do Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de Abril, no artigo 78º do Decreto-Lei nº248/99, de 2 de Julho, e no artigo 38º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro.
O Decreto-Lei 143/99, que regulamenta a Lei 100/97, de 13 de Setembro, no que respeita à reparação de danos emergentes de acidentes de trabalho, foi revogado. Também o Decreto-Lei 248/99, que procede à reformulação e aperfeiçoamento global da regulamentação das doenças profissionais em conformidade com o novo regime jurídico aprovado pela Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e no desenvolvimento do regime previsto na Lei n.º 28/84, de 14 de Agosto, foi revogado. E o Decreto-Lei 503/99 de 20 de Novembro aprova o novo regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública.
Actualmente cumpre considerar, numa interpretação actualista do preceito, a Lei 98/2009, de 04 de Setembro, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais, nos termos do artigo 284º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro (LAT).
Nos termos do artigo 21º da LAT: 1 - O grau de incapacidade resultante do acidente define-se, em todos os casos, por coeficientes expressos em percentagens e determinados em função da natureza e da gravidade da lesão, do estado geral do sinistrado, da sua idade e profissão, bem como da maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível e das demais circunstâncias que possam influir na sua capacidade de trabalho ou de ganho.
(—)
3 - O coeficiente de incapacidade é fixado por aplicação das regras definidas na tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais, em vigor à data do acidente.
De acordo com o nº 1 das Instruções Gerais da TNI, a mesma tem por objectivo fornecer as bases de avaliação do dano corporal ou prejuízo funcional sofrido em consequência de acidente de trabalho ou de doença profissional, com redução da capacidade de ganho. E, nos termos do nº 2 das mesmas Instruções, as sequelas (disfunções), independentemente da causa ou lesão inicial de que resultem danos enquadráveis no âmbito do número anterior, são designados na TNI, em notação numérica, inteira ou subdividida em subnúmeros e alíneas, agrupados em capítulos.
E nos termos do nº3 a cada dano corporal ou prejuízo funcional corresponde um coeficiente expresso em percentagem, que traduz a proporção da perda da capacidade de trabalho resultante da disfunção, como sequela final da lesão inicial, sendo a disfunção total, designada como incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, expressa pela unidade. De acordo com o nº 4 daquelas instruções, os coeficientes ou intervalos de variação correspondem a percentagens de desvalorização, que constituem o elemento de base para o cálculo da incapacidade a atribuir.
Interessa particularmente ao caso a instrução n°5 f), nos termos da qual as incapacidades que derivem de disfunções ou sequelas não descritas na Tabela são avaliadas pelo coeficiente relativo a disfunção análoga ou equivalente.
Relembremos o teor do preâmbulo da lei, já chamado à colação pela Exma magistrada do Ministério Público: [A ] avaliação médico-legal do dano corporal, isto é, de alterações na integridade psico-física, constitui matéria de particular importância, mas também de assinalável complexidade. Complexidade que decorre de factores diversos, designadamente da dificuldade que pode existir na interpretação de sequelas, da subjectividade que envolve alguns dos danos a avaliar, da óbvia impossibilidade de submeter os sinistrados a determinados exames complementares, de inevitáveis reacções psicológicas aos traumatismos, de situação de simulação ou dissimulação, entre outros. Complexidade que resulta também da circunstância de serem necessariamente diferentes os parâmetros de dano a avaliar consoante o domínio do direito em que essa avaliação se processa, face aos distintos princípios jurídicos que os caracterizam. Assim sucede nomeadamente em termos das incapacidades a avaliar e valorizar. No direito laboral, por exemplo, está em causa a avaliação da incapacidade de trabalho resultante de acidente de trabalho ou doença profissional que determina perda da capacidade de ganho (...)Não obstante a diversidade de realidades apontada e a consequente necessidade de adequar a elas a avaliação dos diversos tipos das incapacidades em causa, consoante a sua natureza e a resposta particular que reclamam, a protecção jurídico-laboral reforçada dos sinistrados ou doentes é um princípio básico, do qual não se pode abdicar, em defesa dos mais elementares direitos dos trabalhadores.
Na realidade, tal princípio justifica por si só, quer a manutenção de um instrumento próprio de avaliação das incapacidades geradas no específico domínio das relações do trabalho, quer ainda a sua constante evolução e actualização, por forma a abranger todas as situações em que, do exercício da actividade laborai, ou por causa dele, resultem significativos prejuízos para os trabalhadores, designadamente os que afectam a sua capacidade para continuar a desempenhar, de forma normal, a actividade profissional e, consequentemente, a capacidade de ganho daí decorrente.
Do exposto resulta que não foi intenção do legislador tornar a TN! um instrumento estanque de avaliação do dano corporal, antes deixando uma ampla margem decisória aos peritos médicos e ao tribunal para a determinação da sequela e subsequente incapacidade do sinistrado, fruto da substancial complexidade que pauta esta operação, e à qual subjazem dados objectivos, como a lesão propriamente dita, mas também dados subjectivos, em função do estado geral do sinistrado, da sua idade e profissão, bem como da maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível e das demais circunstâncias que possam influir na sua capacidade de trabalho ou de ganho., valorando-se assim, também, a sua repercussão funcional e situacional, com preponderância das actividades da vida profissional
A aplicação analógica a que se reporta a Instrução 5ª f) visa permitir que, perante a semelhança de casos, estando um contemplado na norma e outro não contemplado, apresentando ambos similitudes entre si, a norma se estenda ao caso omisso, por se considerar que, se o caso omisso tivesse sido considerado pelo legislador, teria o mesmo tratamento legislativo do que o caso previsto, por ser a mesma a razão de decidir.
In casu, resulta provado que o sinistrado, em consequência do acidente a que se referem os autos, cuja existência é aceite pelas partes, apresenta as seguintes lesões: uma cicatriz nacarada linear no dorso da mão, na zona correspondente ao 3º metacárpico, com vestígios de pontos, medindo 5 cm de comprimento, não retráctil, nem aderente, palpação dolorosa do 2.º e 3.º metacárpico, mobilidade dos dedos e dos punhos mantidas, sendo ligeiramente dolorosas na extensão máxima do punho, sem sinais de edema e força muscular discretamente diminuída (grau 4+).
Não se verifica fractura viciosamente consolidada e não há prejuízo estético, nem alterações da rotação. A força muscular está ligeiramente diminuída e a preensão grossa é dolorosa.
Resulta também provado que as alterações funcionais referidas, que o sinistrado apresenta na mão direita, prejudicam o seu trabalho, nomeadamente o trabalho no ginásio. O sinistrado é jogador de futebol profissional.
A junta médica, bem como o havia feito o médico do IML, integraram as lesões apresentadas pelo sinistrado no Capítulo 1 da Tabela 8.2.3.c), o que fizeram por analogia.
É a seguinte a previsão da norma em causa
O capítulo I refere-se ao aparelho locomotor. A secção 8 refere-se à mão, e a sub secção 2 ao esqueleto da mão. O nº 3 diz respeito à Fractura viciosamente consolidada do 2º, 3º, 4º, ou 5° metacárpicos (só determina incapacidade quando originar prejuízo estético — rotação anormal ou preensão dolorosa): (...) c) No 4º ou no 5°. Só estas lesões são valoradas pela TNI.
Não há qualquer dúvida de que o sinistrado não apresenta fractura viciosamente consolidada e de que, ainda que apresentasse, não apresenta prejuízo estético, nem alterações da rotação.
Daqui resulta que não lhe é directamente aplicável o Cap. 18.2.3. c). Mas essa não é a questão que nos traz a decidir. Importa sim aferir se a norma pode ser aplicada por analogia.
Não restam dúvidas em como o sinistrado, por força do acidente de trabalho a que se referem os autos, apresenta sequelas, disfunções, na sua mão direita — cfr. pontos 9. e 9.B dos factos provados — com consequências para o seu trabalho. Essas lesões ocorrem ao nível do 2.º e 3.º metacárpicos.
Como vimos, a lei apenas prevê a fixação de incapacidade ao nível dos metacárpicos, quando ocorram fracturas viciosamente consolidadas, que são aquelas que, presumidamente, afectam a capacidade funcional do sinistrado, por terem consolidado numa posição não anatómica.
No presente caso, porém, não ocorrendo essa consolidação viciosa, ocorre uma ligeira diminuição da força muscular, sendo a preensão grossa dolorosa. Estas sequelas do acidente atingem a capacidade funcional do sinistrado enquanto atleta — jogador de futebol — por interferirem no seu trabalho no ginásio, e, portanto, demandam a fixação da natureza e medida da incapacidade a que deram origem, com a correspondente reparação.
Cumpre assim determinar a que lesão similar prevista na TNI se podem comparar as lesões sofridas pelo sinistrado. Considerando a complexidade da mão e dos seus movimentos, as lesões similares àquelas a que se referem os autos, previstas na TNI, são precisamente as dos metacárpicos, no caso as do 3º e 4º metacárpicos. Está em causa o mesmo órgão e a mesma funcionalidade do órgão, sendo a mesma a funcionalidade protegida pela norma. E, portanto, é ao Capítulo I 8.2.3.c) que terá de se ir buscar o critério de fixação da incapacidade do sinistrado.
Não merece, portanto, censura a leitura que os srs peritos médicos fizeram da questão.

2. Não foi impugnado o grau de incapacidade permanente parcial atribuído pela junta médica ao sinistrado, não havendo razão para o afastar. Portanto, declara-se que o sinistrado, em consequência do acidente de trabalho a que se referem os autos, apresenta uma IPP de 2,85/prct..
Ao sinistrado, tal como alega na p.i., foi fixada uma IPP de 4,94/prct., por acidente de trabalho anterior ao presente, ao serviço da mesma entidade patronal e sendo a mesma a seguradora responsável.
De acordo com a instrução geral nº5 d) da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho e Doenças Profissionais, No caso de lesões múltiplas, o coeficiente global de incapacidade é obtido pela soma dos coeficientes parciais segundo o princípio da capacidade restante, calculando-se o primeiro coeficiente por referência à capacidade do indivíduo anterior ao acidente ou doença profissional e os demais à capacidade restante fazendo-se a dedução sucessiva de coeficiente ou coeficientes já tomados em conta no mesmo cálculo. Fazendo aplicação desta norma, e tendo a junta médica calculado uma capacidade restante de 95,06/prct. (já considerando a desvalorização de 4,94/prct.), e encontrando uma desvalorização de 2,85/prct., após dedução do coeficiente aplicado no processo 1188/13.6TTPNF, tal desvalorização acresce à desvalorização de 4,94/prct., calculada no referido processo, obtendo-se o coeficiente global de incapacidade de 7,79/prct..
Cálculo da pensão
De acordo com o disposto no artigo 48º nº3 c) da Lei 98/2009 de 04-09 (LAT), Se do acidente resultar redução na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, este tem direito às seguintes prestações: (...) Por incapacidade permanente parcial — pensão anual e vitalícia correspondente a 70/prct. da redução sofrida na capacidade geral de ganho ou capital de remição da pensão nos termos previstos no artigo 75º
Nos termos do disposto no artigo 75º : 1 - É obrigatoriamente remida a pensão anual vitalícia devida a sinistrado com incapacidade permanente parcial inferior a 30 /prct. e a pensão anual vitalícia devida a beneficiário legal desde que, em qualquer dos casos, o valor da pensão anual não seja superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta ou da morte.
2 - Pode ser parcialmente remida, a requerimento do sinistrado ou do beneficiário legal, a pensão anual vitalícia correspondente a incapacidade igual ou superior a 30 /prct. ou a pensão anual vitalícia de beneficiário legal desde que, cumulativamente, respeite os seguintes limites:
a) A pensão anual sobrante não pode ser inferior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor à data da autorização da remição;
b) O capital da remição não pode ser superior ao que resultaria de uma pensão calculada
com base numa incapacidade de 30 /prct.. (...)
Em face do exposto, e considerando a retribuição anual do sinistrado, o mesmo tem direito
à pensão anual e vitalícia de 6.961,23€ {127.658,76€ (cfr. art. 71° n°1 da LAT) x 70/prct. x 7,79/prct.
= 6.961,23€}, devida desde 09/01/2014.
Sobre esta quantia, incidem juros, à taxa legal, desde 09/01/2014.
Não há lugar à remição obrigatória da pensão, face ao valor desta.
Deve ter-se em consideração os valores já pagos ao Autor, a partir da data de 09/01/2014,
ao abrigo da sentença proferida no processo 1188/13.6TTPNF, a título de pensão anual.

VI — Decisão
Face a todo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso interposto por JL..., e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida e
1— Fixa-se em 7,79/prct., a IPP de que padece o sinistrado, e desde 09/01/2014.
2 — Condena-se a Ré, Companhia DR — N, SA., a pagar ao sinistrado a pensão anual e vitalícia de 6.961,23€, (seis mil, novecentos e sessenta e um euros e vinte e três cêntimos), desde a data de 09/01/2014, devendo compensar-se tal quantia com as já pagas ao abrigo da sentença proferida no processo 1188/13.6TTPNF, a título de pensão anual.
Custas a cargo da Ré.
Registe.
Notifique.
Lisboa,
(Paula de Jesus Jorge dos Santos)
(1° adjunto —José Feteira)
(2° adjunta — Filomena Manso)

Sumário
I - Não foi intenção do legislador tornar a TNI um instrumento estanque de avaliação do dano corporal, antes deixando uma ampla margem decisória aos peritos médicos e ao tribunal para a determinação da sequela e subsequente incapacidade do sinistrado, fruto da substancial complexidade que pauta esta operação.
II - A aplicação analógica a que se reporta a Instrução 5ª f) da TNI visa permitir que, perante a semelhança de casos, estando um contemplado na norma e outro não contemplado, apresentando ambos similitudes entre si, a norma se estenda ao caso omisso, por se considerar que, se o caso omisso tivesse sido considerado pelo legislador, teria o mesmo tratamento legislativo do que o caso previsto, por ser a mesma a razão de decidir.
III — Tendo sido fixada ao sinistrado uma IPP por acidente de trabalho anterior ao presente, ao serviço da mesma entidade patronal e sendo a mesma a seguradora responsável, tem aplicação a instrução geral nº5 d) da TNI, ou seja, obtendo-se o coeficiente global de incapacidade pela soma dos coeficientes parciais segundo o princípio da capacidade restante, calculando-se o primeiro coeficiente por referência à capacidade do indivíduo
anterior ao acidente ou doença profissional e os demais à capacidade restante fazendo-se a dedução sucessiva de coeficiente ou coeficientes já tomados em conta no mesmo cálculo. A relatora
   Contactos      Índice      Links      Direitos      Privacidade  Copyright© 2001-2024 Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa