Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - ACRL de 07-03-2019   Marcas. Princípio da novidade da marca.
1 - Aferindo-se a marca registada e a marca registanda a produtos idênticos ou afins , integrantes da mesma classe de produtos ( Classe 33 da Classificação de Nice) e sendo a similitude gráfica , fonética e conceptual entre os respectivos sinais tal que facilmente conduza o consumidor médio daquele tipo de produtos a erro , ou confusão , sobre eles , ou , no mínimo , ao risco de associar o produto da marca registanda ao produto da marca registada , sem que tal distinção possa ser feita senão em função de exame atento , ou confronto , está em causa a violação do principio da novidade da marca, por imitação;
2 - Tal imitação constitui fundamento de recusa de registo de marca, de acordo com o disposto no artigo 239°, n° 1, a), do Código da Propriedade Industrial ( CPI).
Proc. 106/18.0YHLSB.L1 8ª Secção
Desembargadores:  José António Moita - Ferreira de Almeida - -
Sumário elaborado por Margarida Fernandes
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PROC° N°. 1 06/1 8 .0YHLSB.L 1
Tribunal de Propriedade Intelectual — 1° Juízo
Apelante: MB..., S.A.
Apelada: LS...

Sumário do Acórdão
( Da exclusiva responsabilidade do relator — artigo 663° , n° 7 , do C.P.C. )
1 - Aferindo-se a marca registada e a marca registanda a produtos idênticos ou afins , integrantes da mesma classe de produtos ( Classe 33 da Classificação de Nice) e sendo a similitude gráfica, fonética e conceptual entre os respectivos sinais tal que facilmente conduza o consumidor médio daquele tipo de produtos a erro , ou confusão , sobre eles , ou , no mínimo , ao risco de associar o produto da marca registanda ao produto da marca registada , sem que tal distinção possa ser feita senão em função de exame atento , ou confronto , está em causa a violação do principio da novidade da marca , por imitação;
2 - Tal imitação constitui fundamento de recusa de registo de marca , de acordo com o disposto no artigo 239° , n° 1 , a) , do Código da Propriedade Industrial ( CPI ).

Acordam os Juízes na 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa no seguinte: I — Relatório
LS..., sociedade comercial alemã com sede em S… veio ao abrigo do artigo 39° e seguintes do Código da Propriedade Industrial (doravante apenas CPI) , interpor recurso da decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (doravante apenas INPI) , que concedeu o registo da marca nacional n° 58… A..., requerido por MB..., S.A., com sede na H…, 7050-670 Montemor-o-Novo pedindo que seja revogado o despacho do INPI de 5.02.2018, publicado no Boletim da Propriedade Industrial (BPI) de 9.02.2018.
Alegou , em síntese , existir identidade entre os produtos assinalados pela marca em questão na classes 33 e os produtos visados na mesma classe pela marca da União Europeia (UE) n° 11… AL... , registada com anterioridade em nome da recorrente e semelhança entre os ditos sinais susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão , ou associação entre os sinais , pelo que se verifica imitação de marca registada , contrariamente ao entendimento sufragado no despacho recorrido.
Cumprido o artigo 43° do CPI, o INPI remeteu , a título devolutivo , o processo administrativo.
Citada a parte contrária , nos termos e para os efeitos do artigo 44° do CPI , a mesma apresentou resposta pugnando pela improcedência do recurso.
Nenhuma das Partes arrolou testemunhas.
Foi proferida sentença que julgou procedente o recurso de acordo com o seguinte dispositivo:
Pelo exposto, e nos termos das disposições citadas, decisão do INPI de 5.02.2018, publicada no BPI de 9.02.2018, que concedeu o registo da marca n° 5… A....
Custas pela recorrente (artigo 527°, n° 1 do CPC).
Valor da causa: 30.000,01 Euros (artigo 303°, n° 1, do CPC).
Registe e notifique.
Após trânsito da sentença e com cópia da mesma devolva-se o processo ao INPI e
cumpra-se o artigo 35°, n° 3, aplicável nos termos do artigo 47°, do CPI.
Lisboa, 12.10.2018
Inconformada com a sentença veio MB... , S.A. , interpor de novo recurso , agora de Apelação , da mesma para este Tribunal da Relação alinhando as seguintes conclusões devidamente aperfeiçoadas:
I. A sentença recorrida refere citada a parte contrária, nos termos e para os efeitos do artigo 44° CPI, não se pronunciou.
II. A recorrente, citada nos termos e para os efeitos do artigo 44° n°2 do CPI, veio exercer a faculdade referida no ponto anterior, no dia 18 de Maio de 2018, pelas 15:35:20
III. Ao desconsiderar a existência, nos autos, da resposta da recorrente, o tribunal deixou de apreciar todos os factos alegados por aquele no exercício do direito ao contraditório, nos termos do art.° 30/3 CPC.
IV. Pelo exposto, a sentença deve ser declarada nula, nos termos do art.° 615° n°1 al. a) do CPC.
V. Não podia o tribunal a quo concluir que há imitação da marca AL... pela marca A..., pois não existe semelhança gráfica ou fonética entre marcas.
VI. Ao passo que A... corresponde à expressão O Lince no idioma árabe e (pronome à parte) tem integração no idioma português; já AL... apenas existe noutros idiomas europeus, tendo corno correspondente em português, em termos de significado, semelhança fonética e gráfica, a palavraaliança.
VII. Acresce que as duas palavras — AL... e A... - pronunciam-se verbalmente de forma muito diversa, pelo que há entre as mesmas uma distinção fonética significativa.
VIII. Associação fonética ocorre entre as palavras AL... e Aliança, mas nunca entre as palavras AL... e A....
IX. Além do aspecto fonético, e apesar da identidade entre os tipos de produtos que visam distinguir (vinhos), os produtos AL... destinam-se apenas a ser distribuídos e comercializados nos supermercados LS..., o que não sucede com os produtos da recorrida.
X. A recorrida não utiliza e nunca utilizou a marca AL..., razão pela qual não existem bens no mercado distinguidos com tal marca.
XI. Encontrando-se assegurada a eficácia distintiva, a probabilidade de práticas de actos de concorrência desleal é inexistente.
XII. Não se encontram cumulativamente apurados, pelas razões já tecidas, os elementos de facto e de direito que que integram o conceito de imitação e consequente confusão do consumidor, pelo que o tribunal a quo devia ter mantido o despacho de concessão da marca A... à recorrente, ao invés de decidir pela recusa da mesma.
XIII. Ao decidir corno decidiu, o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 245° n°1 do CPI e o artigo 3° n°3 do CPC.
A Apelada respondeu à motivação recursiva alinhando as seguintes conclusões:
1. A ora Apelada, interpôs recurso na 1a Instância, da decisão contida no Despacho do INPI de concessão da marca nacional n° 5… A... da ora Apelante, pretendendo ver recusada a sua protecção, pretensão essa que foi alcançada, uma vez que o Mm° Juiz a quo, determinou a revogação do despacho recorrido, recusando a marca, por imitação.
2. O tribunal a quo decidiu justa e adequadamente, ao julgar procedente o recurso interposto pela ora Apelada.
3. A Apelada é proprietária, com prioridade que data de 2013, da marca EUTM 11… AL....
4. A Apelante alega a nulidade da Sentença porque, segundo ela, Ao desconsiderar a existência, nos autos, da resposta da recorrente, o tribunal deixou de apreciar todos os factos alegados pela recorrente no exercício do direito ao contraditório, ao contrário daquilo que a lei manda fazer.
5. Sem razão, pois, tal como ela própria reconhece, foi regularmente citada e apresentou a sua Resposta nos autos.
6. Consta, também, da Sentença, capítulo II — Saneador-....As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas, estando regularmente patrocinadas. (Pg. 2/7).
7. E constata-se que nela, o objecto do litígio foi correctamente fixado:A questão que importa analisar é a de saber se o sinal distintivo AL..., registado com anterioridade para assinalar designadamente 'vinhos' na classe 33, obsta ao registo de marca A... solicitado pela recorrida para 'vinho de uva' na mesma classe, como pretende a recorrente, ou se inexiste entre os sinais semelhança capaz de induzir o consumidor em erro ou confusão, ou associação, não podendo assim falar-se de imitação obstativa do solicitado registo, como entendeu o INPI. (Pg. 3/7)
8. Ora, após leitura da Sentença constata-se que o Mm° Juiz, no seu discurso jurídico fundamentador de facto e de direito da decisão, contém o sentido do enquadramento jurídico dado pelo Tribunal ao caso concreto.
9. Trata-se, pois, no modesto entender da Apelada, de um lapso material, uma divergência entre o que foi escrito- Citada a parte contrária, nos termos e para os efeitos do artigo 44° do CPI, não se pronunciou- e aquilo que, certamente se queria ter escrito, mas que decorre do que demais consta em termos do contexto da Sentença que, substancialmente, não merece censura
10.Pois, e facto que, a Apelante pretende a protecção da sua marca A... para produtos idênticos aos da marca AL..., vinhos e bebidas alcoólicas.
11. Há imitação de marca anteriormente registada nos termos do art° 239 n° 1 a) e e) e art. 245, ambos do C.P.I. porquanto:
-Existe óbvia e fácil indução em erro do consumidor médio, mormente quando estão aqui em causa produtos de consumo corrente .
-Só o exame atento ou confronto entre as marcas poderá eliminar o erro ou confusão entre os sinais.
-A confusão e o erro, pela óbvia imitação das marcas favorece a prática de actos de concorrência desleal.
12. Quanto ao aspecto gráfico, a marca A... apresenta uma grande semelhança gráfica e fonética com a marca AL..., são compostas por sinais idênticos e homófonos.
13. As marcas A... e AL... confundem-se porque se encontram repetidas, pela mesma ordem, 7 das 8 letras que compõem a marca da Apelada.
14. O mesmo é dizer que a marca da Apelante está totalmente contida na marca da Apelada.
15.As palavras não integram o léxico português e ambas têm a pecularidade de exibir em duplo, a letras LL.
16.A marca A... facilmente induz em erro e confusão o consumidor de cultura média, que só a distinguirá da marca da Apelada mediante confronto ou exame atento.
17. O facto de os produtos serem idênticos e afins toma maior o grau de exigência relativamente às diferenças que se devem verificar na constituição do novo sinal, facto que não se verifica na marca registanda.
18. Tanto mais quanto, sendo produtos de consumo corrente, não exigem, na maioria da vezes, uma atitude reflexiva do consumidor no acto da compra.
19. Foi violado o princípio da novidade da marca.
20. A marca A... integra os elementos previstos na lei portuguesa que configuram a situação de imitação de marca, neste caso a marca AL....
21. A grande semelhança e imitação da marca A... relativamente à marca AL... integra, ainda, os elementos típicos -da concorrência desleal.
22.No juízo de apreciação global das marcas, intuitivamente, na perspectiva do consumidor comum, percebe-se que as marcas são de tal forma semelhantes que, no caso em análise, nem o exame atento ou o confronto permitem fazer, de forma clara e inequívoca, a distinção entre as marcas e a determinação da sua origem.
23.A marca da Apelante A..., ao imitar e manter as características essenciais das marcas da Apelada, fará com que o consumidor ao visualizar o sinal corno um todo pense erroneamente estar perante a marca AL....
24. A marca da Apelante não tem eficácia distintiva, não constitui um sinal apto a fazer distinguir os seus produtos dos produtos da Apelada, o que retira o valor da exclusividade a que tem direito a marca da Apelada.
25. Atendendo ao critério do consumidor médio deste tipo de produtos - caracterizados por serem de consumo corrente, não exigindo por parte da grande maioria dos consumidores uma atitude reflexiva no acto da compra-, podemos afirmar que ao ver a marca da Apelante, aquele fará uma associação imediata à marca da Apelada.
26. A Apelante, ao adoptar como marca um sinal semelhante a um pré-existente e que claramente se confunde com a marca da Apelada, estaria a colocar-se no âmbito da prática de actos de concorrência desleal, ainda que sem intenção, caso a sua marca fosse concedida.
27. A marca vale pelo seu conjunto global e os factos sustentam que esse conjunto global imita a marca da Apelada.
28. A marca registanda não respeita o princípio da novidade da marca.
29. Conclui-se, assim, que a douta sentença recorrida decidiu justamente e em conformidade com as normas e princípios que vigoram para o Direito das Marcas, devendo ser confirmada por este Venerando Tribunal, o que, desde já, se requer.
O recurso foi admitido como de Apelação, com subida imediata , nos próprios autos e efeito meramente devolutivo , o que foi mantido nesta Instância.
Colhidos os vistos legais, cumpre , -então , apreciar e decidir.
II — Objecto do Recurso
Nos termos do disposto no artigo 635° , n° 4 , conjugado com o artigo 639° , n° 1 , ambos do Código de Processo Civil ( doravante apenas CPC) , o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso , que assim delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem , exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso , desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento ( cfr. artigo 5° , n° 3 , do CPC).
O Tribunal da Relação também não pode conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas na medida em que os recursos se destinam apenas a reapreciar decisões proferidas.
Dito isto , o objecto do recurso afere-se ao seguinte:
a) Nulidade da sentença por omissão de pronúncia , ao abrigo do disposto no artigo 615° , n° 1 , d ) , do CPC;
b) Reapreciação de mérito centrando a análise , designadamente , na ausência de violação , por imitação , do principio da novidade da marca..

III - Fundamentação de Facto:
Da sentença recorrida decorre a seguinte matéria de facto:
1. A recorrente é titular do registo de marca da UE n° 11… AL..., concedido em solicitado em 16.04.2013 e concedidop em 23.03.2017 para assinalar `Bebidas alcoólicas (com excepção das cervejas), vinhos, espumantes, bebidas espirituosas, destilados de frutos, brande; essências e extractos para o fabrico de bebidas espirituosas' na classe 33 da Classificação de Nice, cf. doc. 1 junto a fls. 9v-llv dos autos, que se dá por reproduzido:
2. Em 7.08.2017, a recorrida solicitou o registo de marca nacional (verbal) n° 58… A... para assinalar 'Vinho de uvas' na classe 33 da Classificação de Nice, nos termos constantes de fls. 22-22v dos autos, que se dão por reproduzidos:
3. Em 16.10.2017, a recorrente apresentou junto do INPI reclamação contra o aludido pedido de registo de marca (ponto 2 do presente enunciado de factos), invocando imitação da sua marca da UE referida supra, nos termos constantes de fls. 34-37v dos autos, que se dão por reproduzidos.
4. Por decisão de 5.02.2018, publicada no BPI de 9.02.2018, o INPI indeferiu a reclamação da recorrente e concedeu o aludido pedido de registo da marca nacional n° 586717 A... (ponto 2 do presente enunciado de factos), nos termos constantes de fls. 24-26 dos autos, que se dão por reproduzidos .
IV- Fundamentação de Direito
a) Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia:
Decorre do artigo 615° , n° 1, do CPC que:
É nula a sentença quando:
1 —1;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Diz-nos António Abrantes Geraldes , Paulo Pimenta e Luis Filipe Sousa ( Código de Processo Civil Anotado — Vol I Parte Geral e Processo de Declaração Artigos 1° a 702° 44 , a pág 738 ) , que a omissão de pronúncia afere-se seja quanto às questões suscitadas , seja quanto à apreciação de alguma pretensão. E acrescentam ainda que [...] o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as questões de conhecimento oficioso , não obrigando , todavia , 1..1 a que se incida sobre todos os argumentos , pois que estes não se confundem com « questões » [...].
Neste sentido saliente-se , entre outros , o acórdão do STJ proferido no Proc° 555/2002 , de 27/03/2014.
Ora , a Apelante entende que o Tribunal a quo desconsiderou a existência da resposta que apresentou na sequência de ter sido citada razão pela qual não apreciou todos os factos alegados pela mesma no âmbito do exercício do contraditório , o que gerou a supra identificada nulidade.
Por seu turno , a ora Apelada entende não existir a nulidade apontada.
Desde já se adianta não assistir razão à Apelante.
Como ponto de partida deixa-se claro que se a Apelante foi no inicio do processo citada para responder naturalmente que não foi violado o principio do contraditório prevenido no artigo 3° , n° 3 , do CPC.
Por outro lado retenha-se que , no âmbito da melhor interpretação do preceito legal acima reproduzido atinente à invocada nulidade da sentença , factos , tal como argumentos , não são questões .
Além disso decorre da fundamentação da sentença recorrida que o Tribunal a quo se pronunciou sobre a questão que as Partes levaram ao seu conhecimento , qual seja a da violação do principio da novidade da marca , por imitação.
Na verdade , na sua resposta ao recurso apresentado pela LS... , a ora Apelante nem sequer invoca factos susceptíveis de enquadrar matéria de excepção dilatória e/ou de excepção peremptória , limitando a sua defesa a impugnação dos factos invocados no requerimento inicial de recurso , não trazendo , como tal , à discussão questões distintas da carreada pela ora Apelada na petição inicial que deu origem a estes autos.
O que discutiu na resposta foi , efectivamente , a questão da novidade / imitação atinente às marcas em confronto.
Ora tal questão , sublinhe-se , foi tratada na sentença recorrida onde se examinaram , aliás , os argumentos essenciais debatidos nos articulados , designadamente identidade dos produtos assinalados e semelhanças gráficas , fonéticas e conceptuais entre as duas marcas em confronto.
É certo que no relatório da sentença recorrida , a dado passo , se menciona que citada a Recorrida ( ora Apelante) , a mesma não se pronunciou .
Atenta a apreciação que fizemos supra julgamos que tal apenas se deveu a lapso de escrita , tendo sido redigido não se pronunciou quando certamente se pretenderia referir pronunciou-se.
Nesse sentido se referiu , ademais , o Mm° Juiz a quo no despacho que exarou a fis. 61 e v° , contemporaneamente à pronúncia sobre a admissibilidade do recurso interposto para esta Instância , em cumprimento do disposto no artigo 641° , n° 1 , do CPC.
Termos em que improcede , assim , a invocada nulidade da sentença.
Aqui chegados prossigamos então na apreciação da alínea b) das questões objecto do recurso
Diz-nos o artigo 222° do CPI , aprovado pelo Dec.Lei n° 36/2003 , de 05/03 , na redacção ainda em vigor conferida pelo Dec.Lei n° 83/2017 , de 18/08 , epigrafado Constituição da marca , que:
1 - A marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, desde que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.
2 - A marca pode, igualmente, ser constituída por frases publicitárias para os produtos ou serviços a que respeitem, desde que possuam carácter distintivo, independentemente da protecção que lhe seja reconhecida pelos direitos de autor.
Segundo refere Paulo Olavo Cunha ( Direito Comercial e do Mercado , 2' ed. , Almedina , Novembro de 2018 , pág. 99) , Ao diferenciar um produto , permitindo que o mercado o associe a uma determinada qualidade , a marca está a conferir-lhe um valor indiscutível , constituindo frequentemente fator decisivo de escolha dos consumidores. A marca é , pois , um instrumento de recolha ( fidelização ) de clientela ( no mercado )[...1
Individualizando um produto , a marca dá a conhecer a sua imagem.
Já no artigo 224° do mesmo diploma legal , epigrafado propriedade e exclusivo , estatue-se que:
1 - O registo confere ao seu titular o direito de propriedade e do exclusivo da marca para os produtos e serviços a que esta se destina. 2 - O Estado poderá, igualmente, gozar da propriedade e do exclusivo das marcas que usa desde que satisfaça as disposições legais.
E de acordo com o artigo 258° do CPI , epigrafado , Direitos conferidos pelo registo .
O registo da marca confere ao seu titular o direito de impedir terceiros, sem o seu consentimento, de usar, no exercício de actividades económicas, qualquer sinal igual, ou semelhante, em produtos ou serviços idênticos ou afins daqueles para os quais a marca foi registada, e que, em consequência da semelhança entre os sinais e da afinidade dos produtos ou serviços, possa causar um risco de confusão, ou associação, no espírito do consumidor.
Como refere Paulo Olavo Cunha , na obra acima citada ( pág. 99 ) , a marca permite — normalmente pelo registo [ ...] - uma tutela relativa para produtos concorrentes , que são os que são relativamente confundíveis.
Por seu turno estatui o artigo 239° , n° 1 , do CPI , concretamente na alínea a) , o seguinte:
1-Constitui ainda fundamento de recusa do registo de marca.

a) A reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada;
Já o artigo 245° , ainda do CPI , epigrafado Conceito de imitação ou de usurpação ,
dispõe que:
1 - A marca registada considera-se imitada ou usurpada por outra, no todo ou em parte, quando, cumulativamente:
a) A marca registada tiver-prioridade;
b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins;
c) Tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
2 - Para os efeitos da alínea b) do n.° 1:
a) Produtos e serviços que estejam inseridos na mesma classe da classificação de Nice podem não ser considerados afins;
b) Produtos e serviços que não estejam inseridos na mesma classe da classificação de Nice podem ser considerados afins.
3 - Considera-se imitação ou usurpação parcial de marca o uso de certa denominação de fantasia que faça parte de marca alheia anteriormente registada.
Baixando de novo ao plano da matéria factual que enforma a decisão recorrida conclui-se desde logo que a Apelada é titular de direitos de propriedade industrial relativamente à marca da União Europeia ( UE ) , n° 11… AL... , concedida em 23/03/2017 , na sequência de solicitação feita em 16/04/2013
Por seu turno a Apelante solicitou registo de marca nacional ( verbal ) n° 586717 A... em 07/08/2017 , que foi concedida por decisão de 05/02/2018 , publicada no BPI de 09/02/2018.
Ambas as marcas assinalam vinhos na classe 33 da Classificação de Nice.
Por conseguinte verifica-se , sem margem para rebuços , prioridade da marca internacional registada pela Apelada dado que foi registada anteriormente à solicitação de registo de marca nacional feito pela Apelante , sendo certo que ambas as marcas prioritária e registanda reportam-se a produtos idênticos ( vinhos ),
Impõe-se , pois , apurar se a marca registanda violou o principio da novidade da marca , ou seja se imitou a marca internacional registada pela Apelada
E neste domínio urge aferir se entre marca prioritária e marca registanda existe semelhança gráfica , figurativa , fonética ou outra que possa induzir o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda o risco de associação entre os sinais de ambas , de forma que o consumidor não as consiga distinguir senão em virtude de exame atento ou confronto.
Vejamos , então , das semelhanças evidenciando infra os sinais em confronto:
SINAL REGISTANDO: SINAL REGISTADO:
A... A…
Como se constata , estamos perante sinais verbais compostos , qualquer um deles , apenas por uma só palavra/vocábulo , sendo que as quatro primeiras letras ( ALLI ) e as três terminais ( CE ) , são idênticas em ambos os vocábulos.
O sinal registado tem oito letras , enquanto o sinal registando tem sete letras , ( menos um A ) , sendo certo que todas as palavras que compõem este último estão contidas no sinal registado.
Por conseguinte é por demais evidente , a nosso ver , que , para o homem médio , existe do ponto de vista gráfico uma grande semelhança entre os dois sinais em confronto.
E , como também bem refere o Tribunal a quo na sentença recorrida , essa semelhança é igualmente muito acentuada do ponto de vista da fonética , na medida em que não existe qualquer afectação na pronúncia do principio e final dos dois sinais , apenas sendo possível distingui-los neste domínio por uma pequena modulação fonética decorrente de existir no sinal registado o ditongo ia e no sinal registando apenas a vogal i .
Do ponto de vista conceptual , como mais uma vez bem refere a sentença recorrida , nenhum dos dois sinais possui significado na língua portuguesa , sendo certo que ambos sugerem a ideia de aliança , palavra de que ambas mais se aproximam , quer no nosso idioma , quer nos idiomas inglês e francês ( AL... ) , não nos parecendo razoável , até pelo tipo de produtos assinalados pelas marcas em confronto ( vinhos) , a aproximação da marca registanda ao conceito Lince defendida nas suas alegações de recurso pela Apelante.
Dito isto , é de considerar , sem margem para rebuços , que a similitude gráfica , fonética e conceptual acabadas de evidenciar , aferidas a produtos idênticos ( vinhos) , que é suposto serem encontrados em exposição para venda ao público em espaços comerciais específicos ( supermercados , ou lojas de bebidas ) , pode com grande facilidade no caso vertente levar o consumidor médio deste tipo de produto ao erro , confundindo as marcas em confronto , acreditando tratar-se do mesmo produto , ou , no mínimo , associando o vinho da marca A... aos produtos da marca AL... , crendo provirem da mesma origem , dependendo a destrinça entre tais marcas para tal consumidor necessariamente de exame atento , ou confronto entre elas.
Na conformidade exposta supra cremos estar , pois , perante um caso de violação do principio da novidade da marca , por imitação , subsumindo-se a situação em apreço de forma clara aos requisitos previstos no n° 1 do artigo 245° , do CPI.
Bem andou , pois , o Tribunal a quo.
Improcede , em consequência , o recurso.
V- DECISÃO
Termos em que , face a todo o exposto, acordam os Juizes desta Relação em julgar
improcedente o recurso de Apelação interposto pela Apelante MB… Sociedade
Agrícola e consequentemente:
- Confirmar a decisão recorrida;
- Fixar as custas inteiramente a cargo da Apelante.
Notifique e registe.
LISBOA , 07 de Março de 2019
( José António Moita )
( A. Ferreira de Almeida )
( Maria Alexandrina Branquinho )
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