Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Cível
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 - ACRL de 28-03-2019   Taxa de Justiça. Dispensa ou redução excepcional do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
I - A taxa de justiça deve ter em conta o valor da acção e a complexidade da causa, devendo existir proporcionalidade entre o valor que cada interveniente deve prestar no processo e os custos que este acarretou para o sistema de justiça.
II - A dispensa ou redução do pagamento do remanescente da taxa de justiça deve ser concedida, por força do disposto no art.° 6°, n° 7, do RCP, quando razões atendíveis o justifiquem, designadamente, a ausência de complexidade da causa, a conduta processual irrepreensível e colaborante das partes e a reduzida actividade do Tribunal.
III - A intervenção do juiz no sentido da dispensa ou redução excepcional do pagamento do remanescente da taxa de justiça não depende de requerimento das partes, podendo esta ser decidida a título oficioso, na sentença ou no despacho final.
IV - Não obstante, se o juiz nada disser quanto à dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente, e se as partes entenderem estarem verificados os pressupostos de dispensa, deverão deduzir eventual discordância acerca dessa decisão, por meio de requerimento de reforma da decisão quanto a custas ou, se houver lugar a recurso da decisão final, na respectiva alegação.
Proc. 18335/16.9T8LSB.L1 6ª Secção
Desembargadores:  Manuel Rodrigues - Ana Paula Carvalho - -
Sumário elaborado por Margarida Fernandes
_______
Processo n.° 18.335/16.9T8LSB.L1 - [Conferência - reforma do acórdão quanto a custas]
Reclamante e recorrida: FFF... [FFF...]
Relator: Juiz Desembargador Manuel Rodrigues
Juízas Desembargadoras Adjuntas: Ana Paula A.A. Carvalho
Gabriela de Fátima Marques

I - A taxa de justiça deve ter em conta o valor da acção e a complexidade da causa, devendo existir proporcionalidade entre o valor que cada interveniente deve prestar no processo e os custos que este acarretou para o sistema de justiça.
II - A dispensa ou redução do pagamento do remanescente da taxa de justiça deve ser concedida, por força do disposto no art.° 6°, n° 7, do RCP, quando razões atendíveis o justifiquem, designadamente, a ausência de complexidade da causa, a conduta processual irrepreensível e colaborante das partes e a reduzida actividade do Tribunal.
III - A intervenção do juiz no sentido da dispensa ou redução excepcional do pagamento do remanescente da taxa de justiça não depende de requerimento das partes, podendo esta ser decidida a título oficioso, na sentença ou no despacho final.
IV - Não obstante, se o juiz nada disser quanto à dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente, e se as partes entenderem estarem verificados os pressupostos de dispensa, deverão deduzir eventual discordância acerca dessa decisão, por meio de requerimento de reforma da decisão quanto a custas ou, se houver lugar a recurso da decisão final, na respectiva alegação.
(Sumário elaborado pela relator)

Acordam, em Conferência, na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I - Relatório:
1.1. AML..., com os sinais dos autos, intentou a presente acção
de processo comum de declaração contra:
- BBB..., S.A.,
- CCC...;
- DDD..., S.A.;
- EEE...;
- FFF...;
- LMP..., pedindo:
a) A condenação solidária dos Réus, enquanto intermediários financeiros, por
violação do disposto no artigo 304.°-A do Código de Valores Mobiliários [doravante CVM], no pagamento ao Autor da quantia de €299.404,48, acrescida de €63.822,34, a título de juros vencidos à taxa legal em vigor, calculados desde a data da utilização ilícita pelos Réus das quantias monetárias do Autor, e de juros vincendos calculados desde a citação até integral pagamento da sentença condenatória.
. Subsidiariamente,
b) A declaração de nulidade do contrato de intermediação financeira, por inobservância de forma nos termos do disposto no artigo 321.° do CVM, e consequente condenação solidária dos Réus a restituir ao Autor a quantia de € 178.859,264, acrescida de € 299.404,48, acrescida de €63.822,34, a título de juros vencidos à taxa legal em vigor, calculados desde a data da utilização ilícita pelos Réus das quantias monetárias do Autor, e de juros vincendos calculados desde a citação até integral pagamento da sentença condenatória.
c) A condenação dos Réus a ressarcir, solidariamente, ao Autor, os danos não patrimoniais que lhe foram causados, em valor a ser calculado em sede de liquidação de sentença.
Para tanto, alegou, em síntese, que é emigrante na África do Sul, é cliente do Réu BBB... desde sempre, em conta bancária sedeada no departamento de Private Banking, também denominada Sucursal Financeira Exterior — Madeira Branch, tendo como GGG...tora de conta a Ré, LMP..., que sempre aconselhou o Autor a aplicar as suas poupanças em diversos produtos; era a mesma quem, sempre que o A. depositava fundos na sua conta bancária, contactava o A. e informava que o BBB... tinha um produto que lhe ia garantir o pagamento de determinada taxa de juro, o A. sempre deu instruções à Ré LMP... que não queria aplicar o seu dinheiro em produtos com qualquer risco associado, a mesma sempre informou que o dinheiro do A. ia ser aplicado em produtos sem qualquer risco, que eram como depósitos a prazo, eram do BBB... e por isso totalmente garantidos, que sempre que precisasse do dinheiro era só telefonar e o mesmo estaria disponível 2 ou 3 dias, em muitas das vezes que a Ré LMP... aplicava os fundos do A. em determinado produto financeiro, só quando a mesma se deslocava á África do Sul é que levava aos documentos para o A. assinar, o A. nunca recebeu do BBB... ou da Ré LMP... qualquer prospecto que lhe permitisse avaliar ou estudar os produtos nos quais estava a ser investido o seu dinheiro, não sabe o que são produtos estruturados, desconhecia que lhe tinha sido atribuído um perfil de investidor atribuído pelo BBB..., a Ré LMP..., no âmbito das suas funções e sob a subordinação do BBB..., aplicou o dinheiro do A. em ESCOM MINING INC, ES TOURISM EUROPE e ESPIRITO SANTO FIN, nos montantes que indica e que totalizam € 299.404,48, o BBB... e a Ré LMP... aplicaram o dinheiro do A. em produtos que sabiam não serem abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósito, aplicaram o dinheiro á revelia das suas instruções, em 2012 o A. sentiu alguma instabilidade sobre o BBB..., procurou obter explicações do que se passava junto da Ré LMP..., que lhe disse que tudo estava bem, o BBB... foi alvo de uma Medida de Resolução pelo BdP, não se tendo apercebido que tinha perdido todas as suas poupanças, o A. foi enganado pelo BBB... e pela Ré LMP..., que usaram as suas poupanças para financiar a actividade não financeira do GGG..., só quando o A. começou a receber os extractos a zero é que compreendeu que o seu dinheiro tinha sido investido em produtos com elevado risco.
Mais alega que em 03 de Agosto de 2014 o BdP aplicou ao BBB... a Medida de resolução e criou o DDD..., S A, cujo capital social é detido pelo EEE..., com aquela medida e as Deliberações que se seguiram o BdP decidiu transferir a esmagadora maioria do património do BBB... para o DDD..., sem que, contudo, grande parte dos créditos sobre o BBB..., tenham sido igualmente transferidos, deixando para o conjunto dos credores, antes de se decidir pela Medida de resolução, o BdP garantiu a solvabilidade do BBB..., o BBB... ainda antes da Medida assumiu a obrigação de reembolso dos produtos que vendeu aos seus clientes e que são divida emitida pelas diversas entidades que compõem o GGG... e criou uma provisão para garantir tal reembolso, tal provisão não foi excluída da transmissão para o NB, o que leva a crer que a obrigação de reembolso também foi transferida para o NB, todos os referidos RR. praticaram um conjunto de actos e declarações públicas que levaram o A. a acreditar que em curto espaço de tempo iria obter o reembolso dos produtos referidos.
Em sede de Direito alega que entre o A. e os RR. BBB..., NB e LMP... foi constituído um contrato relação bancária geral, foi nesse âmbito que o R. BBB... e a Ré LMP... usaram os fundos do A. para a subscrição de produtos que não correspondiam aos interesses e instruções do A., aqueles RR. prestaram ao A. serviços de intermediação de investimentos financeiros, tal relação contratual deve ser titulada por escrito por o A. não ser um investidor não qualificado, o contrato não foi celebrado por escrito, invoca a nulidade daquela relação comercial e a obrigação de devolver ao A. os montantes totais depositados e ilicitamente utilizados e investidos em produtos financeiros, nesta actuação do BBB..., não podem ser esquecidos os deveres de supervisão do BdP e da FFF..., cujo incumprimento deverá resultar na sua co-responsabilidade naquela obrigação de devolução dos montantes investidos, recorrendo-se aos montantes sob tutela do EEE..., sobre o BBB..., o BdP, o NB, a FFF... e a Ré LMP... recaíam deveres de informação, diligência e lealdade, invocando a seguir o disposto no art.° 304° -A do CVM.
1.2. Citada pra contestar a acção, a Ré, FFF…, (doravante FFF...) apresentou a sua contestação na qual, em síntese, invocou as excepções de incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria, de inadmissibilidade processual do litisconsórcio e da coligação e de ilegitimidade passiva; impugnou os factos alegados na petição inicial; e sustentou a inexistência de qualquer tipo de responsabilidade civil por parte da FFF... quanto aos factos alegados pelo Autor.
1.3. Citado, o 4.° Réu, EEE... (doravante FdR), contestou, por excepção e por impugnação:
Invocou, no que aqui releva, a excepção dilatória de incompetência absoluta, em razão da matéria, nos termos do art.° 4°, n° 2, do ETAF, dizendo que vem pedida a condenação solidária dos Réus o que inculca que o Autor funda a sua pretensão numa relação de solidariedade e, por isso, deveria ter instaurado a acção nos tribunais administrativos e não nos tribunais comuns.
Mesmo que assim não se entenda, atendendo à natureza de pessoa colectiva de direito público do Réu FdR e à discipLMP... de organização e funcionamento da sua actividade, concluiu-se que se rege por normas de direito público e, por conseguinte, a sua responsabilidade civil só pode ser julgada pelos tribunais administrativos, nos termos do art.° 4° n° 1, al. f) do ETAF, independentemente de se tratar de uma responsabilidade derivada de acto praticado ou de abstenção verificada no âmbito do domínio da GGG...tão pública. Salienta, ainda, que o Réu FdR não é accionista do DDD... e não se rege por normas de direito civil ou jurídico-privas de direito das sociedades.
No mais, impugnou a factualidade invocada pelo autor e pugnou pela intransmissibilidade, para o DDD..., do crédito que o Autor pudesse ter sobre o BBB....
1.4. Citado, o CCC... (doravante BdP) contestou, por excepção e por impugnação:
Invocou a excepção dilatória de incompetência absoluta, em razão da matéria, argumentando que o BdP é uma pessoa colectiva de direito público e que estando em causa uma situação de responsabilidade civil extracontratual, por alegada omissão dos deveres de supervisão, competentes para apreciar o litígio em relação ao BdP seriam os tribunais administrativos nos termos do art.° 4° n° 1, al. f) do ETAF.
Mesmo que assim não se entendesse, a presente acção deveria ter sido instaurada nos tribunais administrativos, por força do art.° 4° n° 2 do ETAF, visto que o Autor pede a condenação solidária dos Réus, pessoas de direito provado e entidades públicas.
Excepciona, ainda, a ilegitimidade passiva do BdP, visto não existir nem sequer foi alegada qualquer factualidade que constitua um vínculo de responsabilidade contratual entre BdP e o Autor.
No mais, impugnou, no essencial, a factualidade invocada na petição inicial e pugnou pela intransmissibilidade, para o DDD..., do crédito que o Autor pudesse ter sobre o BBB....
1.5. Citado, o 1.° Réu, BBB... - Em Liquidação, O BBB..., S A em liquidação, veio contestar requerendo seja declarada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide quanto a si ou se assim não se entender seja declarada suspensa a instância, alegando para tanto que o BCE revogou a autorização da actividade do BBB..., a revogação da autorização produz os efeitos da insolvência, o CCC... já requereu a liquidação judicial do BBB..., no respectivo processo foi proferido despacho de prosseguimento, os credores do BBB... só podem exercer os seus direitos no processo de insolvência, nomeadamente, através da reclamação de créditos, o AUJ n.° 1/14 determina a inutilidade superveniente da lide.
A fls. 765-766 veio dizer que não foi interposto recurso da decisão do BCE que revogou a autorização para o BBB... exercer a actividade.
O EEE... veio pronunciar-se quanto á invocada inutilidade superveniente da lide, dizendo que o AUJ só se aplica ás causas em que do lado passivo está um único R. não valendo para os casos em que existem dois ou mais RR., que ( se bem percebemos) no caso dos autos, em que está em causa uma responsabilidade originária, imputada ao BBB... e uma responsabilidade sucessiva, por alegada transferência daquela responsabilidade para o DDD... e para o Fundo, na qualidade de detentor do respectivo capital social, não havendo a primeira ( responsabilidade) não haveria a segunda e saindo o BBB... da acção, não seria possível apurar da existência da primeira, a absolver-se da instância o BBB..., a lide fica inútil quanto ao NB e quanto ao Fundo, por não produzir efeitos, quanto a eles, a sentença de verificação e graduação de créditos quanto ao BBB....
O A. veio pronunciar-se dizendo que a presente acção não é apenas de índole patrimonial, já que vem pedida a declaração de nulidade do contrato de intermediação financeira e pedida uma indemnização em consequência dessa nulidade, pugnando pelo indeferimento da requerida inutilidade superveniente da lide.
1.6. Citados, os Réus DDD... e LMP..., contestaram invocando a sua ilegitimidade passiva, dizendo quer o BdP aplicou a medida de resolução ao BBB... e constituiu uma instituição de transição, ao abrigo dos seus poderes determinou os direitos e obrigações que constituem activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob GGG...tão transferidos do BBB... para o NB, nos termos da subalínea (vii) da alínea b) do anexo 2 à Deliberação do BdP de 03 de Agosto de 2014 foram excluídas da transmissão quaisquer responsabilidades ou contingências relativas à comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de divida emitidos por entidades que integram o GGG..., a redacção da referida subalínea foi alterada pela Deliberação de 11 de Agosto de 2014, passando a ser quaisquer obrigações, garantias responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de divida emitidos por entidades que integram o GGG..., refere ainda as Deliberações de 29 de Dezembro de 2015 as deliberações retroagem os seus efeitos às 20H00 do dia 03 de Agosto de 2014, retroactividade que se funda no art.° 156° n.° 1 alínea a) do CPA, a resolução não agravou a posição jurídica que o A. teria se o BBB... tivesse entrado em liquidação, já que a lei estabelece que nenhum credor da instituição de crédito objecto de resolução pode suportar um prejuízo superior ao que suportaria caso essa instituição tivesse entrado em liquidação, competindo ao EEE... suportar a diferença se se concluir que o A. teve um prejuízo com a resolução superior ao que teria tido se o BBB... tivesse entrado em liquidação, o NB é parte ilegítima porque a responsabilidade, a existir, permaneceu na esfera jurídica do BBB....
Mais referem que a Ré LMP... é parte ilegítima porque agiu no exercício das suas funções na qualidade de funcionária do BBB... e em representação deste, isso mesmo é afirmado pelo A., existindo uma relação laboral entre a Ré e o BBB... aplicam-se os princípios estabelecidos nos artigos 165° e 800° do CC, segundo os quais as pessoas colectivas respondem civilmente pelos actos ou omissões dos seus representantes, agentes ou mandatários, os pedidos deduzidos na acção decorrem de uma alegada responsabilidade contratual comum na qualidade de intermediários financeiros, para efeitos da responsabilidade civil do intermediário financeiro por actos dos seus representantes previsto no n.° 1 do art.° 324° do CVM, importa atender ao art.° 800° n.° 1 do CC, sendo o intermediário financeiro responsável perante o cliente como se os actos praticados pelos seus representantes e auxiliares fossem praticados pelo próprio.
O A. respondeu dizendo que a Ré LMP... não era uma simples funcionária do R. BBB..., mas uma GGG...tora de carteira do A.

O EEE... contestou dizendo, no que ora releva, que não tem aplicação o disposto nos artigos 84°, 491° e 501° do CSC, porque o Fundo não é uma sociedade anónima, por isso a relação com o NB não é uma relação societária de grupo, não tem quaisquer 'dos direitos e deveres típicos dos accionistas dominantes, o Fundo limita-se a disponibilizar fundos necessários á sua capitalização, o que o torna credor do banco de transição, a constituição do NB é fruto de um acto do BdP.

O A. respondeu manifestando o entendimento que se aplica o art.° 84° do CSC.
1.7. Terminada a fase dos articulados, foi proferido despacho, em de 16/10/2017, a dispensar a realização da audiência prévia [ref.a Citius 369551346].
1.8. Na sequência, foi proferido despacho saneador-sentença que decidiu: (i) julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto ao Réu BBB...; (ii) julgar o pedido subsidiário totalmente improcedente por não provado quanto aos Réus CCC... e FFF... e em consequência absolver os mesmos de tal pedido; (ii) e julgar a acção totalmente improcedente por não provada quanto aos Réus DDD..., EEE... e Ré LMP... e, em consequência absolver os mesmos de tudo o peticionado.
1.9. O segmento decisório do saneador-sentença, na parte relativa a custas, tem o
seguinte teor:
[...] Custas pela A. que se fixam do seguinte modo:
- 1/6 quanto à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide
relativamente ao BBB...;
- 1/12 e 1/12, respectivamente, quanto à absolvição do BdP e da FFF... do
pedido subsidiário;
- 1/6, 1/6 e 1/6, respectivamente, quanto à absolvição do DDD..., do
EEE... e da Ré LMP... de tudo o peticionado.
1.10. Não se conformando com as decisões descritas em 1.9., delas apelou o Autor para esta Relação, pugnando pela sua revogação e pelo prosseguimento dos termos normais da acção, para julgamento da matéria de facto.
1.1.. Os Réus/Recorridos contra-alegaram, pugnando pela integral confirmação do saneador-sentença recorrido.
1.1.2. Por acórdão desta Relação, de 14 de Fevereiro de 2019, julgou-se improcedente a apelação, confirmando-se integralmente o saneador-sentença recorrido.
1.13. Notificadas do referido acórdão, veio a FFF... [FFF...], Ré e Recorrida, requerer a respectiva reforma quanto a custas, pedindo, a final:
a) a) A dispensa da Ré/Recorrida do pagamento da totalidade do remanescente da taxa de justiça;
Sem conceder e quando assim não se entenda,
b) Atendendo aos princípios da proporcionalidade e da adequação, a fixação pelo mínimo valor da fração ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final;
Sem conceder e caso venha a ser determinado o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a final,
Requer-se então a V. Exas. que concedam prazo à Ré/Recorrida FFF... para apresentar junto do Autor a sua nota discriminativa e justificativa das custas de parte tendo por base a fixação do remanescente da taxa de justiça devida a final, de forma a garantir o seu direito de recuperar dos Autor a totalidade das suas custas de parte.
Alega, para tanto, em substância, os seguintes fundamentos :
[...] uma vez que o processo terminou antes da fase de instrução, entende-se que não há lugar ao pagamento do remanescente da taxa de justiça, atento o disposto no n.° 8 do art.° 6.°, do RCP, na redacção do DL n° 86/2018, de 29 de Outubro.
4. Ainda que assim não se entendesse, o que não se concede, sempre se dirá que a tributação dos presentes autos por intermédio da aplicação tabelar do RCP e a consequente exigência de um pagamento do remanescente de taxa de justiça implicaria uma oneração excessiva e injustificada das partes, sem correspondência com a tramitação dos autos.
5. Ora, ao longo de todo o processo, a Ré/Recorrida FFF... teve uma conduta processual que se pautou pela obtenção de uma decisão célere, em manifesta colaboração com o Tribunal.
1 Como tem entendido a nossa jurisprudência, o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça pode ser formulado pelas partes até à elaboração da conta final. Nesse sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22.06.2016, processo n.° 1105/13.3T2SNT.L1-8, disponível em www.dgsi.pt.
6. Abstendo-se de praticar quaisquer atos processuais que não visassem esse desiderato.
7. Acresce que nos presentes autos não foi sequer produzida prova pelas partes na medida em que não houve lugar à realização de audiência de julgamento, não tendo, portanto, o Tribunal procedido à análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de provas morosas (cfr. artigo 530.°, n° 7 do CPC).
8. Por outro lado, as partes mantiveram, ao longo do processo, uma conduta processual correta, não tendo havido qualquer expediente processual que prejudicasse a (normal) marcha do processo.
9. Ora, a liquidação do remanescente da taxa de justiça pode ser afastada, por iniciativa do Juiz, se a especificidade da situação, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual da parte, permitir dispensar esse pagamento.
10. Como já decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, esta norma deve ser interpretada em termos de ao juiz ser lícito dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de 6'275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade.
11. Veja-se, ainda, o douto despacho do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este — Juízo Central Cível de Penafiel - Juiz 3, de 27.01.2017, referente ao processo n.° 733/16.0T8PNF (Ref.a Citius n.° 72831486), onde em circunstâncias análogas dispensou a Ré FFF... do pagamento do complemento da taxa de justiça remanescente: Atento os fundamentos invocados nos respectivos requerimentos, deferem-se os pedidos de dispensa de pagamento da totalidade do remanescente de taxa de justiça a que haveria lugar, atento o valor da ação.
12. Também o Tribunal de 1.a instância decidiu, por despacho de 24.01.2018, dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça nos presentes autos, tendo em conta que [o] caso dos autos é um dos inúmeros processos em que são RR. o BBB... e o NB e em que as questões a decidir estão já tratadas, a conduta processual das partes não merece qualquer reparo, o processo findou, na 1 a instância, pela prolação de saneador-sentença sem realização de audiência prévia e não se verifica nenhum dos factores de atribuição de especial complexidade referidos no n.° 7 do art° 530° do CPC.
13. Assim, tendo por referência quer a conduta processual da Ré, quer a inexistência de qualquer utilidade económica da causa, quer ainda o facto de a presente ação ter terminado antes da fase da audiência de julgamento, e a ainda a circunstância de nos presentes autos terem sido proferidas decisões idênticas às adotadas noutros processos, a cobrança do remanescente do valor de taxa de justiça já indicado, enquanto contrapartida da efectiva tramitação processual que consta dos autos, violaria os princípios da proporcionalidade e da adequação.
14. Pelo que estão reunidos os pressupostos para que o Tribunal determine a dispensa do pagamento pela Ré FFF... da totalidade do remanescente da taxa de justiça devida a final, o que se requer, nos termos n.°s 7 e 8 do artigo 6.° do RCP.
15. Caso assim não se entenda, o que só por mera cautela de patrocínio se concebe, deve o Tribunal fixar, pelo mínimo valor e atendendo aos princípios da proporcionalidade e da adequação, a fração ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final.
II - Objecto e delimitação da reclamação:
Considerando as alegações da reclamação, no confronto com a Decisão reclamada, a questão crucial a decidir é a seguinte:
1.a Deve ser concedida à Ré/Recorrida, ora Reclamantes, a pretendida dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça ou de uma sua fracção ou percentagem?
2.a Se a primeira questão merecer resposta afirmativa, deverá, de oficio, estender-se tal dispensa aos demais Réus/Recorridos?
III — Fundamentação
A) Motivação de facto:
Os factos que relevam para a apreciação da presente reclamação são os descritos
no relatório supra, que resultam da tramitação processual dos autos.
B) Motivação de direito
Pretendem a Ré/Recorrida FFF..., ora Reclamante, a reforma do acórdão desta Relação, de 14/02/2019, quanto a custas, com vista a obter decisão que lhe conceda a dispensa total ou, se assim não for entendido, parcial, do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida.
Apreciando:
É consabido que, proferida sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional dos juiz que a elaborou, quanto à matéria da causa — artigo 613°, n.° 1, aplicável à Relação por remissão do n.° 1 do artigo 666° do CPC.
Todavia, existem algumas limitações ao enunciado princípio do esgotamento do poder jurisdicional.
Nesta linha, reza o n.° 2 do citado artigo 613° do CPC que «É lícito, porém, ao juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes».
Por sua vez, o artigo 614° do Código de processo Civil, sob a epígrafe «Rectificação de erros materiais», dispõe:
«1. Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a alguns dos elementos previstos no n.° 6 do artigo 607°, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.
2. Em caso de recurso, a rectificação só pode ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam do seu direito no tocante à rectificação.
3. Se nenhuma das partes recorrer, a rectificação pode ter lugar a todo o
tempo».
A reforma, quanto a custas, é admissível também do acórdão da Relação e deve
ser decidida em Conferência - artigos 616.°, n.° 1 e 666.°, n.°s 1 e 2, do CPC.
Vejamos, pois, se assiste razão à Reclamante FFF....
- Primeira Questão
É sabido que com e através do Regulamento das Custas Processuais aprovado pelo Dec.-Lei n.° 34/2008 de 26 de Fevereiro (doravante designado por RCP.), optou-se por eliminar o sistema de pagamento da taxa de justiça em duas fases — taxa de justiça inicial e subsequente — passando a prever-se o pagamento único de uma taxa de justiça por cada interveniente processual, no início do processo.
Sendo certo que a taxa de justiça é a prestação pecuniária que o Estado, em regra, exige aos utentes do serviço judiciário no quadro da função jurisdicional por eles causada ou da qual beneficiem, ou seja, trata-se do valor que os sujeitos processuais devem prestar como contrapartida mínima relativa à prestação daquele serviço. (cf. Introdução elaborada por SALVADOR DA COSTA e constante do seu Regulamento das Custas Processuais, 2a ed., 2008, p. 6).
Os valores desse pagamento são os que decorrem da tabela I-A que faz parte integrante do RCP., sendo que ao tempo do devido pagamento pelas partes, estava em vigor uma redacção dessa Tabela I-A que para as acções de valor superior a € 600.000,01 estabelecia uma taxa variável entre 20 a 60 UC, sucedendo que por força do disposto no art.° 6° n°6 do R.C.P. as partes liquidaram a taxa de justiça no seu valor mínimo.
Acontece que já na parte final do n.° 6 deste normativo se estabelecia que devia a parte pagar o excedente da taxa de justiça, se o houvesse, a final.
Este comando foi mantido com a alteração ao RCP, operada pela Lei n° 7/2012 de 13 de Fevereiro, mas foi aditado um n.° 7 a esse art.° 6°, complementando e esclarecendo o regime aplicável neste particular, nos seguintes termos:
Nas causas de valor superior a (euro)275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta, a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
Decorre da disposição legal citada que o despacho de dispensa da taxa de justiça remanescente pode ter lugar até ser elaborada a conta do processo, sendo que podendo ele ser proferido oficiosamente na sentença, o mais curial é que um despacho sobre tal venha a ocorrer quando as partes sejam confrontadas com essa questão e a coloquem para decisão judicial, na sequência da notificação para pagamento da taxa de justiça remanescente ex vi do disposto no art.° 14°, n.° 9, do RCP.
O referido normativo, como refere Salvador da Costa visa, excepcionalmente, atenuar a obrigação de pagamento da taxa de justiça em acções de valor mais elevado (Regulamento das Custas Processuais, 4a ed., p. 236).
Não se questiona ser a última redacção do citado normativo e designadamente o regime decorrente deste n.° 7 o aplicável no caso vertente, face às normas que regem a aplicação da lei no tempo.
Por outro lado, tem sido entendido pacificamente que a norma constante do n.° 7 do art.° 6° do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz ser lícito dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade.
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-12-2013 (proc. n.° 1319/12.3TVLSB-B.L1.S1 (Conselheiro Lopes do Rego), in www.dgsi.pt/stj), com pertinência para a apreciação da questão em apreço, ponderou-se o seguinte:
[«O Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 34/2008, de 26 de Dezembro — que sucedeu ao Código das Custas Judiciais (CCJ), aprovado pelo Decreto-Lei n.° 224-A/96, de 26 de Novembro - procurou adequar «o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da Justiça nos respectivos utilizadores».
E, nessa perspectiva, tida por inovatória, considera-se que, de acordo com as novas tabelas, o valor da taxa de justiça não deve ser fixado com base numa mera correspondência tabelar face ao valor da causa, por se considerar que este não deve ser elemento decisivo na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial - pelo que, procurando um aperfeiçoamento da correspectividade da taxa de justiça, se estabelece um sistema misto que assenta no valor da acção, até um certo limite máximo, e na possibilidade de correcção da taxa de justiça, quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor atribuído à causa.
Assim, passou a enunciar-se, como regra geral, que a taxa de justiça é fixada «em função do valor e complexidade da causa» (artigos 6.°, n.° 1, do RCP, e 447.°, n.° 2, do Código de Processo Civil), consagrando-se por esta via o referido sistema misto, assente, por um lado, no valor da causa até determinado limite, e, por outro, na sua correcção casuística em processos de valor e complexidade particularmente elevados —cabendo ao juiz determinar, a final, a aplicação de valores agravados de taxa de justiça às acções e recursos que revelem especial complexidade, por dizerem respeito a «questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou que importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso» c implicarem «a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova extremamente complexos ou a realização de várias diligências de prova morosas» (artigos 6.°, n.° 5, do RCP, e 447.°-A, n.° 7, do CPC).
Fora do âmbito da agravação tributária prevista no n.° 5 do citado artigo 6.° para as causas especialmente complexas, o RCP, na sua redacção originária, previa - para as acções de valor igual ou superior a €600 000,01 - uma taxa de justiça que variava entre 20 UC e 60 UC ou 1OUC e 20 UC (conforme nos situássemos nas tabelas I-A ou I-B anexas), devendo a parte liquidá-la no seu valor mínimo e pagar o excedente, se o houver, a final (artigo 6.°, n.° 6).
Por sua vez, o Decreto-Lei n.° 52/2011, de 13 de Abril, com o propósito de permitir «uma maior facilidade de acesso à justiça, por parte dos seus utentes», recuperou o sistema bipartido do pagamento da taxa de justiça, antes consagrada pelo CCJ96, permitindo, de novo, o seu pagamento em duas prestações (taxa de justiça inicial e subsequente), modificando ainda as tabelas anexas ao RCP, por considerar que «as taxas de justiça nalguns casos não estavam adequadas à complexidade da causa, pelo que se prevê um maior progresso da taxa de justiça a partir do último escalão da tabela, embora os valores se mantenham muito inferiores aos do regime anterior ao do Regulamento. Passou, assim, a prever-se, para as causas de valor compreendido entre €250.000,00 e €275.000,00, que corresponde ao último escalão da tabela, uma taxa de justiça de valor fixo (16 UC), a que acresciam, a final, consoante a aplicabilidade da coluna A ou da coluna B em questão, 3UC (ou 1,5 UC) por cada €25.000,00 ou fracção.
Reintroduziu-se, desse modo, embora com diminuição de valores, o sistema de taxas de justiça de valor fixo antes consagrado pela tabela I anexa ao CCJ, na versão introduzida pelo Decreto-Lei n.° 324/2003, de 27 de Dezembro, que previa, para as acções de valor compreendido entre €210.000,01 e €250.000,00, uma taxa de justiça no valor de 24 UC, a que acrescia, para as acções de valor superior a €250.000,00, 5 UC, a final, por cada €25.000,00 ou fracção.
Sucede que este novo regime, consagrado pelo Decreto-Lei n.° 52/2011, não contemplava a possibilidade - antes prevista pelo CCJ, no n.° 3 do artigo 27.°, na redacção introduzida pelo citado Decreto-Lei n.° 324/2003 - de o juiz, se a especificidade da situação o justificasse, dispensar, de forma fundamentada, o pagamento do remanescente, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes.
Assim, o RCP, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.° 52/2011, ao fixar para o último escalão de valor das acções e demais procedimentos tributáveis (€250.000,00 a €275.000,00) uma taxa de justiça de valor fixo (16UC ou 8UC, consoante o tipo de procedimento) que progressivamente se agravava, sem qualquer limite máximo, na proporção directa do aumento do valor da causa (em acréscimos de 3 UC ou 1,5 UC, consoante nos movemos na coluna A ou na coluna B), a fixar a final, por cada 25.000,00 ou fracção), acolheu efectivamente, em aparente dissidência com a declaração de intenções proclamada no diploma preambular, um sistema de taxa de justiça que toma como critério exclusivo o valor da causa, presumindo inelutavelmente que os factores ou elementos que permitiriam uma graduação em concreto das custas, nomeadamente a complexidade real da acção, recurso ou procedimento e a utilidade efectiva que as partes dela retiram, se agravam na proporção directa do respectivo valor.
Na verdade, face ao regime de custas processuais plasmado no Dec.-Lei n.° 52/11, o pretendido sistema misto de taxação, assente não apenas no valor da causa mas também na complexidade dos autos, apenas garante que os processos susceptíveis de serem qualificados como especialmente complexos possam importar para o sujeito passivo da correspondente obrigação tributária um custo que efectivamente reflicta esse maior grau de complexidade, através da aplicação dos valores constantes da coluna C da citada Tabela I. Porém, não estavam previstos instrumentos que facultassem uma valoração prudencial em sentido contrário, assegurando às causas de valor particularmente elevado mas que ficassem claramente aquém de um padrão médio de complexidade um nível de tributação adequado à menor relevância ou intensidade do serviço efectivamente prestado aos litigantes.
Esta possibilidade de graduação prudencial do montante das custas devidas nos procedimentos de valor especialmente elevado só veio a ser consagrada pela Lei n.° 7/2012, de 13 de Fevereiro, que aditou ao artigo 6.° do RCP um n.° 7 em que, em estreito paralelismo a norma que figurava no artigo 27.°, n.° 3, do CCJ, se prevê: «Nas causas de valor superior a 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».
Importa salientar que o Tribunal Constitucional (Acórdão n.° 421/2013) julgou inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.° da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.° e 18.°, n.° 2, segunda parte, da Constituição, as normas contidas nos artigos 6.° e 11.0, conjugadas com a tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redacção introduzida pelo DL 52/2011, de 13 de Abril, quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da acção sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título.
Nesse aresto, o TC - após realçar que o regime normativo em confronto com a Constituição era o emergente do citado Dec.-Lei n.° 52/11 - começa por definir os contornos da situação concreta em que ocorrera o juízo de desaplicação normativa motivador do recurso de constitucionalidade, afirmando:
Com efeito, a acção que deu origem ao presente recurso, embora com o valor de 610.000.000,00, terminou ainda antes de decorrido o prazo da contestação, com a homologação da desistência do pedido apresentada pelo autor. Comportou, pois, para além dos atos de distribuição e citação, a prolação de uma sentença homologatória. Não obstante, depois de exauridos todos os mecanismos legais aplicáveis que, em razão desse nível concreto de tramitação, comportavam objetivamente uma diminuição do montante devido a título de taxa de justiça (cf mecanismo de conversão da taxa de justiça paga em encargos consagrado no artigo 22.° do RCP, na redação em causa), apurou-se a final, com base no valor da ação, um montante em dívida, a título de taxa de justiça, de 6718.360,80.
E a determinação de um tal montante, no descrito contexto processual, resultou claramente da aplicação, no caso concreto, de um critério normativo que, tendo por fonte legal as normas conjugadas dos artigos 6.°, n.° 1, e 11.° do RCP, e respetiva tabela I-A, na redação aplicável, abstrai da complexidade processual para o efeito de fixação do valor da taxa de justiça, como defende o tribunal recorrido. Mas o problema de inconstitucionalidade apenas decorre da ausência de um limite máximo ao regime de tributação crescente em função do valor da ação, pois que ignora a complexidade dos autos para o efeito de evitar ou corrigir valores de tributação desproporcionados às ações de elevado valor que assumam, como é manifestamente o caso, uma tramitação reduzida. E é precisamente a impossibilidade de redução de valores tributários fixados sem qualquer limite máximo, em função da menor complexidade do processado, que o tribunal recorrido implicitamente censurou quando se referiu à impossibilidade de recorrer à dispensa do pagamento remanescente que a Lei n.° 7/2012, de 13 de fevereiro, veio a consagrar.
De seguida, passou o TC em revista a sua anterior jurisprudência sobre a questão da adequação e proporcionalidade dos valores de custas devidas, na óptica da sua compatibilização com a garantia fundamental do acesso aos tribunais, fazendo-o nos seguintes termos:
Ora, ainda que no contexto de vigência do CCJ, na sua redação originária, o Tribunal Constitucional, em jurisprudência consolidada, tem censurado normas jurídicas que, sob tal aspeto, são substancialmente idênticas à ora sindicada, à luz de premissas de ordem conceitual e axiológico-normativa claramente pertinentes à apreciação do presente recurso.
Assim, decidiu-se «julgar inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.° da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.° e 18.°, n.° 2, segunda parte, da mesma Constituição, a norma que resulta dos artigos 13.°, n.° 1, e tabela anexa, 15.°, n.° 1, alínea m), e 18.°, n.° 2, todos do Código das Custas Judiciais, na versão de 1996, na interpretação segundo a qual o montante da taxa de justiça devida em procedimentos cautelares e recursos neles interpostos, cujo valor excede 6'49.879,79, é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo ao montante das custas, e na medida em que se não permite ao tribunal que limite o montante de taxa de justiça devido no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcionado do montante em questão» (Acórdãos res. 227/2007 e 116/2008).
Também se julgou inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.° da CRP, conjugado com o princípio da proibição de excesso, decorrente do artigo 2. ° da CRP, «a norma que se extrai da conjugação do disposto nos artigos 13.°, n.° 1, 15.°, n.° 1, o), 18.°, n.° 2, e tabela anexa do CCJ, na redação do Decreto-Lei n.° 224-A/96, de 26 de novembro, na parte em que dela resulta que as taxas de justiça devidas por um processo, comportando um incidente de apoio
judiciário e um recurso para o tribunal superior, ascendem ao montante global de €123.903,43, determinado exclusivamente em função do valor da ação, sem o estabelecimento de qualquer limite máximo, e na medida em que não se permite que o tribunal reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcionado desse montante» (Acórdão n.° 471/2007).
E reafirmou-se um tal juízo de inconstitucionalidade, apreciando esse mesmo conjunto normativo, «na parte em que dela resulta que as taxas de justiça devidas por um recurso de agravo de um despacho interlocutório, interposto por quem não é parte na causa, sendo a questão de manifesta simplicidade e tendo o recurso seguido uma tramitação linear, ascendem ao montante global de €15 204,39, determinado exclusivamente em função do valor da ação, sem o estabelecimento de qualquer limite máximo, e na medida em que não se permite que o tribunal reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcionado desse montante» (Acórdão n.° 266/2010). O mesmo sucedeu no Acórdão n.° 470/07, que julgou inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 18.°, n.° 2, e 20.°, n.° 1, da Constituição, «a norma do artigo 66.° n.° 2, do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 224-A/96, de 26 de novembro, interpretada por forma a permitir que as custas devidas pelo expropriado excedam de forma intolerável o montante da indemnização depositada, como flagrantemente ocorre em caso, como o presente, em que esse excesso é superior a 6'100.000,00».
Sendo também à luz das mesmas valorações constitucionais que não se censuraram soluções legais de tributação que, embora pautadas por exclusivos critérios de valor (da ação), não conduziram, nos concretos casos em apreciação, à fixação de uma taxa de justiça desproporcionada à complexidade do processo (Acórdãos n°s. 301/2009, 151/2009 e 534/2011).
Ora, o que determinou tais julgamentos, incluindo estas últimas decisões de não inconstitucionalidade, foi a ideia central de que a taxa de justiça assume, como todas as taxas, natureza bilateral ou correspetiva, constituindo contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do respetivo sujeito passivo. Por isso que, não estando nela implicada a exigência de uma equivalência rigorosa de valor económico entre o custo e o serviço, dispondo o legislador de uma «larga margem de liberdade de conformação em matéria de definição do montante das taxas», é, porém, necessário que «a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afeta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe» (citado Acórdão n.° 227/2007).
Os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (artigo 20.° da Constituição), constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efetivamente lhe foi prestado (artigos 2.° e 18.°, n.° 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adoção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efetivo exercício de um tal direito.
Ora, por aplicação da doutrina do acórdão transcrito do STJ e da jurisprudência constitucional nele referida logo se alcança que no caso em apreço, por aplicação do critério normativo sindicado, se exige aos autores de uma simples acção declarativa de condenação, que terminou com uma decisão singular do Tribunal da Relação de Lisboa, de absolvição da instância, proferida na fase dos articulados, o pagamento a final de uma taxa de justiça no valor de €10.832,40, sendo o remanescente em dívida de €8.629,20.
A manifesta desproporção entre o valor liquidado de taxa de justiça e o custo implicado na acção, que registou uma tramitação muitíssimo reduzida, dela não decorrendo para a autora o beneficio inerente ao elevado montante peticionado, reclama, pois, também no presente caso, que se censure, em aplicação da invocada jurisprudência, o critério normativo que permitiu um tal resultado»].
Assimiladas as transcritas asserções, com as quais estamos plenamente de acordo, regressemos ao caso concreto.
Ora, estando plenamente assegurada no caso dos autos - perante a inquestionada aplicação do RCP, na versão actual, emergente da Lei 7/2012 - a possibilidade de graduação casuística e prudencial do montante da taxa de justiça devida a final — está naturalmente afastada a existência da inconstitucionalidade normativa verificada no referido Acórdão n.° 421/13 — embora, naturalmente, o juízo de densificação e concretização casuística dos critérios previstos no n° 7 do art.° 6.° não possa deixar de atender - e ser iluminado - pela concretização, na jurisprudência constitucional, das noções de proporcionalidade, justeza e adequação dos valores da taxa de justiça devida pela parte em cada acção ou procedimento.
O procedimento em causa (recurso de apelação), gerador das custas em controvérsia, tem o valor da acção, ou seja, de €363.226,82, tendo-se consubstanciado, essencialmente, na seguinte tramitação:
- Na 1.a Instância:
. Prolação de despacho saneador-sentença, de mediana dificuldade, postos que as questões decididas estavam já amplamente tratadas e dissecadas em inúmeros processos similares, propostos também eles contra o BBB..., DDD..., BdP, FFF... e LMP....
- Nesta Relação:
. Prolação de despacho do relator, de admissão do recurso de apelação, de manifesta simplicidade;
. Prolação de acórdão a julgar improcedente a apelação interposta pelo Autor e a confirmar o saneador-sentença recorrido, decisão que não apresentou especiais dificuldades, por respeitar a questões amplamente tratadas noutros processos similares que correram termos por este Tribunal da Relação, em que também eram demandados o o BBB..., o DDD..., o BdP, a FFF... e LMP....
A questão que se coloca é, pois, a de saber se se justifica, nestas circunstâncias concretas, fazer uso do poder de conformação do valor das custas, possibilitado por aquele preceito legal, nomeadamente, se poderão a utilidade económica dos direitos em litígio, o comportamento processual dos litigantes ou a complexidade/simplicidade da tramitação processual, causa ou fonte da tributação, legitimar, em termos de adequação e proporcionalidade, a cobrança, a cada um dos intervenientes, de um valor pecuniário que se cifra.
- Na acçáo, em €2.856,00 [€81600+€2040,00] correspondendo € 816,00 ao valor de taxa de justiça já pago pela FFF... e demais Réus [excepto o BBB... — Em liquidação que beneficia de apoio judiciário] e €2040,00 ao valor remanescente da taxa de justiça devida - conforme Tabela IA, anexa ao RCP;
- No recurso, em €1428,00 [€816.00+€459,00], correspondendo €816,00 ao valor de taxa de justiça pago pela FFF... e demais Réus [excepto o BBB... — Em liquidação que beneficia de apoio judiciário] pela apresentação das contra-alegações e €459,00 ao valor do remanescente da taxa de justiça devida -, conforme Tabela IB, anexa ao RCP.
De salientar, ainda, que, na hipótese de não ser dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça, o valor total das taxas de justiça a suportar na presente acção ascenderá a um total de € 14.994,00 [€2499,00x6], se considerarmos o número de partes afectadas (Autor e seis Réus).
Ora, se tivermos em conta os critérios de razoabilidade e proporcionalidade que devem necessariamente condicionar o juízo aplicativo da referida norma flexibilizadora, norteados pelo que o Tribunal Constitucional vem decidindo na jurisprudência, atrás citada, em situações paralelas e equiparáveis à dos presentes autos, não pode deixar de se concluir que a cobrança de mais estes valores, como contrapartida da tramitação processual descrita violaria efectivamente o princípio da proporcionalidade. Por outro lado, importa realçar:
- Relativamente ao comportamento das partes, nada há a censurar à sua actuação processual, pois estas limitaram-se (sem qualquer violação dos deveres de boa fé, cooperação, razoabilidade ou prudência) a lançar mão dos normais meios impugnatórios e de oposição que tiveram por adequados à defesa dos seus interesses, sem qualquer excesso ou requerimento abusivo ou injustificável;
- No que concerne à complexidade da tramitação processual em análise —entende-se que ela não é de molde a justificar, em termos de proporcionalidade e razoabilidade, a cobrança de mais de €2.499,00;
Na verdade, os articulados do Autor e dos Réus e as alegações de recurso do Autor e as contra-alegações de recurso dos Réus não se revelam excessivamente prolixos, para efeitos da alínea a) do n.° 7 do art.° 530.° do CPC. Em tais peças processuais o Autor e os Réus limitaram a sua alegação e contra-alegação à invocação dos factos relevantes e dos argumentos jurídicos que, no seu entender, determinavam, respectivamente, a procedência ou a improcedência da acção e do recurso.
Por outro lado, as matérias em discussão no recurso não são de considerar de especial complexidade, não se subsumindo na previsão das alíneas b) e c) do art. 530.°, n.° 7, do CPC, pois este Tribunal da Relação circunscreveu a sua análise ao conhecimento e julgamento de excepções dilatórias e peremptórias, não tendo realizado julgamento de mérito nem procedido à análise de meios de prova complexos ou à audição de qualquer testenunha.
Tal circunstancialismo é demomstrativo de que a acçao e o recurso não revelam especial complexidade.
Neste contexto, a cobrança, à Ré/Reclamante FFF... e aos demais Réus e Autor, como contrapartida da tramitação processual da acçao e do recurso de apelação em causa — embora de valor muito elevado [€363.226,82] e reportado a relações jurídicas de pouca complexidade substantiva - que se consubstanciou essencialmente na apreciação de excepções dilatórias e peremptórias - violaria os princípios da proporcionalidade e da adequação, erigindo-se, por isso, em ilegítima restrição no acesso à justiça.
- Termos em que se entende dar total provimento ao pedido de reforma do acórdão desta Relação, de 14/02/2019 e dispensar a Ré/Recorrida FFF... do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Segunda Questão:
—+ Por identidade de razões, a impor tratamento igualitário de todas as partes, face à similitude de situações, isto é, considerando, designadamente, o impulso e a conduta processual das restantes partes e a correspectiva intervenção da 1.a instância e desta Relação na tramitação e decisão da acção e do recurso, bem como a reduzida compexidade das questões apreciadas, a cobrança da taxa de justiça remanescente, no montante de €2499,99, ao Autor e Recorrente e aos demais Réus e Recorridos [BBB..., S.A., [sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia], DDD..., S.A., CCC..., EEE... e LMP...] também se nos afigura desmesurada e desproporcionada face ao serviço prestado, configurando, por isso, obstáculo ilegítimo ao direito de acesso à justiça.
Uma vez que a realização do Direito é lograda à custa da conformação jurídica do processo e do procedimento, é a própria Constituição a avançar os princípios e normas norteadores daqueles — ou seja, as denominadas garantias de procedimento e de processo.
Os princípios da igualdade processual das partes e da conformação do processo segundo os Direitos fundamentais (artigos 13.°, 18.° e 20.° da CRP) como matrizes orientadoras e de referência para a intervenção legislativa concretizadora das normas da constituição, sobretudo dos preceitos respeitantes a normas fundamentais, impõem um processo que assegure a imediata realização daqueles Direitos Fundamentais, como é o caso do Direito de acesso aos Tribunais ou direito de recurso à via judiciária para defesa dos Direitos (art.° 20° do CRP).
Só através de uma estrutura processual de densificação constitucional, designadamente em sede interpretativa é possível assegurar a efectividade de muitos direitos, liberdades e garantias.
Por todos os fundamentos invocados, entendemos conceder, de ofício [artigos 613.°, n.° 2, 614.°, n.° 1, ex vi art.° 666.° do CPC e 6.°, n.° 7, do RCP], ao Autor e Recorrente e aos demais Réus e Recorridos dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.
IV) Decisão:
Pelo exposto, acordam, em Conferência, os Juízes da 6a Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
(a) em julgar totalmente procedente o pedido de reforma, quanto a custas, do acórdão desta Relação, de 14/02/2019, e em consequência conceder à Ré/Recorrida, ora Reclamante, FFF..., dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida na acção e no recurso de apelação;
(b) em conceder ao Autor e Recorrente AML... e aos demais Réus e Recorridos [BBB..., S.A., [sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia], DDD..., S.A., CCC..., EEE... e LMP...], dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida na acção e no recurso de apelação, nesta parte se reformando, igualmente, o sobredito acórdão desta Relação.
Sem custas.
Registe e notifique.
Lisboa, 28 de Março de 2019
Manuel Rodrigues
Ana Paula Paula A. A. Carvalho
Gabriela de Fátima Marques
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