Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - ACRL de 14-03-2019   Actos processuais por parte dos mandatários. Citius. Recurso.
I - Atendendo ao disposto no n.° 1 do artigo 144.°, do CPC a apresentação a juízo dos actos processuais por parte dos mandatários é feita, obrigatoriamente, através da plataforma Citius, por transmissão electrónica de dados, excepto em caso de justo impedimento;
II - O justo impedimento para a prática do acto por transmissão electrónica de dados deve ser alegado aquando da prática do referido acto por uma das restantes vias indicadas, devendo a parte oferecer logo a respectiva prova [artigos 144.°, n.° 8 e 140.°, n.°s 1 e 2, do CPC].
III - Tendo o autor e reclamante, por intermédio de mandatária, apresentado o requerimento de interposição de recurso em suporte em papel e não tendo invocado justo impedimento para a não apresentação da peça processual através da plataforma Citius, o acto não pode ter-se por validamente praticado, o mesmo é dizer que tal requerimento não pode ter-se por validamente apresentado.
Proc. 4154/15.3T8LSB-C.L1 6ª Secção
Desembargadores:  Manuel Rodrigues - Ana Paula Carvalho - -
Sumário elaborado por Margarida Fernandes
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Processo n.° 4.154/15.3T8LSB-C.L1 (Conferência — apreciar Decisão Singular do relator).
Reclamante: - RMG...
Reclamados: - Sociedade Imobiliária da CDV..., Lda.
- Ministério Público
Relator: Juiz Desembargador Manuel Rodrigues
1a Adjunta: Juíza Desembargadora Ana Paula A. A. Carvalho
2a Adjunta: Juíza Desembargadora Gabriela de Fátima Marques
I - Atendendo ao disposto no n.° 1 do artigo 144.°, do CPC a apresentação a juízo dos actos processuais por parte dos mandatários é feita, obrigatoriamente, através da plataforma Citius, por transmissão electrónica de dados, excepto em caso de justo impedimento;
II - O justo impedimento para a prática do acto por transmissão electrónica de dados deve ser alegado aquando da prática do referido acto por uma das restantes vias indicadas, devendo a parte oferecer logo a respectiva prova [artigos 144.°, n.° 8 e 140.°, n.°s 1 e 2, do CPC].
III - Tendo o autor e reclamante, por intermédio de mandatária, apresentado o requerimento de interposição de recurso em suporte em papel e não tendo invocado justo impedimento para a não apresentação da peça processual através da plataforma Citius, o acto não pode ter-se por validamente praticado, o mesmo é dizer que tal requerimento não pode ter-se por validamente apresentado.
(Sumário elaborado pelo relator)
Acordam, em Conferência, na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I) Relatório
1.1. No âmbito do processo n.° 4154/15.3T8LSB, a correr termos no Juízo Central Cível de Lisboa — Juiz 19, em que é Autor RMG..., veio este apresentar, em suporte de papel e por correio registado, recurso de apelação da decisão proferida em 4 de Julho de 2018 no incidente de reclamação da conta de custas [cfr. fls. 35 a 50 e fls. 71 a 73 deste apenso].
1.2 Porém, por despacho de 21 de Novembro de 2018, o recurso interposto pelo Autor não foi admitido, por se ter considerado a prática do acto em causa como legalmente inaceitável [cfr. fls. 74 a 76 deste apenso].
1.3. O referido despacho assentou na seguinte fundamentação:
«Por correio registado, veio o Autor recorrer do despacho proferido no dia 4 de julho de 2018, o qual indeferiu a sua reclamação apresentada contra a conta de custas.
Sobre a apresentação a juízo dos atos processuais, o artigo 144.° do Código de Processo Civil postula o seguinte:
1 - Os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por transmissão eletrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.° 1 do artigo 132.°, valendo como data da prática do ato processual a da respetiva expedição.
2 - A parte que pratique o ato processual nos termos do número anterior deve apresentar por transmissão eletrónica de dados a peça processual e os documentos que a devam acompanhar, ficando dispensada de remeter os respetivos originais.
3 - A apresentação por transmissão eletrónica de dados dos documentos previstos no número anterior não tem lugar, designadamente, quando o seu formato ou a dimensão dos ficheiros a enviar não o permitir, nos termos definidos na portaria prevista no n.° 1 do artigo 132.°
4 - Os documentos apresentados nos termos previstos no n.° 2 têm a força probatória dos originais, nos termos definidos para as certidões.
5 - O disposto no n.° 2 não prejudica o dever de exibição das peças processuais em suporte de papel e dos originais dos documentos juntos pelas partes por meio de transmissão eletrónica de dados, sempre que o juiz o determine, nos termos da lei de processo.
6 - Quando seja necessário duplicado ou cópia de qualquer peça processual ou documento apresentado por transmissão eletrónica de dados, a secretaria extrai exemplares dos mesmos, designadamente para efeitos de citação ou notificação das partes, exceto nos casos em que estas se possam efetuar por meios eletrónicos, nos termos definidos na lei e na portaria prevista no n.° 1 do artigo 132.°
7 - Sempre que se trate de causa que não importe a constituição de mandatário, e a parte não esteja patrocinada, os atos processuais referidos no n.° 1 também podem ser apresentados a juízo por uma das seguintes formas:
a) Entrega na secretaria judicial, valendo como data da prática do ato processual a da respetiva entrega;
b) Remessa pelo correio, sob registo, valendo como data da prática do ato processual a da efetivação do respetivo registo postal;
c) Envio através de telecópia, valendo como data da prática do ato processual a da expedição.
8 - Quando a parte esteja patrocinada por mandatário, havendo justo impedimento para a prática dos atos processuais nos termos indicados no n.° 1, estes podem ser praticados nos termos do disposto no número anterior.
A portaria referida naquele n.° 1 tem o n.° 280/2013, de 26 de agosto.
Com a reforma do Código de Processo Civil em 2013, segundo aquela primeira norma, a apresentação a juízo por transmissão eletrónica de dados passou a ser a regra.
Para os profissionais forenses, a apresentação a juízo dos atos processuais através do sistema Citius tornou-se, pois, obrigatória (cfr. conjugação daquele artigo 144.° com o artigo 3.° da referida Portaria n.° 280/2013, de 26 de agosto).
A ressalva a esta obrigação destes profissionais encontra-se apenas no regime do justo impedimento (cfr. n.° 8 do citado artigo 144.°), permitindo ele a prática dos atos pclas vias previstas no n.° 7 do mesmo preceito legal.
Ora, no caso em apreço não foi invocado um qualquer justo impedimento para o accionamento do disposto no artigo 144.°, n.° 7, al. b), do Código de Processo Civil.
Assim, estando o Autor patrocinado na presente lide, de constituição obrigatória de advogado, e não tendo sido alegado um qualquer justo impedimento, a prática do ato de interposição do recurso por via postal, sob registo, não é legalmente válida e não pode ser admitida (cfr., em sentido idêntico, com o ato praticado por e-mail, Ac. Rel. Coimbra de 15.09.2015, relatado por Fernando Monteiro e com texto disponível em www.dgsi.pt)
1.4. Inconformado com o despacho, o Autor dele veio reclamar para esta Relação, nos termos do art.° 643.° do CPC e com os seguintes fundamentos:
«1.- Como referido na decisão de que ora se reclama, a apresentação em juízo de peças processuais por transmissão electrónica de dados passou a ser a regra e, para os profissionais forenses, essa forma de apresentação através do portal Citius passou a ser obrigatória, com a ressalva, apenas, do regime do justo impedimento, previsto no n.° 8 do art.° 144.° do CPC.
2.- O regime do justo impedimento aplica-se aos casos em que o mandatário conscientemente e por qualquer razão ponderosa que o justifique, não apresente a peça processual, pela forma electrónica, apresentando-a através de uma das três formas referidas no n.° 7 da mesma norma adjectiva, mas sempre acompanhada da necessária justificação do justo impedimento.
3.- Na situação que agora se discute, tratou-se de acto involuntário praticado pela mandatária por mero lapso de quem, lidando em simultâneo com vários processos em fase de recurso, apresentou o recurso por remessa do requerimento e respectivas alegações em suporte de papel, ao invés de o fazer através do Portal Citius. A omissão do formalismo legalmente prescrito foi assim meramente involuntária, sendo que a mandatária apenas passou a ter consciência da omissão do formalismo legalmente prescrito quando foi notificada do despacho de que ora se reclama.
Veja-se que neste mesmo processo já existiram vários recursos quer para o Tribunal da Relação de Lisboa quer para a Supremo Tribunal de Justiça e nunca se verificou um lapso/vício de forma como aquele que agora aconteceu, ficando assim demonstrado o seu carácter absolutamente involuntário e único.
É preciso não esquecer que o regime formal de apresentação dos requerimentos de recursos é absolutamente anacrónico e potencialmente gerador do lapso em que a mandatária subscritora incorreu. Com efeito, se os recursos para os Tribunais das Relações devem ser apresentados em formato digital, já os recursos dos Acórdãos proferidos pelos Tribunais da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça devem ser apresentados em formato de papel e o mesmo se diga no que diz respeito a qualquer peça processual submetida naqueles Tribunais. Evidente que a existência de dois regimes regra potência a verificação de lapsos como aquele em que a subscritora incorreu.
4.- Contudo, não obstante o lapso e o incumprimento da formalidade prescrita na lei, a verdade é que o requerimento de recurso e as respectivas alegações foram entregues no Tribunal competente, por quem tinha legitimidade para recorrer, no prazo legal e instruído com a taxa de justiça devida, sendo que com a apresentação do recurso nesse formato incorrecto nunca ficou colocado em causa o carácter equitativo que o processo deve ter.
5.- A preterição do conhecimento de mérito com fundamento num vício de forma, revela-se claramente contrária aos princípios ordenadores que estiveram na génese da reforma do CPC de 2013, como resulta evidenciado no parecer do Conselho Superior de Magistratura à Proposta de Lei n.° 113/XII, que resultou na Lei n.° 41/2023, de 26 de Junho que aprovou o NCPC, onde se deixou dito que Não há dúvida de que é necessário que se caminhe para uma nova cultura judiciária, cabendo a todos desenvolver um esforço nesse sentido, de modo que, paulatinamente, se vá pondo de lado um processo eivado de excessivos formalismos, nulidades e retóricas desfasadas e se procure atingir a verdade material, com a prevalência do mérito sobre a forma.
(cfr. http://www.cej .mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/parecer13_novo cpc.pdf , página 113)
6.- Manifestação dessa tendência pode ser encontrada em normas adjectivas como as dos art.°s 6.°, 146.°, n.° 2, 547.° e 560.°, todos do CPC.
No caso dos autos, não se vê por que razão não pode o vício de forma na apresentação do requerimento de recurso ser oficiosamente suprido pelo Juiz, nos termos do n.° 2 do art.° 6.°, ou porque não aplicar por analogia o disposto no art.° 560.°, notificando-se a parte para apresentar o recurso na forma legalmente prevista. O conhecimento do recurso pelo Tribunal de recurso nunca esteve prejudicado, uma vez que quer o requerimento quer as alegações foram entregues no Tribunal recorrido, embora não na forma prescrita pela lei.
7.- A decisão reclamada põe em causa a prevalência da substância sobre a forma e retira-se à parte que inadvertidamente incorreu num vício de forma, o direito de ver a questão de mérito decidida pelo Tribunal de recurso, sem que esse vício de forma tenha quaisquer consequências negativas quer para o normal andamento do processo quer para a parte contrária.
8.- O reclamante envia agora, com esta reclamação, em formato electrónico, o seu requerimento de recurso e as respectivas alegações, requerendo, nos termos do n.° 2 do art.° 146.° do CPC o suprimento do vício de forma, admitindo-se o recurso do despacho proferido em 1.a instância que havia indeferido a sua reclamação apresentada contra a conta de custas.
Nestes termos, deve a presente reclamação ser considerada procedente, admitindo-se o recurso do despacho que indeferiu a reclamação apresentada contra a conta de custas».
1.5. Por Decisão Singular deste Relator, de 17/01//2019 [ref.a 13989217, de fls. 79 a 82 verso deste apenso], indeferiu-se a reclamação e confirmou-se a decisão proferida pelo Senhor Juiz a quo, em 21 de Novembro de 2018, que não admitiu o recurso interposto pelo Autor do despacho de 04 de Junho de 2018 que indeferiu a reclamação apresentada contra a conta de custas.
1.6. Da referida Decisão Singular, veio o Autor, aqui Reclamante, reclamar para a Conferência, para que sobre a matéria em causa recaia um acórdão, nos termos do n.° 3 do art.° 652.° do CPC e com os fundamentos seguintes:
«1.- Para indeferir a reclamação do A., ora Requerente, contra o despacho que em 1.a instância não admitiu o recurso por si interposto do despacho que indeferiu a reclamação apresentada contra a conta de custas e que aqui se dá por reproduzida, escudou-se a decisão singular de que ora se requer recaia Acórdão na seguinte argumentação:
i.- que com a reforma do CPC de 2013 a apresentação a juízo de peças processuais pelos profissionais forenses passou a fazer-se, obrigatoriamente, através da plataforma digital Citius, sendo que a única ressalva a esta obrigação destes profissionais encontra-se apenas no regime do justo impedimento e, nesse caso, a prática desses actos pode ser efectuada pela entrega da peça processual na secretaria judicial, pela remessa por correio registado ou por envio através de telecópia, tudo conforme art.° 144.°, n.°s 3, 8 e Portaria 280/2013;
ii.- que no caso concreto, a mandatária do A., ora requerente, recorreu do despacho que em 1.a instância indeferiu a sua reclamação contra a conta de custas, através do envio do requerimento de interposição do recurso, por carta registada enviada para o Tribunal recorrido, não tendo invocado qualquer justo impedimento, para o acionamento do disposto no art.° 144.°, n.° 7, al. b) do CPC, pelo que a prática desse acto não é legalmente válida, não podendo ser admitida;
iii.- que a argumentação sustentada pelo ora requerente de que a preterição da formalidade prescrita na lei, por lapso involuntário, como ela próprio confessa e que se traduz num vício de forma, conduz à preterição do conhecimento de mérito, revelando-se contrária aos princípios ordenadores que estiveram na génese da reforma do CPC de 2013, designadamente, o da prevalência da substância sobre a forma, encerra em si mesma uma contradição uma vez que por um lado reconhece que a reforma do CPC de 2013 aponta no sentido da prevalência do mérito sobre as questões de forma e, por outro, desvaloriza a regra impositiva do art.° 144.° desse mesmo CPC, esquecendo que as finalidades do processo só podem ser alcançadas se as partes e o tribunal respeitarem as regras de procedimento;
iv.- que o ónus a cargo dos mandatários das partes que resulta do art.° 144.°, do CPC decorre também do princípio da cooperação, da lealdade e da boa-fé processuais;
v.- que apesar do princípio da cooperação recíproca entre as partes do art.° 7.° do CPC, com vista à obtenção da justa composição do litígio atenuar a auto-responsabilidade das partes, não a elimina, não podendo estas esperar do tribunal uma intervenção adjuvante ao longo e a cada momento do iter processual;
vi.- que o dever de gestão do juiz só é compreensível no respeito pelas regras básicas da forma, pelo que, desrespeitada a regra e não invocada a salvaguarda não se vê como o juiz podia reconduzir a forma (não respeitada) à legalmente imposta, sem violar os referidos limites, desconsiderando completamente que não foi invocado qualquer justo impedimento;
vii.- que a salvaguarda do art.° 144.° do CPC, para a desconsideração da forma regra pelos profissionais forenses, constituída pela invocação do justo impedimento, é suficiente garantia do acesso à Justiça.
2.- O ora Requerente revê-se, evidentemente, na argumentação expendida na decisão singular do Sr. Desembargador Relator, referida em i e ii do número anterior, sendo certo que reafirma que o envio a juízo da reclamação contra a conta de custas se ficou a dever a mero lapso da mandatária subscritora e, por isso, não invocou o justo impedimento.
Já não pode o ora Requerente concordar com a argumentação referida em iii do número 1. de que a sua argumentação encerra em si própria qualquer contradição. Jamais o Requerente desvalorizou a regra impositiva do art.° 144.° do CPC, nem esqueceu que as finalidades do processo só podem ser alcançadas se as partes e o tribunal respeitarem as regras de procedimento.
A verdade é que neste processo o ora requerente já teve diversas intervenções processuais, quer nas instâncias quer no Supremo Tribunal de Justiça e, com excepção da reclamação contra a conta de custas, jamais desrespeitou o formalismo próprio do processo, sendo que esse lapso na forma como fez chegar a juízo a peça processual em questão, constituiu a excepção e não a regra, o que demonstra bem a sua capacidade em se conformar com as regras processuais. O que ocorreu foi, de facto, um lapso, que só acontece a quem tem que enviar peças processuais a juízo e, mesmos os mandatários judiciais, apesar de o serem e de terem especiais conhecimentos técnicos e dever de diligência, não estão livres de poderem falhar e incorrer em lapsos, sendo certo que não restará dúvidas a ninguém de que, no caso concreto, se tratou efectivamente de um lapso cometido por negligência e não com dolo e que foi praticado por alguém que durante muitos anos praticou esses mesmos actos dessa mesma forma, que era legal e processualmente aceite.
A questão não está, pois, em desvalorizar a forma processualmente prescrita mas, ao invés, qualificar o acto processual praticado de forma não legalmente prescrita e sopesar o interesse de o processo em se reger por determinadas normas legais procedimentais/adjectivas e o interesse de garantir o direito de acesso à justiça que tem dignidade de previsão constitucional.
Que a mandatária subscritora praticou um acto processual de uma forma não prescrita na lei processual/adjectiva não restam dúvidas, pelo que um acto assim praticado padece de um vício, isso é certo! Mas será esse vício de tal forma grave que, só por si, tenha a virtualidade de colocar em risco o acesso ao direito, a obter uma decisão de mérito? Será o vício do acto de molde a influir na decisão da causa?
A jurisprudência tem dado uma resposta maioritariamente negativa a estas questões, tendo vindo a considerar que o envio a juízo de uma peça processual por meio não prescrito na lei adjectiva, mesmo por mandatário judicial, constitui, efectivamente um vício de natureza processual, designadamente, quando não tiver sido acionada a salvaguarda do justo impedimento, mas tal vício não constitui uma nulidade processual mas, tão só, uma irregularidade processual passível de ser suprida de forma a que o processo possa seguir os seus termos com vista a ser alcançada uma decisão de mérito.
Nesse sentido aponta o Acórdão do S.T.J. de 05-03-2015, relatado pelo Conselheiro Dr. João Trindade, consultável em www.dgsi.pt o qual, no seu sumário refere o seguinte:
II- Face ao regime legal decorrente do art.° 150.°, n.°s 1 e 2, do anterior CPC, na redação introduzida pelo DL n.° 303/2007, de 24-08, a apresentação de um requerimento de interposição de recurso através de correio electrónico constituí mera
irregularidade;
III- Trata-se de uma irregularidade susceptível de ser sanada, nomeadamente, através de convite a formular pelo juiz, para a parte vir regularizar a sua intervenção mediante a apresentação do acto através de uma das formas legais previstas no CPC;
IV- O indeferimento da possibilidade do recorrente ver apreciado o requerimento de interposição do recurso de apelação por si interposto, como consequência deste ter sido apresentado por correio electrónico, e sob a invocação de uma dificuldade inexplicável de acesso à plataforma CITIUS, atento o princípio constitucional de acesso ao direito previsto no art.° 20.° da CRP, justificava que, no caso, fosse dada a possibilidade ao recorrente de vir praticar o acto por alguma das formas então legalmente admissíveis..
Como também é referido na fundamentação deste aresto, (...) as nulidades dos actos processuais encontram-se expressamente reguladas nos artigos 193.° e segs, do Código de Processo Civil (---), sem necessidade de apelar às normas respeitantes à invalidade dos actos jurídicos em geral para proceder à sua qualificação.
A norma geral aplicável à qualificação dos vícios dos actos processuais consta do artigo 201.° do Código de Processo Civil (correspondente ao artigo 195.° do Novo Código de Processo Civil) que, após ressalvar os casos de nulidade expressa previstos nos artigos precedentes, dispõe no seu n.° 1:
(...) a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade possa influir no exame ou na decisão da causa..
Do referido preceito resulta que o vício mais grave da nulidade apenas se verifica quando a própria lei o declare ou quando se trate de uma irregularidade que possa influir no exame ou na decisão da causa..
E mais à frente, referindo-se à doutrina, que cita, diz-se ainda neste aresto que Também a propósito do actual artigo 144.° do Novo Código de Processo Civil e mesmo sendo este taxativo nos n.°s 1 e 2 quanto à obrigatoriedade dos actos processuais escritos serem apresentados a juízo por transmissão electrónica de dados, ressalvando os casos especiais, previstos nos n.°s 7 e 8, da parte não se encontrar patrocinada por mandatário, quando tal não seja obrigatório, ou quando se verifique uma situação de justo impedimento, entende a doutrina que tal falta constitui mera irregularidade..
Apesar de ter sido entregue em suporte de papel, por correio registado e sem a invocação de justo impedimento, a verdade é que é indubitável que a reclamação contra a conta de custas foi entregue em juízo dentro do prazo e com o pagamento da taxa de justiça devida, nem esses foram os fundamentos do despacho de indeferimento da reclamação contra a conta de custas.
É certo, por outro lado, que dificilmente se poderá sustentar que o facto de a reclamação contra a conta de custas ter sido entregue em juízo em suporte de papel e por correio registado, pudesse vir a ter ou tivesse tido alguma influência no exame subsequente ou na decisão da causa.
3.- Quanto aos argumentos da decisão singular referidos em iv. e v. do n.° 1 deste requerimento, o que se pode dizer, é que também decorre do princípio da cooperação recíproca, da lealdade e da boa-fé processuais, o poder/dever do juiz de sanar a irregularidade cometida convidando a parte para vir apresentar o acto através da plataforma CITIUS.
Nesse mesmo sentido é também dito no referido aresto do S.T.J. que (...) trata-se de uma mera irregularidade susceptivel de ser sanada nomeadamente, através de convite que deveria ter sido formulado pelo juiz (...) para a parte vir regularizar a sua
intervenção mediante a apresentação do acto através de uma das formas previstas (...).
Entender o contrário seria dar prevalência às formalidades relativas à apresentação dos requerimentos sobre a substância do direito de interposição de recurso que pretendeu ser exercido, sendo certo que o novo Código de Processo Civil, precisamente, para evitar tais desequilíbrios, veio consagrar no artigo 6° o dever do Juiz promover as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção tendo em vista a justa composição do litígio.
Da mesma forma, já previa o artigo 166°, no número 2 do Código de Processo Civil ( correspondente ao artigo n.° 162°, n.° 2 do Novo Código do Processo Civil) a obrigação da secretaria submeter a despacho os requerimentos , respostas, articulados e alegações em relação aos quais se suscitem dúvidas sobre a sua legalidade, a fim de o Juiz os apreciar, o que se tivesse sucedido atempadamente no caso presente, sempre permitiria que o Juiz convidasse a parte a praticar o acto pela forma legalmente prevista..
Ora, parece ao ora Requerente, ao contrário do que é referido na decisão singular que, tendo em conta que este foi apenas um entre muitos actos do ora Requerente ao longo do iter processual, em que sempre foi respeitada a forma, fazia todo o sentido a intervenção do juiz, no sentido de que pudesse ser sanado o vício, desde logo, pela apresentação da reclamação na forma legalmente prevista.
Assim, ao contrário do que é referido na decisão singular que indeferiu a reclamação contra o despacho que em 1.a instância indeferiu a reclamação contra a conta de custas e do qual agora se requer que recaia acórdão, não se trata de obter ou (...) esperar do tribunal uma intervenção adjuvante ao longo e a cada momento do iter processual., cfr. linhas 11 e 12, pág. 7 da decisão singular. Salvo o devido respeito, parece ao ora requerente que aquela afirmação, embora feita de forma genérica, é manifestamente injusta e desproporcionada se aplicada ao caso concreto, sendo certo que o que se julga são casos concretos. Ora, no caso concreto, e é a esse que nos estamos a referir e sobre o qual deve recair uma decisão jurisdicional, o iter processual é constituído, também, por uma série de intervenções do ora Requerente, nas quais sempre foram respeitadas as regras sobre a forma dos actos por si praticados. A prática do acto processual que ora se discute, com vício de forma, foi absolutamente excepcional e único no contexto da intervenção anterior do Requerente neste processo, pelo que o que este esperava do tribunal era que tivesse sanado esse vício, no exercício do seu poder/dever de gestão processual, referido no art.° 6.°, n.° 2 do CPC, uma vez que, além de único no contexto do iter processual, constituí mera irregularidade passível de ser sanada que de forma nenhuma se reconduziria a uma intervenção adjuvante ao longo e a cada momento do iter processual., como é referido na decisão singular.
4.- A argumentação da decisão singular referida em vi e vii do n.° 1 deste requerimento não resiste à constatação de que estamos face a uma irregularidade passível de sanação e não a uma das nulidades taxativamente enumeradas na lei adjectiva, pelo que o direito constitucionalmente previsto de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva, sempre justificava, no caso concreto, que o vício de forma fosse sanado pela intervenção do tribunal, como, de resto, se julgou no aresto do STJ a que se vem fazendo referência. No mesmo sentido pode consultar-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20/10/2015, proc. n.° 3389/13.8TBVIS.Cl, relatado pelo Desembargador Dr. Jorge Arcanjo onde se pode ler que (...) uma interpretação conforme à Constituição e ao direito fundamental de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (art. 20), leva a que se acolha um sentido interpretativo menos restritivo dos direitos dos sujeitos processuais e em favor do princípio pro actione. Por fim, ainda que se entendesse, na lógica do despacho recorrido, não ser legalmente admissível a transmissão por correio electrónico, jamais implicaria a rejeição da contestação, com a consequente revelia da Ré. Na verdade, a apresentação em juízo por um meio não admitido tem sido qualificada como uma mera irregularidade que não influi no exame e discussão da causa, pelo que não consubstancia sequer uma nulidade processual (cf. Por ex., Ac STJ de 13/1/2011, proc. N° 877/07; de 5/3/2015, proc. N° 891/08, disponíveis em www.dgsi.pt)., ou o Acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa, de 26/09/2017, relatado pelo Desembargador Dr. Rijo Ferreira, proc. N.° 6886/13.TBALM.L1-1 no qual no seu sumário se pode ler que I.- O correio electrónico não é o meio adequado para apresentar acto processual escrito em juízo nem para proceder à notificação do mandatário da parte contrária. II.- Contudo a utilização de tal meio para esses fins não implica a desconsideração de tal acto ou notificação tendo apenas como consequência a transferência integral para a parte que utilizou tal meio do risco da efectiva chegada da mensagem ao seu destinatário e do ónus de demonstração quer da recepção da mesma quer da fixação do momento em que ela ocorreu., ambos
disponíveis em www.dgsi.pt.
5.- Pode argumentar-se que, a qualificar-se o vício praticado pelo Requerente quando remeteu a juízo a reclamação contra a conta de custas em suporte de papel e por correio registado, quando o devia ter feito através da plataforma CITIUS, como mera
irregularidade processual, ficaria esvaziado de sentido o regime criado pela Lei 41/2013, de 26 de Junho e Portaria n.° 280/2013, de 26/08, podendo as partes, na prática, utilizar os meios alternativos de envio das peças a juízo, mesmo sem invocação do justo impedimento, sem qualquer sanção.
Salvo o devido respeito, parece ao Requerente que esta argumentação não colhe uma vez que, tratando-se de irregularidade processual, praticada por negligência, sempre estaria à disposição do Juiz sancionar a conduta da parte com uma taxa sancionatória excepcional de modo a sancioná-la por esse desvio em relação ao formalismo próprio do processo, compelindo-a, assim, a respeitá-lo. Nesse sentido, pode consultar-se a decisão singular da Desembargadora da Relação de Évora Dra. Maria Domingas Simões, de 07/06/2018, no proc. 1267/09.4TBBNV.E1, disponível em www.dgsi.pt, no sumário da qual se pode ler que I. A taxa sancionatória excepcional prevista no art.° 531.° do CPC destina-se a sancionar condutas da parte que, não atingindo a gravidade pressuposta pela litigância de má-fé, se traduzem na formulação de pretensão ou prática de acto que a parte não teria introduzido em juízo ou praticado no processo caso tivesse actuado com a prudência e diligência que lhe são exigíveis.
Nestes termos, com os fundamentos supra referidos e nos termos dos art.°s 643.°, 11.04 e 652.°, n.° 3 do CPC, requer-se a V. Exa. que sobre a decisão singular que indeferiu a reclamação e confirmou a decisão proferida pelo Senhor Juiz a quo, de 21/11/2018, que não admitiu o recurso interposto pelo ora Requerente do despacho de 04/07/2018, que indeferiu a reclamação apresentada contra a conta de custas, recaia um
Acórdão.»
1.7. Recolhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II) - Objecto da reclamação
Considerando as alegações da reclamação, no confronto com a Decisão Singular sob reclamação, a questão a decidir é a de saber se esta deve ser revogada, admitindo-se o requerimento de interposição de recurso de apelação apresentado em suporte em papel ou, caso assim se não entenda, se deve considerar-se sanado o referido incumprimento de formalidade legalmente prescrita, por via do n.° 2 do art.° 146.° do CPC, admitindo-se o recurso rejeitado, por via da apresentação, em simultâneo com esta reclamação, através do sistema Citius e por transmissão electrónica, do requerimento de interposição de recurso e das respectivas alegações.
III — Fundamentação
A) Motivação de facto
Os factos que relevam para a apreciação do presente recurso são os descritos no relatório supra, que resultam da tramitação processual dos autos.
B) Motivação de direito
A questão trazida à apreciação da Conferência consiste em saber se a Decisão Singular sob reclamação deve ser revogada, admitindo-se o requerimento de interposição de recurso de apelação apresentado em suporte em papel ou, caso assim se não entenda, se deve considerar-se sanado o referido incumprimento de formalidade legalmente prescrita, por via do n.° 2 do art° 146.° do CPC, admitindo-se o recurso rejeitado, por via da apresentação, em simultâneo com esta reclamação, através do sistema Citius e por transmissão electrónica, do requerimento de interposição de recurso e das respectivas alegações.
Vejamos.
No essencial, verifica-se que, encontrando-se o Autor patrocinado por mandatária judicial, apresentou requerimento de interposição de recurso e as respectivas alegações em suporte em papel e através de envio por correio registado.
De acordo com o disposto no artigo 144.°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil, citado pela decisão da 1ª instância, os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por transmissão electrónica de dados, nos termos da portaria prevista no n.° 1 do artigo 132.°, ou seja, nos termos da portaria n.° 280/13, de 26 de Agosto (alterada pela portaria n.° 170/2017, de 25 de Maio); e só se o acto respeitar a causa que não comporte a constituição de mandatário, e a parte não esteja patrocinada, o requerimento de interposição do recurso pode ser apresentado através de entrega na secretaria judicial, envio pelo correio ou por telecópia (n.° 7 do mesmo artigo).
Mas ainda que a parte esteja patrocinada por mandatário, havendo justo impedimento para a prática do acto por transmissão electrónica de dados, o acto pode também ser praticado através de entrega na secretaria judicial, envio pelo correio ou por telecópia (n.° 8 do mesmo artigo).
Significa isto que a prática de actos processuais por entrega na secretaria judicial, envio pelo correio ou por telecópia apenas é admissível se a parte não estiver patrocinada por mandatário ou havendo justo impedimento na transmissão electrónica de dados (n.°s 7 e 8 do artigo 144.° do CPC).
Contudo, realce-se, face ao preceituado no artigo 140.° do CPC, o justo impedimento para a prática do acto por transmissão electrónica de dados deve ser alegado aquando da prática do referido acto por uma das restantes vias indicadas, devendo a parte oferecer logo a respectiva prova.
No caso concreto, face ao que se deixou referido, estando a parte patrocinada por mandatária não suscita controvérsia que o acto de apresentação do requerimento de interposição do recurso e alegações devia ter sido praticado através do Citius, por transmissão electrónica de dados.
Sustenta o Reclamante, replicando os argumentos aduzidos na reclamação do despacho da 1.a instância, que a preterição de tal formalidade ocorreu por lapso involuntário e que a preterição do conhecimento de mérito com fundamento num vício de forma revela-se claramente contrária aos princípios ordenadores que estiveram na génese da reforma do CPC de 2013.
Mas, salvo o devido respeito, não lhe assiste razão e a sua argumentação encerra em si mesmo uma contradição e faz tábua rasa dos objectivos de celeridade processual, agilização, eficiência e transparência, prosseguidos pelo legislador — reformista — com a tramitação electrónica de processos, a implicar a obrigatoriedade da apresentação de peças processuais e documentos por via electrónica.
É contraditório na medida em que, por um lado reconhece que a reforma do CPC de 2013 aponta no sentido da prevalência do mérito sobre meras questões de forma e, por outro, desvaloriza a regra impositiva do art.° 144.° desse mesmo CPC reformista, nos termos do qual a apresentação a juízo dos actos processuais por parte dos mandatários é feita, obrigatoriamente, através do sistema Citius, por transmissão electrónica de dados, excepto em caso de justo impedimento e esquece que as finalidades do processo só podem ser alcançadas se as partes e o tribunal respeitarem as regras de procedimento.
Este ónus a cargo dos mandatários das partes decorre também ele do princípio da cooperação e da lealdade processuais.
A exigência da apresentação a juízo de actos processuais por transmissão electrónica de dados, via Citius, constitui um formalismo processual razoável que não ofende o direito de acesso à justiça [art.° 20.° da CRP] mesmo se apreciado na perspectiva de o processo dever ser equitativo.
A propósito do princípio da auto-responsabilidade das partes, que importa chamar à colação, explica o Professor Manuel de Andrade [Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 378] que a negligência ou inépcia das partes redunda inevitavelmente em prejuízo delas, porque não pode ser suprida pela iniciativa e actividade do juiz.
Por outro lado, o art.° 7.° do CPC [correspondente ao at.° 266.° do CPC revogado] veio introduzir o princípio fulcral da cooperação recíproca entre as partes e entre estas e o tribunal, com vista à obtenção da justa composição do litígio.
É óbvio que o princípio da cooperação atenua a auto-responsabilidade das partes.
Não a elimina porém, não podendo aquelas esperar do tribunal uma intervenção adjuvante ao longo e a cada momento do iter processual.
A tudo acresce que o dever de gestão processual pelo juiz só é compreensível no respeito pelas regras básicas da forma, tal como se refere na decisão objecto de reclamação.
Vimos já qual é a regra [art.° 144.° do CPC e 4.° da Portaria 280/2013, de 26 de Agosto] e qual é a salvaguarda para a sua violação em certos casos [art.°s 144.°, n.° 8 e 140.°, do CPC]. Desrespeitada a regra e não invocada a salvaguarda, não vemos como o juiz podia reconduzir a forma à legalmente imposta, sem violar os limites referidos, desconsiderando completamente que não foi invocado qualquer justo impedimento.
Entendimento diverso, mormente o defendido pelo Reclamante, esvazia de sentido o regime instituído pela Lei n.° 4/2013, de 26 de Junho e pela Portaria n.° 280/2013, de 26 de Agosto, na medida em que se admitiria que, na prática, as partes utilizassem a seu belo prazer, como muito bem entendessem e sem qualquer disciplina, os meios alternativos de envio de peças a juízo, mesmo se a invocação e justificação de justo impedimento.
Ora, como se refere, no Acórdão do TRC, de 15-09-2015, proc. n.° 270/12.1TBFIG-A.C1 [Desembargador Fernando Monteiro], acessível em www.dgsi.pt., citado na decisão reclamada da 1.a instância, o acesso à justiça faz-se pelas formas previstas na lei, desde que esta não imponha limitações excessivas e absurdas.
Neste mesmo aresto, que respeita a caso análogo, a propósito do convite à sanação da irregularidade e do dever de gestão processual pelo juiz, ponderou-se o seguinte:
2) O dever de convite à sanação da irregularidade.
Este convite permitiria o contorno indevido da regra e da salvaguarda prevista na lei. Só o justo impedimento é a via prevista para salvaguardar situações limite de incumprimento da regra.
Considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto.
O artigo 140°, n°1, do Código de Processo Civil define assim o conceito.
Ajustando a previsão ao caso, tratar-se-á do evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática do ato pela via legalmente admissível.
A redacção do preceito, originariamente pelo Decreto-Lei n° 329-A/95, eliminou o requisito de evento normalmente imprevisível, como constava anteriormente.
Como se salienta no Código de Processo Civil Anotado de L. de Freitas, J. Redinha e R. Pinto, em anotação ao artigo, passou-se o núcleo do conceito de justo impedimento da normal imprevisibilidade para a sua não imputabilidade à parte ou ao seu mandatário, pretendendo-se, como consta do preâmbulo do Decreto-Lei n° 329-A/95, flexibilizar a definição conceitual de «justo impedimento», em termos de permitir a uma jurisprudência criativa uma elaboração, densificação e concretização, centradas essencialmente na ideia de culpa, que se afastem da excessiva rigidificação que muitas decisões, proferidas com base na definição constante da lei em vigor, inquestionavelmente revelam.
Este justo impedimento não foi invocado.
Mais, ao referir a Sra. Mandatária que teve dificuldades técnicas ao aceder ao Citius, a mesma revela ter conhecimento da obrigatoriedade de tramitação eletrónica e, no entanto, não invocou qualquer justo impedimento para recorrer à via alternativa prevista para este obstáculo.
Assim, pode então fazer-se uma imputação culposa à Sra. Mandatária pela opção
feita.
3) O dever de gestão processual pelo juiz.
Este dever só é compreensível no respeito pelas regras básicas da forma.
Vimos já qual é a regra e qual é a salvaguarda para a sua violação em certos casos. Desrespeitada a regra e não invocada a salvaguarda, não vemos como o juiz podia reconduzir a forma à legalmente imposta, sem violar os limites referidos, desconsiderando completamente que não foi invocado qualquer justo impedimento.
Ora, só podemos concordar com os referidos fundamentos, que aqui acolhemos.
Sobre o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva que o Reclamante entende violado pela Decisão Singular objecto da presente Reclamação, cabe reproduzir aqui, o que, muito a propósito, se escreveu no Acórdão da Relação do Porto, de 09/12/2004, proc. n.° 0436459 [Pinto de Almeida], acessível em www.dgsi.pt.:
O direito fundamental de acesso aos tribunais integra, numa das suas vertentes, o princípio do contraditório, que envolve desde logo a proibição da indefesa. Esta consiste na privação ou limitação do direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhe dizem respeito. A violação do direito à tutela judicial efectiva, sob o ponto de vista da limitação do direito de defesa, verificar-se-á sobretudo quando a não observância de normas processuais ou de princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu direito de alegar, daí resultando prejuízos efectivos para os seus interesses [Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da R.P. Anotada, 164].
A efectividade do direito de defesa, afirma Lopes do Rego [Comentários ao CPC, Vol. I, 2a ed., 17], pressupõe o conhecimento pelo demandado do processo contra ele instaurado; o conhecimento, por ambas as partes, das decisões nele proferidas e da conduta processual da parte contrária (...); a concessão de um prazo razoável para o exercício dos direitos de oposição e de resposta; e a eliminação ou atenuação de gravosas preclusões ou cominações, decorrentes de uma situação de revelia ou ausência de resposta à conduta processual da parte contrária, que se revelem manifestamente desproporcionadas (sublinhado nosso).
No que toca à disciplina dos actos processuais destinados a possibilitar às partes o conhecimento da existência ou do estado do processo e, consequentemente, a exercitarem os seus direitos de intervenção processual, não é imposto constitucionalmente qualquer formalismo específico, cabendo ao legislador infraconstitucional regular procedimentalmente o exercício dos direitos de acção ou de defesa.
O direito processual constitui um encadeamento de actos com vista à consecução de um determinado objectivo, sendo para tal necessária uma adequada disciplina.
E, como tem sido entendido, não é incompatível com a tutela jurisdicional de acesso à justiça a imposição de ónus processuais às partes; necessário é que não sejam nem arbitrários nem desproporcionados, quando confrontada a conduta imposta com a consequência desfavorável atribuída à correspondente omissão [cfr. Acs. do TC n° 122/2002 (DR IIS de 29.5.2002) e n° 403/02 (DR IIS de 16.12.2002)].
No Direito Constitucional Português, o objecto do controlo jurisdicional da constitucionalidade são apenas as normas (cfr. art.° 277° n° 1 da Constituição) [cfr. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 821; Também na Constituição Anotada cit, 983 e segs.].
Tudo visto, entendemos que no art.144° do Código de Processo Civil, disposição legal de carácter imperativo, para os profissionais forenses, a salvaguarda legal para a possível desconsideração da forma regra, pela via do justo impedimento, é suficiente garantia daquele acesso à Justiça.
Por conseguinte, quanto à primeira situação de saber se deve ser admitida, no caso concreto, sem que tivesse sido invocada a salvaguarda do justo impedimento, a tramitação não electrónica [em suporte de papel] do requerimento de interposição de recurso e das alegações, a resposta só pode ser a de que a mesma afigura-se ser manifestamente contrária à lei, maxime aos referidos artigos 144.° e 132.°, ambos do CPC, pelo que a pretensão do Reclamante não pode ser atendida.
E quanto à questão [subsidiária] relacionada com o suprimento da formalidade preterida, por via da apresentação, por via electrónica, daquelas peças processuais, simultaneamente com a dedução da primitiva reclamação ou da prolação de despacho de gestão processual, a mesma também terá de merecer resposta negativa, face aos fundamentos anteriormente expostos.
Com efeito, o princípio da cooperação que o Reclamante invoca como fundamento da sua pretensão atenua a auto-responsabilidade das partes, mas não a elimina porém, não podendo aquele esperar do tribunal uma intervenção adjuvante ao longo e a cada momento do iter processual.
A tudo acresce que o dever de gestão processual pelo juiz só é compreensível no respeito pelas regras básicas da forma, tal como se refere na Decisão Singular objecto de reclamação.
Como se referiu supra, sabe-se qual é a regra e qual é a salvaguarda para a sua violação em certos casos. Desrespeitada a regra e não invocada a salvaguarda, não vemos como o juiz podia reconduzir a forma à legalmente imposta, sem violar os limites referidos, desconsiderando completamente que não foi invocado qualquer justo impedimento.
Como se ponderou no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 08/03/2018, proc. n.° 360/17.4T8FAR-A.E1 [Desembargador João Nunes], acessível em www.dgsi.pt., Na acção, cada uma das partes procura valer os seus interesses, a sua pretensão: porém, não o pode fazer por qualquer via, tem que respeitar as regras processuais vigentes, sob pena de o por si alegado não poder ser atendido.

Uma última observação se impõe fazer:
O Reclamante cita, em abono da sua tese, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05/03/2015, proc.° n.° 891/08.7TBILH.C1.S1 [Conselheiro João Trindade], acessível em www.dgsi.pt. Porém, diversamente do que sucede no caso concreto, o aresto em causa respeita a uma situação de apresentação de um requerimento de interposição de recurso através de correio electrónico [vulgo e'mail] mas em que o mandatário apresentante invocou logo a salvaguarda legal [art.° 144.°, n.° 8], justificando o uso daquele meio de comunicação ...uma inexplicável dificuldade de acesso à plataforma CITIUS....
Não foi isso, como se viu, que sucedeu no caso em apreciação.
Aqui chegados, só nos resta concluir pelo indeferimento da reclamação.

IV) Decisão:
Face ao exposto, acordam, em Conferência, os Juízes da 6.a Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, indeferir a presente reclamação e confirmar a Decisão Singular do relator, de 17/01/2019, que indeferiu a reclamação apresentada contra o despacho que em 1.a instância não admitiu o recurso interposto pelo Autor, aqui Reclamante, do despacho que indeferiu a reclamação apresentada contra a conta de custas.
Custas incidentais pelo Autor e Reclamante, com 2 UC de taxa de justiça —artigos 527.° do CPC e 7.°, n.°s 4 e 8, do RCP:

Registe e notifique.
Lisboa, 14 de Março de 2019
Manuel-Rorigues
Ana Paula A. A. Carvalho
Gabriela de Fátima Marques
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