Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - ACRL de 14-02-2019   Insolvência. Prestação de alimentos.
1. – No âmbito de prestações de Alimentos , e sendo o respectivo obrigado declarado insolvente, importa distinguir as dívidas de alimentos da insolvência e as dívidas de alimentos da massa insolvente, aplicando-se às primeiras o art° 88°, do CIRE e, às segundas, o art° 89° do mesmo diploma legal.
2. — Estando pendente à data da declaração de insolvência do obrigado de Alimentos uma acção executiva com vista à cobrança de prestações de alimentos vencidas, deve a mesma ser suspensa, e extinguindo-se a respectiva instância logo que o processo de insolvência seja encerrado nos termos previstos nas alíneas a) e d) do n.° 1 do artigo 230.°, do CIRE
3. — Ainda que o devedor/insolvente de dívidas de alimentos da insolvência venha a beneficiar de despacho inicial de deferimento liminar de pedido de exoneração do passivo , tal não importa a imediata extinção da instância , sendo que, de resto, a decisão final da exoneração do passivo restante do devedor não importa a extinção dos créditos por alimentos — cfr art° 245°, do CIRE .
(SUMÁRIO ELABORADO PELO RELATOR)
Proc. 1081/14.5T8MTS.L1 6ª Secção
Desembargadores:  António Manuel dos Santos - Eduardo Petersen Silva - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
_______
Processo n° 1081/14.5T8MTS.L1
Apelação em processo comum e especial ( 2013)
ACORDAM OS JUIZES NA 6ª SECÇÃO CIVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
1. - Relatório
Em acção de alteração da regulação das responsabilidades parentais intentada em 11/11/2014, e que correu termos no Tribunal de Família e Menores de Matosinhos, sendo requerente a progenitora SIB... e requerido RFJ... , veio em 16/12/2014 a ser alcançado ACORDO - judicialmente homologado por sentença - que pôs termo à respectiva instância , e o qual, em sede de ALIMENTOS, fixou que a partir de Julho de 2015 pagaria o requerido o montante mensal de €125,00 a titulo de alimentos devidos à MENOR IMR..., nascida a 23/5/2003.
1.1- Já em 23/2/2017, veio SIB... intentar contra RFJ... , acção executiva e especial por alimentos, impetrando a cobrança coerciva da quantia exequenda de € 1 018,81, e invocando para tanto o não pagamento pelo requerido de prestações de alimentos vencidas nos meses de Agosto de 2015, de Julho de 2016, de Agosto a Dezembro de 2016 e de Janeiro e Fevereiro de 2017.
1.2. - Tendo RFJ... deduzido embargos na execução referida em 1.1. ( nos mesmos invocando v.g. ter requerido a sua declaração de INSOLVÊNCIA) , e , junta aos referidos embargos sentença — de 6/4/2017 — de declaração judicial de RFJ... em situação de insolvência e, bem assim, cópia de decisão de 23/5/2017 e que concedeu ao insolvente a exoneração do passivo restante, veio o tribunal a quo a proferir ( em 6/3/2018 ) nos supra indicados embargos o seguinte despacho :
Os alimentos devidos aos filhos menores do insolvente ou o valor necessário para o seu sustento têm que ser ponderados e fixados no processo de insolvência, em função dos critérios aí definidos. Assim e quer por aplicação do art.° 93° do CIRE quer pela fixação do valor ou despesas que se consideram excluídas do rendimento disponível, em caso de exoneração do passivo restante ( art.° 239°, n° 3, i) e III) do CIRE) quer ainda pela determinação da parcela de rendimentos do trabalho que não é apreendida por ser Impenhorável e necessária ao sustento do agregado familiar ( art.° 824° do C .P. C). E Isto, sem qualquer vinculação ao valor que havia sido fixado anteriormente e designadamente, ao valor que o próprio Insolvente se obrigou a pagar [ para desenvolvimento desta matéria, v, com Interesse, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 03.07.12, disponível em www.dq.s.i.pt ]
Com efeito, face ao valor que terá sido subtraído do rendimento disponível para o período de cessão no âmbito da Insolvência do progenitor embargante e ponderando os interesses em questão, do domínio da Família , a diligência agendada tinha em vista essencialmente a conciliação das partes, o que não foi possível.
Por conseguinte, deverá a exequente solicitar o pagamento do valor de alimentos, vencidos e vincendos, no processo de insolvência, verificando-se a inutilidade superveniente da lide.
No entanto, antes de declarar-se extinta a instância, determina-se a notificação das partes na pessoa das respectivas I. mandatárias para que esclareçam se têm em vista a concretização de acordo a breve trecho e se, para o efeito, pretendem lançar mão da data de 19 de Abril que concertadamente sugeriram.
Notifique
Oportunamente caso as partes não cheguem a acordo e ponderando o caracter indisponível dos Interesses em questão, será dado conhecimento do presente despacho ao I. Fiduciário nomeado no processo de insolvência
Horta, d.s
F… R…
1.3. — Já em 9/5/2018, mas agora na acção principal de alteração da regulação das responsabilidades parentais é proferida a decisão judicial do seguinte teor :
Tal como já exposto e dado a contraditório no apenso A, os alimentos devidos aos filhos menores do insolvente ou o valor necessário para o seu sustento têm que ser ponderados e fixados no processo de insolvência, em função dos critérios aí definidos.
Assim é quer por aplicação do art. 93° do CIRE quer pela fixação do valor ou despesas que se consideram excluídas do rendimento disponível, em caso de exoneração do passivo restante (art. 239°, n° 3, i) e iii) do CIRE) , quer ainda pela determinação da parcela de rendimentos do trabalho que não é apreendida por ser impenhorável e necessária ao sustento do agregado familiar ( art. 824° do C.P.C.). E isto, sem qualquer vinculação ao valor que havia sido fixado anteriormente e, designadamente, ao valor que o próprio insolvente se obrigou a pagar ( para desenvolvimento desta matéria, v., com interesse, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 03.07.12, disponível em www,dgsi.pt).
Com efeito, face ao valor que terá sido subtraído do rendimento disponível para o período de cessão no âmbito da insolvência do progenitor embargante e ponderando os interesses em questão, deverá a exequente solicitar o pagamento do valor de alimentos, vencidos e vincendos, no processo de insolvência, verificando-se a impossibilidade superveniente da lide .
Pelo exposto, ao abrigo ainda do art. 277°, aL e), do C.P.C., declara-se extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide.
Sem custas.
R.N.
Comunique ao Senhor fiduciário nomeado nos autos de
insolvência do aqui requerido.
Após trânsito, devolva-se a caução prestada.
Horta, 09.05.18
F… R….
1.4. - Discordando da decisão referida em 1.3., veio de imediato [ em 24/5/2018 ] e em tempo a progenitora SIB... da mesma apelar, aduzindo, em sede de conclusões da instância recursória, as seguintes considerações :
1. O presente recurso vem interposto do douto despacho proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca dos Açores - Juízo Competência Genérica da Horta - que determinou a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art. 277°, al. e) do CPC.
II. A Recorrente não se conforma com o douto despacho, por um lado, porque tal despacho foi proferido no âmbito do processo n.° 1081/14.5T8MTS, que corresponde a um pedido de Alteração da Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais já findo desde 2015.
III. Por outro lado, a entender-se que com tal despacho o Tribunal declarou a extinção da instância executiva, que corre termos naquele Tribunal sob o processo n.° 1081/14.5T8MTS.1, a Recorrente não pode aceitar tal decisão, porquanto, de acordo com o artigo 88° do CIRE, a declaração de insolvência apenas determina a suspensão - não a impossibilidade, nem a inutilidade, pelo menos de forma definitiva, da lide ¬das execuções pendentes que afectem os bens da massa insolvente.
IV. A Recorrente instaurou uma acção executiva contra RFJ..., em 23/02/2017, por falta de pagamento das pensões de alimentos relativas à filha menor de ambos, IMR....
V. Em tal acção executiva (1081/14.5T8MTS .1), que corre por apenso aos autos principais de Alteração da Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais (1081/14.5T8MTS) findos desde 2015, foi penhorado o vencimento do progenitor.
VI, Em 03/04/2017, o progenitor veio deduzir embargos de executado (1081/14.5T8MTS-A) e prestar caução no valor total da execução (1081/14.5T8MTS-B).
VII. Por despacho de 05/04/2017, o Tribunal a quo admitiu liminarmente os embargos de executado, bem como a prestação de caução.
VIII. Por sentença datada de 06/04/2017 o progenitor foi declarado insolvente no processo n.° 917.5T8STS, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo de Comércio de Santo Tirso J3.
IX. Em 08/05/2017, a Recorrente apresentou contestação aos embargos deduzidos.
X. Por despacho de 17/11/2017, proferido no processo 1081/14.5T8MTS.1, o Tribunal a quo determinou o prosseguimento da execução, nos termos do art. 245.°, n.° 2 , al. a) , do CIRE,
XI. E agendou, no processo 1081/14.5T8MTS-A, audiência prévia, referindo que Face ao disposto no art. 245° , n. ° 2, al. a), do CIRE, e considerando o estado do processo de insolvência do executado, conforme certidão que antecede, deverão estes autos prosseguir.
XII. Não obstante o supra exposto, volvidos mais de doze meses sobre a declaração de insolvência do executado, veio o Tribunal a quo, por despacho datado de 09/05/2018, proferido no processo 1081/14.5T8MTS, decidir pela extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
XIII. Tal despacho colide com a legislação em vigor, com a doutrina e jurisprudência dominantes e ainda com o próprio andamento do processo que prosseguiu durante um ano após o conhecimento da Insolvência, sem que tenham surgido factos que determinassem agora a sua extinção.
XIV. De facto, no âmbito do processo de insolvência, foi deferida liminarmente a exoneração do passivo restante ao Executado, sendo que o processo de insolvência ainda não foi encerrado.
XV. Os efeitos processuais da Insolvência consistem na apensação (art°s 85°, n°s 1 e 2, 86°, n°s 1 e 2 e 89°, n° 2), na impossibilidade de instauração ( ares 88°, n° 1 e 89°,n° 1) e na suspensão ( art.ºs 87°, n° 1 e 88°, n° 1) de certas acções.
XVI. O n° 1 do art.° 88° estabelece que a declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência;
XVII. O n° 3 da mesma disposição legal estabelece que as acções executivas suspensas nos termos do n° 1 extinguem-se, quanto ao executado insolvente, logo que o processo de insolvência seja encerrado nos termos previstos nas alíneas a) e d) do n° 1 do artigo 230° , salvo para efeitos do exercício do direito de reversão legalmente previsto.
XVIII. Após a liquidação da massa insolvente podem ainda sobrevir rendimentos e, desde que o devedor não beneficie da exoneração do passivo restante ou venha, entretanto, a ser revogada tal concessão, podem os credores que não obtiveram no processo de insolvência o ressarcimento integral do seu crédito, prosseguir a execução relativamente a esse novo e autónomo património. A lide executiva poderá continuar a ser possível, sendo que o princípio da economia processual aconselha a que a execução se mantenha até que o processo de insolvência se encerre, de forma a obstar a que haja necessidade de se iniciar um processo novo.
XIX. Refere-se no acórdão da Relação de Guimarães de 11.7.2013 que também não constitui causa de extinção das acções executivas declaradas suspensas nos termos do n° 1 do art.° 88°, (...), o encerramento do processo de insolvência que decorra do trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de insolvência nos termos da alínea b) do n° 1 do art ° 230°
XX . No caso dos autos, estamos perante um crédito de alimentos que não é abrangido pela exoneração do passivo restante.
XXI. Existe no processo executivo, bem como no apenso de prestação da caução, quantia suficiente para acautelar o pagamento de tais créditos exigidos na execução.
XXII. Razão pela qual, jamais poderia o Tribunal a quo decidir, como decidiu, pela extinção da instância por inutilidade superveniente da lide e devolução da caução prestada, devendo, por isso, tal despacho ser revogado e substituído por outro que ordene o prosseguimento dos autos, sem devolução da caução prestada.
TERMOS EM QUE DEVE SER JULGADO PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO, JULGANDO-SE A AÇÃO TOTALMENTE PROCEDENTE POR PROVADA, COM O QUE SE FARÁ INTEIRA JUSTIÇA!
1.5.- Em relação à Apelação identificada em 1.4., veio o MINISTÉRIO PÚBLICO contra-alegar, pugnando pela revogação da
decisão recorrida , para tanto aduzindo as seguintes conclusões,
- A obrigação de alimentos de pais a filhos surge com a filiação e é Independente das conjunturas de vida, e portanto, da solvabilidade ou insolvabilidade do progenitor obrigado a alimentos,
- A diferente e particular natureza da obrigação de alimentos também resulta evidente do próprio regime do CIRE, ao prever que a exoneração não abrange, os créditos por alimentos, por se tratar de direitos Indisponíveis- artigo 245° n° 2 al. a) do CIRE,
- O artigo 93° n° 1 do CIRE aplica-se somente quanto aos créditos vencidos após a declaração de insolvência, o que não acontece no presente caso, já que a execução se refere a créditos por alimentos datados de 2015 e 2016
- O artigo 55° do CIRE é claro: Salvo preceito expresso em contrário, são dívidas da massa insolvente, além de outras como tal qualificadas neste Código, a obrigação de prestar alimentos relativa a período posterior à data da declaração de Insolvência, nas condições do artigo 93°
- Já quanto à execução por alimentos e que está pendente o artigo 88°, n° 1 prevê que a declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência .
- A extinção por inutilidade superveniente da lide caberá somente para as execuções Instauradas nos 3 meses posteriores à declaração de insolvência - artigo 89°, n°1 do CIRE.
- A decisão a quo deveria ter declarado a suspensão da instância executiva.
- E não cabendo o despacho no processo principal, que é de Jurisdição voluntária e não de execução, não se lhe aplicando o artigo 88° n° 1 do CIRE.
Pelo exposto, deve ser dado provimento ao recurso, substituindo- se a decisão recorrida por outra que declare a suspensão da execução no apenso de execução.
Thema decidendum
1.6. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso] das alegações dos recorrentes ( cfr. art°s. 635°, n° 3 e 639°, n° 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n° 41/2013, de 26 de Junho ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, a questão a apreciar e a decidir é tão só a seguinte :
I- Apreciar se a decisão do tribunal a quo e de 9/5/2018 - e porque foi o progenitor/executado declarado INSOLVENTE e, concomitantemente, lhe foi concedida a requerida exoneração do passivo restante - e que declarou extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do art. 277° , al. e), do C.P.C., se impõe ser revogada, porque destituída de fundamento legal.
2. - Motivação de Facto
A factualidade a atender em sede de julgamento do mérito da apelação pela requente SIB... interposta é a que se mostra indicada no Relatório do presente Acórdão, e para o qual se remete, e à qual se acrescenta ainda a seguinte ( decorrente de documentação junta aos autos principais e apensos ):
2.1. — Da decisão judicial indicada em 1.2. , de 23/5/2017 e que concedeu ao executado RFJ.insolvente a exoneração do passivo restante, consta o seguinte :
Deste modo, e dando por assente e reproduzido o quadro fáctico vivencial alegado no requerimento Inicial e relatado no relatório apresentado pela Sra. Administradora da insolvência ( designadamente que o insolvente tem 38 anos de idade, é divorciado e tem uma filha menor, com 14 anos de idade que reside com a mãe nos Açores : o insolvente trabalha por conta de outrem, auferindo a remuneração base mensal de 6325,78, a que acresce abonos de trabalho nocturno e subsídio de refeição, perfazendo o valor líquido mensal de €557,00 ) defere-se liminarmente ao pedido de exoneração do passivo restante nos termos do disposto no art.° 239°, n.° 1 e 2, do CIRE , e , consequentemente, determina-se que durante os 5 anos de período de cessão ali previsto o rendimento disponível que o insolvente venha a auferir acima de 1+ 1/4 Salário Mínimo Nacional (a vigorar em cada ano civil) - atendendo a que tem uma filha menor e aos demais elementos vivenciais apurados - venha a ser entregue à fiduciária, cabendo-lhe ainda cumprir as obrigações previstas no n.° 4 do art.° 239.°, sob pena de cessação antecipada do respectivo procedimento.

3. - Motivação de Direito
3.1. - Se a decisão do tribunal a quo e de 9/5/2018 - e porque foi o progenitor/executado declarado INSOLVENTE e , concomitantemente, lhe foi concedida a requerida exoneração do passivo restante -, e que declarou extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do art. 277°, al. e), do CP.C., se impõe ser revogada, porque errada.
Antes de mais, importa recordar que tendo a decisão apelada e de 9/5/2018 , sido proferida no âmbito da acção principal de alteração da regulação das responsabilidades parentais , prima fatie e em coerência tudo indicava que a declaração de extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide tinha por objecto a respectiva instância.
Porém, porque como vimos supra, na referida acção de alteração da regulação das responsabilidades parentais intentada em 11/11/2014, veio em 16/12/2014 a ser alcançado ACORDO - judicialmente homologado por sentença - que pôs necessariamente ( cfr. art° 277°, alínea a), do CPC ) termo à respectiva instância , e porque obviamente uma instância já extinta não é passível de nova extinção [ salvo situações excepcionais e vg de renovação de execução extinta, cfr art° 850°, do CPC ] , tudo obriga a concluir que a decisão apelada tem por objecto a acção executiva e especial por alimentos pela apelante intentada em 23/2/2017, e supra aludida sob o item 1.1 do presente acórdão.
Isto dito, e afigurando-se-nos que como assim o considera CLARA SOTTOMAYOR , e , de resto, como já o decidiu este mesmo , o disposto no art° 48° do REGIME GERAL DO PROCESSO TUTELAR CÍVEL [ Lei n.° 141/2015, de 08 de Setembro ] , e sob a epígrafe e Meios de tornar efectiva a prestação de alimentos , não obsta a que o credor de alimentos fixados se socorra da acção executiva especial por alimentos prevista nos artigos 933.° a 937°, do CPC, vejamos de seguida qual a implicação processual para esta última acção coerciva caso venha o executado , no seu decurso, a ser judicialmente declarado insolvente.
Ora, sobre a referida matéria, reza o ARTIGO 88º, do CIRE [ CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS, aprovado pelo DL n.° 53/2004, de 18 de Março ], que :
1 - A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência ; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes.
2 - Tratando-se de execuções que prossigam contra outros executados e não hajam de ser apensadas ao processo nos termos do n.° 2 do artigo 85.°, é apenas extraído, e remetido para apensação, traslado do processado relativo ao insolvente.
3 - As acções executivas suspensas nos termos do n.° 1 extinguem-se, quanto ao executado insolvente, logo que o processo de insolvência seja encerrado nos termos previstos nas alíneas a) e d) do n.° 1 do artigo 230.0, salvo para efeitos do exercício do direito de reversão legalmente previsto.
4 - Compete ao administrador da insolvência comunicar por escrito e, preferencialmente, por meios electrónicos, aos agentes de execução designados nas execuções afectadas pela declaração de insolvência, que sejam do seu conhecimento, ou ao tribunal, quando as diligências de execução sejam promovidas por oficial de justiça, a ocorrência dos factos descritos no número anterior.
Já as alíneas à e d), do n.° 1 ,do artigo 230.°, do CIRE , dispõem que :
1. Prosseguindo o processo após a declaração de insolvência, o juiz declara o seu encerramento:
a) Após a realização do rateio final, sem prejuízo do disposto no n.° 6 do artigo 239. °;
(…)
d) Quando o administrador da insolvência constate a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente.
Com interesse para o thema decidenduum, importa outrossim atentar que, o art° 93°, do CIRE, com a epígrafe de Créditos por alimentos, dispõe que O direito a exigir alimentos do insolvente relativo a período posterior à declaração de insolvência só pode ser exercido contra a massa se nenhuma das pessoas referidas no artigo 2009.° do Código Civil estiver em condições de os prestar, devendo, neste caso, o juiz fixar o respectivo montante.
Por último, diz-nos o art° 245°, n°1, e n°2, alínea a), do Cire, e o qual regula os efeitos da concessão da Exoneração do passivo restante, que A exoneração do devedor importa a extinção de todos os créditos sobre a
insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida, sem excepção dos que não tenham sido reclamados e verificados, sendo aplicável o disposto no n.° 4 do artigo 217.º, sendo que A exoneração não abrange, porém, Os créditos por alimentos.
Em face do conteúdo dos normativos supra referidos, e interpretando-os articuladamente, e no que aos créditos de ALIMENTOS concerne, importa distinguir as prestações de alimentos resultantes de obrigação de alimentos a cargo do insolvente e vencidas em período anterior à declaração de insolvência do obrigado, das prestações vencidas já em período posterior à data de declaração de insolvência do respectivo devedor.
As primeiras, correspondem para todos os efeitos a créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente e cujo fundamento é anterior à data da declaração de insolvência e, como tal, integram a categoria das dívidas da insolvência ( a que correspondem os denominados créditos sobre a insolvência) e sendo os respectivos titulares credores da insolvência [ cfr. art°s 46° e 47°, ambos do CIRE ] .
Os referidos créditos, como todos os demais sobre a insolvência, integram portanto também a previsão do art° 90°, do CIRE, ou seja, obrigam a que os seus titulares exerçam os correspondentes direitos em conformidade com os preceitos do CIRE e durante a pendência do processo de insolvência, isto é, no processo de insolvência [ em razão do carácter universal e concursal do processo de insolvência, e porque nele são apreendidos e liquidados todos os bens penhoráveis do insolvente -universalidade do processo de insolvência - todos os credores devem ser chamados ao processo para nele, e só nele — exclusividade da instância -obterem a satisfação dos seus direitos (3) ] , solução esta que, como o ensinam Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, se harmoniza com a natureza e a função do processo de insolvência, como execução universal, tal como o caracteriza o n°1, do código .
Já as segundas [ as prestações vencidas já em período posterior à data de declaração de insolvência do respectivo devedor ], correspondem ao invés a créditos sobre a massa insolvente , sendo para todos os efeitos dívidas da massa insolvente , mostrando-se as mesmas previstas no art° 51°, do CIRE [ com a epígrafe de Dívidas da massa insolvente ] , e cujo n°1, alínea j), reza que salvo preceito expresso em contrário, são dívidas da
massa insolvente, além de outras como tal qualificadas neste Código A obrigação de prestar alimentos relativa a período posterior à data da declaração de insolvência, nas condições do artigo 93.° .
Ou seja, o crédito de ALIMENTOS, ainda que de igual natureza, e consoante o momento do nascimento da correspondente dívida [ se anteriormente ou posteriormente à data da declaração de insolvência do devedor ] , integram ou o conceito de dívidas da insolvência ( artigo 47.°, n.° 2) , ou o de dívidas da massa insolvente (artigo 51.0).
A classificação e distinção entre umas e outras [dívidas da insolvência e dívidas da massa insolvente , importa não olvidar, assume a maior importância, dado o regime diferenciado a que se encontram sujeitas , sendo de destacar, de entre as referidas diferenças, as que se prendem com o timing da respectiva satisfação, pois que, as segundas, são satisfeitas primeiramente [ ainda que sem prejuízo das condicionantes do art° 93°, do Cire ] e tal como o determina o n°1, do art° 172°, do CIRE, ao estipular que Antes de proceder ao pagamento dos créditos sobre a insolvência, o administrador da insolvência deduz da massa insolvente os bens ou direitos necessários á satisfação das dívidas desta, incluindo as que previsivelmente se constituirão até ao encerramento do processo.
Outrossim no tocante a implicações adjectivas [ em sede executiva ] e decorrentes da declaração de insolvência do devedor de Alimentos, importa distinguir as dívidas de alimentos da insolvência e as dívidas de alimentos da massa insolvente, aplicando-se às primeiras o art° 88°, do CIRE e , às segundas, o art° 89°.
Assim, e como vimos supra, se relativamente a dívidas de alimentos de devedor e vencidas antes da respectiva insolvência , A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência ( cfr art° 88°,n°1, do Cire ), já relativamente a dívidas de alimentos da massa insolvente ( tal como as identifica o artigo 51.° ), apenas Durante os três meses seguintes à data da declaração de insolvência, não podem ser propostas execuções para pagamento de dívidas da massa insolvente - cfr. art° 89°, do CIRE.
Aplicando-se portanto, in casu, o disposto no art° 88° do CIRE, porque em causa está uma acção executiva intentada por credor da insolvência e relacionada portanto com dívida da insolvência , temos assim que, o respectivo n° 1, apenas obriga à sua imediata suspensão, que não à extinção, sendo que, uma vez suspensa, a sua extinção apenas deve ocorrer aquando do encerramento [ e na sequência de decisão/declaração judicial] do processo de insolvência e desde que com o fundamento, ou na realização do rateio final, ou na constatação pelo administrador da insolvência da insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente — cfr. n° 3, do art° 88°.
Por outra banda, e sendo verdade que [ cfr. art° 245°, do CIRE ] , A exoneração do devedor importa a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida, sem excepção dos que não tenham sido reclamados e verificados, sendo aplicável o disposto no n.° 4 do artigo 217, logo acrescenta o n°2, do mesmo art° 245°, do CIRE, na respectiva alínea a), que a exoneração não abrange os créditos por alimentos.
Em rigor, portanto, e em razão da particular natureza dos interesses dos seus titulares (5) [ como decorre do art° 2008°, do CC, n°s 1 e 2, O direito a alimentos não pode ser renunciado ou cedido, bem que estes possam deixar de ser pedidos e possam renunciar-se as prestações vencidas. O crédito de alimentos não é penhorável, e o obrigado não pode livrar-se por meio de compensação, ainda que se trate de prestações já vencidas ] e quer tenham ou não sido reclamados e verificados, os créditos de alimentos não se extinguem e portanto subsistem como tal os créditos de alimentos anteriores à declaração de insolvência e à concessão da exoneração.
Tudo visto e ponderado, dispondo o tribunal a quo de fundamento legal para determinar a suspensão da acção executiva pela apelante intentada e identificada no item 1.1. do presente acórdão, já carecia de pertinente amparo normativo para declarar, como o fez, extinta a instância ( executiva) por impossibilidade superveniente da lide.
Ademais, mesmo relativamente aos alimentos vencidos no período posterior à declaração de insolvência [ o que não é naturalmente o caso dos reclamados na execução ], tem vindo a jurisprudência, com alguma pertinência, a sustentar não ser sequer aplicável o disposto no art° 93°, do CIRE, antes devem as respectivas prestações mensais ser consideradas como integrando também a previsão da alínea b), i) , do n°3, do art° 239°, do CIRE, ou seja, como devendo fazer parte do conceito de despesas de sustento do devedor e do seu agregado familiar .
Em face de tudo o supra exposto, a revogação da decisão apelada mostra-se inevitável, pois que, podendo/devendo o tribunal a quo determinar a suspensão da instância executiva ( cf. o obriga o art° 88°, n°1, do Cire ), não dispõe ( o que não resulta do expediente a que este tribunal teve acesso) já de fundamento legal [ previstos nas alíneas a) e d) do n.° 1 , do artigo 230°, do CIRE ] que ampare a sua decisão de declaração de extinção da instância.
4 - SUMARIANDO ( cfr. art° 663°,n°7, do Cód. de Proc. Civil ).
4.1- No âmbito de prestações de Alimentos , e sendo o respectivo obrigado declarado insolvente, importa distinguir as dívidas de alimentos da insolvência e as dívidas de alimentos da massa insolvente, aplicando-se às primeiras o art° 88°, do CIRE e, às segundas, o art° 89° do mesmo diploma legal.
4.2. — Estando pendente à data da declaração de insolvência do obrigado de Alimentos uma acção executiva com vista à cobrança de prestações de alimentos vencidas, deve a mesma ser suspensa, e extinguindo-se a respectiva instância logo que o processo de insolvência seja encerrado nos termos previstos nas alíneas a) e d) do n.° 1 do artigo 230.°, do CIRE
4.3. — Ainda que o devedor/insolvente de dívidas de alimentos da insolvência venha a beneficiar de despacho inicial de deferimento liminar de pedido de exoneração do passivo , tal não importa a imediata extinção da instância , sendo que, de resto, a decisão final da exoneração do passivo restante do devedor não importa a extinção dos créditos por alimentos — cfr art° 245°, do CIRE ;
5 - Decisão.
Em face de tudo o supra exposto,
acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de
Lisboa , em , concedendo provimento à apelação interposta por SIB...
:
5.1.- Revogar a decisão apelada .
Sem custas.

LISBOA, 14/2/2019
António Manuel Fernandes dos Santos ( O Relator)
Eduardo Petersen Silva ( 1° Adjunto)
Cristina Isabel Ferreira Neves ( 2a Adjunta
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