Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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 - ACRL de 09-01-2019   Identificação de arguido. Dúvidas sobre a identidade. Resenha dactiloscópica.
A questão está em se saber se o arguido foi identificado com a necessária precisão de molde a que a decisão a produzir possa atingir a sua plenitude ao nível do julgado. A acusação refere expressamente que se acusa HZ... (que já se identificou como Y…), filho de S…, nascido a …, na Argélia, solteiro, residente no Largo M…, em Oeiras, actualmente preso no E.P. de Lisboa, com a resenha dactiloscópica n.º … e o cliché n.º … da Pr. Esta identificação é mais do que suficiente para que não surjam quaisquer dúvidas sobre a identidade de quem se julga.
O simples facto de se apontar para uma resenha dactiloscópica assegura que nunca existirão dúvidas sobre quem foi julgado pela simples e singela razão que as impressões digitais são únicas a cada indivíduo. A impressão digital é prova mais concludente e positiva da identidade do indivíduo, dando-lhe prioridade ao conjunto dos outros dados que servirão para complementação da individualidade.
O arguido pode dizer chamar-se Francisco, Joaquim, Mohamed ou outro nome. Será sempre aquele tem a resenha dactiloscópica junto aos autos donde dúvidas não existem sobre quem se julga, condena ou absolve. E tanto basta.
Proc. 7864/15.1TDLSB.L1 3ª Secção
Desembargadores:  Rui Teixeira - Teresa Féria - -
Sumário elaborado por Margarida Fernandes
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NUIPC 7864/15.1TDLSB.L1
Acordam na 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa
1- Relatório
No âmbito do NUIPC 7864/15.1TDLSB, inconformado com a rejeição da acusação por si deduzida, veio o Ministério Público recorrer de tal decisão motivando a peça recursal e formulando as seguintes conclusões:
1. Nos presentes autos, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido HZ..., indivíduo que falsamente se identificou como YH… em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido e em sede de audiência de julgamento, ambos realizados no âmbito do processo n° 2..3.9SKLS, pelo que lhe imputou a prática de factos susceptíveis de integrarem o cometimento, em autoria material e na forma consumada de crime de falsas declarações, p. e p. pelo artigo 348°-A, n°1 do Código Penal.
2. Constitui objecto do presente recurso o despacho proferido pela Mma Juiz a quo a fls. 225, que rejeitou a acusação deduzida pelo Ministério
Público (fls. 206 a 209), ao abrigo do disposto nos artigos 311°, n.ºs 2, al. a), n°3, al. a) e 283°, al. a), todos do Código de Processo Penal, alegando que a mesma é manifestamente infundada, uma vez que não identifica o arguido de forma a permitir concluir que foi acusada a pessoa a quem se imputam os factos descritos na acusação pública.
3. Nos termos do n° 3, al. a) do artigo 311º do Código de Processo Penal, é considerada manifestamente infundada a acusação quando esta não contenha a identificação do arguido, sendo que dispõe o artigo 283º, n° 3, al. a) do citado diploma legal que a acusação contém, sob pena de nulidade as indicações tendentes à identificação do arguido.
4. As indicações tendentes à identificação do arguido visam evitar que haja dúvidas sobre quem é a pessoa acusada e vai ser submetida a julgamento e visa exactamente possibilitar a essa pessoa - a acusada — de se defender - incluindo não ser ela a autora dos factos, pondo desde logo em causa a sua qualidade material de arguida.
5. Diversamente do que ocorre com a acusação que se refere aos elementos tendentes à identificação do arguido, o artigo 311°, n° 3, al. a) do Código de Processo Penal é mais preciso não contenha a identificação do arguido.
6. Analisada a acusação deduzida nos autos, consideramos que o Ministério Público faz a cabal identificação do arguido, que é o indivíduo que foi detido e esteve presente em interrogatório judicial e na audiência de julgamento, ambos realizados no âmbito do processo n° 213.9SKLSB, que se encontra actualmente preso no E.P. de Lisboa, que se identifica como HZ... e que forneceu os restantes elementos relativos à sua filiação, estado civil, data e local de nascimento e que, em momento anterior, prestou informação quanto à sua identidade que não correspondia à verdadeira e que determinou a dedução de acusação pelo Ministério Público contra si, pela prática do crime de falsas declarações, p. e p. pelo artigo 348°-A, n°1 do Código Penal.
7. Não existe fundamento para a rejeição da acusação, porquanto a mesma não se mostra manifestamente infundada, pois que os factos vertidos na acusação constituem crime, sendo que dessa peça processual constam todos os demais requisitos previstos no n° 3 do artigo 311°, do Código de Processo Penal, nomeadamente, as indicações tendentes à identificação do arguido, requisito este exigido pela leitura uniforme e sistemática dos preceitos contidos no artigo 283°, n° 3 e 311°, n° 3, al. a), ambos do Código de Processo Penal.
8. In casu, não subsiste dúvida que quem foi acusado nos autos pelo Ministério Público foi quem praticou os factos descritos na acusação de fls. 206 a 209, não obstante se dê a circunstância de a pessoa física, autora dos factos, se ter identificado, em momento anterior, erradamente em virtude da falsidade por ela cometida quanto aos seus elementos de identificação.
9. Na acusação deduzida nos autos, o Ministério Público faz a cabal identificação do arguido, fazendo constar o seu nome, filiação, data e local de nascimento, bem como a sua residência, sendo que actualmente encontra-se preso em estabelecimento prisional.
10. Para além disso, o indivíduo em causa nos autos prestou TIR— fls. 67 — e mostra-se completamente identificado no auto do seu interrogatório — fls. 68 a 70, os elementos fornecidos traduzem-se em indicações suficientes, tendentes à sua identificação, sem margem para dúvidas.
11. Ao não receber a acusação, a Mmo Juiz a quo violou o disposto nos artigos 283°, n° 3, al. a) e 311°, n°s 2, al. a) e 3, al. a), todos do Código de Processo Penal.
Pelo exposto, deverá o presente recurso ser julgado procedente nos termos enunciados, sendo o despacho em causa substituído por outro que receba a acusação deduzida pelo Ministério Público contra o arguido, pela prática do crime de falsas declarações, p. e p. pelo artigo 378°-A, n°1 do Código Penal.
O arguido recorrido não respondeu.
O Ministério Público nesta Relação pugnou pela revogação do decidido.
II — Dos fundamentos, factos provados e não provados.
O âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, só sendo licito ao Tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410°, n°2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19/10/1995, DR I-A Série, de 28/12/1995 e artigos 403°, n°1 e 412°, n°s 1 e 2, ambos do Código do Processo Penal).
No caso concreto, analisadas as conclusões recursais a única questão a decidir é a de se saber se o arguido está devidamente identificado de molde a que a acusação não possa ser considerada nula.
Ante tal vejamos o decidido em 1a instância.
Aí se considerou que: A fls. 206 a 209 dos autos, o M.P. deduziu acusação de indivíduo que se identifica como HZ... imputando-lhe os factos aí descritos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, que são susceptíveis de integrarem a prática, em autoria material, de um crime de falsas declarações, p. e p. pelo artigo 348°¬A, n°1 do Código Penal.
Como dispõe o artigo 283°, n.° 3, alinea a) do Código de Processo Penal que a acusação contém, sob pena de nulidade, as indicações tendentes à identificação do arguido.
Como escreve MAIA GONÇALVES (in Código de Processo Penal Anotado e Comentado, 11.a edição, Almedina, Coimbra, 1999, pág. 545), a expressão indicações tendentes à identificação do arguido (e não simplesmente identificação do arguido) foi usada de caso pensado, visando resolver aqueles casos em que se não sabe ao certo qual é a identificação do arguido. Em tais casos, a acusação descreverá as indicações que tiver ao seu dispor e que identifiquem o arguido: sexo, altura, peso, cor, idade aproximada e outras características, incluindo sinais particulares.
O artigo 311° do Código de Processo Penal prevê que se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha no sentido de rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada.
Ora, manifestamente infundada é a acusação que não contenha a identificação do arguido; a narração dos factos; se não indicar as disposições legais aplicáveis ou as provas que a fundamentam; ou se os factos não constituem crime.
No caso vertente, dúvidas não restam de que não se sabe quem é a pessoa referida nos autos.
Poder-se-á objectar que tal é uma questão de prova, apenas resolúvel com a respectiva produção, o que não colhe, uma vez que a identificação de um arguido é um elemento essencial da acusação, e, jamais se saberá com certeza quem é o arguido.
Deste modo, a acusação não identifica o arguido de forma a permitir concluir que foi acusada a pessoa a quem se imputam os factos, cumprindo rejeitá-la, ao abrigo do disposto preceituado nos artigos 311-, n.°8 2, alínea a), e n°3, alínea a), 283°, n° 3, alínea a), ambos do Código de Processo Penal.
Pelo exposto, declaro a nulidade a acusação, rejeitando-a pela falta de identificação do arguido.
Notifique e, oportunamente, arquivem-se os autos.
III — Do mérito do recurso
Já ficou expresso que a única questão a decidir é a de se saber se a identificação constante da acusação se mostra de tal forma precisa que não seja geradora de nulidade.
Dispõe o art° 311° n° 2 do Código do Processo Penal que Se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha no sentido: a) De rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada; (...), acrescentando o n° 3 que Para efeitos do disposto no número anterior, a acusação considera-se manifestamente infundada: a) Quando não contenha a identificação do arguido.
São estes os preceitos a considerar.
O caso que nos é presente é de extrema simplicidade e na verdade dificilmente se compreende como foi possível tomar a decisão recorrida.
Não restam dúvidas que a Srª Juíza tem razão quando diz que se não se sabe quem se julga não se pode julgar.
A questão não está aí. Está em se saber se o arguido foi identificado com a necessária precisão de molde a que a decisão a produzir possa atingir a sua plenitude ao nível do julgado.
Ora, devemos começar com uma imprecisão do despacho recorrido. Alí se fez constar que a acusação foi deduzida contra um indivíduo que se identifica como HZ....
Ora, não foi assim. A acusação refere expressamente que se acusa HZ... (que já se identificou como Y…), filho de S…, nascido a …, na Argélia, solteiro, residente no Largo M…, em Oeiras, actualmente preso no E.P. de Lisboa, com a resenha dactiloscópica n.º … e o cliché n.º … da Pr.
Ora, esta identificação é mais do que suficiente para que não surjam quaisquer dúvidas sobre a identidade de quem se julga.
Aliás, o simples facto de se apontar para uma resenha dactiloscópica assegura que nunca existirão dúvidas sobre quem foi julgado pela simples e singela razão que as impressões digitais são únicas a cada indivíduo. A impressão digital é prova mais concludente e positiva da identidade do indivíduo, dando-lhe prioridade ao conjunto dos outros dados que servirão para complementação da individualidade.
O arguido pode dizer chamar-se Francisco, Joaquim, Mohamed ou outro nome. Será sempre aquele tem a resenha dactiloscópica junto aos autos donde dúvidas não existem sobre quem se julga, condena ou absolve.
E tanto basta.
IV - Dispositivo
Por todo o exposto, acorda-se na 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar provido o recurso interposto pelo Ministério Público e revogar a decisão recorrida a qual deverá ser substituída por outra que receba a acusação deduzida pelo Ministério Público contra o arguido se nenhuma outra questão que leve à rejeição existir.
Sem custas.
Notifique.
Acórdão elaborado pelo 1.º signatário em processador de texto que o reviu integralmente sendo assinado pelo próprio e pela Mmª Juíza Adjunta.
Lisboa e Tribunal da Relação, 9 de janeiro de 2019
Rui Miguel de Castro Ferreira Teixeira
Relator
Maria Teresa Féria de Almeida
1ª Adjunta
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