Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - ACRL de 22-01-2019   A nulidade da sentença. Ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais. Litispendência.
Só a absoluta falta de fundamentação, e não a fundamentação deficiente conduzem à nulidade da sentença (art. 615°, al. b) do CPC).
Não se verifica a nulidade da sentença recorrida, com fundamento na sua ininteligibilidade se nas alegações de recurso o recorrente demonstra ter apreendido o sentido da mesma (art. 615°, al. c) do CPC).
Quando intentada na pendência de ação de divórcio, a ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais deve obrigatoriamente correr por apenso àquela (art. 11°, n° 3 do RGPTC).
Porém, nas situações em que, como sucede no caso vertente, foram intentadas duas ações de divórcio e duas ações de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas ao mesmo casal e seus filhos, não faz sentido apensar todas elas, na medida em que só podem subsistir uma ação de divórcio e uma ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais.
Verifica-se litispendência sempre que, na pendência de uma ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais A e B, o requerido da ação A intentar ação da mesma espécie contra a requerente da mesma ação.
Prevalecerá a ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais na qual ocorrer em primeiro lugar a citação do/a requerido/a.
A referência temporal da litispendência afere-se, em princípio em função das datas em que tiveram lugar as citações em ambas as ações concorrentes. Contudo, quando a situação é detetada antes de ter ocorrido a citação, pode a questão deve a questão ser decidida em função da data da propositura da ação, a fim de evitar a prática de atos inúteis (art. 130º do C.P.C.).
Proc. 19889/17.8T8LSB-B.L1 7ª Secção
Desembargadores:  Diogo Ravara - Ana Maria Silva - -
Sumário elaborado por Margarida Fernandes
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Proc. n.º 19.889/17.8T8LSB-B.L1 – Apelação
Tribunal Recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo de Família e
Menores de Lisboa – Juiz 1.
Recorrente: JR...
Recorrida: JC...
Sumário (Da responsabilidade do relator - art.° 663° n° 7 do Código de Processo Civil1):
I- Só a absoluta falta de fundamentação, e não a fundamentação deficiente conduzem à nulidade da sentença (art. 615°, al. b) do CPC).
II- Não se verifica a nulidade da sentença recorrida, com fundamento na sua ininteligibilidade se nas alegações de recurso o recorrente demonstra ter apreendido o sentido da mesma (art. 615°, al. c) do CPC).
III- Quando intentada na pendência de ação de divórcio, a ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais deve obrigatoriamente correr por apenso àquela (art. 11°, n° 3 do RGPTC).
IV- Porém, nas situações em que, como sucede no caso vertente, foram intentadas duas ações de divórcio e duas ações de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas ao mesmo casal e seus filhos, não faz sentido apensar todas elas, na medida em que só podem subsistir uma ação de divórcio e uma ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais.
V- Verifica-se litispendência sempre que, na pendência de uma ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais A e B, o requerido da ação A intentar ação da mesma espécie contra a requerente da mesma ação.
VI- Prevalecerá a ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais na qual ocorrer em primeiro lugar a citação do/a requerido/a.
VII- A referência temporal da litispendência afere-se, em princípio em função
das datas em que tiveram lugar as citações em ambas as ações concorrentes. Contudo, quando a situação é detetada antes de ter ocorrido a citação, pode a questão deve a questão ser decidida em função da data da propositura da ação, a fim de evitar a prática de atos inúteis (art. 130º do C.P.C.).
ACORDAM OS JUÍZES NA 7ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
I- RELATÓRIO
Em 16-09-2017 JR... intentou no Juízo de Família e Menores de Lisboa a presente ação declarativa de regulação do exercício das responsabilidades parentais, com processo especial, contra JC....
Fê-lo por apenso à ação de divórcio que em 12-09-2018 havia intentado contra a aqui requerida.
Em 26-09-2017, ainda antes da citação da requerida, a Mmª Juíza a quo proferiu o despacho com a refª 369185796, de fls. 20, com o seguinte teor:
“(...)Faço consignar que nos autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais com o n° 18808/17.6T8LSB do J3 ainda nenhum acto foi praticado.
O Requerente veio através dos presentes autos requerer a regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente aos seus filhos menores.
Compulsados os autos, concretamente a informação supra, resulta que foi instaurado processo semelhante anteriormente e que corre termos neste Tribunal, no Juiz 3.
Ou seja, constata-se a existência da pendência de outro processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, o que de acordo com o disposto nos art. 580°, 581°, e 576°, n° 2 do C.P.Civil, implica a absolvição da instância.
Face ao exposto, declara-se extinta a presente instância.
Registe e notifique.”
Inconformado com tal decisão, veio o autor interpor recurso de apelação, no qual formulou as seguintes conclusões:
“2.1 – A decisão recorrida, ao fundamentar-se em informações que não concretiza ou que se mostram irrelevantes, evidencia ambiguidade e falta de clareza que não permitem ao Recorrente apreender o exato sentido da decisão;
2.2 - Mostra-se assim ininteligível, o que é causa de nulidade ao abrigo do disposto no artigo 615.º n.º1, alínea c), do Código de Processo Civil;
2.3 - A verificação da exceção dilatória de litispendência tem de se fundamentar em factos concretos dos quais se extraia a existência cumulativa dos requisitos legalmente exigidos;
2.4 – Sendo a decisão recorrida inteiramente omissa quanto aos referidos factos, enferma a mesma de nulidade nos termos do artigo 615.º n.º1, alínea b), do Código de Processo Civil;
2.5 - O tribunal competente para decretar a providência tutelar de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais é o tribunal onde pende a ação de divórcio dos respetivos progenitores;
2.6 – A decisão recorrida ao não acatar o disposto no artigo 11.º da Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro, que determina a competência por conexão, violou as regras de competência
em razão da matéria.”
Conclui que “deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida (...)”.
Notificado o Ministério Público, este apresentou contra-alegações, que sintetizou nos termos das seguintes conclusões:
1. Nos termos do disposto no art.° 11.°, n.° 3 do RGPTC, estando pendente acção de divórcio os processos de regulação da responsabilidades parentais correm por apenso àquela acção.
2. Correndo termos Acção de Divórcio, o recorrente instaurou acção de Regulação das Responsabilidades Parentais, por apenso à acção de divórcio n.° 1…/17.8T8LSB a correr termos no J1 deste Tribunal.
3. Verificando o Tribunal que já existia acção de Regulação das Responsabilidades Parentais a correr termos neste Tribunal J3 sob o número 1…/17.6T8LSB, deveria o despacho em crise, antes de se ter pronunciado pela litispendência, ter solicitado tais autos a fim de serem apensos à Acção de Divórcio n.° 1…/17.8T8LSB.
4. Correndo termos duas acções de REPP´s relativamente aos mesmos menores e progenitores duvidas não existem estarmos ante uma situação de litispendência e, consequentemente,
seguindo as regras de tal regime, ser declarada extinta por tal efeito a acção instaurada em segundo lugar.
5. Com efeito, não poderão correr termos duas acções com a mesma causa de pedir.
6. Verificando-se que acção de REPP a que os presentes dizem respeito, foi instaurada depois da acção n.° 1…/17.6T8LSB, sempre seria de declarar a sua extinção por efeito de litispendência.
7. Sem prejuízo de se solicitar os autos de RERP n.° 1…/17.6T8LSB-J3 a fim de serem apensos à acção de Divorcio n.° 1…/17.8T8LSB a correr termos neste juízo.
8. O despacho em crise não padece de nulidade por falta de fundamentação fáctica ou de direito.
9. Apenas deveria ter acautelado a apensação supra referida.”
Citada a requerida para os termos da causa e do presente recurso, a mesma não apresentou alegações, nem por qualquer outra forma interveio no processo.
Recebido o recurso neste Tribunal da Relação, foram colhidos os vistos.
II - QUESTÕES A DECIDIR
Conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 635°, n.° 4 e 639°, n.° 1 do CPC, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam). Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5° n.° 3 do Código de Processo Civil).
Não obstante, excetuadas as questões de conhecimento oficioso, não pode este Tribunal conhecer de questões que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.
Assim, as questões a apreciar e decidir (reordenadas por ordem lógica), são as seguintes:
- Da nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação – conclusões 2.3 e 2.4
- Da nulidade do despacho recorrido, por ininteligibilidade – conclusões 2.1 e 2.2
- Da competência por conexão – conclusões 2.5 e 2.6
- Da litispendência – conclusão 2.3
III- OS FACTOS
Os factos a considerar são os que constam do relatório que antecede, aos quais
acrescentamos os seguintes:
1. Em 21-08-2017 JC... intentou no Juízo de Família de Lisboa uma ação de regulação das responsabilidades parentais contra JR..., a qual veio a ser atribuído o n° 1…/17.6T8LSB, após o que foi distribuída ao Juiz 3.
2. Em 23-08-2017 JC... intentou no Juízo de Família de Lisboa uma ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra JR... António, a qual veio a receber o n° 1…/17.0T8LSB, após o que foi distribuída ao Juiz 2.
3. Em 12-09-2017 JR... António intentou ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra JC..., a qual recebeu o n° 1…/17.8T8LSB.L1.
4. Em 16-09-2017 JR... António intentou a presente ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativa contra JC..., o que fez por apenso ao processo identificado em 3., pelo que a presente ação veio a receber o n° 1…/17.8T8LSB.L1-B.
5. Quer a ação de regulação das responsabilidades parentais referida em 1., quer a presente se reportam a AL..., SO..., TI..., e MI..., filhos de JC... e de JR....
6. Em 26-09-2017, nos presentes autos, a Mmª Juíza a quo proferiu o despacho com a refª 369185796, de fls. 20, com o seguinte teor:
“(...) Faço consignar que nos autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais com o n° 18808/17.6T8LSB do J3 ainda nenhum acto foi praticado.
O Requerente veio através dos presentes autos requerer a regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente aos seus filhos menores.
Compulsados os autos, concretamente a informação supra, resulta que foi instaurado processo semelhante anteriormente e que corre termos neste Tribunal, no Juiz 3
Ou seja, constata-se a existência da pendência de outro processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, o que de acordo com o disposto nos art. 580°, 581°, e 576°, n° 2 do C.P.Civil, implica a absolvição da instância.
Face ao exposto, declara-se extinta a presente instância. Registe e notifique.”
7. Em 13-10-2017 no processo identificado em 1. foi proferido despacho cuja cópia se acha a fls. 83-84, nos termos do qual se determinou, nomeadamente, o seguinte: “JC... instaurou uma ação de divórcio contra JR..., distribuída ao Juiz 2 deste Juízo de Família e Menores, com o n°1…/17.0T8LSB, ação na qual encontra-se designada tentativa de conciliação para o dia 16 de outubro de 2017. JC... instaurou a presente ação de regulação das responsabilidades parentais contra JR..., em favor dos 4 filhos menores AL..., SO…, TI... e MI..., ação esta distribuída ao Juiz 3 deste Juízo de Família e Menores. Estando pendente ação de divórcio, o processo de regulação corre por apenso a essa ação, nos termos do art.11°/3 do RGPTC, aprovado pela Lei n°141/2015, de 8 de setembro.
Desta forma, deve conhecer-se a incompetência por conexão deste J3 para tramitar e julgar a presente ação de regulação das responsabilidades parentais, e a competência do J2, por apenso à ação de divórcio que aí corre termos.
Pelo exposto:
1. Julgo incompetente este J3 para conhecer a presente ação de regulação das responsabilidades parentais e julgo competente o J2 para o seu conhecimento, por apenso à ação de divórcio nº 1…/17.0T8LSB
2. Determino a remessa deste processo para apensação ao processo de divórcio nº1…/17.0T8LSB, no J2 deste Juízo de Família e Menores.
Notifique o Ministério Público e a requerente.
Proceda imediatamente à remessa, em face da data designada para a tentativa de conciliação.”.
8. Na sequência do determinado no despacho referido em 1., o processo identificado em 1. foi remetido ao Juiz 3 do Juízo de Família e Menores de Lisboa, e apensado ao processo identificado em 2., passando a ter o n° 1…/17.0T8LSB.
9. No dia 16-11-2017 realizou-se uma conferência de pais no âmbito do proc. n° 1…/17.0T8LSB-A, no qual JR... e JC... estiveram presentes.
10. Em 06-12-2017, no proc. 1…/17.8T8LSB foi proferido o despacho com a refª 1…/17.8T8LSB, que se acha a fls. 49 dos mesmos autos, no qual se determinou o que segue:
“(...) declara-se extinta a instância, determinando.se o arquivamento dos autos por inutilidade superveniente, nos termos do art. 277º, alínea e) ddo C.P.Civil.
(...)”11. JC… foi citada para os termos da presente ação no dia 05-05-2018.
12. JC… não chegou a ser citada para os termos da ação de divórcio que correu termos no proc. 1…/17.8T8LSB.
IV- OS FACTOS E O DIREITO
A – Da nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação de facto – Conclusões 2.3 e 2.4
Nos termos do disposto no artigo 615°, n° 1, al. b) do Código de Processo Civil, a sentença é nula “quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. Tal vício emerge, pois da violação do dever de fundamentação das decisões judiciais, consagrado no art. 208°, n° 1 da Constituição da República, e no art. 154°, do CPC.
Estabelece o n° 1 deste último preceito que “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”.
E acrescenta o n° 2 que “a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho
interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade”.
Esta disposição indicia que o dever de fundamentação das decisões judiciais conhece diferentes graus, consoante o tipo de decisão a proferir e a sua complexidade.
O grau máximo da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais é representado pela sentença em ação contestada (art. 607°, n°s 3 e 4 do CPC), sendo a lei processual menos exigente no caso das ações não contestadas (vd. art. 567°, n° 3 do CPC), nas decisões relativas aos incidentes da instância e procedimentos cautelares (arts. 295° e 365°, n° 2 do mesmo Código), e nos despachos interlocutórios em que não tenha sido deduzida oposição e a questão a proferir seja manifestamente simples (art. 154°, n.° 2 do CPC).
No caso vertente, importa desde logo deixar claro que a decisão recorrida não é uma sentença, mas sim um despacho proferido em ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais, que julgou verificada a exceção de litispendência, concluindo pela absolvição da instância.
Com efeito, estabelece o art. 152°, n° 2 do CPC que por sentença se deve entender “o ato pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa”.
No contexto deste preceito, “decidir” significa conhecer do mérito da causa. Tal significa que as decisões judiciais em que se conhece de exceções dilatórias não configuram sentenças, porquanto, como é sabido as exceções dilatórias conduzem à absolvição da instância ou à remessa dos autos para o Tribunal competente (vd. arts. 576° 577° do CPC), não tendo por isso qualquer efeito substantivo, ou seja, não “decidem a causa”.
Ainda assim, porque tal decisão põe fim à causa, não nos repugna sujeitar a mesma ao crivo da norma da al. b) do n° 1 do art. 615° do CPC.
Ora, temos por claro que a nulidade da sentença por falta de fundamentação constitui uma figura de muito difícil verificação, na medida em que a doutrina e a jurisprudência têm salientado com insistência que tal vício só se verifica em situações de falta absoluta ou total ininteligibilidade de indicação das razões de facto e de Direito que justificam a decisão e não também quando tais razões constem da sentença, mas de tal forma que pela sua insuficiência, laconismo ou mediocridade, se deve considerar a fundamentação deficiente.
Com efeito, já ALBERTO DOS REIS, ensinava que «Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.»
Por outro lado, como bem salientou TOMÉ GOMES, «(...) a falta de fundamentação de facto ocorre quando, na sentença, se omite ou se mostre de todo ininteligível o quadro factual em que era suposto assentar. Situação diferente é aquela em que os factos especificados são insuficientes para suportar a solução jurídica adotada, ou seja, quando a fundamentação de facto se mostra medíocre e, portanto, passível de um juízo de mérito negativo. / A falta de fundamentação de direito existe quando, não obstante a indicação do universo factual, na sentença, não se revela qualquer enquadramento jurídico ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão7.»
No mesmo sentido se pronunciou o ac. STJ de 26-04-1995 (Raul Mateus), CJ 1995 – II, p. 58, “(...) no caso, no aresto em recurso, alinharam-se, de um lado, os fundamentos de facto, e, de outro lado, os fundamentos de direito, nos quais, e em conjunto se baseou a decisão. Isto é tão evidente que uma mera leitura, ainda que oblíqua, de tal acórdão logo mostra que assim é. Se bons, se maus esses fundamentos, isso é outra questão que nesta sede não tem qualquer espécie de relevância.”
No mesmo sentido, cfr. ac. STJ 15-12-2011 (Pereira Rodrigues), p. 2/08.9TTLMG.P1 onde se sustentou que o vício da nulidade da sentença por falta de fundamentação não ocorre em situações de escassez, deficiência, ou implausibilidade das razões de facto e/ou direito indicadas para justificar a decisão, mas apenas quando se verifique uma total falta de motivação que impossibilite o escrutínio das razões que conduziram à decisão proferida a final.
No fundo, como lapidarmente se consignou no sumário do ac. STJ 02-06-2016 (Fernanda Isabel Pereira), p. 781/11.6TBMTJ.L1.S1, “Só a absoluta falta de fundamentação – e não a sua insuficiência, mediocridade ou erroneidade – integra a previsão da al. b) do n.° 1 do art. 615.° do NCPC, cabendo o putativo desacerto da decisão no campo do erro de julgamento.”
E porque assim é, concluímos, como fez o ac. RL 17-05-2012 (Gilberto Jorge), p. 91/09.9T2MFR.L1-6, em cujo sumário se pode ler que “A não concordância da parte com a subsunção dos factos às normas jurídicas e/ou com a decisão sobre a matéria de facto de modo algum configuram causa de nulidade da sentença (...)”.
Tendo presentes estas considerações gerais, vejamos o caso concreto.
No caso vertente, sustenta o recorrente que “do teor do despacho “a quo” poder-se-á concluir, com esforço, que a relação de litispendência – que conduziu a final, à extinção da instância decretada – se baseou tão-somente na numeração sequencial dos processos em presença”, e que “a decisão recorrida limitou-se a enunciar os preceitos legais de cuja articulação resultou verificada a exceção dilatória de litispendência, o que não basta como fundamentação”.
Perante uma tal argumentação, só podemos concluir que o próprio recorrente reconhece que a decisão recorrida não é totalmente omissa quanto aos seus fundamentos, embora considere tal fundamentação insuficiente.
Este Tribunal subscreve inteiramente esse entendimento. Simplesmente, como referimos, só a absoluta falta de fundamentação conduz à nulidade prevista na al. b) do n° 1 do art. 615°. As situações de insuficiência ou mediocridade da fundamentação não são suscetíveis de conduzir a tal nulidade.
Tanto basta para concluir que a decisão recorrida não padece de nulidade por falta de fundamentação.
Não obstante, o certo é que nos termos do disposto no art. 665°, n° 1 do CPC que dispõe que “ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação”.
Interpretando este normativo ensina ABRANTES GERALDES que “a anulação da decisão (...) não tem como efeito invariável a remessa imediata do processo para o tribunal a quo, devendo a Relação proceder à apreciação do objeto do recurso, salvo quando não dispuser dos elementos necessários. Só nesta eventualidade se justifica a devolução do processo para o tribunal a quo.”
No caso vertente o processo contém todos os elementos necessários que permitem a este Tribunal conhecer da exceção de litispendência, pelo que, sendo a mesma de conhecimento oficioso (vd. art. 578° do CPC), caso procedesse alguma das nulidades invocadas, sempre teria o este Tribunal da Relação que apreciar a referida exceção.
Ora, como o recorrente, nas suas alegações de recurso, e bem assim na conclusão 2.3. acaba por questionar o mérito da decisão recorrida, este Tribunal não deixará de apreciar a exceção de litispendência. O que significa que no caso vertente a questão da eventual nulidade da decisão recorrida nenhum efeito prático tem sobre o desfecho final da causa.
B - Da nulidade da do despacho recorrido por ininteligibilidade – Conclusões 2.1 e 2.2
Dispõe o art. 615°, n° 1, al. c) do CPC que a sentença é nula “quando os fundamentos estejam em contradição com a decisão, ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
Como ensinava ALBERTO DOS REIS, a sentença ou acórdão serão obscuros quando neles se contenha “algum passo cujo sentido seja ininteligível” ou cujo sentido exato não se logre alcançar. Já a ambiguidade ocorre quando “alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos”.
No caso vertente, já concluímos que a decisão recorrida não é uma sentença.
Não obstante, a verdade é que no mesmo despacho se pôs fim à causa, pelo que, nos termos do disposto no art. 154°, n° 1 do CPC se impunha que aquele fosse fundamentado.
Ora, se tal decisão tem que ser fundamentada, ou seja, tem que conter as razões de facto e de Direito que determinam a consequência jurídica que a justifica, daí decorre que a motivação tem que ser suficientemente clara para que os seus destinatários a possam compreender, isto é, tem que ser inteligível.
No caso em apreço, muito embora no ponto 1.1. das suas alegações o recorrente sustente que só tomou conhecimento da existência do processo n° 1…/17.6T8LSB do Juiz 3 (que veio a receber o n° 1…/17.0T8LSB-A, do J2) através da decisão recorrida, a verdade é que também reconhece que “é percetível a fundamentação de direito”.
Contudo, entende o recorrente que decisão recorrida “se fundamenta em informação alegadamente existente nos próprios autos” embora sem especificar que informação é essa; acrescentando que “a ambiguidade e falta de clareza evidenciadas não permitem ao Recorrente apreender o exato sentido da decisão”.
Cremos que o recorrente labora em erro, confundindo os vícios da ininteligibilidade e da falta ou deficiência de fundamentação.
Na verdade, da argumentação expendida pelo recorrente resulta de forma clara, que o mesmo apreendeu o sentido da decisão recorrida, razão pela qual só se pode concluir que a mesma não é ininteligível.
Termos em que concluímos não se verificar o invocado vício da ininteligibilidade da decisão recorrida.
C – Da violação da competência por conexão – Conclusões 2.5 e 2.6
Sustenta a recorrente que “o Tribunal competente para decretar a providência tutelar de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais é o tribunal onde pende a ação de divórcio dos respetivos progenitores”.
Subscrevemos na íntegra este entendimento.
Contudo, não podemos deixar de discordar da conclusão que o recorrente retira de tal afirmação, ou seja, a de que “a decisão recorrida ao não acatar o disposto no artigo 11° da Lei n.° 141/2015, de 8 de setembro, que determina a competência por conexão, violou as regras de competência em razão da matéria”.
Com efeito, como bem aponta o recorrente, dispõe o art. 11°, n° 3 do RGPTC que
“Estando pendente ação de divórcio ou de separação judicial, os processos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, de prestação de alimentos e de inibição do exercício das responsabilidades parentais correm por apenso àquela ação.”
Simplesmente, o Tribunal onde corre termos a ação de divórcio dos progenitores não é Juízo de Família e Menores de Lisboa – Juiz 1, mas sim o Juízo de Família e Menores de Lisboa – Juiz 2.
Com efeito, tal como sucedeu com a presente ação de regulação das responsabilidades parentais, que repetiu a causa do proc. n° 1…/17.6T8LSB (mais tarde apenso ao proc. 117.0T8LSB, e renumerado como 1…/17.0T8LSB-A), também a ação de divórcio que correu termos sob o n° 1…/17.8T8LB, à qual os presentes autos foram apensos, repetiu a causa do processo n° 1…/17.0T8LSB.
Aliás, já em data posterior à interposição do presente recurso, o proc. 1…/17.8T8LSB.L1 que correu termos nos autos principais, extinguiu-se por efeito do despacho de fls. 49 dos referidos autos, onde se decretou a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide; e essa decisão fundou-se na circunstância de o divórcio entre as partes ter sido decretado noutro processo, a saber no já referido proc. 1…/17.0T8LSB.
Neste momento tal decisão já transitou em julgado.
A Exmª Procuradora-Geral Adjunta sustentou, nas suas alegações que melhor teria andado a Mmª Juíza a quo se em lugar de ter absolvido a requerida da instância nestes autos, tivesse remetido os mesmos para apensação àquela ação de divórcio, competindo a este aferir da situação de litispendência.
Não cremos que fosse essa a melhor solução, na medida em que os presentes autos já se achavam apensos a uma ação de divórcio, a saber, a ação que correu termos nos autos principais.
Na verdade, ao aperceber-se que que entre as duas partes corriam termos duas ações de divórcio e duas ações de regulação do exercício das responsabilidades parentais, a Mmª Juíza a quo deu por finda a ação de divórcio que correu termos nos autos principais com fundamento da inutilidade superveniente da lide, porque o divórcio já tinha sido decretado no outro processo, e absolveu a requerida da instância nestes autos, porque considerou que se verificava a exceção de litispendência, sendo a presente ação a mais recente.
Ora, como veremos adiante, verificavam-se efetivamente os requisitos da litispendência, pelo que ao decidir como decidiu, a Mmª Juíza a quo não infringiu o disposto no art. 11°, n° 3 do RGPTC, apenas procurou evitar que se mantivessem pendentes duas ações de regulação do exercício das responsabilidades parentais e duas ações de divórcio relativas às mesmas pessoas.
D – Da litispendência – Conclusão 2.3
Estabelece o art. 580°, n° 1 do CPC que “as exceções de litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há litispendência; se a repetição se verifica depois de primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à exceção de caso julgado”.
A razão de ser das exceções de litispendência e do caso julgado encontra-se bem explicitada no n° 2 do mesmo preceito: “evitar que o Tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior”.
A delimitação das figuras da litispendência e do caso julgado depende, em larga medida da concretização do conceito “repetição de uma causa”.
Esse conceito mostra-se definido no art. 581°, n° 1 do CPC: a mencionada repetição ocorre quando duas causas sejam idênticas quanto aos sujeitos, pedido e à causa de pedir.
O que deva entender-se por identidade de sujeitos, pedido, e causa de pedir é matéria regulada nos três números subsequentes do mesmo preceito.
Haverá identidade de sujeitos, quando as partes são as mesmas (n° 2).
Haverá identidade de pedido, quando em ambas as causas se pretenda obter o mesmo efeito jurídico (n° 3).
Haverá identidade de causa de pedir, quando a pretensão deduzida nas duas ações proceda do mesmo facto jurídico (n° 4).
No caso vertente, o Tribunal a quo considerou verificar-se uma situação litispendência entre:
- a ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais intentada em
21-08-2017 por JC... contra JR…, a qual, depois das vicissitudes a que já descrevemos, veio a receber o n° 1…/17.0T8LSB-A
- a presente ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais, intentada em 16-09-2017 por JR... contra JC..., e que veio a receber o n° 1…/17.8T8LSB-B.L1
A primeira conclusão a retirar dos dados supra enunciados é a de que em ambas as causas os sujeitos são os mesmos, embora com “posições” inversas:
- JR..., que na presente ação é requerente, e no proc. n° 1…/17.0T8LSB-A é requerido; e
- JC..., que nesta ação é requerida, e e no proc. n° 1…/17.0T8LSB-A é requerente.
No que diz respeito aos pedidos formulados nesta ação e naqueloutra que corre termos no proc. n° 1…/17.0T8LSB-A, os mesmos são idênticos: que o Tribunal regule o exercício das responsabilidades parentais relativas aos quatro filhos de JÁ… e JC….
Finalmente, no que respeita à causa de pedir, ela é constituída, em ambas as causas, pelos mesmos factos, a saber: a circunstância de serem progenitores das quatro crianças/jovens em apreço, e o facto de, à data da propositura da ação, se encontrarem separados (sendo certo que, entretanto, já foi decretado o divórcio entre ambos).
A este propósito, cumpre salientar que não assiste razão ao recorrente quando o mesmo manifesta dúvidas quanto à identidade de causas de pedir numa e noutra ação regulação do exercício das responsabilidades parentais na medida em que
“dificilmente serão os mesmos os factos concretos invocados em cada uma das ações para obter o efeito pretendido”.
Na verdade, para efeitos da verificação deste requisito de identidade de causa de pedir no contexto das ações de regulação das responsabilidades parentais, não tem que se verificar uma total coincidência entre todos os factos invocados numa e noutra causa. Aliás, se assim fosse seria quase impossível verificar-se a litispendência. O que relevam são os factos jurídicos que neste tipo de ação em particular, fundamentam o pedido, e estes são os que acima referimos.
Do exposto resulta que no caso vertente se verificam todos os requisitos do conceito de repetição de uma causa: sujeitos, pedido, e causa de pedir são idênticos nesta ação e na que corre termos no J3 do Tribunal de Família e Menores de Lisboa sob o n° 1…/17.0T8LSB-A.
Finalmente, concluímos que há litispendência, e não caso julgado, porquanto nenhuma das causas se mostra decidida por decisão transitada em julgado.
Nos termos do disposto no art. 582° do CPC, a exceção de litispendência deve ser deduzida na ação proposta em segundo lugar.
No caso vertente sabemos que a aqui requerida foi citada para os termos desta causa em 02-05-2018, sendo certo que muito embora não tenhamos elementos para determinar em que data o aqui requerente foi citado para a causa que corre termos no proc. 1…/17.0T8LSB-A, sabemos que neste último processo se realizou uma conferência de pais no dia 16-11-2017, e que na mesma estiveram presentes ambos os progenitores.
À data em que a meritíssima Juíza a quo proferiu a decisão recorrida a aqui requerida ainda não tinha sido citada para os termos da presente causa, pelo que se poderia questionar da bondade de tal decisão, na medida em que, como vimos, 582° determina que a litispendência deve ser deduzida na causa mais recente e que tal se afere pela data da citação.
Porém, lê-se igualmente na decisão recorrida que na data em que a mesma foi proferida nenhum ato tinha sido praticado na ação de regulação das responsabilidades parentais intentada pela aqui requerida contra o aqui requerente.
Tal significa que naquele momento ainda não tinha ocorrido a citação em nenhuma das causas.
Perante tal situação, determinar a citação em ambas as causas para só então se suscitar a questão da litispendência naquela em que ocorresse a citação mais tardia, redundaria na prática de atos inúteis, que a lei processual expressamente proíbe – era. 130° do CPC.
Numa tal situação, a solução mais adequada será a de conhecer de tal exceção no processo intentado em último lugar.
Como a presente ação foi intentada depois daquela que a ora requerida intentou contra o ora requerente, dúvidas não temos de que à data em que a decisão recorrida foi proferida, já a presente causa devia ser considerada a mais recente, nos termos e para os efeitos previstos no art. 582° do CPC, sendo a mais antiga a que corre termos no J3 sob o n° 1…/17.0T8LSB-A.
A litispendência devia e deve, por isso, ser apreciada nesta causa, e com prejuízo da mesma.
E se é certo que o art. 582° do CPC utiliza a expressão ”ser deduzida”, o que poderia pressupor a necessidade da invocação da litispendência por uma das partes, não menos verdade será que tal exceção, que tem natureza dilatória (art. 577°, al. i) do CPC) é de conhecimento oficioso, pelo que pode e deve ser apreciada mesmo que nenhuma das partes a invoque – art. 578° do CPC.
As exceções dilatórias obstam ao conhecimento do mérito da causa, e conduzem à absolvição da instância – arts. 576, n°s 1 e 2, 577°, e 278°, n° 1, al. e) do CPC.
No caso vertente, a Mmª Juíza a quo declarou verificada a exceção de litispendência, considerou que a mesma constituía fundamento de absolvição da instância, e em consequência, declarou extinta a instância.
Considerando os fundamentos invocados, cremos que a decisão recorrida só pode ser interpretada como absolvição do requerido da instância.
Uma tal decisão não nos merece censura.
Assim sendo, conclui-se pela total improcedência do presente recurso.
VI- DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes nesta 7ª Secção Cível do Tribunal da Relação de
Lisboa em julgar a presente apelação totalmente improcedente.
Custas pelo apelante (art. 527° n.° 1 do CPC).
Lisboa, 22 de janeiro de 2019
Diogo Ravara
Ana Rodrigues da Silva
Micaela Sousa
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