Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - ACRL de 17-10-2018   Justa causa de resolução do contrato de trabalho. Pagamento pontual da retribuição.
- Para que ocorra justa causa de resolução do contrato de trabalho nos termos da al.a) do n° 2 do artigo 394° do Código do Trabalho é necessário que se prove que o empregador faltou com o pagamento pontual da retribuição, que essa falta é culposa e que tornou imediatamente inexigível a subsistência da relação laboral.
- O n° 5 do artigo 394° do CT consagra uma presunção de culpa jure et de jure, não admitindo prova em contrário.
Proc. 1681/17.1T8TVD.L1 4ª Secção
Desembargadores:  Maria Celina Nóbrega - Paula de Jesus Santos - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Processo n° 1681/17.1T8TVD.L1
Acordam os Juízes na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.
Relatório
DMP..., residente na Rua …, veio propor acção emergente de contrato individual de trabalho contra GPL..., Lda, com sede na Rua …, pedindo que a Ré seja condenada:
a) no reconhecimento de fundamento para a resolução do contrato de trabalho por falta culposa do pagamento pontual da retribuição;
b) no pagamento das seguintes quantias:
b.a) retribuições em dívida no montante global de €2.799,46;
b.b) subsídios de refeição em dívida no montante global fie €1.610,25;
b.c) subsídios de férias e os subsídios de natal em dívida no montante global de €3.169,39;
b.d) proporcionais da retribuição e subsídio de férias referente às férias que se iriam vencer no dia 01.01.2017, no valor de €1.180,00;
b.e) proporcional do subsídio de natal do ano 2016, no valor de €590,00;
b.f) Indemnização devida pela resolução do contrato de trabalho com fundamento em justa causa, no valor de €37.710,00 (trinta e sete mil e setecentos e dez euros).
b.g) juros de mora vencidos calculados à taxa legal de 4/prct., desde o seu vencimento até à propositura da acção no valor de €819,61 (oitocentos e dezanove euros e sessenta e um cêntimo);
b.h) os juros de mora vencidos e vincendos calculados à taxa legal sobre os valores peticionados, desde o seu vencimento até à prolação da sentença final.
Invocou para tanto, em resumo, que:
- No dia 01 de Janeiro de 1981, celebrou um contrato de trabalho por tempo indeterminado, para prestar serviço na sede da Ré, desempenhando a Autora as funções inerentes à categoria profissional de Administrativa - sub-chefe de secção;
- A título de retribuição base mensal auferiu a quantia de €708,00, acrescida de €5,65, a título de subsídio de refeição por cada dia efectivo de trabalho;
- Sucede que, a partir do mês de Novembro de 2015 e ao longo do ano de 2016 a Ré deixou de pagar pontualmente a retribuição mensal à Autora e, a partir do mês de Agosto de 2016, a Ré deixou de lhe pagar a retribuição;
- Por esse motivo, no dia 03 de Novembro de 2016 e por considerar a actuação da Ré culposa, a Autora remeteu-lhe carta registada com aviso de recepção, que foi recebida por esta, comunicando a resolução do contrato de trabalho e respectivos fundamentos;
- A Ré, por carta datada de 11 de Novembro de 2016, repudiou os factos invocados pela Autora, por considerar que os mesmos não correspondem à verdade, admitindo apenas que devia à Autora a quantia global de €8.387,00 que se propôs pagar em 20 prestações mensais, a partir de Dezembro de 2016; e
-A Ré, após a resolução do contrato de trabalho pela Autora, promoveu o pagamento das seguintes quantias relativas ao mês de Dezembro de 2016 (€419,35), mês de Janeiro de 2017 (€419,53), mas não pagou as retribuições em atraso, subsídio de alimentação, de férias e de Natal, nem indemnização, estando em dívida o valor total de €47.040,01.
Teve lugar a audiência de partes, não se obtendo a sua conciliação.
Para tanto notificada, a Ré contestou invocando, em resumo, que:
- Tem vindo a pagar à Autora, desde pelo menos Dezembro de 2016, o valor mensal de 419,35€ com o objectivo de liquidar todos os valores pendentes — resultantes do atraso de pagamentos de salários e subsídios de férias, de Natal e de almoço que confessa terem existido, perfazendo tais pagamentos, na presente data, o valor de €2.935,45, pelo que à data da resolução estava em dívida o valor de € 8.387,00, nada mais lhe sendo devido;
- A resolução por justa causa operada pela Autora é ilícita por carecer de fundamento e da verificação dos requisitos legais, não lhe sendo devida, por conseguinte, qualquer indemnização a nenhum título;
- A Autora tinha conhecimento da grave situação financeira que a Ré passou a vivenciar a partir do ano de 2014, fruto da grave crise designadamente ao nível do mercado da construção civil para quem a ré maioritariamente trabalhava, situação que veio a ter maiores repercussões a partir do final do ano de 2015; e
-Apesar dos atrasos no pagamento das retribuições, a Ré nunca ficou sem lhe pagar e, muito menos, por 60 dias, sendo certo que a Autora resolveu o contrato de trabalho por motivos pessoais e não pelos fundamentos que invocou.
A Ré ainda deduziu reconvenção invocando que, caso venha a ser considerada a ilicitude da resolução, considera-se que a cessação do contrato de trabalho ocorreu como denúncia contratual, operada sem aviso prévio, sendo-lhe devida a indemnização no valor de € 708,00.
Pediu, a final, que a acção seja julgada improcedente por não provada e absolvida a ré de todos os pedidos, com excepção do valor já confessado e que o pedido reconvencional seja julgado procedente e, em consequência, condenada a Autora no pagamento da quantia de €708,00.
A Autora respondeu que não tinha de cumprir o aviso prévio e concluiu pela improcedência do pedido reconvencional.
Foi dispensada a audiência preliminar, proferido despacho saneador, admitida a reconvenção, bem como foi identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova. Procedeu-se a julgamento com observância do legal formalismo.
Após, foi proferida a sentença que finalizou com o seguinte dispositivo:
Pelo exposto:
A) Julgo a ação parcialmente procedente, porque provada, e, em consequência:
1) Condeno a Ré a pagar à Autora:
i. A quantia de e 5.733,71 (cinco mil setecentos e trinta e três euros e setenta e um cêntimos) a título de pagamento de créditos salariais em dívida e juros de mora vencidos até esta data;
ii. Juros de mora à taxa legal, calculados sobre o valor de € 5.725,55 (cinco mil setecentos e vinte e cinco euros e cinquenta e cinco cêntimos), vincendos a partir desta data e até integral pagamento;
iii. Uma indemnização pela resolução do contrato de trabalho por justa causa com fundamento na violação culposa da obrigação de pagamento pontual da retribuição, no montante de € 25.375,90 (vinte e cinco mil trezentos e setenta e cinco euros e noventa cêntimos), acrescido de juros de mora à taxa legal vincendos a partir da data do trânsito em julgado desta decisão, até integral pagamento;
2) Absolvo a Ré do mais peticionado pela Autora;
B) Julgo a reconvenção deduzida pela Ré improcedente, e, em consequência, absolvo a Autora do pedido reconvencional;
C) Condeno a Autora e a Ré no pagamento das custas do processo na proporção dos seus decaimentos.
Registe e notifique.
Inconformada, a Ré recorreu e formulou as seguintes conclusões:
Vem o presente recurso de apelação interposto da douta sentença de fls.... que julgou a acção declarativa intentada pela trabalhadora/autora DMP... contra a empregadora/ré GPL..., Lda. parcialmente procedente por provada e, em consequência decidiu:
Condenar a ré a pagar à autora:
1. A quantia de 5.733,71€ (cinco mil setecentos e trinta e três euros e setenta e um cêntimos) a título de pagamento de créditos salariais em dívida e juros de mora vencidos até esta data;
2. Juros de mora à taxa legal, calculados sobre o valor de 5.725,55€ (cinco mil setecentos e vinte e cinco euros e cinquenta e cinco cêntimos), vincendos a partir desta data e até integral pagamento;
3. Uma indemnização pela resolução do contrato de trabalho por justa causa com fundamento na violação culposa da obrigação de pagamento pontual da retribuição, no montante de 25.375,90€ (vinte e cinco mil trezentos e setenta e cinco euros e noventa cêntimos), acrescido de juros de mora à taxa legal vincendos a partir do trânsito em julgado desta decisão, até integral pagamento.
Veio o tribunal a quo considerar que resulta dos factos provados que à data da efectivação da resolução do contrato se verificava a falta de pagamento de retribuições devidas à autora relativamente ao período largamente superior a 60 dias incluindo as respeitantes aos quatro meses imediatamente anteriores à resolução, pelo que face ao disposto no n°5 do artigo 394° do CT, a falta de pagamento pontual das mesmas sempre deverá ser considerada culposa, independentemente da situação económica deficitária em que a ré se encontrasse.
Considera a recorrente que o tribunal a quo foi parco nas conclusões relativamente aos quais sedimentou a decisão de considerar o comportamento da recorrente como culposo.
Um dos elementos necessários em cumulação com o atraso no pagamento da retribuição, é o elemento subjectivo da entidade empregadora, como constitutivo de comportamento culposo nesse atraso.
Ora, sendo o tal elemento — a culpa — passível de ser preenchido a titulo de dolo ou negligencia, não se afigura demonstrada na sentença a que titulo se entendeu no caso, preenchido o elemento culpa, se a titulo de dolo, ou de negligencia.
Situação que se vê agravada pelo facto do próprio tribunal a quo ter conhecimento e considerar provada a situação económica deficitária da ora recorrente.
A omissão supra referida é grave pois ao não se dizer na sentença quais os elementos que determinam a opção por condenar a recorrente em culpa pelo atraso no pagamento das retribuições, não se conhece na sua substancia e o juízo formulado pelo decisor.
Impedindo a recorrente de sobre esse juízo formular uma apreciação critica.
Não obstante sempre se dirá que, tendo sido dado como provado que:
1. A partir do ano de 2014, a ré começou a atravessar uma crise financeira fruto da crise do mercado da construção civil para quem maioritariamente trabalhava, que fez com que a partir do final do ano de 2015 passasse a ter dificuldades em garantir o pagamento pontual dos vencimentos aos trabalhadores;
2. Que devido a tais dificuldades a ré passou a pagar retribuições de forma faseada e com atrasos, mas sem deixar decorrer períodos de 60 ou mais dias sem pagar qualquer quantia aos trabalhadores;
3. A autora era responsável pelos processamentos salariais de todos os colaboradores da ré, sendo sabedora de tudo o que se passava com os vencimentos e tinha conhecimento das referidas dificuldades financeiras da ré e sempre demonstrou solidariedade com a ré, tendo dado o seu assentimento para que fossem feitos pagamentos faseados de retribuições e chegando a afirmar que não se importava de ser a última a receber para que fossem primeiro pagos os colegas que tinham filhos pequenos.
É pertinente verificar que o atraso nos referidos pagamentos se deveu a causas objectivas próprias da situação financeira da empresa, não nos dizendo a sentença em parte alguma do seu texto, que tal situação decorresse de dolo ou negligência da recorrente, sendo completamente omissa nessa parte, conforme se deixou já referido.
Entendemos que face à matéria dada como provada, não existiu culpa da recorrente, quer a título de dolo, quer de negligência.
Pelo que o tribunal decidiu mal, salvo o devido respeito por opinião contrária, sendo numa interpretação à contrario sensu do artigo 396° do CT e tendo em conta a violação do estatuído no n°2 do artigo 394° também do CT, a sentença viola as referidas disposições legais e bem assim o artigo 607 do CPC, por manifesta insuficiência na analise critica das provas.
A justa causa deve ser apreciada nos termos do n°3 do artigo 351° do CT, pelo que atendendo à matéria provada integrada no referido preceito, se deve entender que não ocorre justa causa.
Daqui decorre que não houve culpa da recorrente e como tal, não existe obrigação de indemnizar nos termos do artigo 396° n°1, a contrario sensu, do CT.
Ocorre pois, na opinião da recorrente face ao exposto, uma verdadeira nulidade da sentença, nos termos do artigo 668° n°1 alíneas b) e d) do CPC.
Devendo assim a ser revogada a sentença e a recorrente absolvida na parte em que se condenou da seguinte forma:
Uma indemnização pela resolução do contrato de trabalho por justa causa com fundamento na violação culposa da obrigação de pagamento pontual da retribuição, no montante de 25.375,90€ (vinte e cinco mil trezentos e setenta e cinco euros e noventa cêntimos), acrescido de juros de mora à taxa legal vincendos a partir do trânsito em julgado desta decisão, até integral pagamento.
Veio ainda o tribunal a quo considerar como provado o facto referido em 9 da douta sentença objecto do presente recurso.
Designadamente que: O incumprimento do pagamento pontual das retribuições devidas à autora causou-lhe transtornos financeiros que, aquando da resolução do contrato de trabalho, estavam a impedir de efectuar os pagamentos das suas despesas.
Este facto, dado como provado, decorre das declarações de parte prestadas pela então autora.
Não se concede que o tribunal o quo tenha dado relevância suficiente às declarações de parte prestadas pela autora para considerar provado um facto desta importância na medida em que é por demais evidente que a recorrida, questionada ao facto da situação aqui em apreciação lhe ter causado transtornos financeiros, não os irias negar. Antes os iria empolar.
A recorrida, em nenhuma altura, antes e durante julgamento, fez prova cabal, designadamente documental ou testemunhal, que levasse o tribunal recorrido a retirar esta conclusão, da qual só se pode discordar.
Nestes termos e nos mais de direito, e sempre sem esquecer o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso e revogada a decisão recorrida, na parte que diz respeito à existência de justa causa de despedimento da ora recorrida com fundamento na violação culposa da obrigação de pagamento pontual da retribuição e ao consequente pagamento da indemnização
Decidindo dessa forma, V. Ex.as farão, como confiadamente se espera, JUSTIÇA! A Autora contra-alegou e apresentou as seguintes conclusões:
I — A resolução do contrato de trabalho operou a 04.11.2016, estando em dívida as seguintes quantias — facto provado 5:
i) subsídio de férias de 2012 no valor de €595,12;
ii) metade dos subsídios de férias e de natal de 2013, no valor global de €622,09 iii)) metade dos subsídios de férias e de natal de 2014, no valor global de €622,09;
iv) metade dos subsídios de férias e de natal de 2015, no valor global de €622,09;
v) subsídio de férias referente aos 22 dias de férias gozados no ano 2016 no valor de €708,00;
vi) subsídios de refeição relativos aos meses de Agosto de 2013 a 30 de Novembro de 2014 no montante global de €1.410,25;
vii) remanescente de retribuição base e subsídio de refeição do mês de Março de 2016, no valor de €425,97;
viii) remanescente de retribuição base e subsídio de refeição do mês de Julho de 2016, no valor de €340,97;
ix) retribuição base e subsídio de refeição do mês de Agosto de 2016, no valor de €736,62;
x) retribuição base e subsídio de refeição do mês de Setembro de 2016, no valor de €803,30;
xi) retribuição base e subsídio de refeição do mês de Outubro de 2016, no valor de €492,60.
II — A recorrente não promoveu o pagamento da retribuição à recorrida por um período a superior a sessenta dias.
III — Os documentos juntos pela recorrente a 09.01.2018 demonstram que, pagou faseadamente a retribuição à recorrida e aos seus trabalhadores entre o mês de Janeiro de 2015 e o mês de Julho de 2016.
IV — Tais documentos não afastam o facto de a recorrente não pagar a retribuição há mais de 60 dias à recorrida.
V — A resolução do contrato de trabalho assenta em justa causa subjectivo por o comportamento da recorrente ser ilícito, culposo, o qual tornou imediata e praticamente impossível a manutenção do vínculo laboral — (artigo 394.° n.° 2 al. a) e n.° 5 do C.T.).
VI - O n.° 5 do artigo 394.° configura uma presunção inilidível, ou seja, não admite prova em contrário, e por conseguinte considera sempre culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por um período de 60 dias.
VII — O recorrente violou culposamente o dever de pagar pontualmente a retribuição à recorrida, artigo 127.° alínea b) do C.T..
VIII — O comportamento da recorrente é culposo, não podendo a culpa ser ilidida, na medida em que o n.° 5 do artigo 394.° do Código do Trabalho ao estabelecer uma presunção inilidível faz com que se qualifique ...em definitivo como culpa a falta de pagamento da retribuição que se prolongue por período superior de 60 dias, conforme o sufragado no Acórdão do STJ de 03/16/2017, disponível em www.dgsi.pt.
IX — A recorrente alega que o atraso no pagamento da retribuição se deve à crise de mercado da construção civil, o qual não é suficiente para afastar a culpa.
X — O comportamento da recorrente perpetua-se no tempo, na medida em que o pagamento faseado da retribuição dos seus trabalhadores se regista desde Janeiro de 2015 e não no final de 2015.
XI — Cabia à recorrente no seu quadro de gestão não agravar a sua situação e promover o pagamento pontual da retribuição.
XII — A recorrente não observou o seu dever contratual e legal de pagar pontualmente a retribuição à recorrida.
XIII- A falta de pagamento pontual da retribuição, subsídios de férias, natal e refeição provocaram transtornos financeiros à recorrida, uma vez que a retribuição constitui a sua fonte de rendimento para fazer face às suas necessidades.
XIV — O Tribunal a quo valorou o argumento das dificuldades financeiras na fixação do montante da indemnização devida à recorrida.
XV — Face à violação culposa do dever de pagar pontualmente a retribuição por um período superior de sessenta dias, a recorrida tinha legitimidade para resolver o contrato de trabalho que a vinculava à recorrente, por não ser exigível a manutenção do vínculo laboral.
XVI — Deve ser confirmada a douta sentença in totum, bem como a respectiva condenação da recorrente.
Por todas as razões acima aduzidas, a recorrida requer a V.a Excelências que o recurso interposto seja julgado improcedente, mantendo-se o que tão doutamente decidiu o Tribunal a quo.
Assim se fará JUSTIÇA.
O recurso foi admitido.
O Tribunal a quo não se pronunciou sobre o teor da arguida nulidade da sentença por considerar que não foi cumprido o disposto no artigo 77° do CPT pelo que esta não seria de atender por extemporânea.
Neste Tribunal da Relação, a Exma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da sentença ser confirmada.
Notificadas as partes do teor do parecer, não responderam.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Objecto do recurso
Sendo pacífico que o âmbito do recurso é limitado pelas questões suscitadas pelo
recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. arts. 635° n° 4 e 639° do CPC, ex vi do n° 1 do artigo 87° do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608° n° 2 do CPC), que no caso não existem, nos presentes autos importa conhecer as seguintes questões:
1ª- Se deve ser apreciada a arguida nulidade da sentença e, em caso afirmativo, se a sentença enferma desse vício;
2ª- Se a Recorrente impugnou a matéria constante do ponto 9 dos factos provados, se observou os ónus a que alude o artigo 640° do CPC e, em caso afirmativo, se se impõe a sua alteração.
3ª- Se inexiste justa causa de resolução do contrato de trabalho.
Fundamentação de facto
A sentença recorrida considerou provada a seguinte factualidade:
1) No dia 01 de Janeiro de 1981 a Autora e a Ré celebraram um contrato de trabalho por tempo indeterminado, para prestar serviço na sede da Ré, sita na Rua …;
2) Sob direção e fiscalização da Ré a Autora desempenhava as funções inerentes à categoria profissional de Administrativa - sub-chefe de secção, as quais consistiam nuclearmente na execução de tarefas administrativas no seio da empresa;
3) A título de retribuição base mensal a Autora auferia a quantia de € 708,00 (setecentos e oito euros), acrescida de € 5,65 (cinco euros e sessenta e cinco cêntimos) a título de subsídio de refeição por cada dia efetivo de trabalho;
4) Pelo menos a partir do fmal do ano de 2015, a Ré passou a registar atrasos nos
pagamentos das retribuições devidas à Autora, verificando-se que:
- as retribuições relativas aos meses de Novembro e Dezembro de 2015 só foram
pagas nos meses de Fevereiro e Março de 2016;
- a retribuição do mês de Janeiro de 2016 foi totalmente paga em Abril de 2016;
- a retribuição do mês de Abril de 2016 foi totalmente paga em Junho de 2016;
- a retribuição do mês de Maio de 2016 foi totalmente paga em Julho de 2016;
- a retribuição do mês de Junho de 2016 foi totalmente paga em Setembro de 2017;
5) Em Novembro de 2016 encontravam-se por pagar, pela Ré à Autora, as seguintes retribuições:
a) subsídio de férias de 2012 no valor de €595,12;
b) metade dos subsídios de férias e de natal de 2013, no valor global de €622,09
c) metade dos subsídios de férias e de natal de 2014, no valor global de €622,09;
d) metade dos subsídios de férias e de natal de 2015, no valor global de €622,09;
e) subsídio de férias referente aos 22 dias de férias gozados no ano 2016 no valor de €708,00;
f) subsídios de refeição relativos aos meses de Agosto de 2013 a 30 de Novembro de 2014 no montante global de €1.410,25;
g) remanescente de retribuição base e subsídio de refeição do mês de Março de 2016, no valor de €425,97;
h) remanescente de retribuição base e subsídio de refeição do mês de Julho de 2016, no valor de €340,97;
i) retribuição base e subsídio de refeição do mês de Agosto de 2016, no valor de €736,62;
j) retribuição base e subsídio de refeição do mês de Setembro de 2016, no valor de €803,30;
k) retribuição base e subsídio de refeição, do mês de Outubro de 2016, no valor de €492,60;
6) No dia 03.11.2016 remeteu para a Ré carta registada, com aviso de receção, datada de 02.11.2016, visando a resolução do contrato de trabalho, que a Ré recebeu no dia 04.11.2016, na qual consignou o seguinte para a resolução do contrato de trabalho:
(..) Eu, DMP..., venho nos termos do disposto na
alínea a) n.° 2 do artigo 394.° do Código do Trabalho, na redacção dada pela Lei n.° 7/2009 de 12 de Fevereiro, resolver o contrato individual de trabalho que me vincula a V/ Empresa desde 1 de Janeiro de 1981, por falta culposa de pagamento pontual da retribuição que se prolonga por um período superior a 60 dias.
No âmbito do vínculo laboral que mantenho com a V/empresa, V. Exa. está obrigado a promover o pagamento pontual da retribuição, como contrapartida do trabalho que presto, como sub-chefe de secção.
Porém, V.a Exa. no presente ano de 2016 não tem procedido ao pagamento pontual das retribuições, as quais me são devidas pela prestação do meu trabalho, nem se vislumbra qualquer data para que regularize o pagamento das mesmas.
Assim sendo, até à presente data V.a Exa. não promoveu o pagamento das seguintes retribuições:
Remanescente do mês de Março de 2016 - €425,97
Remanescente do mês de Julho de 2016 - €340,97
Mês de Agosto de 2016 - €736,62;
Mês de Setembro de 2016 - €679,00 + 124,30 = €803,30
Mês de Outubro de 2016 - €424,80+67,80=€492,60, o que perfaz a quantia de €2.675,16 (dois mil seiscentos e setenta e cinco euros e dezasseis cêntimos).
Para além, das retribuições em dívida, V.a Exa também não tem vindo a pagar as quantias correspondentes ao subsídio de refeição, subsídio de férias e de natal como passo a descrever:
Subsídio de refeição:
Agosto de 2013 a Novembro de 2014 : €1.610,25;
Subsídios de férias e natal : 2012: €595,12
2013: metade do subsídio de férias e natal: €622,09;
2014: metade do subsídio de férias e natal: €622, 09;
2015: metade do subsídio de férias e natal: €622, 09;
2016: subsídio de férias: €708,00, o que perfaz a quantia de €4.779,64 (quatro mil setecentos e setenta e nove euros e sessenta e quatro cêntimos).
Como consequência da falta de pagamento das quantias acima descritas, acrescem os respectivos juros calculados à taxa legal o que ascende ao valor de €409,47 (quatrocentos e nove euros e quarenta e sete cêntimos).
Sucede que, por V.° Exa não ter promovido o pagamento pontual da retribuição há mais de 60 dias é me devida uma indemnização correspondente a 45 dias de retribuição base por cada ano completo de antiguidade (artigo 396.° do Código do Trabalho), o que perfaz o montante de €37.710,00 (trinta e sete mil setecentos e dezassete euros).
Pelo exposto, por se ter tornado incomportável a manutenção da relação de trabalho, decidi resolver com justa causa, com efeitos imediatos, ou seja, a partir de 04.11.2016 deixarei de prestar as funções que desempenho para V/empresa, colocando deste modo termo ao contrato de trabalho que me vincula à GPL..., LDA., desde 01.01.1981.
Considerando que durante o mês de Outubro de 2016 V. Exa. me entregou €200,00 (duzentos euros), tal valor será abatido ao valor dos subsídios de refeição em falta, pelo que V.ª Exa. deverá processar os créditos laborais, bem como emitir os seguintes documentos:
- remanescente da retribuição do mês de Março e Julho de 2016: €766,94;
- retribuição do mês de Agosto de 2016: €736,62;
- retribuição do mês Setembro de 2016: €803,30;
- retribuição do mês de Outubro de 2016: 492,60;
- subsídio de refeição — Agosto de 2013 a Novembro de 2014: €1.410,25 (1610,25
200,00);
- subsídio de férias de 2012: €595,12;
- subsídio de férias e natal (remanescente) 2013: €622,09;
- subsídio de férias e natal (remanescente) 2014: €622,09;
- subsídio de férias e natal (remanescente) 2015: €622,09;
- subsídio de férias 2016: €708,00;
- juros calculados à taxa legal: €409,47;
- proporcionais da retribuição de férias, subsídio de férias (2017), subsídio de natal:
€1.947,00;
- a indemnização: € 37.710,00;
- preenchimento e o envio da Declaração de Situação de Desemprego (Modelo 5044
da Segurança Social);
- o certificado de trabalho. (…)
7) Por carta datada de 11 de Novembro de 2016, a Ré respondeu à Autora nos seguintes termos:
Assunto: Resposta à sua carta de 02 de Novembro de 2016
Exma Senhora
Acusamos a recepção da sua carta datada de 2 de Novembro último, que agradecemos.
Não podemos, no entanto, concordar com o seu conteúdo porquanto, como bem sabe V. Exa, a mesma contém inverdades e incorrecções. Assim:
É, e sempre foi do conhecimento de V. Exa. a grave situação económica em que a empresa se encontra. E o esforço que tem vindo a fazer para a ultrapassar, e cumprir com todas as suas obrigações.
Tanto assim é que V. Exa concordou que os pagamentos dos seus salários, bem assim como os dos seus colegas fossem realizados faseadamente.
Chegou aliás. V. Exa, por diversas vezes a dizer que não se importava que os seus pagamentos fossem feitos em último lugar e depois de todos os seus colegas, situação que os mesmos sempre agradeceram bem assim com a sua entidade patronal.
Foi portanto com grande surpresa que recepcionámos a presente missiva e que constatámos o conteúdo da mesma e as alegações que contém que bem sabe, em face do que antecede, não correspondem à verdade.
Não obstante, pelo respeito que V. Exa nos merece, em face dos longos anos que trabalho na nossa empresa, não queremos deixar de tentar resolver este assunto de forma que julgamos que seja mais conveniente para todos.
Assim, propomos que o pagamento dos valores que se encontram na presente data em dívida — que estimamos no valor de 8.387,00 6 - sejam pagos do seguinte modo: ... 20 prestações mensais de 419,35 euros com início em Dezembro de 2016.
Com a aceitação do presente acordo celebraríamos acordo de revogação do contrato de trabalho com o preenchimento do Mod. 5044 que daria acesso directo ao subsídio de desemprego.
Caso a proposta agora realizada não tenha aceitação por parte de V Exa emitiremos também o referenciado Mod. 5044 mas com a indicação de que V. Exa se despediu com justa causa havendo como consequência necessidade de provar tal justa causa, posteriormente, nos meios e sede próprias. (..)
8) Mediante carta registada com aviso de receção, datada de 29.11.2016, a Autora, respondeu à Ré, nos seguintes termos:
Assunto: Resposta à V. comunicação datada de 11 de novembro de 2016 Resolução do contrato de trabalho com fundamento na justa causa Exmo. Senhor,
Tendo presente a comunicação de V. Ex°, data de 11 de novembro de 2016, através da qual refere que os fundamentos que invoquei para resolver o meu contrato de trabalho por falta de pagamento pontual da retribuição não correspondem à verdade, venho pela presente reiterar os referidos motivos, na medida em que os mesmos, como bem sabe, são verdadeiros.
Com efeito concordei que V. Ex° pudesse pagar as retribuições em atraso, de modo faseado, sem prejuízo do pagamento da retribuição do mês correspondente.
Contudo, tal situação não se verificou, na medida em que V Ex° não regularizou a dívida, nem promoveu o pagamento da retribuição pontualmente.
Na verdade, quando V. Ex° refere que eu não me importava que os meus pagamentos fossem feitos em último lugar, não significa que tenha concordado que os meus salários ficassem indefinidamente por pagar.
Mais, sempre solicitei a V. Exa, que para além de regularizar o montante em dívida, que me pagasse a retribuição do mesmo modo que fez com os meus colegas de trabalho.
Porém, V Ex° optou por deixar de me pagar o meu salário pontualmente, sabendo que devido aos anos de trabalho que prestei com empenho para a V/empresa, lhe iria dar a oportunidade de regularizar a situação.
Como V. Ex° não o fez vi-me forçada a resolver o contrato de trabalho conforme fundamentos invocados na carta que enviei no passado dia 02 de Novembro de 2016.
No entanto, atendendo à proposta que V. Ex° me faz na S/comunicação e considerando a longa duração laboral que mantivemos, não obsto a que seja acordado o pagamento em prestações, do montante em dívida, créditos laborais bem como montante relativo à indemnização pela resolução do contrato de trabalho, no valor global de € 47.059,10 (Cfr. documento número 1).
Assim sendo proponho que o referido pagamento se inicie no próximo mês de Dezembro de 2015.
Acresce referir, que a celebração do acordo não pode ser a condição para V. Ex° emitir a Declaração da Situação de Desemprego (Modelo 5044), na medida em que é um dever do empregador a respetiva emissão, sob pena de incorrer na prática de uma contra-ordenação. (...)
9) O incumprimento do pagamento pontual das retribuições devidas à Autora causou-lhe transtornos financeiros que, aquando da resolução do contrato de trabalho, a estavam a impedir de efetuar os pagamentos das suas despesas pessoais;
10) Após a resolução do contrato de trabalho, a Ré pagou à Autora dez prestações de €419,35, nas seguintes datas: 30.12.2016; 17.02.2017; 31.03.2017; 02.05.2017; 31.05.2017; 12.07.2017; 09.10.2017; 22.12.2017; 31.01.2018; e 28.02.2018;
11) A partir do ano de 2014, a Ré começou a atravessar uma crise financeira fruto da crise do mercado da construção civil para quem maioritariamente trabalhava, que fez com que a partir do final do ano de 2015 passasse a ter dificuldades em garantir o pagamento pontual dos vencimentos aos trabalhadores;
12) Devido a tais dificuldades a Ré passou a pagar as retribuições de forma faseada e com atrasos, mas sem deixar decorrer períodos de 60 ou mais dias sem pagar qualquer quantia aos trabalhadores;
13) A Autora era a responsável pelos processamentos salariais de todos os colaboradores da Ré, sendo sabedora de tudo o que se passava com os vencimentos e tinha conhecimento das referidas dificuldades financeiras da Ré e sempre mostrou solidariedade com a Ré, tendo dado o seu assentimento para que fossem feitos pagamentos faseados de retribuições e chegado a afirmar que não se importava de ser a última a receber para que fossem primeiro pagos os colegas que tinham filhos pequenos.
E considerou não provados os seguintes factos:
1) O valor dos subsídios de refeição relativos aos meses de Agosto de 2013 a 30 de Novembro de 2014 em dívida cifra-se no montante global de €1.610,25;
2) À data da resolução do contrato estava em dívida para com Autora a quantia de 8.387,00;
3) A resolução do contrato de trabalho promovida pela Autora foi a solução que a mesma encontrou para conseguir ir para casa tomar conta do seu marido que, padecendo de uma doença degenerativa, necessita de total e constante acompanhamento, e ao mesmo tempo auferir do subsídio de desemprego que, de outra forma, não conseguiria obter;
Fundamentação de Direito
Apreciemos, então, se deve ser apreciada a arguida nulidade da sentença e, em caso afirmativo, se a sentença enferma desse vício.
Invoca a Recorrente que ocorre uma verdadeira nulidade da sentença nos termos do artigo 668° n°1 alíneas b) e d) do CPC.
Vejamos:
Uma vez que a sentença foi proferida no dia 13.3.2018, ou seja, já na vigência do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n° 41/2013 de 26 de Junho, é esta a lei processual aplicável.
Assim, certamente por lapso, a Recorrente argui a nulidade da sentença ao abrigo do artigo 668° do CPC, quando o referido vício está previsto no artigo 615° do CPC.
Por outro lado, dado que as alíneas b) e d) do artigo 615° do CPC correspondem às alíneas b) e d) do artigo 668° do anterior CPC, considera-se que a Recorrente pretendeu arguir a nulidade da sentença ao abrigo das actuais alíneas.
E de acordo com as alíneas b) e d) do n° 1 do artigo 615° do CPC, é nula a sentença quando Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão ou quando O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Sucede, porém, que o processo laboral consagra um regime especial quanto à arguição de nulidades da sentença.
Assim, determina o n° 1 do artigo 77° do CPT que A arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso.
E como escreve o Sr. Conselheiro António Santos Abrantes Geraldes, na obra Recursos no Processo do Trabalho Novo Regime, pag.61, Em especial, as nulidades da sentença devem ser arguidas expressa e separadamente, como o determina o art.77.°, n.° 1, do CPT, exigência que vem sendo interpretada de forma rigorosa e cujo incumprimento determina o não conhecimento das mesmas.
Tal exigência visa permitir ao juiz que proferiu a sentença e a quem é dirigido o requerimento de interposição do recurso que, de imediato, tome conhecimento que foram arguidas nulidades da sentença e, assim, as possa suprir, se for o caso (cfr.n° 3 do art.77° do CPT).
Ora, a Recorrente, no requerimento de interposição do recurso que consta de fls. 63v ° dos autos, não argui a nulidade da sentença, nem anuncia que o vai fazer. Apenas nas alegações e conclusões é que invoca o mencionado vício.
Consequentemente, por extemporânea não se conhece da arguida nulidade da sentença.
Vejamos, agora, se a Recorrente impugnou a matéria constante do ponto 9 dos factos provados, se observou os ónus a que alude o artigo 640° do CPC e, em caso afirmativo, se se impõe a sua alteração.
Nas conclusões invoca a Recorrente que o Tribunal a quo considerou como provado o facto referido em 9 da sentença, designadamente que: O incumprimento do pagamento pontual das retribuições devidas à autora causou-lhe transtornos financeiros que, aquando da resolução do contrato de trabalho, estavam a impedir de efectuar os pagamentos das suas despesas, que este facto decorre das declarações de parte prestadas pela Autora, que não concede que o tribunal a quo tenha dado relevância suficiente às declarações de parte prestadas pela Autora para considerar provado um facto desta importância na medida em que é por demais evidente que a recorrida, questionada ao facto da situação aqui em apreciação lhe ter causado transtornos financeiros, não os irias negar, antes os iria empolar e que a recorrida, em nenhuma altura, antes e durante o julgamento, fez prova cabal, designadamente documental ou testemunhal, que levasse o tribunal recorrido a retirar esta conclusão, da qual só pode discordar.
Embora a Recorrente não o diga expressamente, face ao teor das alegações e das conclusões parece-nos que está a impugnar o facto constante do ponto 9 dos factos provados extraindo-se, ainda, que pretende que o facto seja considerado não provado.
Ora, dispõe o n° 1 do artigo 662° do CPC, que A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A propósito da alteração da matéria de facto pela Relação, escreve o Conselheiro António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pags. 221 e 222 Fica seguro que a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1. ° instância.
E a pags. 235 e 236 da mesma obra lemos É verdade que a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.° não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter.
Mas se a Relação, procedendo à reapreciação dos meios de prova postos à disposição do tribunal a quo, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados a convicção acerca da existência de erro deve proceder à correspondente modificação da decisão.
Por outro lado, sobre o recorrente que impugna a decisão de facto recaem ónus que devem ser observados, sob pena de imediata rejeição do recurso nessa parte.
Com efeito, dispõe o artigo 640° do CPC (anterior artigo 685°-B do CPC, embora com algumas alterações):
1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na al. b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso, na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3- O disposto nos n°s 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n° 2 do artigo 636°.
Ora, se no caso é possível concluir que a Recorrente indicou o concreto ponto da matéria de facto que impugna e que se extrai das conclusões que pretende que o facto 9 seja considerado não provado, o mesmo já não é possível afirmar quanto à exigência legal de especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que impunham decisão diversa da recorrida, além de que omite, por completo, as passagens da gravação das declarações da Autora
O que a Recorrente faz é pura e simplesmente discordar do Tribunal a quo por ter dado credibilidade às declarações da Autora quanto a essa matéria, sem que aponte outros meios de prova que, analisados, permitam concluir que a Autora faltou à verdade.
Nem a Recorrente aponta qualquer contradição ou incoerência no depoimento da Autora, com a indicação das respectivas passagens da gravação, limitando-se a pôr em crise a livre convicção do Tribunal a quo.
Ou seja, a Recorrente não pede o reexame das declarações prestadas pela Autora, pelo que sempre será de considerar que o Tribunal a quo procedeu a uma correcta valoração desse meio de prova.
Ora, conforme decorre do disposto no artigo 466° do CPC, as declarações de parte constituem um verdadeiro meio de prova sujeito à livre convicção do tribunal.
E se é certo que a parte ao prestar declarações terá a natural tendência de os aproximar da realidade que apresentou na petição inicial, não é menos certo que no confronto com a prova produzida e à luz das regras da experiência comum possam merecer toda a credibilidade.
Assim o entendeu o Tribunal a quo que fundamentou a sua convicção quanto ao facto provado em 9 nos seguintes termos:
Tiveram-se em conta as declarações de parte prestadas pela Autora, que mereceram credibilidade face às regras de experiência comum, tendo em conta o valor elevado do acumulado das retribuições que então se encontravam em dívida e à sucessão das retribuições em dívida relativas a vários meses seguidos.
E como já se disse, a Recorrente não indicou meios probatórios ou elementos que nos permitam afirmar que o Tribunal a quo avaliou mal a prova, não sendo suficiente a simples argumentação de que a convicção do Tribunal se baseou apenas nas declarações da Autora.
Consequentemente, por não ter observado os ónus a que aludem as als.b) do n° 1 e a) do n° 2 do artigo 640° do CPC, ao abrigo do n° 1 do mesmo artigo, rejeita-se a impugnação da matéria de facto.
Analisemos, por último, se inexiste justa causa de resolução do contrato de trabalho.
Sobre a justa causa de resolução do contrato de trabalho entendeu o Tribunal a quo que: Ora, no caso em apreço resulta dos factos provados que à data da efetivação da resolução do contrato se verificava a falta de pagamento de retribuições devidas à Autora, relativas a período largamente superior a 60 dias, incluindo as respeitantes aos quatro meses imediatamente anteriores à resolução — ponto 5 dos factos provados — pelo que, face ao que dispõe o n.° 5 do artigo 394° do CT, a falta de pagamento pontual das mesmas sempre deverá ser considerada culposa, independentemente da situação económica deficitária em que a Ré se encontrasse.
Por outro lado, não podemos deixar de considerar que a falta do pagamento das referidas retribuições, constitui inequívoca justa causa para resolução do contrato de trabalho por parte da Autora, tendo em conta o valor e as datas de vencimento das mesmas, pois que ao acumular de subsídios de parte dos subsídios de férias e de natal devidas desde há mais de quatro anos e subsídios de refeição relativos a 15 meses, juntaram-se ainda retribuições relativas a cinco meses, incluindo os quatro meses anteriores à resolução. Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 02/10/2011 - Processo: 1022/09.1TTCBR. Cl, VIII — Independentemente da culpa do empregador, um trabalhador não pode estar sujeito, de forma persistente, ao não recebimento pontual das remunerações de trabalho. Tratam-se de créditos que têm a natureza, por regra, de créditos alimentares e a persistência no incumprimento é, em abstracto, apta a causar danos à segurança da sua subsistência e a uma vida digna (art° 394°, n° 3, al. c), CT/2009). IX — Essa persistência assume gravidade suficiente para justificar a impossibilidade de manutenção do contrato de trabalho. . Não pode ser o trabalhador a sustentar a manutenção do empregador. Não era assim exigível à Autora, que, mesmo depois de ter aceitado pagamentos faseados da retribuição, continuasse a trabalhar para a Ré perante o reiterado e sucessivo incumprimento do pagamento das retribuições mensais que se foram vencendo nos meses anteriores à resolução, a acrescer às demais retribuições que já lhe eram devidas há anos, sendo, perante tal quadro completamente irrelevante que a Ré não deixasse decorrer períodos de 60 ou mais dias sem pagar qualquer quantia aos trabalhadores (sendo que no caso concreto sequer se sabe que quantias seriam essas). Conclui-se assim que o incumprimento da Ré efetivamente tonou praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho e, como tal, constituiu justa causa para a resolução do contrato.
Por outro lado, a resolução efetuada pela Autora cumpriu as exigências de forma e prazo exigidas pelo artigo 395° do CT, porquanto foi efetuada por escrito, com indicação dos factos que a justificam, e em prazo que não excedeu os 30 dias após o termo do período de falta de pagamento pontual da retribuição, pois que esta constitui facto continuado que se prolongou para lá da própria comunicação da resolução — e que em parte ainda subsiste hoje em dia.
Por tudo o exposto se conclui pela válida efetivação da resolução do contrato de trabalho pela Autora com fundamento na falta culposa de pagamento pontual de retribuições, que confere direito a indemnização nos termos do artigo 396° do CT, ou seja, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau da ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades, sendo que no caso de fração de ano de antiguidade, o valor da indemnização é calculado proporcionalmente.
Vejamos:
No recurso, a Recorrente apenas põe em causa o segmento da sentença que a condenou a pagar à Autora uma indemnização pela resolução do contrato de trabalho por justa causa com fundamento na violação culposa da obrigação de pagamento pontual da retribuição, no montante de €25.375,90, acrescido de juros.
E discorda a Recorrente do entendimento do Tribunal a quo sustentando, em resumo, que face à matéria dada como provada, não existiu culpa da Recorrente, quer a título de dolo, quer de negligência, pelo que o tribunal decidiu mal, violando o disposto nos artigos, 394 n° 2 e 396° do CT, que a justa causa deve ser apreciada nos termos do n°3 do artigo 351° do CT, pelo que atendendo à matéria provada deve entender-se que não ocorre justa causa, não existindo obrigação de indemnizar nos termos do artigo 396° n°1.
Vejamos:
Atenta a data da resolução do contrato, ao caso é aplicável o Código do Trabalho aprovado pela Lei n° 7/2009, de 12 de Fevereiro que entrou em vigor no dia 17 do mesmo mês, na redacção que lhe foi introduzida pela Lei n° 23/2012 de 25 de Junho.
Constitui um dos deveres do empregador Pagar pontualmente a retribuição, que deve ser justa e adequada ao trabalho( artigo 127° n° 1 al.b) do CT).
E de acordo com o n° 1 do artigo 278° do CT, O crédito retributivo vence-se por períodos certos e iguais que, salvo estipulação ou uso diverso, são a semana, a quinzena e o mês do calendário, sendo que, nos termos do n° 4 do mesmo artigo, O montante da retribuição deve estar à disposição do trabalhador na data do vencimento ou em dia útil anterior.
Fica o empregador constituído em mora se o trabalhador, por facto que não lhe seja imputável, não puder dispor do montante da retribuição na data do vencimento (n° 5 do artigo 278° do CT).
Assim, a obrigação de pagar pontualmente a retribuição acarreta para o empregador o dever de pagar a retribuição ao trabalhador na data e nos montantes acordados.
Da factualidade provada decorre que à data da resolução do contrato de trabalho (4.11.2016), encontravam-se por pagar, pela Ré à Autora, as seguintes retribuições a) subsídio de férias de 2012 no valor de €595,12; b) metade dos subsídios de férias e de natal de 2013, no valor global de €622,09; c) metade dos subsídios de férias e de natal de 2014, no valor global de €622,09; d) metade dos subsídios de férias e de natal de 2015, no valor global de €622,09; e) subsídio de férias referente aos 22 dias de férias gozados no ano 2016 no valor de €708,00; f) subsídios de refeição relativos aos meses de Agosto de 2013 a 30 de Novembro de 2014 no montante global de €1.410,25; g) remanescente de retribuição base e subsídio de refeição do mês de Março de 2016, no valor de €425,97; h) remanescente de retribuição base e subsídio de refeição do mês de Julho de 2016, no valor de €340,97; i) retribuição base e subsídio de refeição do mês de Agosto de 2016, no valor de €736,62; j) retribuição base e subsídio de refeição do mês de Setembro de 2016, no valor de €803,30; k) retribuição base e subsídio de refeição do mês de Outubro de 2016, no valor de €492,60 (facto 5).
Ora, dispõe o artigo 394° do CT que:
1-Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.
2- Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente
os seguintes comportamentos do empregador:
a)Falta culposa de pagamento pontual da retribuição.
(…)
3-(…).
4- A justa causa é apreciada nos termos do n° 3 do artigo 351° com as necessárias adaptações.
5- Considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo.
A propósito deste artigo escreve a Professora Maria do Rosário Palma Ramalho, na obra Direito do Trabalho Parte II-Situações Laborais Individuais, pag.1007: as situações de justa causa, indicadas para efeitos de resolução do contrato de trabalho, no artigo 394° n° 2 e 3 reconduzem-se a duas categorias: as situações de justa causa subjectiva (art.394° n° 2) cujo enunciado é assumidamente exemplificativo e as situações de justa causa objectiva (394° n° 3). As situações de justa causa subjectiva reportam-se a comportamentos do empregador que traduzem uma violação culposa dos seus deveres. Para este efeito relevam entre outros, os seguintes comportamentos:
i) Comportamentos de violação de deveres contratuais, como a falta culposa do pagamento pontual da retribuição ou a violação das garantias convencionais do trabalhador (als.a) e b) do n° 2 do artigo 394 e ainda n° 5 do artigo 394°.
ii)Comportamentos de violação de deveres legais, como a violação das garantias legais do trabalhador, a aplicação de sanção abusiva (nos termos do artigo 331 do CT), ou o incumprimento culposo de deveres atinentes à segurança, higiene e saúde no trabalho (als.b) c), e d) do n°2 do artigo 394°
iii) Comportamentos de deveres gerais, como a lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador, as ofensas à integridade física ou moral, à liberdade, à honra ou dignidade do trabalhador, puníveis por lei e que tenham sido praticadas pelo empregador (als.c)e , f) do n° 2 do artigo 394CT.
E a pags.1010 e 1011 da mesma obra lemos: para aferição concreta da justa causa, a lei manda atender aos critérios de apreciação da justa causa disciplinar (art.394° n° 4), que são indicados pelo artigo 351° n° 3 com as necessárias adaptações (...) A jurisprudência tem acentuado a necessidade da presença de três requisitos para que se configure uma situação de justa causa subjectiva para a resolução do contrato:
i) Um requisito objectivo, que é o comportamento do empregador violador dos direitos ou garantias do trabalhador;
ii) Um requisito subjectivo, que é a atribuição, desse comportamento ao empregador a título de culpa. Contudo, no que se refere ao requisito da culpa é de presumir a sua verificação, uma vez que estamos no âmbito da responsabilidade contratual, ou seja, por aplicação da regra geral do artigo 799° do CC. Desta presunção decorre o ónus da prova do empregador demonstrar que a situação subjectiva de justa causa alegada pelo trabalhador não procedeu de um comportamento culposo.
iii) Um terceiro requisito que relaciona aquele comportamento com o vínculo laborai, no sentido de tornar imediata e praticamente impossível para o trabalhador, a subsistência desse vínculo (ou seja, em termos comparáveis aos da justa causa subjacente ao despedimento disciplinar). Este requisito retira-se da exigência legal de que a resolução do contrato seja promovida num lapso de tempo muito curto (30 dias sobre o conhecimento desses factos pelo trabalhador, nos termos do artigo 395° n° 1) mas não pode deixar de ser reconduzido à ideia de simples inexigibilidade da manutenção do vínculo laboral.
Elucidativo é ainda o que, a este propósito, se refere no acórdão do STJ de 6.12.2017 in www.dgsi.pt: Donde termos de concluir que para ocorrer justa causa tem que existir um comportamento ilícito do empregador, que seja violador dos deveres que lhe são impostos e das garantias do trabalhador, e que o seu grau de culpa condicione de tal forma a relação laborai que não lhe seja exigível que se mantenha vinculado à empresa.
Impõe, no entanto, o n° 4 do artigo 394° que na sua apreciação devem ser tomadas em consideração as circunstâncias enunciadas no n.° 3 daquele artigo 351°.
Por isso, a resolução do contrato com justa causa e por iniciativa do trabalhador respeita a situações anormais e particularmente graves, em que deixa de ser-lhe exigível que permaneça ligado à empresa por mais tempo.
E assim, só existirá justa causa para o trabalhador se despedir, quando a conduta do empregador satisfizer estes três requisitos:
um de carácter objectivo, traduzido num ou vários comportamentos deste que violem as garantias legais do trabalhador ou ofendam a sua dignidade;
outro de carácter subjectivo, consistente no nexo de imputação desta conduta a culpa exclusiva do empregador;
mas para além disso, exige-se ainda que esta conduta do empregador gere uma situação de imediata impossibilidade de subsistência do contrato, tornando inexigível ao trabalhador que permaneça vinculado por mais tempo à empresa.
Donde termos de concluir que para ocorrer justa causa tem que existir um comportamento ilícito do empregador, que seja violador dos deveres que lhe são impostos e das garantias do trabalhador, e que o seu grau de culpa condicione de tal forma a relação laboral que não lhe seja exigível que se mantenha vinculado à empresa.
Daí que, nem toda a violação de obrigações contratuais por parte do empregador confira ao trabalhador o direito de resolver o contrato.
Assim, para que se possa concluir pela existência de justa causa de resolução do contrato de trabalho ter-se-á de verificar a falta de pagamento pontual da retribuição, que tal falta decorra de facto imputável e culposo da Ré e determine a inexigibilidade da manutenção da relação laboral.
Ora, no caso em apreciação, verifica-se uma situação de falta de pagamento pontual da retribuição.
E por se ter prolongado por mais de 60 dias, considera-se essa falta culposa atento o disposto no n° 5 do artigo 394° do CT que consagra uma presunção de culpa juris et de jure,
Na verdade, quanto a este n° 5, que constitui novidade do Código do Trabalho de 2009, é pacífico na jurisprudência que consagra uma presunção de culpa juris et de jure, insusceptível, por isso, de prova em contrário.
Ou seja, prolongando-se a falta de pagamento pontual da retribuição por período de 60 dias, a lei considera que tal falta é culposa.
E tal consideração assenta no facto incontornável de que a retribuição tem natureza alimentar e essencial para o trabalhador que, na maioria dos casos, dela depende e que é com ela que provê ao seu sustento e ao do seu agregado familiar. E, nessa medida, ao legislador impôs-se considerar que a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por 60 dias traduz um dano que poderá obstar a uma vida digna, daí que mereça, sem quaisquer contemplações, um juízo automático de censurabilidade ou de culpa.
Assim, contrariamente ao que invoca a Recorrente, a circunstância de se ter provado que a partir do ano de 2014, a Ré começou a atravessar uma crise financeira fruto da crise do mercado da construção civil para quem maioritariamente trabalhava, que fez com que a partir do final do ano de 2015 passasse a ter dificuldades em garantir o pagamento pontual dos vencimentos aos trabalhadores (facto 11), que devido a tais dificuldades a Ré passou a pagar as retribuições de forma faseada e com atrasos, mas sem deixar decorrer períodos de 60 ou mais dias sem pagar qualquer quantia aos trabalhadores (facto 12) e que a Autora era a responsável pelos processamentos salariais de todos os colaboradores da Ré, sendo sabedora de tudo o que se passava com os vencimentos e tinha conhecimento das referidas dificuldades financeiras da Ré e sempre mostrou solidariedade com a Ré, tendo dado o seu assentimento para que fossem feitos pagamentos faseados de retribuições e chegado a afirmar que não se importava de ser a última a receber para que fossem primeiro pagos os colegas que tinham filhos pequenos, não é susceptível de afastar a referida presunção de culpa, donde é de concluir, como faz o Tribunal a quo, que a falta de pagamento da retribuição, no caso, é culposa.
Contudo, não obstante a conclusão a que chegámos, importa ainda referir que o n° 5 do artigo 394° do CT não afasta a aplicabilidade do disposto no n° 4 do mesmo artigo, o que equivale a dizer que aquele n° 5, não confere ao trabalhador a possibilidade de, sem mais, resolver o contrato de trabalho invocando justa causa.
E porque assim, tal como sucede nos restantes casos enumerados no n° 2 do artigo 394° do CT, o trabalhador sempre terá de alegar e provar os restantes elementos integradores do conceito de justa causa a que alude o n° 3 do artigo 351°, embora de modo mais mitigado do que é exigível ao empregador, posto que, diferentemente deste, não lhe é concedido um leque vasto de reacções perante o incumprimento do empregador, como sucede com este perante o incumprimento do trabalhador.
Consequentemente, da conjugação dos n°s 4 e 5 do artigo 394° do CT resulta o seguinte quadro normativo: verificando-se os pressupostos descritos no n° 5, o empregador não pode afastar a presunção de culpa que sobre si recai, mas o trabalhador sempre terá de provar que os restantes elementos caracterizadores da justa causa de resolução se verificam.
Ou seja, que não lhe é exigível que mantenha a relação laboral.
No recurso, a Recorrente não põe em causa que não se tornou impossível a manutenção da relação laboral, acentuando, sim, que o seu comportamento não é culposo.
De qualquer modo, face à natureza alimentar e essencial da retribuição, ao valor da retribuição mensal auferida pela Autora que vai pouco além do salário mínimo, ao valor das retribuições e subsídios em falta, ao extenso lapso de tempo em que se prolongou a falta de pagamento de algumas dessas quantias, é de concluir que não lhe era exigível, naquelas circunstâncias, manter a relação laboral.
Assim, em consequência do exposto, é de considerar, como considerou o Tribunal a quo, que assistia à Autora o direito de resolver o contrato de trabalho com justa causa com fundamento na falta culposa de pagamento pontual da retribuição, assistindo-lhe, assim, o direito a ser indemnizada nos termos do artigo 396° do CT, nos valores já fixados pelo Tribunal a quo que não mereceram contestação por parte da Recorrente.
Por conseguinte, a apelação deverá ser julgada improcedente.
Considerando o disposto nos n°s 1 e 2 do artigo 527° do CPC, as custas do recurso são da responsabilidade da Recorrente.
Decisão
Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal e Secção em julgar a apelação improcedente e confirmam a sentença recorrida.
Custas do recurso pela Recorrente.
Lisboa, 17 de Outubro de 2018
Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Sumário:
Maria Paula Moreira Sá Fernandes
- Para que ocorra justa causa de resolução do contrato de trabalho nos termos da al.a) do n° 2 do artigo 394° do Código do Trabalho é necessário que se prove que o empregador faltou com o pagamento pontual da retribuição, que essa falta é culposa e que tornou imediatamente inexigível a subsistência da relação laboral.
- O n° 5 do artigo 394° do CT consagra uma presunção de culpa jure et de jure, não
Admitindo prova em contrário.
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