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 - ACRL de 16-10-2018   Tutela de personalidade. Testemunhas.
Num processo especial de tutela de personalidade no qual, na sequência de recurso interposto pelo requerido, foi decidido que o requerido tem o direito a apresentar 10 testemunhas (e não apenas 5 como o tribunal a quo tinha previamente determinado), tem o requerente também o direito de apresentar o mesmo número de testemunhas, apesar de não ter recorrido do primeiro despacho.
Proc. 336/18.4T8OER-D.L1 7ª Secção
Desembargadores:  Higina Castelo - José Capacete - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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7.ª Secção — Cível
Proc. n.º336/18.4T80ER-D.L1
SUMÁRIO
Num processo especial de tutela de personalidade no qual, na sequência de recurso interposto pelo requerido, foi decidido que o requerido tem o direito a apresentar 10 testemunhas (e não apenas 5 como o tribunal a quo tinha previamente determinado), tem o requerente também o direito de apresentar o mesmo número de testemunhas, apesar de não ter recorrido do primeiro despacho.
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
MAR..., FRA..., LAR..., LOU..., TOM... E CAE..., representados pelo Ministério Público, autores no processo especial de tutela da personalidade identificado à margem, em que são réus SIN..., S.A. e WAR..., S.L. - SUCURSAL EM PORTUGAL, notificados da decisão proferida no dia 30 de maio de 2018 e não concordando com o seu conteúdo, no segmento em que indeferiu a sua pretensão de inquirição da testemunha por si arrolada, interpuseram o presente recurso.
A compreensão do litígio e do objeto do recurso impõe um pequeno excurso pelos autos a partir de anterior despacho,proferido em 20/02/2018:
Na primeira sessão da audiência de julgamento que teve lugar em 20 de fevereiro, foi proferido o seguinte despacho:
«Despacho ao abrigo do art.° 6º nº 1, do CPC:
- Esclarecimento Prévio quanta ao número de testemunhas por cada parte:
- Não obstante a tutela da personalidade ter deixado de integrar os processos de jurisdição voluntária e passado a integrar a jurisdição contenciosa, caracterizando-se ora como um processo especial, ao qual se aplicam as regras próprias dos art.ºs 878.° a 880.º, do CPC, e na sua omissão, as regras do processo comum (art.° 549º 2 CPC), não podemos deixar de atentar, e concordar, com o entendimento exposto por Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, in O Processo Especial de tutela da personalidade, no Código de Processo Civil de 2013, in Jurismat, Portimão, n.° 5, 2014, pp. 63-80, quando sustenta que não deixa todavia de ser contraditório com a intenção de aperfeiçoamento da tutela célere dos direitos de personalidade a admissibilidade de dez testemunhas por cada parte, por confronto com o processamento anterior, que o legislador de 2013 julgou ser insuficiente e carecer de reformulação. Admite-se, assim, que se possa aplicar o regime previsto para as providências cautelares e, por esta via (n.º 3 do artigo 365.º e nº2 1 do artigo 294.°) limitar a cinco esse número..
Esta aplicação, prossegue o Autor, fundamenta-se na previsão de uma decisão provisória a qual pressupõe o exame das provas oferecidas pelo requerente, como foi precisamente o caso presente, no qual as provas documentais e em suporte digital juntas com o articulado inicial por parte do Autor já foram objeto de exame pelo Tribunal.
Concordando inteiramente com esta posição, a qual sufragamos, pelo que, disciplinando a audiência de julgamento, clarificamos que o número de testemunhas a admitir para cada parte não poderá ser superior a cinco.
Notifique.
Oportunamente as partes que apresentaram o seu rol de testemunhas deverão clarificar/identificar ao Tribunal a concreta composição do rol de testemunhas de modo a que cumpra com esta limitação já indicada.»
Deste despacho recorreram as rés SIN... e WAR..., recursos que subiram em separado e foram decididos pelo acórdão desta Relação de 03/05/2018 (fls. 184 a 208 do pdf da certidão junta no Citius — fls. 102 a 113 v.º deste apenso D impresso em papel). Nesse acórdão foi decidido o recurso das ora recorridas SIN... e WAR... da decisão que limitou os róis de testemunhas a cinco e ordenou a apresentação das testemunhas que as partes tinham requerido fossem notificadas para julgamento; a SIN... tinha também interposto recurso do mesmo despacho
por não lhe ter admitido prova pericial, mas que foi, nesta parte, julgado improcedente.
O tribunal ad quem julgou procedentes os recursos primeiramente referidos, com o seguinte
dispositivo:
«Em face do exposto:
- Julga-se parcialmente procedente o recurso da SIN... relativamente ao número de testemunhas a inquirir e notificação das testemunhas que não eram a apresentar, no mais mantém-se a decisão impugnada;
- Procedente o recurso da WAR...».
Após baixa do aludido recurso, os autos prosseguiram os seus termos e, em 21 de maio, os autores arrolaram mais uma testemunha. Na petição inicial, os autores tinham arrolado apenas oito testemunhas, requerendo agora a inquirição de mais uma.
Em 30 de maio, o tribunal a quo profere despacho objeto do presente recurso, agora interposto pelos autores.
A parte do despacho recorrido com a qual os recorrentes não se conformam encontra-se na seguinte passagem:
«Considerando que o Ministério Público não recorreu do despacho do Tribunal, proferido em ata, sobre a admissão do número de testemunhas, e não sendo o caso de aplicação das previsões dos art.ºs 633.º a 635.º, do Cód. de Proc. Civil, considerando ainda que o objeto do recurso é constituído pela decisão impugnada ou recorrida e já não pela questão ou litígio sobre que caiu a decisão impugnada, indefere-se a requerida inquirição de testemunha, não sendo aqui atendíveis os invocados Princípios da Igualdade das Partes e do contraditório, sendo certo que ao Ministério Público sempre assistiu a faculdade de recorrer tendo optado por o não fazer, e até apresentado contra-alegações às alegações apresentadas pelas recorrentes.»
Os recorrentes terminam as suas alegações de recurso, concluindo:
«a) Os Autores, ora Apelantes, entendem que a decisão judicial proferida pelo Tribunal a quo, a que indeferiu a pretensão de inquirição de uma testemunha arrolada inicialmente, é ilegal, na medida em que: viola a Autoridade do caso julgado do douto acórdão do Tribunal da Relação proferido em 03 de maio de 2018; viola o dever de acatamento pelos Tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos Tribunais superiores, atenta contra o disposto nos artigos 511.°, n.º1 e 549.º, n.º 1, do Código de Processo Civil; fez tábua rasa do basilar princípio da igualdade de armas (artigo 4.º, do Código de Processo Civil); e ofende o direito dos Autores ao processo justo e equitativo, enquanto corolário do princípio constitucional do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva (nº 4, do artigo 20.º, da Lei Fundamental);
b) A decisão em crise foi proferida na sequência de requerimento apresentado pelos Autores, os quais motivaram a sua pretensão no conteúdo do recente Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa (apenso A), segundo o qual se firmou que nos presentes autos o número de testemunhas a admitir, por cada parte, não poderia sofrer quaisquer limitações, balizando-se o seu número em 10;
c) Os Autores arrolaram inicialmente 8 testemunhas e viram-se forçados a reduzir o seu rol por força duma decisão judicial que foi eliminada da ordem jurídica e substituída por outra que reconheceu se nada foi previsto, relativamente ao número de testemunhas, neste processo especial, devem ser admitidas na totalidade as testemunhas indicadas. Assim sendo, (...) devem ser admitidas com o número de testemunhas previsto no processo comum, no caso 10, cf. artigo 511/1 do NCPC;
d) Nada na lei permite concluir que uma das partes que não recorre de uma decisão que incide sobre o número de testemunhas a admitir por parte, e que contra-alega na instância recursiva pugnando por uma determinada interpretação jurídica, fica processualmente impedido de ver repercutidos na sua esfera jurídica os efeitos da decisão que vem a ser proferida pelo Tribunal superior;
e) Pelo contrário porque se trata de recurso cujos fundamentos não respeitam à pessoa dos Recorrentes, mas antes respeitam, objetivamente, à disciplina processual probatória (número de testemunhas admissível) da ação especial de tutela da personalidade e portanto, tratando-se de decisão que incide sobre a admissibilidade de um concreto meio de prova a que todos os sujeitos processuais diz respeito por igual, necessariamente, não há qualquer
impedimento ou proibição da extensão dos efeitos do recurso aos Autores e aos demais Réus não recorrentes;
f) No caso dos Autores, enquanto sujeitos processuais que organizaram o seu rol e indicaram para inquirição oito testemunhas, necessariamente, a decisão proferida pelo Tribunal superior terá consequências porquanto a ilegal redução decretada pelo Tribunal a quo influenciou diretamente a sua estratégia processual — isto porque, repete-se, os Autores reduziram para 5 testemunhas o seu rol inicial que apresentava 8;
g) A decisão em crise violou frontalmente a Autoridade do caso julgado contido no douto Acórdão do Tribunal da Relação proferido em 03 de maio de 2018, o qual foi inequívoco em determinar que no Processo Especial de Tutela da Personalidade, as regras que devem ser aplicadas quanto ao número de testemunhas são as que se mostram contidas nos artigos 511.º e 549.º, do Código de Processo Civil, e como tal o número a considerar como válido é de 10 testemunhas;
h) A decisão não cumpriu com o dever de acatamento pelos Tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos Tribunais superiores (artigo 4.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto);
i) A decisão postergou por completo o princípio da igualdade das partes, na medida em que deixou de assegurar, no processo, o estatuto de igualdade substancial das partes, em concreto, para o exercício e no uso de um dos meios probatórios disponíveis (artigo 4.º, n.º 1, do Código de Processo Civil);
Violando, também, o direito dos Autores a um processo justo e equitativo, enquanto corolário do princípio de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, consagrado no n.º 4, do artigo 20.º, da Constituição da República Portuguesa;
k) Com esta limitação quanto ao número de testemunhas, os Autores ora Apelantes, viram o seu direito de ação ilegitimamente reduzido face à vantagem que os Réus passaram a deter, ficando por isso impedidos de demonstrar em Tribunal aspetos factuais essenciais da sua causa de pedir;
Donde nos parece lícito afirmar que as normas constantes dos artigos 549.º e 511.º do Código de Processo Civil, interpretadas no sentido de que é admissível manter uma decisão judicial anterior de limitação ilegal do número de testemunhas por parte, revogada em recurso transitado em julgado, para quem dela não recorreu e contra-alegou, são, nessa interpretação, materialmente inconstitucionais, por violação dos artigos 2.º, 3.º e 20.º n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade arguida para todos os efeitos legais.»
As recorridas contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso.
Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito.
OBJETO DO RECURSO
Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (arts. 635, 637, n.º 2, e 639, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Perante aquelas, colocam-se as questões de saber se o despacho na parte recorrida viola a autoridade do caso julgado do acórdão do Tribunal da Relação proferido em 3 de maio de 2018; viola o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores; viola o princípio da igualdade de armas (artigo 4.º, do Código de Processo Civil) e o direito dos Autores ao processo justo e equitativo.
II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos relevantes são os que constam do relatório.
III. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO O presente caso coloca uma questão meramente processual e de extrema simplicidade: saber se, no mesmo processo, o número de testemunhas que cada uma das partes principais tem o direito de apresentar pode ser diferente.
A resposta é negativa porque:
- Assim o impõe o artigo 4.° do CPC, segundo o qual «o tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais»;
- Ainda que esta norma expressa não existisse na lei ordinária, assim o imporia o artigo 13 da Constituição da República Portuguesa — na parte em que afirma que todos os cidadãos são iguais perante a lei, preceito diretamente aplicável e que vincula entidades públicas e privadas (artigo 18 da CRP) —, bem como 20, n.° 4, da mesma Lei Fundamental — na parte em que afirma que todos têm o direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão mediante processo equitativo;
- Ainda que estas normas não tivessem sido postas pelo legislador e lacuna houvesse, não poderia o juiz num Estado de Direito deixar de a ela chegar, por via de raciocínios que, para a decisão deste caso, não vale a pena aprofundar.
Concluindo: estando definitivamente decidido no processo que as rés têm o direito de apresentar 10 testemunhas, não podem os autores ter direito a menos.
IV. DECISÃO
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação,
revogando o despacho recorrido e admitindo a testemunha adicional arrolada pelos autores.
Custas pelas recorridas.
Lisboa, 16/10/2018
Higina Castelo
José Capacete
Carlos Oliveira
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