Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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 - ACRL de 18-09-2018   Operação de cúmulo jurídico. Pena suspensa.
O arguido deve ser condenado numa pena única por todos os crimes em concurso, sendo que a aplicação de uma pena única de prisão, ainda que efectiva, em cúmulo jurídico, englobando pena de prisão suspensa na sua execução, como se esta não tivesse sido suspensa, não constitui violação de caso julgado, já que este incide, de modo definitivo, sobre a medida da pena e não sobre a sua execução, razão pela qual não existe impedimento legal à inclusão das penas de prisão com suspensão da execução no cúmulo de penas, tratando-se, antes, de uma exigência legal.
Proc. 1286/14.9POLSB.L1 5ª Secção
Desembargadores:  Cid Geraldo - Ana Sebastião - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Processo n° 1286/14.9POLSB
Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. — No processo n° 1286/14.9POLSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 11, por decisão de 26-02-2018, o Mm° juiz a quo não procedeu ao cúmulo jurídico entre as penas impostas ao arguido CC... nos presentes autos (em que foi condenado, por sentença transitada em julgado no dia 06/03/2017, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão efectiva, suspensa na sua execução por igual período) e a pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão, suspensa na execução por igual período, com regime de prova, em que foi condenado, por sentença proferida no âmbito do Proc. n.° 49/15.9SHLSB, transitada em julgado no dia 15/01/2016, por entender que a realização do cúmulo das penas parcelares aplicadas não favoreceria o arguido ao incluir na execução de uma pena única duas penas cuja execução o Tribunal entendeu suspender, sendo que numa delas, a do processo a cumular, até foi decidida a suspensão em moldes diferentes, uma vez que está condicionada ao regime de prova, contrariamente à destes autos as qual não se mostra condicionada a qualquer regime de prova.

Não se conformando com esta decisão, o Digno Magistrado do Ministério Público dela interpôs recurso, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões:
1. O Tribunal a quo decidiu que não seria de realizar cúmulo jurídico, nos presentes autos decisão de que se discorda e da qual ora se recorre.
2. In casu, resulta que o arguido CC...:
i. Por sentença proferida no âmbito do Proc. n.° 49/15.9SHLSB, transitada em julgado no dia 15/01/2016, foi condenado na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão, suspensa na execução por igual período, com regime de prova;
ii. Por sentença proferida nos presentes autos, transitada em julgado no dia 06/03/2017, foi condenado na pena de 18 (dezoito) meses de prisão efectiva, suspensa na sua execução por igual período.
3. Verifica-se, desta forma, que a decisão que primeiramente transitou em julgado foi a proferida no Proc. n.° 49/15.9SHLSB, em 15/01/2016. E que, por outro lado, o arguido foi condenado, nos presentes autos, por factos praticados nos dias 31/10/2014 e 04/11/2014. Isto é, anteriores ao trânsito em julgado da aludida decisão.
4. Consequentemente, forçoso é concluir que há lugar à aplicação do disposto no art. 78.°, n.°s 1 e 2, do Código Penal, operando, destarte, o conhecimento superveniente do concurso e subsequente condenação numa pena única, através da operação de cúmulo jurídico, nos termos das regras elencadas no art,° 77.° do Código Penal. O qual é da competência do Tribunal recorrido, por ser o da última condenação - art.° 471.°, n.° 2 do Código de Processo Penal.
5. Efectivamente, como resulta da longa lista de arestos elencada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do Proc. n.° 1040/06.1PSLSB.S1, em 11/02/2011, disponível in www.dgsi.pt. «(...) a orientação dominante é no sentido da integração da pena suspensa no cúmulo».
6. No mesmo sentido, vai o Tribunal Constitucional e a larga maioria da doutrina.
7. Não existindo qualquer limite ao cúmulo jurídico (originado pelo concurso superveniente de crimes), emergente do caso julgado - aresto do Supremo Tribunal de Justiça (Proc. n.° 06P4357, de 21/12/2006, disponível in www.dgsi.pt.
8. Por outro lado, contrariamente ao argumento da decisão recorrida, de acordo com o qual o cúmulo não deverá operar, por no Proc. n.° 49/15.9SHLSB, a suspensão ter sido subordinada a regime de prova, é de sublinhar que «Tal como é jurisprudência majoritária do STJ, a obrigatoriedade da realização do cúmulo jurídico de penas de prisão, nos termos dos arts. 77.° e 78.°, do CP, não exclui as que tenham sido suspensas na sua execução, suspensão que pode ou não ser mantida, orientação esta que o TC já julgou não ser inconstitucional, sendo absolutamente irrelevante a circunstância de alguma ou algumas das penas terem sido suspensas com regime de prova.» - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do Proc. n.° 1751/05.9JAPRT.S1, em 25/09/2013, disponível in www.dgsi.pt.
9. Assim, mal andou o Tribunal a quo, ao decidir não fazer operar o cúmulo jurídico das penas, não obstante parecer admitir que existe um concurso superveniente de crimes. Tendo incorrido, em consequência, numa incorrecta interpretação e aplicação do preceituado no art. 78.°, n.°s 1 e 2do Código Penal.
Nestes termos e nos demais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente:
Deverá ser revogada a decisão recorrida, sendo substituída por outra que determine a realização do cúmulo jurídico pelo Tribunal recorrido (art. 471°, n.° 2 do Código dc Processo Penal), nos termos do plasmado no art. 77° e 78.°, n.°s 1 e 2 do Código Penal, devendo, para o efeito, ter lugar a audiência a que se refere o art. 472° do Código de Processo Penal.
Nesta Relação, a Digna Procuradora-geral Adjunta acolheu os argumentos invocados pela magistrada do Ministério Público recorrente, por se encontram devidamente desenvolvidos e adequadamente sustentados, proferindo parecer no sentido do provimento ao recurso interposto pelo Magistrado do Ministério Público.
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
2. De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410°, n° 2, do CPP — neste sentido, cfr. também, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/99, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196.
No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, a questão que se suscita é a de saber se deve, ou não, proceder-se ao cúmulo de penas de prisão suspensas na sua execução.
Cumpre apreciar:
Por sentença proferida no âmbito do Proc. n.° 49/15.9SHLSB, transitada em julgado no dia 15/01/2016, o arguido CC... foi condenado, por factos de 30 de Maio de 2015, na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão, suspensa na execução por igual período, com regime de prova; por sentença proferida nos presentes autos, transitada em julgado no dia 06/03/2017, foi condenado na pena de 18 (dezoito) meses de prisão efectiva, suspensa na sua execução por igual período. Os factos reportam-se a 31 de Outubro e 4 de Novembro, ambos do ano de 2014.
Verifica-se, desta forma, que a decisão que primeiramente transitou em julgado foi a proferida no Proc. n.° 49/15.9SHLSB, em 15/01/2016. E que, por outro lado, o arguido foi condenado, nos presentes autos, por factos praticados nos dias 31/10/2014 e 04/11/2014. Isto é, anteriores ao trânsito em julgado da aludida decisão.
O Tribunal a quo decidiu que não seria de realizar cúmulo jurídico, não obstante parecer admitir que existe um concurso superveniente de crimes, por entender que:
Face aos dados acima colididos entendemos não ser de realizar o cúmulo.
Com efeito, visa-se com o instituto do concurso de crimes a aplicação de uma pena única a todos os crimes que estejam em relação de concurso evitando-se o cumprimento pelo arguido de sucessivas penas e, por essa via, que os limites máximos estabelecidos legalmente, de 25 anos para a prisão e 900 dias para a pena de multa, sejam ultrapassados, pois que o cúmulo é precisamente a forma de execução das penas parcelares (neste sentido, cfr. Ac. da Relação do Porto, de 12.02.1986, CJ, Ano XI, Tomo 1, pág. 206).
A realização do cúmulo das penas parcelares aplicadas ao arguido visa, de alguma forma, favorecê-lo por via da ponderação das várias penas e aplicação de uma única pena a executar.
Sendo este o telos da norma, entendemos que não se favoreceria o arguido ao incluir na execução de uma pena única duas penas cuja execução o Tribunal, apreciando o caso concreto, entendeu suspender, sendo que numa delas, a do processo a cumular, até foi decidida a suspensão em moldes diferentes, uma vez que está condicionada ao regime de prova, contrariamente à destes autos as qual não se mostra condicionada a qualquer regime de prova.
Face ao exposto decide-se não realizar, por ora, o cúmulo jurídico de tais penas. Notifique.
Com este entendimento não concorda o Digno Magistrado do M°P° recorrente, defendendo que deverá ser revogada a decisão recorrida, sendo substituída por outra que determine a realização do cúmulo jurídico pelo Tribunal recorrido (art. 471°, n.° 2 do Código de Processo Penal), nos termos do plasmado no art. 77° e 78.°, n.°s 1 e 2 do Código Penal, devendo, para o efeito, ter lugar a audiência a que se refere o art. 472° do Código de Processo Penal. Para o recorrente, há lugar à aplicação do disposto no art. 78.°, n.°s 1 e 2, do Código Penal, operando, destarte, o conhecimento superveniente do concurso e subsequente condenação numa pena única, através da operação de cúmulo jurídico, nos termos das regras elencadas no art,° 77.° do Código Penal, uma vez que, como resulta da longa lista de arestos elencada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do Proc. n.° 1040/06.1PSLSB.S1, em 11/02/2011, disponível in www.dgsi.pt. «(...) a orientação dominante é no sentido da integração da pena suspensa no cúmulo» e, no mesmo sentido, vai o Tribunal Constitucional e a larga maioria da doutrina. Por outro lado, contrariamente ao argumento da decisão recorrida, de acordo com o qual o cúmulo não deverá operar, por no Proc. n.° 49/15.9SHLSB, a suspensão ter sido subordinada a regime de prova, é de sublinhar que «Tal como é jurisprudência majoritária do STJ, a obrigatoriedade da realização do cúmulo jurídico de penas de prisão, nos termos dos arts. 77.° e 78.°, do CP, não exclui as que tenham sido suspensas na sua execução, suspensão que pode ou não ser mantida, orientação esta que o TC já julgou não ser inconstitucional, sendo absolutamente irrelevante a circunstância de alguma ou algumas das penas terem sido suspensas com regime de prova.» ¬Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do Proc. n.° 1751/05.9JAPRT.S1, em 25/09/2013, disponível in www.dgsi.pt.
Vejamos:
Dispõe o art. 77°, n° 1, do Código Penal (aplicável ao concurso superveniente ex vi do art. 78°, n° 1, do CP), que quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única, o que acontece, in casu, considerando que por sentença proferida no âmbito do Proc. n.° 49/15.9SHLSB, transitada em julgado no dia 15/01/2016, foi o arguido CC... condenado na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão, suspensa na execução por igual período, com regime de prova e, por sentença proferida nos presentes autos, transitada em julgado no dia 06/03/2017, foi condenado na pena de 18 (dezoito) meses de prisão efectiva, suspensa na sua execução por igual período, verificando-se, desta forma, que a decisão que primeiramente transitou em julgado foi a proferida no Proc. n.° 49/15.9SHLSB, em 15/01/2016 e que, por outro lado, o arguido foi condenado, nos presentes autos, por factos praticados nos dias 31/10/2014 e 04/11/2014, isto é, anteriores ao trânsito em julgado da aludida decisão, pelo que há lugar à aplicação do disposto no art. 78.°, n.°s 1 e 2, do Código Penal, operando o conhecimento superveniente do concurso e subsequente condenação numa pena única, através da operação de cúmulo jurídico, nos termos das regras elencadas no art,° 77.° do Código Penal.
Contrariamente à decisão recorrida, entendemos que o tribunal a quo deveria ter procedido ao cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas nos mencionados processos, independentemente de a execução dessas penas ter sido declarada suspensa.
Este vem sendo este, aliás, o entendimento maioritariamente sufragado pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça — integração de penas de prisão declaradas suspensas na respectiva execução, quando se encontrem numa relação de concurso com as demais que forem englobadas no mesmo concurso, em situações de cúmulo jurídico de penas de conhecimento superveniente — cf. assim, os Ac. do STJ de 04.09.2008, proc. 2391/08; de 29.04.2010, proc. 16/06.3 GANZR.C1 . S1, de 29.03 .2012, processo 117/08PEFUN.0 S1 ; de 10.04.2014, proc. 683/08.3GAFLQ-B.S1 ou de 13.03.2014, proc. 145/11.1PBEVR.S1.
Como se salienta no Acórdão do S.T.J, de 23/11/2010, proc. 93/10.2TCPRT.S1 de acordo com posição dominante, a suspensão da execução da pena de prisão não constitui óbice à integração dessa pena em cúmulo jurídico de penas aplicadas a crimes ligados entre si pelo elo da contemporaneidade, não seccionada por condenação transitada pela prática de qualquer deles, posição que é também sustentada no Acórdão do mesmo Tribunal de 11/05/2011, proc. 1040/06.1PSLSB.S1, ambos relatados pelo Conselheiro Raul Borges.
Ressalvam-se, porém, as situações em que as penas suspensas já tenham sido anteriormente declaradas extintas, nos termos do artigo 57.°, n.°1, do Código Penal, pois nesses casos o englobamento dessas penas no cúmulo jurídico afrontaria a paz jurídica do condenado derivada do trânsito em julgado do despacho que as declarou extintas (cf. Acórdão do STJ, 12.06.2014, proc. 300/08.1GBSLV.S2).
Neste sentido se decidiu, também, no Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/11/2016 (proc. n° 6363/16.9T8LSB.L1-5, disponível em www.dgsi.pt), em cujo sumário se refere expressamente que devem ser sujeitas a cúmulo (englobamento) jurídico as penas aplicadas por crimes em concurso entre si, ainda que tenham sido objecto de regime de suspensão da sua execução em cada processo condenatório. Porém, deverá salvaguardar-se previamente se as penas parcelares suspensas na sua execução se mantêm ou não como tal, pois que, caso tenham ou devam considerar-se extintas por decurso do prazo de suspensão, não devem ser, em princípio, englobadas no cúmulo jurídico.
No mesmo sentido se decidiu no Ac. do TRL de 25/5/2016 (proc. n° 956/11.9TDLSB.L1-3, disponível em www.dgsi.pt), aí se concluindo que para a realização do cúmulo deve, quanto à pena suspensa, atender-se à pena de prisão aplicada antes da substituição, uma vez que esta decisão não é definitiva no caso de vir a verificar-se que essa pena se deve integrar numa pena única, devendo o juízo sobre a substituição ser formulado em face desta última pena, tendo em conta o conjunto dos factos que estiveram na origem das condenações e a personalidade do agente.
A não ser assim, para além de se estar a aplicar uma pena parcialmente suspensa, o que não é permitido pelo nosso ordenamento jurídico, estar-se-ia a tratar diferentemente os casos em que todos os crimes foram objecto do mesmo processo e aqueles em que os diversos crimes foram julgados separadamente. No primeiro caso, haveria inexoravelmente lugar à aplicação de uma pena única. No segundo, o condenado podia cumprir as diversas penas separadamente, podendo umas ser de prisão e outras ser penas de substituição.
Mais uma vez, no Ac. do TRL de 29/3/2016 (proc. n° 25980/15.8T8LSB.L1-5, disponível em www.dgsi.pt. ) se refere expressamente que o conhecimento superveniente do concurso, a pena única deve englobar todas as penas, ainda que suspensas, pelos crimes em concurso, decidindo-se, após a determinação da pena única, se esta deve, ou não, ser suspensa.
Como se escreve no Acórdão do STJ, de 21.03.2013, proferido no proc. 153/10.0PBVCT.S1, a propósito da tese minoritária defendida pela decisão recorrida:
«Por detrás da lógica formal a argumentação ora expendida falece de razoabilidade prática o que desde logo é evidente pela circunstância de o juiz que decreta a suspensão da pena parcelar, ignorando a existência de concurso, elaborar um juízo de prognose sobre a evolução da personalidade do arguido com base numa delinquência ocasional que não se verifica. O pressuposto da suspensão não existe pois que existem outros crimes praticados, mas não conhecidos em concreto, e o julgador é induzido em erro pela convicção contrária. Ignora-se, assim, o núcleo fundamental da determinação da pena em sede de cúmulo que á a avaliação conjunta dos factos e da personalidade pois que, na tese que se repudia, ao princípio do caso julgado pretende-se furtar ao domínio do concurso superveniente as infrações em que tenha existido pena suspensa. Aliás, esgrimindo-se com o mesmo argumento da força do caso julgado nos termos expostos, e ignorando a perda de autonomia das penas parcelares que é pressuposto do concurso, não se vislumbra porque não se leva o raciocínio ao limite, defendendo que todas as penas parcelares que tenham transitado, e pelo simples facto de terem, são afastadas do cúmulo. Então o paradigma será outro e do domínio do concurso de penas passamos para a acumulação material de penas.
O que decididamente não é defensável é criar um regime não cabimentado na letra da lei e que consubstancia o que de mais favorável se encontra para o arguido em sede de regime de pena de concurso e de acumulação material, ou seja, cúmulo jurídico sim, perdendo as penas parcelares a sua autonomia, mas somente se o arguido não tiver beneficiado de uma pena de substituição mais favorável. E manifesta a desigualdade de tratamento que, na perspectiva defendida por aquela tese minoritária, existirá entre a situação de concurso normal em que a pena de substituição apenas se equaciona em relação à pena conjunta e a situação de concurso superveniente em que a mesma pena tenha sido suspensa pois, que nessa hipótese, e de acordo com tal tese, o caso julgado conduziria ao afastamento da pena parcelar.
Na verdade, sob pena de uma gritante ofensa do princípio da igualdade, o tratamento do concurso deve ser exatamente o mesmo, independentemente da forma do seu conhecimento, superveniente ou não, e assim, como refere Figueiredo Dias, sabendo-se que a pena que vai ser efetivamente aplicada não é a pena parcelar, mas a pena conjunta, torna-se claro que só relativamente a esta tem sentido pôr a questão da sua substituição.
(...) Como se refere em Acórdão deste Supremo Tribunal de 21/12/2006 a suspensão não forma um caso julgado perfeito, estável, dotado de fixidez, em que a revogação é mutável por força do circunstancialismo previsto no art. °56° do CP, do condicionalismo do art. °55° do CP, ou por força da necessidade de cúmulo jurídico, isto porque quando se procedeu ao julgamento parcelar, incompleto, portanto, não se conheciam todos os elementos posteriormente alcançados, de tal modo que o julgamento parcelar, hoc sensu é um julgamento condicional, sujeito à condição rebus sic stantibus, suplantando o regime normal de intangibilidade, conduzindo a inclusão a resultados mais justos e equitativos, evitando o cumprimento de penas sucessivas, contrariando a teleologia do concurso, solução mais favorável.
Mas se é assim, ou seja, se a lógica da apreciação global do percurso criminoso do arguido implica a valoração de toda, e cada uma, das suas atuações atomisticamente consideradas; se a atribuição de um efeito excludente à pena suspensa gera uma situação de injustificada desigualdade; se a suspensão prévia da pena no concurso superveniente traz consigo um errado conhecimento por parte do julgador em relação à existência do concurso, não se vislumbra porque é que deve interpretar o artigo 78.° do Código Penal numa fórmula que suporta tais patologias».
De resto, sempre se dirá que este tem sido, desde há muito, o entendimento dominante da jurisprudência dos Tribunais superiores: deste Tribunal da Relação de Lisboa (cf., para além dos Acórdãos já mencionados, os Acs. de 22/05/2003 -proc. n° 2692/2003-9, de 28/6/2006 - proc. n° 5765/2006-3, de 20/3/2007 - proc. n° 160/2007-5, de 5/4/2011 - proc. n° 663/07.6PKLSB-C.L1-5, de 3/3/2012 - proc. n° 66/10.5SVLSB.L1-5, de 17/4/2012 - proc. n° 289/1 1.0TCLSB.L1-5, de 24/10/2012 - proc. n° 980/10.8PBPDL-A.L1-3, de 11/9/2013 - proc. n° 108/08.4SFLSB-A.L1-3, e de 15/9/2015 - proc. n° 1339/13.0PULSB.L1-5, todos disponíveis em www.dgsi.pt), assim como das outras Relações (cf. Ac. TRP de 7/12/2011 - proc. n° 547/07.8TAPRD.P3, Ac. TRC de 21/5/2015 - proc. n° 87/12.3JACBR-A.C1, Ac. TRG de 10/10/2001 - proc. n° 99/09.4GBFLG.G1 e Ac TRE de 30/04/2013 - proc. n° 295/09.4GBPSR.E1, todos disponíveis em www.dgsi.pt) e, ainda, do STJ (cf. Acs. de 14-12-2005, relatado pelo Exmo. Conselheiro Políbio Silva Flor, in www.dgsi.pt, e de 09-11-2006, in C. J. ¬Acórdãos do S.T.J., Ano XIV - 2006, Tomo III, Págs. 226 e segs.).
Por outro lado, contrariamente ao argumento da decisão recorrida, de acordo com o qual o cúmulo não deverá operar, por no Proc. n.° 49/15.9SHLSB, a suspensão ter sido subordinada a regime de prova, é de sublinhar que «Tal como é jurisprudência majoritária do STJ, a obrigatoriedade da realização do cúmulo jurídico de penas de prisão, nos termos dos arts. 77.° e 78.°, do CP, não exclui as que tenham sido suspensas na sua execução, suspensão que pode ou não ser mantida, orientação esta que o TC já julgou não ser inconstitucional, sendo absolutamente irrelevante a circunstância de alguma ou algumas das penas terem sido suspensas com regime de prova.» - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do Proc. n.° 1751/05.9JAPRT.S1, em 25/09/2013, disponível in www.dgsi.pt.
A razão de ser deste entendimento radica no princípio segundo o qual o arguido deve ser condenado numa pena única por todos os crimes em concurso, sendo que a aplicação de uma pena única de prisão, ainda que efectiva, em cúmulo jurídico, englobando pena de prisão suspensa na sua execução, como se esta não tivesse sido suspensa, não constitui violação de caso julgado, já que este incide, de modo definitivo, sobre a medida da pena e não sobre a sua execução, razão pela qual não existe impedimento legal à inclusão das penas de prisão com suspensão da execução no cúmulo de penas, tratando-se, antes, de uma exigência legal.
Assim sendo, deverá ser revogada a decisão recorrida, sendo substituída por outra que determine a realização do cúmulo jurídico pelo Tribunal recorrido (art. 471°, n.° 2 do Código dc Processo Penal), nos termos do plasmado no art. 77° e 78.°, n.°s 1 e 2 do Código Penal, devendo, para o efeito, ter lugar a audiência a que se refere o art. 472° do Código de Processo Penal.
3. Em conformidade com o exposto acordam os Juízes neste tribunal em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e determinando que a mesma seja substituída por outra que determine a realização do cúmulo jurídico pelo Tribunal recorrido (art. 471°, n.° 2 do Código dc Processo Penal), nos termos do plasmado no art. 77° e 78.°, n.°s 1 e 2 do Código Penal, devendo, para o efeito, ter lugar a audiência a que se refere o art. 472° do Código de Processo Penal.
Sem custas.
Lisboa, 18 de Setembro de 2018
Cid Geraldo
Ana Sebastião
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