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 - ACRL de 11-09-2018   RRP. Incidente de incumprimento – segmento alimentos. Data da propositura da ação.
A data da condenação corresponde à data da entrada da ação em Tribunal e que, conforme consta expressamente da sentença, os alimentos são devidos desde a data da propositura da ação — artigo 2006.° do Código Civil
Corresponde ao conhecimento comum que nenhuma criança poderia sobreviver durante mais de dois anos sem ser alimentada, cuidada, vestida e com apoio médico adequado.
Afirmar, como o faz o Apelante, que nunca esteve em incumprimento, por antes da sentença proferida nunca antes lhe ter sido solicitado qualquer importância a título de alimentos, é subverter o sistema e a letra da lei e esquecer que na base do incumprimento está uma questão de sobrevivência dos menores.
Proc. 1503/12.0T2AMD-B.L1 7ª Secção
Desembargadores:  Dina Monteiro - Luís Espírito Santo - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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RECURSO: 1503/12.0T2AMD-B.L1, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste — Juízo de Família e Menores da Amadora — Juiz 2 APELANTE: RI...
APELADA: FE...
Acordam na 7.a secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I. RELATÓRIO
FE... instaurou incidente de incumprimento do regime do exercício das responsabilidades parentais (segmento alimentos) contra RI..., alegando, em síntese, que o Requerido não procedeu ao pagamento da pensão de alimentos desde a propositura da ação até Setembro de 2015, estando em dívida a quantia de € 4.200,00; não pagou as pensões de alimentos relativas aos meses de Novembro de 2016, Fevereiro de 2017 e Março de 2017 num total de € 420,00; não procedeu à atualização em função da taxa de inflação num total de € 6,80 e não pagou a comparticipação nas despesas de saúde e escolares num total de € 444,11 (fls. 3/5).
Notificado, o requerido deduziu oposição (fls. 42/7) em que pede a sua absolvição do pedido tanto mais porque, não tendo a Requerente apresentado as despesas no mês seguinte ao da sua realização, defende que as mesmas já não lhe podem ser solicitadas.
O Ministério Público proferiu douto parecer (fls. 53) em que, com exceção do comprovado pagamento da quantia de alimentos relativa ao mês de fevereiro de 2017, requer a procedência do incidente.
Após, foi proferida sentença que, com exceção da aludida quantia de € 140,00 a título de alimentos, referente ao mês de fevereiro de 2017, conclui pela procedência da ação e pela condenação do Requerido, nessa conformidade.
Inconformado com o assim decidido, o Requerido interpôs recurso de Apelação no âmbito do qual formulou a seguintes conclusões:
1. Posto isto, não pode a recorrida gastar o que quer com os menores, tendo outras opções mais baratas e até gratuitas, sem consultar o recorrente sobre tais despesas, sabendo da situação económica do mesmo e que ficou provada nos autos, assim como também não pode apresentar despesas relativas a 2015 e 2016, quando sabe que nunca o requerente deduziu qualquer despesa no seu IRS porque as mesmas nunca lhe foram comunicadas dentro do lapso temporal estipulado em sentença, nem as pagou em tempo útil devido ao mesmo facto.
Logo não pagou porque a recorrida não as apresentou.
2. Da Douta sentença recorrida, não consta um único fundamento de Direito, apenas faz referência ao art. 2006° do CC o qual refere que os alimentos são devidos desde a propositura da acção;
3. E assim é, mas não neste caso em concreto, nunca o recorrente esteve em incumprimento, porque nunca lhe foi fixado nenhum montante a pagar entre a data da propositura da acção e a data da sentença, ia pagar o quê????
3. Um regime provisório tem ser fixado por um Juiz, o que poderia ter sido feito mas embora tenha sido requerido pelo recorrente o Meritíssimo Juiz entendeu e fundamentou no seu despacho a razão pela qual não estabelecia um regime provisório;
4. Perante tal decisão o que caberia ao recorrente fazer?
5. Não lhe foi imposta qualquer obrigação monetária, logo não pode vir a Meritíssima Juiz à quo falar de incumprimento de pagamento de pensão de alimentos e despesas, porque nunca foi fixado qualquer montante a pagar. Ora se não foi fixado como pode ter incumprido?
Como pode chegar à conclusão que o incumprimento tem por base uma pensão de alimentos no valor de 70,00 euros por cada filho?
Onde se encontra fixado que é esse o montante a pagar entre o Abril de 2013 e Setembro de 2015?
6. Efetivamente foi fixada uma pensão de alimentos aos menores, mas em 14.09.2015 e não em 26.4.2013.
Se existir incumprimento, este será posterior a 14.9.2015 e não antes.
7. Nunca poderemos falar em incumprimento, quando não foi estipulada por quem de direito qualquer obrigação.
Conclui, assim, pelo provimento do presente recurso, devendo o recorrente ser absolvido do pedido.
Não foram apresentadas contra-alegações de recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. FACTOS PROVADOS
1. Em 14.09.2015, foi fixado por sentença o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativa aos menores RU... e BR..., nos seguintes termos e na parte que interessa:
1 — Os menores ficam entregues aos cuidados da mãe e a residir com esta. As responsabilidades parentais nas questões de particular importância para a vida das crianças serão exercidas por ambos os progenitores, designadamente as atinentes à sua segurança, saúde, educação, religião e eventuais deslocações dos menores ao estrangeiro, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer um dos progenitores poderá agir sozinho, devendo prestar informações, por qualquer meio, ao outro logo que possível,
2 — („.)
3 — O pai contribuirá a título de pensão de alimentos com a quantia de € 140,00 (cento e quarenta euros), à razão de € 70,00 (setenta euros) para cada um dos filhos, até ao dia 8 de cada mês, e por meio de transferência bancária, que efetuará para a conta com o NIB 000……...sendo esta quantia atualizável anualmente, em função da taxa de inflação publicada pelo I.N.E.
4 — O pai suportará 1/2 as despesas médicas, medicamentosas com os menores, na parte não comparticipada e despesas escolares de início de ano letivo, a entregar à mãe juntamente com o pagamento da prestação alimentícia vencida no mês subsequente àquele em que os respetivos comprovativos lhe forem exibidos (...) - fls. 338/340 do apenso A.
2. A ação foi instaurada em 26.04.2013.
3. O requerido não procedeu ao pagamento da pensão de alimentos desde a propositura da ação até Setembro de 2015 (no valor de € 4.200,00) não pagou as pensões de alimentos relativas aos meses de Novembro de 2016 e Março de 2017 (€ 280,00) não procedeu à atualização em função da taxa de inflação (€ 6,80) e não pagou a comparticipação nas despesas de saúde e escolares num total de € 444,11.
4. O requerido procedeu ao pagamento da pensão de alimentos em 1.02.2017 (fls. 48).
5. Motivação apresentada pelo senhor Juiz do Tribunal de 1.a Instância:
Estabelece o artigo 607..°, n.° 4 do NCPC aprovado pela Lei n.° 41/2013, de 26.06 ex vi artigo 295.° que a decisão relativa à matéria de facto declarará quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador. Posto isto, a convicção do tribunal, no que respeita aos factos provados (não pagamento das pensões de alimentos) fundou-se no facto de o requerido não ter comprovado o seu pagamento, como lhe competia
(artigo 342.°, n.° 2, do Código Civil) — à exceção da pensão de alimentos relativa ao mês de Fevereiro de 2017) - não sendo, em regra, o cumprimento objeto de presunção legal (artigo 786.° do C. Civil) é o devedor de alimentos que tem de o provar, como facto extintivo que é do direito do credor e no teor da sentença proferida no processo principal.
III. FUNDAMENTAÇÃO
O conhecimento das questões por parte deste Tribunal de recurso encontra-se delimitado pelo teor das conclusões ali apresentadas salvo quanto às questões que são de conhecimento oficioso - desde que o processo contenha elementos que permitam esse mesmo conhecimento -, e aquelas que importem distinta qualificação jurídica — artigos 5.°, n.° 3, 635.°, n.°s 3 a 5 e 639.°, n.° 1, do Código de Processo Civil Revisto.
O conteúdo de tais conclusões deve obedecer à observância dos princípios da racionalidade e da centralização das questões jurídicas objeto de tratamento, para que não sejam analisados todos os argumentos e/ou fundamentos apresentados pelas partes, sem qualquer juízo crítico, mas apenas aqueles que fazem parte do respetivo enquadramento legal, nos termos do disposto nos artigos 5.° e 608.°, n.° 2, ambos do Código de Processo Civil Revisto.
Excluídas do conhecimento deste Tribunal de recurso encontram-se também as questões novas, assim se considerando todas aquelas que não foram objeto de anterior apreciação pelo Tribunal recorrido.
Como podemos verificar pelas conclusões apresentadas, a matéria de fato dada como provada não foi questionada e, em termos de Direito, não foi invocada uma única disposição legal que se mostre violada.
O que o Apelante refere é que a sentença foi proferida a 14 de Setembro de 2015 e, como tal, nunca poderia ter condenado em pensões de alimentos a partir de 26 de Abril de 2013 uma vez que essas importâncias nunca antes lhe tinham sido pedidas.
Com o devido respeito, esquece-se o Apelante que a data da condenação corresponde à data da entrada da ação em Tribunal e que, conforme consta expressamente da sentença, os alimentos são devidos desde a data da propositura da ação — artigo 2006.° do Código Civil.
Assim sendo, sempre a condenação teria de se reportar àquela data da propositura da ação, tal como foi o entendimento do senhor Juiz do Tribunal de 1a Instância, estando a Requerida protegida no recurso a este incidente de incumprimento, pelo disposto nos artigos 41.° e 48.° do RGPTC.
Mas, para além da questão jurídica, e salvo sempre o devido respeito, sempre seria de perguntar a este progenitor e aqui Apelante se os seus dois filhos menores, no período que mediou entre a data da instauração da ação e a prolação da decisão definitiva, não tiveram as normais necessidades de alimentação, comuns a todos os seres humanos, para além de outras necessidades decorrentes da vida em sociedade. Corresponde ao conhecimento comum que nenhuma criança poderia sobreviver durante esses mais de dois anos sem ser alimentada, cuidada, vestida e com apoio médico adequado. Assim, neste quadro, é quase absurdo discutir a tese aqui apresentada pelo Apelante.
Refere ainda o Apelante que, não tendo sido fixada uma regulação provisória das responsabilidades parentais pelo Tribunal, tal realidade corresponde à verificação de uma desnecessidade de fixação de alimentos e, como tal, nunca poderiam ser devidos alimentos antes da decisão final proferida pelo Tribunal. Pelas mesmas razões acima referidas, queda como inoperante a pretensão do Apelante. Este, enquanto progenitor, é que deveria ter tido o cuidado de mensalmente proceder à entrega de alimentos aos seus filhos menores — enquanto comportamento indispensável à sobrevivência dos mesmos -, e isto, independentemente de, em termos de sentença a proferir, serem encontrados valores distintos a pagar, objeto ou não de posterior compensação.
Afirmar, como o faz o Apelante, que nunca esteve em incumprimento, por antes da sentença proferida nunca antes lhe ter sido solicitado qualquer importância a título de alimentos, é subverter o sistema e a letra da lei e esquecer que na base do incumprimento está uma questão de sobrevivência dos menores.
Por fim, pretender, em sede de incidente de incumprimento, questionar a bondade ou não das comparticipações médicas exigidas pela Requerida e que correspondem a um direito fixado em sede de regulação das responsabilidades parentais e durante a sua vigência — decisão com transito em julgado -, é também um direito que não assiste ao Requerente.
Caso o pretenda fazer, e apenas para mas situações que se verifiquem no futuro, tem à sua disposição a ação de alteração das responsabilidades parentais uma vez que a obrigação de alimentos mantém-se, com todas as prorrogativas legalmente fixadas nos artigos 2006° e 2008° do Código Civil, até à prolação de nova decisão judicial ou pela verificação das situações tipificadas no artigo 2013° do mesmo diploma legal.
Nesta conformidade, improcedem, pois, na íntegra, as pretensões formuladas pelo Apelante.
IV. DECISÃO
Face ao exposto, julga-se improcedente a Apelação, confirmando-se a decisão proferida pelo senhor Juiz do Tribunal de 1.a Instância.
Custas pelo Apelante.
Lisboa, 11 de Setembro de 2018
Dina Maria Monteiro
Luis Espírito Santo
Maria da Conceição Saavedra
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