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 - ACRL de 12-07-2018   Per. Reclamação de créditos.
- O PER pela sua natureza célere, pressupõe que as decisões sobre as reclamações de créditos sejam avaliadas de forma sumária.
- A decisão sobre as reclamações de créditos em PER visa a formação de quórum deliberativo dos credores, que votarão a aprovação ou não do plano.
(sumário elaborado pelo/a relator/a)
Proc. 70/18.5T8RGR-A.L1 1ª Secção
Desembargadores:  Rosário Gonçalves - José Augusto Ramos - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Processo n°. 70/18.5T8RGR-A.L1
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
1-Relatório:
A requerente, N..., Sociedade Unipessoal, Lda., deduziu processo especial de revitalização.
Prosseguiram os autos a sua tramitação, tendo sido apresentada a lista provisória de credores.
IN..., NO..., S.A. e BA..., SA., vieram ao abrigo do art. 17°.-D n°. 3 do CIRE, impugnar a lista provisória de créditos apresentada pelo Sr. AJP.
O NO..., S.A., apresentou a sua reclamação de créditos.
Foi ouvido o AJP, o qual se pronunciou, conforme consta de fls. 56 a 57 dos autos.
Veio então a ser proferido despacho, com o seguinte teor na sua parte decisória: «Pelo exposto, decido:
• Julgar totalmente procedente a impugnação deduzida pelo Credor IN... SARL e, em consequência, decido reconhecer que detém sobre a Devedora um crédito pelo valor de no valor de €45.765,20;
• Julgar parcialmente procedente a impugnação deduzida pelo Credor NO..., SA e, em consequência, decido reconhecer que detém sobre a Devedora um crédito pelo valor de no valor €9.944,41; mais decido reconhecer o crédito de L....
• Julgar totalmente procedente a impugnação deduzida pelo Credor BA..., SA., pela quantia de €5.427,36».
Inconformado recorreu o NO..., S.A.:
1. O presente recurso vem interposto do despacho com a referência CITIUS n° …, proferido a 30/04/2018, que reconheceu o crédito de L....
2. Ora, foi incluído pelo Sr. Administrador Judicial Provisório na lista provisória a que alude o artigo 17.°-D, n° 3 do CIRE o crédito de L..., no valor de 60.000,00€ (sessenta mil euros), indicado pela própria devedora, sem que o credor tenha apresentado reclamação de créditos ou que a devedora tenha procedido à junção de qualquer suporte documental que o provasse.
3. Com efeito, o Recorrente deduziu impugnação da referida lista provisória
de credores reconhecidos, com fundamento na indevida inclusão de tal crédito, pugnado, a final, no sentido do não reconhecimento do alegado crédito, por não provado.
4. Posteriormente, veio o Sr. Administrador Judicial Provisório requerer a junção aos autos de uma declaração de confissão de dívida assinada pela devedora que lhe teria sido entregue entretanto por esta, no entanto, não se pronunciou sem reservas sobre o reconhecimento ou não desse crédito, porquanto não logrou aferir sobre a efetividade dos empréstimos aí referenciados e sobre os respectivos valores em dívida.
5. Não obstante tal facto, o Tribunal a quo decidiu logo pelo seu
reconhecimento, porquanto, entendeu que não se vislumbram razões para o
seu não reconhecimento, sem aferir a verdadeira existência do crédito.
6. Acontece que, não foi produzida qualquer prova, para além da prova documental junta aos autos, pelo que, deveria o Tribunal recorrido ter ponderado a sua insuficiência quanto à efectiva celebração do alegado mútuo e entrega das quantias mutuadas antes da verificação/reconhecimento daquele crédito, tendo em conta os efeitos que aquele crédito reconhecido por via de uma mera declaração poderia trazer a todos os outros credores.
7. Isto porque, do documento junto aos autos pela devedora extrai-se que alegadamente formou-se um contrato de mútuo entre a devedora e o alegado credor, nos termos do artigo 1142.° do Código Civil.
8. Acontece que, atento o valor do alegado empréstimo em causa, ou seja, 60.000,00€ (sessenta mil euros), o mesmo deveria ter sido celebrado por escritura pública, conforme estabelece o artigo 1143.° do Código Civil.
9. Assim, não tendo a devedora e o alegado credor, observado a forma legal, o contrato de mútuo referido é nulo, dado que nos termos do artigo 220.° do mesmo código, a declaração negocial que careça da forma legalmente prescrita é nula.
10. Nulidade essa que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos.
11. Acresce que, não se encontra minimamente sustentado, nem na referida declaração nem em qualquer outro documento, a realização de qualquer transferência bancária ou pagamento que justifique a real existência de tal contrato de mútuo.
12. Ora, nos termos do já referido artigo 1142. ° do Código Civil o contrato de mútuo só se completa com a entrega da coisa.
13. Assim, não estando demonstrada a entrega de quaisquer quantias à devedora pelo credor, na sequência da celebração do contrato de mútuo, não se pode inferir que este se encontra perfeito, sendo por isso, nulo por falta de objecto.
14. Por outro lado, em consonância com a regra geral prevista no artigo 342.°, n° 1 do Código Civil, incumbiria ao credor a prova da entrega da coisa ou das quantias mutuadas à devedora, o que não sucedeu.
15. Além disso, o documento junto pela devedora vale apenas como promessa de cumprimento e reconhecimento de dívida, sem apuramento da relação subjacente.
16. O que leva à conclusão que aquele contrato de mútuo nunca foi celebrado, tratando-se de um negócio simulado, que não corresponde à verdade, fabricado pela devedora e pelo credor, com vista a prejudicar credores.
17. Ora, o artigo 458.° do Código Civil consagra uma inversão do ónus da prova da relação fundamental ou subjacente, estabelecendo uma presunção da sua existência a favor do credor.
18. Acontece que, nos processos de insolvência tal presunção não funciona cabendo ao credor demonstrar a existência do seu crédito.
19. Não tendo sido demonstrada a verdadeira existência daquele crédito, deverá ser o mesmo excluído da relação dos créditos reconhecidos.
20. Assim, o despacho recorrido violou o disposto nos artigos 17°-D, nos 2 e 3, 128.°, 137.° do CIRE e artigos 220.°, 342.°, n°. 1, 458.°, 1142.° e 143.° todos do Código Civil.
21. Face a todo o exposto não pode manter-se o despacho recorrido, que deve ser revogado, decidindo pelo não reconhecimento do alegado crédito de L..., no valor de 60.000,00E (sessenta mil euros), por não provado, com todas as legais consequências.
Por seu turno, contra-alegou o Ministério Público:
1 - No final outra conclusão não será de ser retirada contrária ao decidido pelo Mm.° Juiz de Direito, cfr. fls. 145, Por último, resta apenas esclarecer que, como defendem Salazar Casanova e David Sequeira Dinis (O Processo Especial de Revitalização, Comentários aos artigos 17°-A a 17°-I do CIRE, Coimbra Editora, Março de 2014, pág. 79.), a decisão sobre as reclamações visa
exclusivamente computar o quórum de maioria e deliberação da decisão de aprovação do plano, pelo que é meramente acessória desta. O PER não tem como finalidade dirimir litígios sobre a existência, natureza ou amplitude de créditos.
2 - De facto as normas legais aplicáveis são apreciadas, não pelo que isoladamente significam, mas essencialmente pelo valor ou sentido que assumem no complexo articulado de todas elas.
3 - Somos de entendimento de que outra conclusão não poderá ser retirada que não seja a de que procedeu bem o Mm.° Juiz a quo apreciando de forma correcta e de acordo com as regras da experiência comum, as regras legais aplicáveis e os elementos dos autos, afigurando-se-nos por isso justo o d. despacho recorrido.
4 - Afigura-se-nos que os argumentos aduzidos pelo Mm.° Juiz a quo se apresentam formulados de acordo com critérios lógicos e com convicção racional, pelo que a decisão do Mm.° Juiz a quo afigura-se mais adequada e ponderada.
Foram colhidos os vistos.
2- Cumpre apreciar e decidir:
As conclusões de recurso delimitam o seu objecto, conforme resulta do teor das disposições conjugadas dos artigos 608°, n°2, 5°, 635° e 639°, todos do CPC.
A questão a dirimir consiste em aquilatar sobre o reconhecimento do crédito de L....
A factualidade pertinente para a decisão é a constante do presente relatório para o qual se remete e ainda a seguinte:
- Na relação de credores foi incluído pela requerente do PER, o credor L..., com referência a um crédito de mútuo e contrato de compra e venda, vencido, comum, no montante de sessenta mil euros.
- Tal crédito foi integrado na lista provisória de créditos pelo AJP.
- O AJP apresentou nos autos, a fls. 58, um documento intitulado «Declaração de Confissão de Dívida» o qual se reporta ao crédito de L....
Vejamos:
Insurge-se o apelante relativamente ao despacho que reconheceu o crédito do credor, L..., por entender que o tribunal a quo, não analisou a sua nulidade por falta de forma e de objecto, bem como, não ter apurado a relação subjacente, devendo ser o mesmo excluído.
Ora, como se constata foi deduzido processo especial de revitalização pela requerente N..., Sociedade Unipessoal, Lda.
Nos termos constantes do n°. 1 do art. 17°-A do CIRE, o processo especial de revitalização destina-se a permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordos conducente à sua revitalização.
O processo especial de revitalização tem carácter urgente, aplicando-se-lhe todas as regras previstas no presente código que não sejam incompatíveis com a sua natureza (cfr. n°. 3 do preceito).
Como se alude no Preâmbulo do Decreto-Lei n°. 79/2017 de 30 de Junho, que introduziu alterações ao CIRE, apostou-se na credibilização do processo especial de revitalização enquanto instrumento de recuperação.
Como resulta do explanado no n°. 1 do art. 17°-F e n°. 1 do art. 17°-G, ambos do CIRE, o PER reveste uma natureza negociai, sob a direcção do administrador judicial provisório, com o objectivo de encontrar um acordo, materializado no plano de recuperação, o qual permita a recuperação da empresa em dificuldades económicas.
Nos termos do disposto no n°. 2 do art. 17°-D do CIRE, qualquer credor dispõe de 20 dias contados da publicação no portal Citius do despacho a que se refere a alínea a) do n°. 3 do artigo anterior para reclamar créditos, devendo as reclamações ser remetidas ao administrador judicial provisório, que, no prazo de cinco dias, elabora uma lista provisória de créditos.
O AJP dispõe da faculdade de incluir créditos não reclamados, mas que resultem da contabilidade do devedor, tendo presente a necessidade de saber qual é o universo do passivo do devedor/requerente do PER.
A lista provisória, no dizer do n°. 3 do mesmo preceito, é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias úteis e dispondo, em seguida, o juiz de idêntico prazo para decidir as impugnações formuladas.
Não sendo impugnada, a lista provisória de créditos converte-se de imediato em lista definitiva (cfr. n°. 4).
Sendo que, dispõe o n° 5 do mesmo artigo 17°-D que, findo o prazo para impugnações, os declarantes dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e a empresa, devendo tal acordo ser junto aos autos e publicado no portal Citius.
Como se constata todos os prazos são curtos, com o objectivo de se concluírem as negociações no prazo de dois meses, até um máximo de três meses.
A intervenção do julgador é residual, incumbindo-lhe sindicar o cumprimento das normas aplicáveis.
No caso em apreço, o crédito do L... foi admitido pelo AJP, tendo-o reconhecido o tribunal a quo.
E é sobre este reconhecimento que se insurge o apelante, porque entende que o tribunal não averiguou da verdadeira existência do crédito, não tendo produzido qualquer prova nesse sentido.
Ora, como já aludimos, o PER assume uma feição de natureza negocial e extrajudicial, entre os credores e o devedor, mediante a direcção e coordenação do AJP, com o objectivo inequívoco de permitir a saúde económica da empresa, ou seja, revitalizando-a.
No caso de haver impugnação de créditos, não se exige ao julgador uma averiguação complexa e mais demorada sobre a sua existência e validade, mas tão só, um juízo de probabilidade séria de aqueles existirem.
Na situação dos autos, foi apresentada prova documental aonde figura a origem do crédito, o que evidencia a probabilidade da sua existência.
Mas, a circunstância de se reconhecer um crédito em PER, não assume a natureza de uma sentença de verificação e graduação de créditos, a que alude o art. 140° do CIRE.
E se a indagação sobre a existência dos créditos fosse exaustiva, dificilmente se compaginaria com a tramitação do PER que terá de obedecer a critérios de celeridade.
A lista dos créditos admitidos não faz caso julgado fora do PER, mas vale para efeitos da formação do quórum deliberativo dos credores que irão votar a aprovação do plano, se for o caso.
Como dispõe o n°. 5 do art. 17°-F do CIRE, o juiz pode computar no cálculo das maiorias para a aprovação do plano, os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos.
Como alude Salazar Casanova e Sequeira Dinis, PER, Coimbra Editora, pág. 79, em comentários à disciplina do PER, no âmbito da legislação anterior ao Decreto-lei n°. 79/2017, de 30 de Junho, mas cuja ratio legis se mantêm idêntica, «O Per não tem como finalidade dirimir litígios sobre a existência, natureza ou amplitude de créditos. A decisão sobre a reclamação de créditos é meramente incidental, pelo que não constitui caso julgado fora do respectivo processo.
O PER é um processo que se quer simples, célere e ágil, o que pressupõe que as decisões sobre as reclamações de créditos sejam fundamentalmente perfunctórias e baseadas em prova documental.
Se a decisão sobre a reclamação de créditos constituísse caso julgado fora do PER, as partes teriam de dispor de todos os meios de defesa e prova com a amplitude que lhes é reconhecida nos processos cíveis».
Ora, o quórum deliberativo para a aprovação do plano de revitalização é calculado com base nos créditos constantes da lista provisória de créditos, conforme resulta das disposições conjugadas dos n°s. 3 e 4 do art. 17°-D e a) do n°. 5 do art. 17°-F, ambos do CIRE.
Com efeito, nos termos preceituados na al. a) do n°. 5 do art. 17°-F , sem prejuízo de o juiz poder computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos, considera-se aprovado o plano de recuperação que:
a)Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os IN. 3 e 4 do artigo 17°-D (...).
Na situação vertente, o crédito do credor L..., não foi pelo mesmo reclamado, mas foi admitido na lista de credores pelo Administrador.
Tal crédito está instruído do suporte documental junto aos autos, havendo uma aparência muito real da sua existência, pelo que, o tribunal a quo, limitou-se a fazer a sua avaliação sumária, sem necessidade de grandes averiguações, tal como a lei lhe permite.
Os prazos de cinco dias plasmados n°. 3 do art. 17°-D do CIRE, para a apresentação de impugnação de créditos e para o juiz decidir sobre as impugnações, não são compatíveis com diligências probatórias muito exigentes. Por outro lado, como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, 3ª. ed. Quid Juris, pág. 177 «No processo de revitalização não há sequer lugar a graduação de créditos, a qual, de resto, não teria qualquer utilidade».
A lista dos créditos em PER tem, pois, por objectivo a negociação tendente a obter um acordo, sendo necessário para apuramento do respectivo quórum deliberativo, o maior número de credores.
Destarte, não merece censura a decisão proferida, decaindo as conclusões do recurso apresentado.
Em síntese:
- O PER pela sua natureza célere, pressupõe que as decisões sobre as
reclamações de créditos sejam avaliadas de forma sumária.
- A decisão sobre as reclamações de créditos em PER visa a formação de
quórum deliberativo dos credores, que votarão a aprovação ou não do plano.
3- Decisão:
Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação,
mantendo-se a decisão proferida.
Custas a cargo do apelante.
Lisboa, 12-07-2018
Rosário Gonçalves
José Augusto Ramos
Manuel Marques
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