Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Laboral
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 - ACRL de 11-07-2018   Acção de impugnação da licitude e regularidade do despedimento. Despedimento por justa causa. Publicação de texto em página da rede social facebook. Expressões de carácter difamatório e injurioso da personalidade de um administrador da empregadora.
Um trabalhador altamente qualificado e detentor de uma categoria profissional responsável, nessa mesma medida elevava ao máximo o exercício do dever de manter uma especial conduta correcta no desempenho dessas funções, pelo que a violação culposa desses deveres, como foi no caso concreto, torna praticamente impossível a manutenção da relação laboral.
Como decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça num caso similar, ainda que separado pelo meio utilizado, se o trabalhador subscreveu uma carta contendo afirmações que ofenderam a honra e a vida privada e familiar de um superior hierárquico e de uma trabalhadora, e que eram desnecessárias para o exercício do direito de crítica contra a gestão da empresa, violando, assim, o trabalhador, culposamente, deveres de urbanidade para com as pessoas visadas na carta. Tendo o trabalhador antecedentes disciplinares, não é exigível à empregadora a manutenção da relação laboral, por estar posta em crise a permanência da confiança em que se alicerçava a relação de trabalho, verificando-se justa causa para o despedimento.
E não se diga, que no caso sub judicio o perfil do utilizador revestia-se de cariz privado, uma vez que aquilo que se provou foi algo diferente, a saber, que a sua página era acessível e a publicação era então visível pelos amigos no facebook ou que a assunção que é feita da publicação postada no facebook ao concreto administrador da empregadora emergiu da associação feita e não sustentada e fundamentada em qualquer tipo de prova pois que desde logo tal associação resultava evidente para os trabalhadores da apelada que eram seus amigos no Facebook.
Proc. 4053/15.9T8CSC.L1 4ª Secção
Desembargadores:  Alves Duarte - Maria José Costa Pinto - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
_______
Processo n.° 4053/15.9T8CSC.L1
I - Relatório.
Inconformado com a sentença que julgou improcedente a acção de impugnação da licitude e regularidade do seu despedimento por parte da empregadora SA..., S. A. e consequentemente a absolveu do pedido, o autor LU... dela reclamou e apelou.
Nesta Relação de Lisboa, a conferência confirmou despacho do relator que considerou a apelação extemporânea por ter sido interposta para lá do prazo de 20 dias, embora dentro dos 30 subsequentes à notificação da sentença, sem que o autor tivesse cumprido os ónus que a lei lhe impunha para validamente impugnar a decisão proferida pela ta Instância acerca da matéria de facto.
Irresignado, o autor recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual julgou que efectivamente tais ónus não haviam sido cumpridos e, por conseguinte, nessa parte negou a revista; no entanto, considerou ainda o mesmo Supremo que o autor se esforçou suficientemente nessa impugnação e por isso concedeu a revista para ser apreciada a matéria de direito suscitadas na apelação.
Porém, convém desde já separar a nulidade da apelação, pois que tendo o autor motivado aquela na circunstância de alegadamente faltar no CD que lhe foi entregue parte substancial da gravação áudio da inquirição da testemunha JO..., o certo é que o acórdão proferido pelo Supremo negou a revista quanto à impugnabilidade da decisão proferida acerca da matéria de facto.
Assim, não se conhecerá da nulidade pois que redundaria num acto inútil e por isso proibido por lei (art.° 130.° do Código de Processo Civil).
Considerando agora a apelação, diga-se que nela o autor formulara as seguintes conclusões:
I - O trabalhador/recorrido foi suspenso preventivamente, pela sua entidade empregadora, no dia 15.09.2015 no âmbito de um processo de inquérito.
II - Nesse mesmo dia, pelas 16H14, publicou na sua página da rede social facebook o seguinte texto;
'Boas, como não há uma sem duas, hoje fui novamente suspenso, pela entidade empregadora. Duas vezes em menos de seis meses, tem contornos de tentativa recorde ou de perseguição (...) primeiro foi por 'expressões difamatórias da imagem e bom nome da empresa, agora foi em virtude do comportamento (...), adotado, (...), para com um Sr. administrador (puto mal-educado, prepotente, o qual configura uma falta de respeito para com a administração da empresa E a falta de respeito que esta gente tem para quem trabalha, se fosse meu filho, levava um par de lambadas, mas não sendo, o pai que não o soube educar que o ature. Confundem autoridade, com autoritarismo, e não percebem que autoridade se não for aceite, não serve para nada, se querem ser respeitados, deem-se ao respeito. Mais uma novela para acompanharem e não se esqueçam do que á tempos disse, 'eles andam aí, os filhos (...)'.
III - A suspensão prévia do trabalhador/recorrido, por parte da entidade empregadora/recorrida, é sustentada nos seguintes fatos, a saber;
- Enquanto comandante do voo … de 0_.09.2015, ter-se ter recusado iniciar uma viagem sem que o painel fosse substituído em Lisboa (local onde existia a peça de substituição) porquanto o avião seguia para B… e o referido painel se reveste de importância a capital para a segurança do avião, da tripulação e dos passageiros, atenta as zonas inóspitas a sobrevoar durante a viagem transatlântica assim como, por questões de segurança na aterragem.
Sendo certo que, foi consultado no momento o comandante JOA... que viajava no mesmo avião, porquanto iria pilotar a aeronave até ao seu destino e que, entendeu por bem, dever ser substituído naquela altura o mencionado painel.
- Ter utilizado a prerrogativa do comandante, ou seja, ter sido porta-voz de toda a tripulação do avião, quando solicitou junto dos respectivos da empresa, um tempo de folga adicional, atendendo que a tribulação iria exceder o tempo de voo legalmente permitido. O que foi prontamente aceite pelos respectivos serviços da empresa, porquanto a prerrogativa do comandante faz parte do acordo de empresa e encontra-se prevista na legislação aeronáutica internacional. Mas que, segundo a empresa, tal solicitação se mostrava contrária aos seus interesses.
- Ter-se dirigido, no interior do avião, a um membro do conselho da administração, sem se identificar e não fardado devidamente, ou seja, em mangas de camisa. Contudo, toda a tripulação, sem excepção, encontrava-se devidamente uniformizada e identificada. Ou seja, em conformidade com regulamento de fardamento da empresa e que se encontra junto aos autos.
- Ter-se dirigido aos passageiros do voo, sem ter referido o seu nome. Importa precisar, que apenas existe para a tripulação a obrigação de um discurso padronizado o qual se encontra junto aos autos. O comandante profere o discurso adaptado às circunstâncias do momento.
IV - Todavia, após apreciação judicial destas questões que lhe foram submetidas, o tribunal a quo decidiu do seguinte modo — Inexistindo, quanto a tais fatos, um comportamento do trabalhador que justificasse o seu despedimento, nos termos supra expostos (Vide pág.22 da douta sentença).
V - Assim sendo, se tais fatos são insusceptíveis de configurar o despedimento, serão também estes fatos insusceptíveis de configurar a suspensão do trabalhador/recorrente.
VI - Consequentemente esta suspensão, reitera-se, foi ilegítima e ilegal.
VII - E, é esta ilegalidade que sedimentou no trabalhador/recorrido um sentimento de injustiça, que o levou a desabafar junto dos seus amigos na rede social facebook. Esta necessidade sentida de se pronunciar e manifestar um sentimento que lhe vai na alma, encontra-se constitucionalmente consagrada e que se expressa no direito de liberdade de expressão e opinião.
VIII - O perfil do utilizador revestia-se de cariz privado, porquanto o modo de acesso à sua página carecia do seu prévio consentimento, ou seja, era de acesso restrito, o qual tinha em vista conferir à referida página, um cariz acentuadamente privada. Expectativa de privacidade que o trabalhador/recorrente seriamente criou. Todavia, esta privacidade foi violada, e parte do seu conteúdo, ou seja, aquele que mais interessava a determinados terceiros, foi objectivamente e abusivamente utilizado, em clara violação dos mais elementares princípios constitucionalmente tutelados - a reserva da vida íntima privada.
IX - O tribunal a quo decidiu que as expressões infra descritas e postadas na página do trabalhador/recorrente, expressavam um carácter difamatório e injurioso da personalidade de um administrador (à data dos fatos) da empregadora;
puto mal-educado, prepotente (...) se fosse meu filho, levava um par de lambadas, mas não sendo, o pai que não o soube educar que o ature.
Confundem autoridade, com autoritarismo, e não percebem que autoridade se não for aceite, não serve para nada, se querem ser respeitados, deem-se ao respeito. Mais uma novela para acompanharem e não se esqueçam do que á tempos disse, 'eles andam aí; os filhos ( ...)' (sic)
X - Porém, salvo o devido respeito que é muito, o tribunal a quo não andou bem e decidiu
em desconformidade pois que, o teor da publicação consubstanciado nas expressões supra, não se mostram dirigidas a um indivíduo/administrador em concreto. São escritas de um modo reactivo perante uma injustiça que trabalhador/recorrente se sentiu alvo, e são redigidas num tom marcadamente de desabafo. São publicadas numa página pessoal de acesso restrito e condicionado à sua validação pelo utilizador da rede social. Na página pessoal, não figura qualquer referência à entidade patronal do trabalhador/recorrente nem à sua actividade profissional.
XI - A assunção que é feita da publicação postada no facebook ao Eng.° FR... e que conduziu ao ilícito despedimento do trabalhador/recorrente, emergiu da associação feita e não sustentada e fundamentada em qualquer tipo de prova, a qual consta da Nota de Culpa.
Assunção esta, que o tribunal a quo acolheu de igual modo na sentença proferida, sem recurso a qualquer tipo de prova que lhe permitisse inferir tal facto.
Perpassa da prova testemunhal que, esta eventual associação a existir, resulta do conhecimento adquirido pelas testemunhas, no momento da verificação da existência dos presentes autos.
XII - Segundo tribunal a quo, o descritivo do texto comporta expressões difamatórias e injuriosas e, por consequência, foram motivo bastante para justificar o despedimento do trabalhador. Também aqui, a decisão do tribunal a quo não andou bem. O conceito de difamação e da injúria comporta uma outra complexidade de requisitos, os quais não foram preenchidos, isto é, não foi feita a prova da sua existência, consequentemente impunha-se decisão judicial diversa.
XIII - Trabalhador/recorrente e administrador/Eng.° FR... não se conheciam, aquele não dependia directamente da hierarquia deste. Resultou provado pela douta sentença que não se verificaram lesões patrimoniais na esfera da entidade empregadora (antes sim, uma atitude irrepreensível e um cuidado especial na preservação da segurança de pessoas e bens, por parte do trabalhador/recorrente, não permitindo que o avião voasse sem os equipamentos devidos e em boas condições de trabalho. Como resultado da sua prudente actuação foi sujeito a um processo disciplinar no qual foi referida esta situação como uma infracção por si praticada. Repare-se que este avião era o mesmo que tinha sofrido problemas no motor n.° 2 e no APU, o qual foi objecto de intervenção mecânica em Toronto e que atrasou a sua partida.)
XIV - A sanção de despedimento por justa causa, ou seja, por motivos objectivos é a última ratio que o empregador deve recorrer e que, no caso dos presentes autos foi a primeira a ser aplicada.
XV - Por todo o exposto e face aos fatos elencados na Nota de Culpa e expressos no presente processo judicial, mostraram ser, sempre, insuficientes, não relevantes, inconsistentes, não provados em sede de audiência de discussão e frágeis, razão pela qual, perante uma inoperante gravidade e culpabilidade do trabalhador/recorrente, demonstrou ser abusiva e desproporcionada a sanção de despedimento aplicada. Bem como e pela mesma motivação e fundamentação, impunha-se ao tribunal a quo uma decisão diversa — a condenação da entidade empregadora/recorrida nos precisos termos em que foram peticionados.
Disposições legais violadas - art.° 32.°, n.° 8 e art.° 26.°, ambos da CRP; art. 16.° e art.° 16.°, n.° 2, art.° 22.°, art.° 351.° n.° 1 e n.° 3, todos do CT; art.° 70.° CC e art.° 180.° CP.
Novamente colhidos os vistos, cumpre agora apreciar o mérito do da apelação, cujo objecto, como pacificamente se considera, é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, sem prejuízo da restrição resultante da concedida revista o limitar à matéria de direito e se dever atender às questões que o tribunal conhece ex officio. Assim, porque em qualquer caso nenhuma destas últimas nele se coloca, importa agora apurar se:
i. havia justa causa para o despedimento do apelante;
ii. não sendo esse o caso, deve a apelada sem condenada a pagar-lhe indemnização substitutiva da reintegração e salários intercalares e por danos não patrimoniais.
II — Fundamentação.
1. Factos provados:
1. LU... (trabalhador) foi admitido ao serviço da SA..., S.A. no dia 8 de Fevereiro de 2001;
2. Detinha a categoria profissional de piloto comandante;
3. Incumbiam-lhe as seguintes funções: 'Tripulante devidamente qualificado pela autoridade
aeronáutica competente para o exercício das funções de comando de aeronaves. No desempenho das funções de comando de uma aeronave será responsável perante a empresa pelas operações técnica, administrativa e comercial. A responsabilidade inerente ao exercício do comando de uma aeronave abrange igualmente:
a. A segurança e integridade dos passageiros, restantes tripulantes, carga e equipamento durante o voo.
b. O cumprimento de regulamentos internacionais, nacionais e das normas internas da Empresa.
c. A representação desta, quer em território nacional quer no estrangeiro, sempre que no local onde se encontre não exista representante legal da mesma.
d. A tomada de decisão sobre o conjunto de acções e decisões necessárias à execução de voo, tais como: o conhecimento prévio, ou durante o voo, das informações operacionais pertinentes. a manipulação dos comandos do avião nas várias fases do voo (pilotagem). a utilização dos equipamentos, nomeadamente radioeléctricos e electrónicos de comunicação e navegação, o controle (através do chefe de cabine) do nível de assistência a passageiros, qualquer alteração às rotinas ou normas operacionais estabelecidas sempre que as circunstâncias o exijam e justifiquem.
e. O exercício de poderes de direcção sobre todos os membros da sua tripulação, entendendo -se por poderes de direcção os de prever, organizar, autorizar e controlar.;
4. Para além destas funções, o trabalhador foi nomeado, em 2009, para exercer na SA..., as funções de auditor de monitorização da conformidade;
5. Exercendo nesta conformidade e em consequência, as funções constantes do manual de funções, designadamente
a. Preparar todo o processo preliminar de uma auditoria;
b. Executar inspecções ou auditorias de Monitorização de Conformidade;
c. Elaborar relatórios de Auditorias e submeter o mesmo ao gestor da Monitorização da Conformidade para parecer;
6. Auferindo nessa qualidade um subsídio no montante de E 700 por mês;
7. No dia 7 de Setembro de 2015, o trabalhador desempenhou as funções de comandante do voo …, de Lisboa para Ponta Delgada;
8. O voo tinha hora prevista de descolagem às 16h;
9. Ao chegar à aeronave, o trabalhador constatou que o mesmo estava a ser alvo de uma intervenção pelos serviços da manutenção;
10. O trabalhador verificou que existia uma avaria no painel de instrumentos;
11. ... Painel que serve para aproximações de precisão;
12. A janela que indica '-3.0', não fornecia quaisquer dados privando o comandante do alerta/aviso necessário às aproximações de baixa visibilidade;
13. O trabalhador aguardou, então, até que os serviços de manutenção concluíssem a sua intervenção e dessem a aeronave como apta para voar;
14. O trabalhador chamou os serviços de manutenção que o informaram, que iriam requisitar um painel de substituição à TAP, o qual poderia demorar algum tempo a chegar, considerando que tinha de ser obtido junto de área de armazenagem;
15. O trabalhador foi questionado pelo departamento de operações de voo da empresa, entidade empregadora sobre a razão do atraso no voo ...;
16. Isto porque, o CCO - Centro de Coordenação Operacional - havia entretanto contactado com tal departamento de operações da empresa, na sequência do contacto de um administrador da entidade empregadora, que se encontraria a bordo, e queria saber a que se devia o atraso;
17. Na sua qualidade de comandante de voo, o trabalhador respondeu ao departamento de operações da empresa, da empregadora que já tinha comunicado a razão do atraso e que aguardava a resolução da intervenção técnica solicitada;
18. Enquanto o ora trabalhador prestava tais esclarecimentos, o mecânico que se encontrava a bordo da aeronave a proceder à intervenção técnica solicitada de substituição do painel de instrumentos, foi contactado telefonicamente pela respectiva chefia;
19. Tal chefia (do supra referido mecânico), na sequência de um contacto do CCO - Centro
de Coordenação Operacional -, questionou o mecânico sobre a documentação em falta, e o porquê da aeronave não prosseguir para o seu destino;
20. O mecânico informou a respectiva chefia que se estava a aguardar a chegada de um painel e, logo que o mesmo chegasse e fosse substituído, instalado e conferido o seu adequado funcionamento, a aeronave seria declarada apta para realizar o voo …;
21. Nesse voo seguia também FR...;
22. FR... era então vogal do conselho de administração;
23. Após os passageiros se encontrarem dentro do autocarro que os conduziria ao avião, e terem solicitado para sair do mesmo, regressando à entrada da porta de embarque, FR... contactou telefonicamente a chefe de escala do aeroporto de Lisboa, NA..., questionando o motivo do atraso;
24. FR... ocupou o lugar 1 da fila A;
25. Cerca de 30 minutos após os passageiros se encontrarem todos dentro da aeronave, o trabalhador, na qualidade de comandante do voo, efectuou um anúncio a comunicar que o atraso do voo se devia a razões técnicas;
26. Os membros do conselho de administração da empregadora não figuravam na lista VIP de passageiros (Entidades Oficiais - ex. Presidente da Região Autónoma, Presidente da Assembleia Regional, Ministro para a República), fornecida pela empresa, i.e., que sejam credores de tratamento específico;
27. No decurso da referida comunicação, o trabalhador identificou-se como comandante e não pelo nome próprio;
28. A empregadora não tinha em vigor qualquer manual de discursos padronizados para o cockpit, designadamente para as comunicações do comandante, e que incluísse a identificação com nome próprio;
29. Em face da explicação dada, FR... contactou o CCO (Coordenação e Controlo Operacional), na pessoa do trabalhador JO..., e pediu para ser informado do que se estava a passar;
30. O CCO ligou para o departamento de operações da empresa, para AN..., questionando se tinham hora estimada de partida do voo;
31. Como as operações também não sabiam a que horas descolava o voo, JO... pediu à trabalhadora das operações, AN..., que entrasse em contacto com o trabalhador, para lhe perguntar se ele sabia a hora estimada de partida do voo, tendo em consideração que havia um membro da administração a bordo do voo, e que este queria saber;
32. AN... replicou: 'sabem quem é o comandante?;
33. JO... insistiu por informação quanto à hora prevista de descolagem;
34. Passado pouco tempo, a trabalhadora AN... contactou o JO...,
transmitindo-lhe as informações que lhe foram dadas pelo trabalhador: que era um problema de manutenção que tinha de ser resolvido, que não tinha previsões de descolagem, e que o administrador era um passageiro como outro qualquer;
35. O CCO, desta vez na pessoa do trabalhador NU..., informou então FR... que o atraso se devia a questões de manutenção, nomeadamente, um painel no cockpit que não estava conforme, e que apesar de a manutenção ter proposto um despacho por MEL (Minimum Equipment List);
36. MEL é a lista de equipamento mínimo do operador, aprovada pelo INAC, I.P. (actualmente ANAC), que deve reflectir os níveis de redundância dos sistemas essenciais ao suporte das operações de 180 minutos, incluindo uma margem de segurança adicional para além dos 180 minutos;
37. ... 'MEL' (Lista de Equipamento Mínimo) é, por definição, 'uma lista que estabelece, para a operação de aeronaves, de acordo com condições específicas, determinados equipamentos inoperantes, sendo elaborada por um operador em conformidade com a MMEL ou com requisitos mais restritivos, e criada para cada tipo de aeronave;
38. MMEL - lista de Equipamento Mínimo de Referência (MMEL) - é uma lista elaborada para um determinado tipo de aeronave pela organização responsável pela sua Concepção de acordo com a aprovação do Estado de Concepção que identifica os equipamentos que podem estar individualmente inoperantes no início de um voo. A MMEL pode estar associada a condições, limitações ou procedimentos especiais de operação;
39. O trabalhador transmitiu que não iria efectuar o voo por despacho MEL, e que a manutenção teria de substituir a referida peça;
40. Mais informou o CCO que o atraso não se devia a questões de legalidade da operação;
41. Perante tal sequência de contactos, o trabalhador chamou o chefe de cabine do referido voo, a quem questionou, se sabia quem era o elemento da administração que se encontrava a bordo e qual o lugar que ocupava na aeronave;
42. Um avião não pode ser despachado, com múltiplos itens MEL/CDL, sem o comandante, primeiro, ter determinado que alguma relação dos sistemas inoperativos ou componentes, não possa resultar na degradação dos níveis de segurança e/ou numa indevida sobrecarga de trabalho para a tripulação.
43. É política internacional da SA... envidar todos os esforços para manter a navegabilidade a 100/prct., devendo a rectificação ser iniciada logo que for prático;
44. No que tange a procedimentos e responsabilidades, quanto à tripulação de voo — a tripulação tem que consultar a caderneta técnica do avião, as acções correctivas de avarias anteriores assim como, o tipo de serviço realizado e a certificação de aeronavegabilidade, quando requerido;
45. ... No que diz respeito à aceitação da caderneta técnica do avião, antes do início do voo,
a caderneta técnica deve estar preenchida pelo mecânico, que irá registar, itens como combustível a bordo e confirmar a aptidão do avião para o serviço, declarando as condições de despacho (CAT I,II ou III, RVSM e ETOPS quando aplicável);
46. ... No campo do critério para despacho, a decisão do comandante do voo de ter itens autorizados inoperativos corrigidos antes do voo, tem precedência nas disposições contidas no MEL;
47. Deverá ser enquadrada e contextualizadas com as normas da SA..., a saber: 'Operations Manual Part .A -8.6, ' É política da SA..., que seja feito todo o esforço para manter 100/prct. de operacionalidade, com as reparações a serem efectuadas na primeira oportunidade. Um avião não deve ser despachado, com múltiplos itens do MEL/CDL, sem o Comandante primeiro ter determinado que alguma relação dos sistemas inoperativos ou componentes, não possa resultar na degradação dos níveis de segurança e/ou numa indevida sobrecarga de trabalho para a tripulação.; ' Operations Manual Part .A -8.1.11, pág.4 8.1.11.2.2. Procedimentos e responsabilidades Tripulação de Voo ' A tripulação tem que consultar na Caderneta Técnica do Avião, as acções correctivas de avarias anteriores, assim como o tipo de serviço realizado e a certificação de aeronavegabilidade, quando requerido. Nesta altura, os autocolantes/placards do avião devem ser revistos de acordo com o MEL. Se os requisitos de aeronavegabildade do MEL, não estiverem satisfeitos, ele deve requerer a correcção desta condição.' 8.1.11.2.3. Aceitação da Caderneta Técnica do Avião 1. Geral ' Antes do início do voo, a Caderneta Técnica deve estar preenchida pelo Mecânico, que irá registar, itens como combustível a bordo e confirmar a aptidão do avião para serviço, declarando as condições de despacho; CAT I, II ou III, RVSM e ETOPS (quando aplicável). A assinatura completa do Mecânico deve ser registada, imediatamente a seguir à descrição da inspecção ou trabalho realizado, numa letra legível e a caneta, lápis não está autorizado.' Operations Manual ' Part. A -8.1.12, pág.4 8.1.12.4. Documentos específicos do voo (CAT.GEN.MPA 180) SA... assegura que os seguintes documentos são levados em cada voo: '1. Registo da jornada 2. Caderneta Técnica do Avião de acordo com o Anexo I (Part M)Operations Manual ' Part A -8.1.12, pág.5 8.1.12.6 Informação retida em terra (CAT.GEN.MPA 185) SA... deve assegurar que pelo menos durante a duração do voo, ou séries de voos: '2. Cópia da parte relevante da Caderneta Técnica do Avião' Minimum Equipement List' Preâmbulo, Secção 02, revisão n.°20, data 20.02.2014,pág.1 3. Critério para despacho 'A decisão do Comandante do voo de ter itens autorizados inoperativos, corrigidos antes do voo, tem precedência nas disposições contidas no MEL;
48. A referida aeronave não poderia ser dada como apta para iniciar o voo …, se o trabalhador não preenchesse o Aircraft Logbook de aceitação da aeronave;
49. A decisão de descolar por despacho MEL uma aeronave, em tais condições, pertence em exclusivo ao comandante, naquele caso o aqui trabalhador;
50. O comandante pode requerer requisitos acima dos mínimos enunciados, quando no seu

julgamento, esse equipamento é essencial para a segurança desse voo em particular, sobre condições especiais que prevalecem na altura. Minimum Equipement List' Preâmbulo, Secção 02, revisão n.° 19, data 30.01.2012, pág. 2 'O MEL não pode ter em conta todas as múltiplas inoperacionalidades. Daí, antes de despachar um avião com múltiplas MEL inoperativos, deve ser assegurado que a relação ou inter-relação entre os itens inoperativos não resulta numa degradação do nível de segurança e/ou numa indevida sobrecarga de trabalho para a tripulação. É particularmente nesta área de múltiplas discrepâncias e de discrepâncias em sistemas relacionados, que o bom julgamento, baseado nas circunstâncias do caso, incluindo condições climáticas ou em rota, deve ser usado. ' 4. Acções da Manutenção ' Todos os esforços devem ser feitos pela Manutenção para corrigir todos os defeitos, o mais cedo que seja praticável, e que o avião seja liberto da base de manutenção na condição de completamente operacional. O Comandante deve ser informado pela Manutenção assim que possível, se for impossível reparar o item inoperativo antes da partida.;
51. O voo …, tinha como destino último B… (EUA);
52. E o referido painel de instrumentos, existia em armazém em Lisboa, tendo para os serviços da empresa, aqui entidade empregadora recorrido à TAP para o fornecer;
53. O procedimento do trabalhador visou salvaguardar os interesses da empresa e a segurança dos passageiros;
54. O comandante JOA..., que viajava em DHC (altitude de decisão), iria realizar o serviço de voo subsequente, com o mesmo avião;
55. Tendo sido consultado pelo aqui trabalhador, na sequência da referida avaria;
56. Após os telefonemas, o trabalhador saiu do cockpit, em mangas de camisa, envergando nos passadores da camisa, os 4 galões largos que o identificam como comandante de avião e, era portador do cartão de identidade aeroportuária/crew suportado por uma fita SA...;
57. O Regulamento de Fardamento da SA... (OD-DRH-05/01 Revisão 01) não impõe ao comandante que se desloque de casaco no interior do avião;
58. Nos termos do mesmo, sob a designação de 03.06 Farda do Colaborador Masculino, a seguinte indicação: ' A farda completa é para ser obrigatoriamente utilizada, no verão e inverno, nos seguintes momentos: Momentos protocolares; Actos de representação da empresa; Percurso aeroporto/avião e avião/aeroporto; Embarque e Desembarque (excepto PNT quando se encontra no cockpit e restante tripulação, em situações de temperatura elevada, quando dispensado pelo comandante). Nos momentos acima identificados, as combinações possíveis são as seguintes: Calça + Camisa + Casaco de fato + Gravata; Calça + Camisa + Casaco de fato + Gravata + Casaco de malha (opcional); Calça + Camisa + Casaco de fato + Gravata + Pullover (opcional);
59. Não se estava num momento protocolar, não se estava em representação da empresa, ou em trânsito em terra e, o embarque já havia terminado;
60. Pelo que, o comandante podia autorizar — e por maioria de razão 'autorizar-se ' — nos termos regulamentares, a durante o embarque e/ou desembarque, não fazer-se uso da farda completa;
61. O trabalhador dirigiu-se a FR... e disse 'posso ajudá-lo?', acrescentando que lhe estavam a ligar das operações, a fazer perguntas sobre o atraso, e que o que tinha a dizer já tinha dito no anúncio aos passageiros;
62. FR... respondeu 'eu sou administrador da SA..., tenho o direito de questionar...;
63. E o trabalhador respondeu-lhe que ele ali era um passageiro igual a todos os outros;
64. Ao que o FR... respondeu que eventualmente seria mais simpático da parte do trabalhador se o cumprimentasse e apresentasse, uma vez que não o conhecia;
65. O trabalhador retorquiu que já estava a perder muito tempo, e FR... disse que não tinha mais nada a falar com o trabalhador;
66. Na ocasião os passageiros e a tripulação sentiam o tempo como quente (de calor);
67. No lugar da janela do outro lado, estava o comandante da empresa, JOA..., e nos lugares atrás de FR... encontrava-se CL..., acompanhada da sua filha;
68. Pelo menos para CL... a conversa entre o trabalhador e FR... foi parcialmente audível;
69. CL... percepcionou a situação como constrangedora, e que se tratava de um administrador da empresa;
70. FR... exercia as funções de CCO (Chief Commercial Officer) da empregadora, cabendo-lhe estar informado de todas as situações que envolvem atrasos, com consequentes incómodos para os passageiros;
71. No dia 10 de Setembro de 2015, o trabalhador era o piloto comandante do voo …, na rota Toronto — Ponta Delgada — Lisboa;
72. À saída de Toronto, a aeronave teve um problema no APU (Auxiliary Power Unit), que não funcionou à primeira tentativa;
73. Em virtude disso, o voo chegou com um atraso de 25 minutos a Ponta Delgada;
74. Em Ponta Delgada, a aeronave foi alvo de manutenção, o que atrasou a saída para Lisboa em mais cerca de 50 minutos;
75. Depois de ter falado com o trabalhador, a supervisora de serviço em Ponta Delgada informou a coordenação e controlo operacional que em virtude das manutenções feitas, a tripulação ia 'queimar', i.e., ia ser ultrapassado o limite do período de serviço de voo legalmente imposto às tripulações, o que impossibilitaria o voo de Ponta Delgada para Lisboa;
76. O trabalhador, após consultar a tripulação, comunicou ao Crew Control, que para utilizar a prerrogativa do Comandante (Cláusula 30ª do Anexo II do AE), tinha de ser concedido um dia de folga extra a toda a tripulação, técnica e de cabina;
77. Os passageiros já se encontravam a bordo;
78. Não era possível substituir toda a tripulação do voo por outros tripulantes;
79. RO..., enquanto coordenadora do Planeamento c Gestão de Tripulações, aceitou tal concessão;
80. Em virtude disso, foi concedido a toda a tripulação como dia de folga o dia 13 de Setembro de 2015;
81. Nesse dia, o trabalhador estava de Stand-By, assim como o piloto LU..., e a chefe de cabina TE... e a assistente de bordo AN..., o que impossibilitou a empresa de lhes atribuir serviços de voo em caso de necessidade;
82. Os tripulantes J…, A…, P… e S… tinham voos programados, tendo a empregadora recorrido a outros tripulantes para os realizar;
83. No dia 15 de Setembro de 2015, o trabalhador foi preventivamente suspenso das suas funções, no âmbito de processo de inquérito;
84. Nesse mesmo dia, às 16:14h, o trabalhador publicou na sua página de Facebook o seguinte: «Boas, como não há uma sem duas, hoje fui novamente suspenso, pela entidade empregadora. Duas vezes em menos de seis meses, tem contornos de tentativa recorde ou de perseguição (...) Primeiro foi por 'expressões difamatórias da imagem e bom nome da empresa', agora foi 'em virtude do comportamento (...), adorado, (...), para com um Sr. administrador (puto mal educado, prepotente), o qual configura falta de respeito para com a administração da empresa; E a falta de respeito que esta gente tem para com quem trabalha, se fosse meu filho, levava um par de lambadas, mas não sendo, o pai que não o soube educar que o ature. Confundem autoridade, com autoritarismo, e não percebem que a autoridade se não for aceite, não serve de nada, se querem ser respeitados, deem-se ao respeito. Mais uma novela para acompanharem e não se esqueçam do que á tempos disse, 'eles andam aí' os filhos (...)»;
85. O administrador a quem o trabalhador se refere na publicação (post) em causa é FR...;
86. Nome que não consta da mesma (publicação/post);
87. O trabalhador tinha 837 'amigos' na sua página do facebook;
88. A sua página era acessível e a publicação referia em 77 era então visível pelos amigos no facebook;
89. Nas definições de perfil da conta não constava a informação que o trabalhador tinha por empregador a SA...;
90. Eram amigos na aludida conta outros trabalhadores da SA..., designadamente P…, J…, R… e R…;
91. O post em causa foi lido por, pelo menos, 59 pessoas, que nele apuseram 'like;
92. Tendo merecido, pelo menos 30 comentários;
93. E foi escrito pelo trabalhador após ter conhecimento da sua suspensão, num momento de
indignação;
94. Pelo menos até à sua suspensão o trabalhador era considerado como um trabalhador que prestigiava e credibilizava a SA...;
95. Ao trabalhador (antecedentes disciplinares) fora aplicada, em 3/09/2015, a sanção disciplinar de repreensão registada, por publicações feitas pelo mesmo num grupo público e aberto do Facebook, consideradas atentatórias e difamatórias do bom nome e imagem da empresa empregadora e sua administração;
96. No dia 8 de Setembro de 2015 foi decidido pelo conselho de administração da ré instaurar processo disciplinar ao trabalhador, nos termos de fls. 5 - 13 do procedimento disciplinar;
97. Conforme consta da ficha individual do trabalhador, a última morada fornecida pelo mesmo como sendo a da sua residência é a sita na R… Alcabideche;
98. Após realização de diversas diligências de inquérito, foi deduzida nota de culpa com intenção de despedimento, a qual foi recebida em mão pelo trabalhador no dia 8 de Outubro de 2015;
99. O trabalhador apresentou resposta à nota de culpa no dia 22 de Outubro de 2015, tendo requerido como diligências de prova a inquirição de 7 testemunhas;
100. Todas as testemunhas arroladas foram inquiridas à excepção das testemunhas TE... e K…, cuja inquirição foi prescindidas pelo trabalhador;
101. Por deliberação do conselho de administração da empregadora, tomada em 15 de Dezembro de 2015, foi o trabalhador 'despedido com justa causa, em virtude de violação dolosa dos seus deveres lealdade, de obediência, de respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, com urbanidade e probidade, previsto nas alíneas a) e c) do n.° 1 do artigo 128° do Código do Trabalho, de promover ou executar todos os actos tendentes à melhoria da produtividade da Empresa e de velar pela salvaguarda do prestígio interno e internacional da Empresa, previsto nas alíneas c) e g) da Cláusula 138 do Acordo de Empresa em vigor;
102. Dessa decisão foi dado conhecimento ao trabalhador em 21 de Dezembro de 2015, por comunicação que lhe foi entregue por carta registada com aviso de recepção nessa data;
103. Nessa data auferia, a título de retribuição base, a quantia de € 6500;
104. A suspensão e a decisão de despedimento causaram no trabalhador perda de ânimo e atingiram o seu orgulho profissional;
105. O trabalhador gozava de grande prestígio profissional entre colegas;
106. Refere ter dificuldades em encontrar emprego em nova companhia de aviação, no que se tem empenhado activamente;
107. ... Bem como refere preocupação/insegurança quanto à situação financeira do seu agregado familiar...;
108. ... Por, até ao seu despedimento, ser o seu salário o principal rendimento do agregado
familiar;
109. O trabalhador tem 4 filhos;
110. É casado e a mulher é educadora de infância.
2. As questões jurídicas da apelação.
Uma vez que a sentença considerou que o apelante não violou quaisquer interesses patrimoniais da apelada ao recusar realizar o voo sem que fosse efectuada a reparação da avaria do painel de instrumentos e ao exigir da apelada um dia de folga para a tripulação (o que, de resto, neste ponto foi por ela aceite) e que as partes se conformaram com tal decisão, naturalmente que a mesma transitou em julgado e nenhum interesse tem para a análise da apelação, interessando agora apenas saber se com a sua conduta posterior (post inserido na sua página do Facebook) o apelado violou o dever de respeito para com o administrador da apelada.
E a este propósito, além do mais referiu a sentença recorrida:
Traduzindo o uso das expressões 'puto mal educado, prepotente (...) se fosse meu filho, levava um par de lambadas, mas não sendo, o pai que não o soube educar que o ature. Confundem autoridade, com autoritarismo, e não percebem que a autoridade se não for aceite, não serve de nada, se querem ser respeitados, deem-se ao respeito. Mais uma novela para acompanharem e não se esqueçam do que á tempos disse, 'eles andam aí' os filhos (...)' (sic) um carácter difamatório para quem integrava o conselho de administração da empregadora, ou seja, o órgão de governação do seu empregador, desnecessário à defesa do trabalhador, por desenquadrado da mesma, nela não se revelando contextualizado ou ainda na prossecução de qualquer interesse sério.
Dito de outro modo, o uso de tais expressões, injuriosas — sendo dirigidas à personalidade de um administrador e com considerações pessoais -, numa rede social (e não por mensagem privada) em que tinham acesso pelo menos 837 amigos não se revela necessário, adequado ou proporcional ao exercício de qualquer direito do trabalhador.
Uso que ocorreu num quadro anterior em que o trabalhador já respondera ao administrador que no voo era um passageiro igual a todos os outros.
Sendo que o fez quando lhe foi referido por este que 'eu sou administrador da SA..., tenho o direito de questionar ...', na medida em que FR... exercia as funções de CCO (Chief Commercial Officer) da empregadora, cabendo-lhe estar informado de todas as situações que envolvem atrasos, com consequentes incómodos para os passageiros.
O que foi percepcionado por uma passageira como tratando-se de uma situação constrangedora.
Pelo que o uso da liberdade de expressão, com violação dos direitos de personalidade do visado, foi abusivo e o despedimento é, assim, lícito.
Concordamos com tal conclusão.
É sabido que além do mais e sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve: a) Respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade.
Procurando a densificação desse dever, refere Maria do Rosário Palma Ramalho que o dever de urbanidade e de respeito aponta genericamente para a necessidade de observância das regras de conduta social adequadas, quer em matéria de tratamento, quer em matéria de apresentação pessoal e de conduta do trabalhador. A formulação necessariamente vaga do dever de respeito obriga à sua concretização e esta deve ter em conta o contexto específico de cada vínculo laboral — assim, um tratamento mais rude poderá ser comum em determinado contexto organizacional e intolerável noutro contexto, pelo que apenas no segundo caso deverá consubstanciar uma situação de incumprimento. Os limites do dever de respeito são os direitos de personalidade do trabalhador, destacando-se, pela sua possível interacção com este dever, direito à liberdade de expressão na empresa, o direito à imagem e o direito à reserva da vida privada do trabalhador? Embora, naturalmente, como de resto já assinalou a Relação do Porto, o direito à liberdade de expressão por parte dos trabalhadores não é absoluto, devendo harmonizar-se com o direito à honra e à imagem do empregador, estando consequentemente limitado pelo dever de respeito, de urbanidade e de probidade legalmente consagrados!
De todo o modo e em resultado disso, constitui infracção disciplinar todo e qualquer comportamento do trabalhador que viole os seus deveres contratuais, nomeadamente os que estão elencados no n.° 1 do artigo 128.° do CT,e constituindo mesmo justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, tome imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho?
Tal situação jurídica pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos: (i) um comportamento ilícito e culposo do trabalhador, grave em si mesmo e nas suas consequências; (ii) a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação de trabalho; (iii) a verificação de um nexo de causalidade entre o referido comportamento e tal impossibilidade.
A ilicitude consiste, naturalmente, na violação dos deveres a que o trabalhador está contratualmente vinculado, seja ela por acção, seja por omissão.
No que toca às consequências da conduta do trabalhador, deverão consistir num prejuízo grave para o empregador, embora tal prejuízo não seja necessariamente de ordem patrimonial. Com efeito, as consequências perniciosas podem consistir em minar a autoridade do empregador (ou do superior hierárquico), lesar a imagem da empresa ou num dano por assim dizer 'organizacional'. Referimo-nos, com isto, ao que vulgarmente se refere pela perda de confiança no trabalhador.
E porque a relação laboral é desde logo contratual, a culpa deve ser apreciada segundo o critério estabelecido pelo artigo 487.°, n.° 2, do Código Civil, ou seja, segundo a diligência normalmente exigível de um bonus pater familias, em face das circunstâncias de cada caso, o mesmo é dizer, no que ao caso importa, na falta de um critério legal, pelo entendimento de um 'bom pai de família' ou de 'um empregador normal, médio', colocado em face do caso concreto, utilizando-se, para o efeito, critérios de mera objectividade e razoabilidade.
Quanto à impossibilidade de subsistência do vínculo, a mesma deve reconduzir-se à ideia de inexigibilidade da manutenção do contrato por parte do empregador, tem que ser uma impossibilidade prática, no sentido de que deve relacionar-se com o caso em concreto, e deve ser imediata, no sentido de comprometer, desde logo, o futuro do vínculo.
A impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral verifica-se quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador, susceptível de criar no espírito da primeira a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral. A impossibilidade de subsistência do contrato de trabalho tem que ser uma impossibilidade prática, no sentido em que deve relacionar-se com o vínculo laboral em concreto. Esta exigência tem a ver com a necessária contextualização do comportamento do trabalhador que seja constitutivo de justa causa: assim, o mesmo tipo de comportamento em dois contextos empresariais diferente pode determinar, apenas num deles, a impossibilidade prática de subsistência do contrato, por força das características da própria organização (por exemplo, a rudeza de linguagem pode ser tolerada ou mesmo habitual numa dada empresa e intolerável noutra empresa) . Aliás, apropriadamente até podemos ir um pouco mais longe neste exemplo e afirmar que certo tipo de linguagem pode mesmo ser aceitável num certo grupo de trabalhadores mas não noutro grupo da mesma empresa - basta pensar-se no caso da construção civil, onde por regra é aceitável um tipo de linguagem mais estereotipada entre os pedreiros (como foi reconhecido pelo acórdão da Relação de Coimbra, de 02-12-199, no processo n.° 120/99, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano de 1999, tomo V, página 68, num caso envolvendo um pedreiro e um servente) mas já assim não será entre os engenheiros da mesma empresa ou entre qualquer um desses grupos profissionais e o empregador; o que sobretudo ocorre em situações, como é a do caso sub indicio, em que o trabalhador que exercendo funções de responsabilidade, detendo a confiança da entidade patronal, deve ter uma especial conduta correcta no desempenho dessas funções, e lisura no seu comportamento. A violação culposa desses deveres torna praticamente impossível a manutenção da relação laborar .
Por outro lado, tem ainda sido assinalado pela doutrina que a justa causa só pode ter-se por verificada quando ... não seja exigível ao empregador o uso de medida disciplinar que possibilite a permanência do contrato. E na sua esteira também a jurisprudência tem enfatizado esse aspecto, o que levou já o Supremo Tribunal de Justiça a reconhecer que a impossibilidade de subsistência do vínculo deve ser reconduzida à ideia de 'inexigibilidade' da sua manutenção e que a permanência do contrato constitui objectivamente uma insuportável e injusta imposição ao empregador, ferindo, desmesurada e violentamente, a sensibilidade e liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do real empregador.
Aqui chegados, faremos notar que o apelante era um trabalhador altamente qualificado e detentor de uma categoria profissional responsável nessa mesma medida (era não apenas piloto aviador, o que por si já permitia afirmá-lo, mas também piloto comandante e auditor de monotorização de conformidade, o que resulta dos factos provados 2 a 5), o que, como atrás dissemos, concomitantemente elevava ao máximo o exercício do dever de manter uma especial conduta correcta no desempenho dessas funções. Pelo que a violação culposa desses deveres, como foi no caso concreto, torna praticamente impossível a manutenção da relação laboral, sobretudo se considerarmos que já lhe fora aplicada, em 03-09-2015, a sanção disciplinar de repreensão registada, por publicações feitas pelo mesmo num grupo público e aberto do Facebook, consideradas atentatórias e difamatórias do bom nome e imagem da empresa empregadora e sua administração.
Como já vimos decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça num caso similar, ainda que separado pelo meio utilizado, se o trabalhador subscreveu uma carta contendo afirmações que ofenderam a honra e a vida privada e familiar de um superior hierárquico e de uma trabalhadora, e que eram desnecessárias para o exercício do direito de crítica contra a gestão da empresa, violando, assim, o trabalhador, culposamente, deveres de urbanidade para com as pessoas visadas na carta. Tendo o trabalhador antecedentes disciplinares, não é exigível à empregadora a manutenção da relação laboral, por estar posta em crise a permanência da confiança em que se alicerçava a relação de trabalho, verificando-se justa causa para o despedimento. É que, como recorrentemente tem assinalado o nosso mais alto Tribunal, consubstancia grave incumprimento do dever de respeito e de urbanidade — de modo a pôr irremediavelmente em causa a confiança imprescindível à manutenção do vínculo laboral - a conduta do trabalhador que, numa reunião com outros trabalhadores e seus subordinados, referindo-se ao membro da administração da empregadora a quem hierarquicamente reporta, profere expressões objectivamente atentatórias da honra e imagem profissionais do mesmo.
E não se diga, como o apelante, que no caso sub judicio o perfil do utilizador revestia-se de cariz privado, porquanto o modo de acesso à sua página carecia do seu prévio consentimento, ou seja, era de acesso restrito, o qual tinha em vista conferir à referida página, um cariz acentuadamente privada. Expectativa de privacidade que o trabalhador/recorrente seriamente criou. Todavia, esta privacidade foi violada, e parte do seu conteúdo, ou seja, aquele que mais interessava a determinados terceiros, foi objectivamente e abusivamente utilizado, em clara violação dos mais elementares princípios constitucionalmente tutelados - a reserva da vida intima privada uma vez que aquilo que se provou foi algo diferente, a saber, que a sua página era acessível e a publicação referia em 77 era então visível pelos amigos no facebook, nem que a assunção que é feita da publicação postada no facebook ao Eng.° FR... e que conduziu ao ilícito despedimento do trabalhador/recorrente, emergiu da associação feita e não sustentada e fundamentada em qualquer tipo de prova pois que desde logo tal associação resultava evidente para os trabalhadores da apelada que eram seus amigos no Facebook.
Assim sendo, terá que se manter a sentença recorrida

III - Decisão.
Termos em que se acorda negar provimento à apelação e manter a sentença recorrida. Custas pelo apelante (art.° 527.°, n.O9 1 e 2 do Código de Processo Civil e 6.°, n.° 2 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela I-B a ele anexa).
Lisboa, 11-07-2018.
(António José Alves Duarte)
(Maria José Costa Pinto)
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