Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - ACRL de 10-07-2018   Liberdade condicional. Tráfico de estupefacientes.
Pese embora a evolução do percurso prisional do recluso, este necessita ainda de desenvolver maior capacidade reflexiva face à negatividade da sua conduta, bem assim dissipar permeabilidades a influências nefastas de terceiros para que seja possível formular um juízo seguro de que não voltará a cometer crimes.
Numa época em que a criminalidade de tráfico de estupefacientes se tornou cada vez mais grave, seria para a sociedade absolutamente incompreensível que alguém que é responsável pela prática, em autoria material de um crime tão grave como aquele pelo qual o recluso foi condenado, com consequências irreversíveis, beneficie da liberdade condicional apenas por terem sido atingidos pelo menos os dois terços da pena, pois tal transmitiria um enfraquecimento da ordem jurídica potenciador de novos delitos e não dissuasor da sua prática.
A comunidade muito dificilmente aceita que, tendo o recluso praticado factos com a gravidade dos em apreço, seja libertado sem que demonstre existirem fortes e ponderosas razões para isso - que não se postulam -, não podendo, nem devendo, pôr-se em causa as expectativas comunitárias na validade das normas violadas.
Proc. 381/16.4TXLSB-F.L1 5ª Secção
Desembargadores:  Ricardo Cardoso - Filipa Macedo - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Proc.° n° 381/16.4TXLSB-F.L1
Acordam, em conferência, na 5a Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.
1. No Processo n° 381/16.4TXLSB do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa (Juiz 6) no qual é arguido MA... (preso desde 5 de Fevereiro de 2015), por sentença de 23 de Abril de 2018, foi decidido não conceder a liberdade condicional ao recluso.
2. Não se conformando com esta decisão o recluso dela interpôs recurso apresentando motivação da qual extrai as seguintes conclusões:
1) O Recluso MA... não se conforma com a não concessão da liberdade condicional aos 2/3 da pena, conforme decisão de 23/04/2018 do Tribunal Recorrido, porque entende que estão reunidos todos os pressupostos que poderiam conduzir à sua libertação, depois de cumpridos 2/3 da pena a que foi condenado.
2) A manutenção da pena de prisão pelos motivos invocados é uma injusta perpetuação de condenações sucessivas pelos mesmos factos, como procurará esclarecer.
3) Quer o Senhor Director do EP, quer a Vigilância quer o Conselho Técnico deram parecer favorável à concessão da liberdade condicional ao Recluso.
4) São estas as pessoas e entidades que, mais de perto, acompanham o percurso prisional do Recluso.
5) Os argumentos para a não concessão da liberdade condicional são incorrectos e infundados.
6) O processo de decisão está inquinado à partida, uma vez que confunde a reduzida consciência crítica em relação ao crime que atribuem ao Recluso MA... com a explicação por este dada para, num exacto período da sua vida, ter cometido o crime pelo qual foi julgado e condenado.
7) O que faz com que esta explicação passe a ser parte de uma relação causa-efeito!
8) Parece assim que para o Tribunal recorrido sempre que o Recluso estiver desempregado, vai delinquir, reincidir na prática de crimes.
9) O total fracasso da pena aplicada e dos seus fins últimos!
10) Ainda com esta pré-compreensão, vai o Tribunal recorrido mais longe, atribuindo, sem qualquer fundamento ou justificação, ao Recluso MA..., uma atitude criminal!
11) Por outro lado, e consideradas as informações do Senhor Director do EP, da Vigilância e do Conselho Técnico, não se alcança como sustenta o Tribunal recorrido o não testado e consolidado percurso prisional do Recluso MA....
12) Neste ponto, a decisão é contrária aos elementos que constam do processo, pelo que deve ser alterada.
13) A falta de garantias concretas de emprego é também suporte para a decisão recorrida, o que é da mais profunda e extrema injustiça pois trata-se de situação de facto impossível para quem está detido desde 2015.
14) São conhecidas no processo as deficiências das revistas efectuadas num primeiro momento ao Recluso MA... que culminaram com o seu ingresso no EP na posse de produto estupefaciente.
15) Essa posse teve como consequências:
• Um processo disciplinar que terminou com o ingresso e detenção em cela disciplinar.
• O julgamento do Recluso também pela posse daquele produto estupefaciente.
• A denegação de todas as saídas precárias que foram requeridas pelo Recluso.
• A denegação da liberdade condicional ao meio da pena.
16) Não obstante, este facto é usado, agora novamente, para negar a liberdade do Recluso.
17) O Recluso sente que é e foi julgado e condenado várias vezes por este facto foi punido quer disciplinarmente (com o internamento em cela disciplinar) quer criminalmente com o Acórdão proferido nos autos, viu negadas as saídas precárias que requereu, viu negada a liberdade condicional a meio da pena e vê agora negada a liberdade condicional aos 2/3 da pena).
18) Esta situação é manifestamente uma violação do princípio nemo debet bis vexartpro una et eadem causa.
19) É referido ainda a existência de um segundo processo disciplinar —por ter, sem cuidado, atirado de forma displicente uma couvette de alimentação. Neste processo foi-lhe aplicada uma pena de repreensão.
20) Não obstante estes factos, no dia seguinte à da repreensão, voltou a trabalhar na copa, pelo que, até internamente, foi compreendida a situação que motivou a repreensão.
21) O que claramente demonstra que não existe qualquer retrocesso no percurso do Recluso.
22) Pelo que igualmente este argumento não deverá servir para lhe negar a liberdade, que lhe deverá, assim, ser concedida.
23) Tanto mais que - e para além dos argumentos supra expendidos - o Recluso está detido desde 05/02/2015, o que significa que no momento da recepção e superior análise por Vossas Excelências do presente recurso já estará largamente ultrapassada a data correspondente aos 2/3 da pena, estando reunidos todos os pressupostos para a concessão da liberdade condicional.
24) Por fim, e em caso de recusa do ora peticionado — a concessão da liberdade condicional - o Recluso só verá a sua situação revista em Abril de 2019.
Nestes termos e demais de direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá ser o presente recurso aceite e a decisão de não concessão da liberdade condicional revogada e alterada no sentido de ser concedida ao Arguido a Liberdade Condicional.
3. Admitido o recurso com subida imediata em separado e efeito devolutivo, respondeu o Digno Magistrado do M° P° pugnando pela improcedência do recurso e formulando as seguintes conclusões:
1. A peça processual do recorrente não cumpre o estabelecido no Art. 412 n.° 2 al. a) do C. P. Penal, já que não indica as normas, pretensamente, violadas, limitando-se a discordar da decisão judicial impugnada, o que se assinala para efeitos de, eventual, cumprimento do disposto no n° 3 do Art.° 417° do citado Código.
2. Por decisão judicial, datada de 14/03/2018, não foi concedida a liberdade condicional ao recluso/recorrente.
3. Tal decisão foi proferida após prévia instrução dos Autos, respetivamente, com junção de relatório integrado da DGRSP, parecer, por maioria, favorável de reunião de Conselho Técnico, auto de audição do recluso e parecer desfavorável do Ministério Público.
4. Na base destes elementos carreados, conjugados com a decisão judicial condenatória da pena cm cumprimento, os aduzidos pelo recluso, em sede de audição, tendo em conta as circunstâncias do crime cometido o tribunal a quo proferiu a decisão recorrida, de acordo com juízo de prognose desfavorável à liberdade condicional, mormente, nos termos do Art. 61° n° 2 al. a) do C. Penal, ultrapassado que se mostra o marco dos 2/3 da pena, sem prejuízo de renovação de instância, nos termos do Art. 180° n.°s 1 e 3 do citado Código, com referência ao dia 14/03/2019.
5. Na formulação do juízo de prognose favorável com vista à concessão da liberdade condicional, alcançado o marco dos 2/3 da pena, impõe-se atender a razões de prevenção especial, já que a decisão respeitante àquela concessão não pode deixar de levar em conta a natureza e as circunstâncias cm que o condenado praticou o crime ou os crimes.
6. Tais necessidades de prevenção especial, in casu seriam completamente desconsideradas se o recluso fosse colocado em liberdade condicional.
7. Se é certo que evidência alguns sinais positivos no seu percurso prisional, mormente, ao nível laborai — desempenhando função de faxina de copa - o certo é que não beneficiou, ainda, de medidas de flexibilização da pena.
8. Saliente-se que sofreu punição recente — repreensão escrita —circunstância que não pode deixar de ser valorada como retrocesso do seu percurso prisional.
9. E não se diga, como alega, que não constituiu gravidade a punição que llie foi imposta, por continuar no serviço da copa.
10. Perante o seu comportamento desajustado e não conforme ao cumprimento das mais elementares regras que pautam a vida em sociedade e regulam o normal funcionamento da vida e disciplina no estabelecimento prisional, o que esperaria o recorrente? Ser premiado com a LC?
11. E neste domínio, com a argumentação que esgrima, ao desvalorizar minimizar o seu comportamento disciplinar e a repreensão escrita que sofreu, só reforça a ideia de que não está, ainda, preparado para beneficiar de LC.
12. A visão que tem do seu comportamento mostra-se toldada.
13. O condenado persiste numa atitude criminal deficitária, sendo fraco o sentido crítico que formula sobre o seu comportamento criminal, procurando contextualizá-lo num quadro de necessidades económicas.
14. Impõe-se sensibilizar o condenado de molde a prevenir comportamentos de idêntica natureza e fazê-lo sentir a gravidade da sua conduta criminal e disciplinar.
15. Exige-se in casu, que seja, previamente, testado, através de gozo de licença de saída jurisdicional e eventual colocação cm RAI — Regime Aberto Interior — com vista a avaliar a consolidação das motivações de mudança comportamental que invoca e, por via destas, demonstre/comprove que está preparado para ser colocado em liberdade condicional.
16. O recorrente não pode, de ânimo leve, ser colocado em liberdade, sem a demonstração da sua efetiva mudança comportamental.
17. Refira-se, também, que o apoio familiar que evidência, à data do cometimento do crime, já era uma realidade sendo que não foi fator suficiente para impedir/dissuadir a sua acção criminosa.
18. Acresce que as suas perspetivas futuras de colocação laborai estão longe de estar comprovadas.
19. Por fim, ponderando a postura do recorrente, face, ao crime de tráfico de estupefacientes, o seu percurso prisional, com punição recente e a avaliação de risco elevado de reincidência, afigura-se-nos que estes assumem um nível comunitário não suportável, ainda, ao marco dos 2/3 da pena.
20. Tal tipo de criminalidade é gerador de forte intranquilidade pública.
21. Só um combate implacável a essa criminalidade pode permitir um desincentivo à sua prática.
22. Fortes razões de prevenção geral ligadas ao crime de tráfico de estupefacientes não aconselham, por isso e ainda, a colocação em liberdade do recorrente.
23. E não se diga que a circunstância das entidades que compõem o Conselho Técnico terem emitido parecer favorável, por maioria, constitui motivo bastante para impugnação da decisão judicial.
24. Com efeito, quaisquer pareceres emitidos não são vinculativos, constituindo, apenas, um importante contributo informativo sobre aspectos relativos às condições pessoais do recluso, à sua personalidade, à evolução durante o período de reclusão, a projectos futuros de vida, que habilita o tribunal a fazer uma avaliação global orientada pelos princípios jurídicos que regem esta matéria.
25. E o certo é que os Serviços de Tratamento Penitenciário e de Reinserção Social mantêm sérias dúvidas sobre a efectiva mudança comportamental do recorrente, motivo pelo qual, nessa sede, expressaram sentido desfavorável à concessão da LC.
26. A consolidação do seu percurso prisional constitui necessidade prioritária.
27. As fragilidades ao nível pessoal, social e laboral que revela, por ora, condicionam, inevitavelmente, a sua reinserção social.
28. Tudo ponderado, o risco de reincidência criminal, bem como a necessidade do recluso adquirir competências pessoais e sociais, de modo a adequar o seu comportamento à normatividade da vida em sociedade, é inquestionável, pelo que outra decisão não pode ser do que a negação da LC.
29. O tribunal a quo fez correcta interpretação e aplicação do direito, mormente, dos Arts. 97º n.ºs 4 e 5 do C. P. Penal, 61º n. ºs 2 e 3 do C. Penal e 146º n.º 1 do CEPMPL.
30. A decisão judicial recorrida deve ser mantida nos seus precisos termos.
4. Neste Tribunal da Relação a Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta sustentou no seu parecer a posição do Digno Magistrado do M°P° em primeira instância no sentido da improcedência do recurso.
5. Foram colhidos os vistos e realizada a competente conferência.
6. O objecto do recurso tal como ressalta das conclusões da motivação versa a apreciação dos requisitos da concessão da liberdade condicional no caso concreto do condenado ora recorrente.
7. Observemos o que consta da decisão recorrida:
RELATÓRIO
Os presentes autos foram instaurados para eventual concessão da liberdade condicional ao recluso MA..., actualmente em cumprimento de pena no Estabelecimento Prisional de Caxias.
Foram juntos os relatórios exigidos pelo art.° 173°, n° 1 do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
O Ministério Público lavrou parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional.
O Conselho Técnico prestou os necessários esclarecimentos e emitiu por maioria parecer favorável.
Em cumprimento do disposto no n° 1 do art.° 61° do Código Penal, o Tribunal ouviu o condenado, tendo o mesmo declarado aceitar a liberdade condicional e relatado os seus projectos de futuro no que tange à sua inserção sócio-familiar e profissional.
(...)
Os autos mostram-se devidamente processados e afigura-se-nos inexistirem diligências a que haja ainda de proceder para apreciação da liberdade condicional.
II - FUNDAMENTOS
Sob a epígrafe Finalidades das Penas e das Medidas de Segurança, estabelece o n° 1 do art.° 40° do Código Penal que a aplicação de penas ... visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Por seu turno, dispõe o art.° 42°, n° 1 do mesmo Código que a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes .
Sublinhe-se que o nosso Código Penal contempla um sistema punitivo alicerçado no entendimento de que a pena deve visar a protecção dos bens jurídicos — prevenção geral positiva - e a reintegração do agente na sociedade - prevenção especial positiva.
A liberdade condicional é uma medida de flexibilização da pena de prisão que visa criar um período de transição entre a reclusão prisional e a liberdade definitiva, durante o qual o condenado possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social, enfraquecido por efeito da prisão e, assim, atingir uma adequada reintegração social, satisfazendo-se o preceituado no supra citado art.° 40°, n° 1 do Código Penal (cfr. n° 9 do Preâmbulo do Dec-Lei n° 400/82, de 23 de Setembro e, A. M. de Almeida Costa Passado, Presente e Futuro da Liberdade Condicional no Direito Português in boletim da Faculdade da Universidade de Coimbra, Vol. LXV, 1989, págs 433 e 434).
Como refere Figueiredo Dias (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, págs. 529¬30, 553-4), a finalidade da execução da pena é simultaneamente mais modesta, mais nobre - e mais difícil. Do que se trata, verdadeiramente, é de oferecer ao delinquente o máximo de condições favoráveis ao prosseguimento de uma vida sem praticar crimes, ao seu ingresso numa vida fiel ou conformada com o dever-ser jurídico-penal — visando a prevenção da reincidência através da colaboração voluntária e activa daquele .
Sobre o instituto da liberdade condicional regem, em termos substantivos, os artigos 61° a 64° do Código Penal onde, a par de uma liberdade condicional facultativa, se consagra uma liberdade condicional necessária, esta consagrada no n° 4 do art.° 61° do Código Penal.
Assim, nos termos do disposto no artigo 61° do Código Penal, são pressupostos formais de concessão da liberdade:
a) Que o recluso tenha cumprido metade da pena e no mínimo seis meses;
b) Que aceite ser libertado condicionalmente. São, por outro lado, pressupostos materiais:
c) Que, fundadamente, seja de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em
liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer crimes;
d) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social, pressuposto apenas aplicável às situações em que a apreciação da liberdade condicional ocorra antes de o condenado ter cumprido 2/3 da pena —cfr. n° 3 do normativo em apreço, como é o caso.
Deste modo, reunidos os pressupostos formais, a concessão da liberdade condicional está dependente, em primeiro lugar, de um pressuposto subjectivo essencial: o juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do delinquente no meio social ( a que por vezes se chama «prognose de exercelação» - cfr. Figueiredo Dias, op. cit., pág 538). Ou seja, a expectativa de que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes. Trata-se, pois, de um pressuposto inultrapassável, por expressa previsão legal. O mesmo é dizer que se não existir, a liberdade condicional não poderá ser concedida.
Ao formular o juízo de prognose, o tribunal aceita um risco prudencial que radica na expectativa de que o perigo de perturbação da paz jurídica, resultante da libertação, possa ser comunitariamente suportado, por a execução da pena ter concorrido, em alguma medida, para a socialização do delinquente (Sandra Oliveira e Silva, ob. cit., pág. 21; Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend, Tratado de Derecho Penal, Parle General, quinta edição, Cornares, pág. 915).
A previsão da conduta futura do indivíduo delinquente (prognose criminal individual) deve assentar na análise dos seguintes elementos:
- as concretas circunstâncias do caso;
- a vida anterior do agente;
- a sua personalidade;
Posto isto, revertendo ao caso dos autos, cumpre verificar dos pressupostos acima enunciados.
Dos pressupostos formais
O recluso cumpre a pena única de 4 anos e 9 meses de prisão em que foi condenado no proc. 53/15.7JELSB, do J10 da Instância Central Criminal de Lisboa, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21° da Lei 15/93. Foi efectuada a liquidação nos seguintes termos:
- Início do cumprimento: ininterruptamente preso desde ininterruptamente preso desde 05.02.2015;
- Meio da pena: 20.06.2017;
- Dois terços da pena: 05.04.2018;
- Termo da pena: 05.11.2019.
Mostram-se verificados os pressupostos formais para a reapreciação da liberdade condicional, uma vez que o recluso já cumpriu dois terços da pena e declarou aceitar a sua eventual libertação condicional.
Dos pressupostos materiais
Considerando a análise conjugada dos elementos existentes nos autos, em especial a certidão da decisão condenatória, o CRC, a ficha biográfica, o auto de audição do recluso, a acta da realização do conselho técnico, o parecer do Ministério Público, o parecer do Director do EP, o relatório integrado da DGRS e dos SEE do EP e adenda que alterou o parecer anteriormente emitido de fls. 73 e 74, pode dar-se como demonstrado o seguinte quadro factual:
1. O recluso cumpre a pena de 4 anos e 9 meses de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, pelos factos constantes do acórdão proferido nos autos acima referenciados, que aqui se dão por reproduzidos;
2. Não regista antecedentes criminais em Portugal;
3. É natural de Espanha e o mais novo de uma fratria de três filhos de um casal de condição social modesta;
4. A mãe nunca trabalhou, sempre foi doméstica e o pai trabalhava numa loja de fazer molduras para quadros;
5. As duas irmãs mais velhas, já têm vida própria e igualmente residentes nas Canárias;
6. O arguido nasceu em Las Palmas e aos 6 anos foi com a família para Lanzarote, procurar melhores condições de vida, pois os pais não tinham actividade laboral;
7. A nível escolar, ingressou no sistema de ensino aos 4 anos na pré-escola;
8. Frequentou o ensino até aos 14 anos, tendo estado dois anos sem estudar;
9. Aos 16 anos retomou os estudos e obteve o 12º ano aos 21 anos;
10. Aos 22 anos começou a trabalhar na construção civil durante 3/4 anos e depois foi para uma empresa de camiões como motorista cerca de 9 anos;
11. Posteriormente, o arguido abriu uma pastelaria que manteve durante 3 anos, tendo fechado o negócio devido ao fim da relação que tivera com uma ex-companheira;
12. À data em que foi preso, encontrava-se a residir com os pais, em Lanzarote, nas Canárias, em casa própria, pertença destes;
13. Os pais do arguido já estão com uma idade avançada, sendo o pai o único que contribui para as despesas familiares, através de uma pensão de 700 euros mensais;
14. O arguido encontrava-se desempregado havia 6 anos;
15. Assume o crime que desculpabiliza com precariedade económica (situação de desemprego);
16. Em meio prisional, regista duas sanções disciplinares, uma praticada em 05/02/15 (quando ingressou no EP da PJ), com medida de internamento em cela disciplinar pelo período de 8 dias, por posse de 90,18 gramas de cocaína e outra praticada em e 02.11.2017, punida com repreensão escrita;
17. Frequenta as reuniões semanais dos grupos de Jeová e Desafio Jovem;
18. Encontra-se laboralmente inserido desde 08.07.2016;
19. Concluiu os cursos de Educação para a Paz e Educação para a Saúde e frequentou o clube de leitura;
20. Não beneficiou de medidas de flexibilização da pena;
21. Pretende viver com os pais, em Lanzarote;
22. Perspectiva trabalhar como vigilante de praia.
Do quadro factual supra traçado e da consideração articulada dos
elementos acima referidos, pese embora os pareceres favoráveis emitidos pela Vigilância e pelo Director do EP, essencialmente, fundados no investimento ao nível laborai, resulta que ainda não se mostram verificados os pressupostos que fundamentam a concessão da liberdade condicional, como foi entendimento do Ministério Público, dos SAEP e da DGRSP.
Efectivamente, e não se desmerecendo o investimento que o recluso tem feito nalgumas áreas formativas e ao nível laborai, a verdade é que demonstra ainda reduzida consciência crítica em relação ao crime, que continua a desculpabilizar com precariedade económica decorrente da situação de desemprego - situação que nada garante esteja resolvida, porquanto o que existe é a expectativa do recluso vir a trabalhar como vigilante de praia, o que não se mostra confirmado por qualquer elemento consistente - o que poderá, em caso de necessidade/oportunidade, potenciar a repetição de actos da mesma natureza.
O mesmo é dizer que, mantendo-se a atitude criminal do recluso, que continua a carecer de evolução favorável, na medida em que importa criar e apurar a consciência crítica relativamente ao comportamento criminoso e ao nível do reconhecimento das consequências dos seus actos, não pode conceder-se a liberdade condicional sem que o mesmo apresente um percurso prisional devidamente testado e consolidado, o que ainda não sucedeu, ainda mais quando não tem garantias concretas de emprego, mantendo-se, assim, um dos principais factores de perigo de reincidência, como foi evidenciado em sede de conselho técnico pelos SAEP e pela DGRSP.
A par disso, e pese embora o apoio (ao que tudo indica economicamente frágil) com que pode contar em meio exterior por parte dos seus progenitores ¬e que já tinha à data dos factos e não o inibiu de os praticar -, não pode o tribunal alhear-se da forma de execução do crime donde se destaca o modo de execução do crime, a quantidade e qualidade de produto estupefaciente apreendido ao condenado, tudo a sugerir uma necessidade clara de desenvolver adequação às normas sociais e de interiorizar a negatividade da sua conduta, ainda mais quando estamos perante um recluso que ingressou num estabelecimento prisional na posse de 90,18 gramas de cocaína.
Efectivamente, não pode o tribunal ignorar e concluir por um percurso meritório ao ponto de concessão de uma liberdade condicional nesta fase ainda distante do termo da pena quando se trata de um recluso com o seu percurso institucional manchado por duas sanções disciplinares, uma das quais recente (e cometida após a anterior apreciação, a evidenciar um retrocesso no seu percurso), sendo a primeira particularmente censurável e relacionada precisamente com o crime pelo qual o recluso cumpre pena, importando, na verdade, continuar a observá-lo durante um período mais longo de tempo, por forma a que se possa fazer um juízo seguro de prognose no sentido de que, quando em liberdade, se comportará de forma socialmente responsável e sem cometer crimes, como de resto veio a ser também entendimento dos técnicos que com ele convivem de perto.
Nas palavras de Jescheck (Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend, Tratado de Derecho Penal, págs. 1152 e 1153), o tribunal deve correr um risco prudente, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa, o que é manifestamente o caso dos autos.
Pelo exposto, entendendo ser necessária a consolidação do processo de readaptação social do recluso, não pode conceder-se, por ora, a liberdade condicional.
Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, não se concede a liberdade condicional ao recluso MA..., pelo que o cumprimento de pena se manterá.
Cumpra-se o disposto no artigo 177°, n° 3, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
A eventual concessão da liberdade condicional será reapreciada em renovação da instância daqui a um ano, devendo a Secção de processos, 90 dias antes, solicitar o envio, no prazo de 30 dias, dos elementos referidos no artigo 173°, n° 1, do referido Código, bem como de CRC actualizado e de cópia da ficha biográfica.
8. Apreciando:
O recorrente sustenta a sua discordância relativa à decisão recorrida, que indeferiu a concessão de liberdade condicional, na invocação da sua evolução positiva durante o cumprimento de pena, a qual é corroborada pelo parecer favorável por maioria da comissão técnica, daí concluindo que a decisão recorrida não valorou devidamente o percurso prisional positivo do recorrente, os anos já cumpridos em reclusão, a condição de desempregado do mesmo à data da prática dos factos, a inexistência de antecedentes criminais e o seu percurso de vida, o apoio familiar que possui, e a pouca relevância das infracções disciplinares em reclusão, ressaltando uma incorrecta ponderação de todos os circunstancialismos.
Cumpre recordar que o condenado cumpre pena pela co-autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes, cuja inserção social e apoio familiar não foram bastantes para o impedir de seguir a via do crime, assim como a inexistência de antecedentes criminais, foram elementos devida e benevolamente considerados no acórdão que o condenou na pena de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão.
É certo que a evolução que o condenado não tem demonstrado ao nível da consciência crítica em relação ao crime cometido, uma correcta valoração dos actos criminosas pelos quais foi condenado, não sendo justificáveis pela condição de desempregado, ao que acresce que a prática de recente infracção disciplinar punida com repreensão por escrito demonstra falta de contenção e de adequação ao cumprimento das regras necessárias às vivências sociais - do que resulta que o condenado ainda não alcançou a suficiente interiorização da gravidade da sua conduta, não revela ainda arrependimento nem a necessária assunção da culpa, o que pode causar a reincidência de comportamentos idênticos em situações de desemprego, demonstrando-se que não está preparado para a responsabilidade do regresso à vida em liberdade.
Como se escreveu no Ac. da Relação de Coimbra, de 19-06¬2013 (Google) Não é qualquer evolução que justifica a libertação condicional e mesmo havendo evolução da personalidade durante a execução da pena de prisão a libertação condicional só se justifica depois de devidamente ponderados os demais critérios legalmente consignados e, a existência de alguma evolução da personalidade durante a execução da pena pode não bastar para justificar a libertação condicional se a avaliação das circunstâncias concretas do caso, da vida anterior do agente e da sua personalidade impuserem um juízo de prognose desfavorável.
Ora, como já acima se deixou antever, pese embora a evolução do percurso prisional do recluso, este necessita ainda de desenvolver maior capacidade reflexiva face à negatividade da sua conduta, bem assim dissipar permeabilidades a influências nefastas de terceiros para que seja possível formular um juízo seguro de que não voltará a cometer crimes.
Mas mesmo que assim não se entendesse, ou seja, mesmo a considerar reduzidas as necessidades de prevenção especial, deve ter-se em conta que relativamente ao tipo de crime aqui em causa, as necessidades de prevenção geral — positiva e negativa — são muitíssimo elevadas.
A este propósito escreveu-se no Ac. da Rel. de Lisboa de 28/10/2009, Proc. n° 3394/06.TXLSB-3, em www.dgsi.pt, em caso de conflito entre os vectores da prevenção geral e especial, o primado pertence à prevenção geral. No caso de se encontrar cumprida apenas metade da pena, a prevenção geral impõe-se como limite, impedindo a concessão de liberdade condicional quando, não obstante o prognóstico favorável sobre o comportamento futuro do condenado, ainda não estiverem satisfeitas as exigências mínimas de tutela do ordenamento jurídico,
sob pena de se fazer tábua rasa da tutela dos bens jurídicos, se banalizar a prática de crimes (incluindo os de gravidade significativa) e, no fundo, se defraudarem as expectativas da comunidade, criando nos seus membros forte sentimento de insegurança, potenciando a perda de confiança dos cidadãos no próprio Estado como principal regulador da paz social (in Ac. T.R.P.14.07.2010, no Rec. n.° 2318/10.5TXPRT-C.P1, (v., também, em www.dgst.pt)).
Com efeito, numa época em que a criminalidade de tráfico de estupefacientes se tornou cada vez mais grave, seria para a sociedade absolutamente incompreensível que alguém que é responsável pela prática, em autoria material de um crime tão grave como aquele pelo qual o recluso foi condenado, com consequências irreversíveis, beneficie da liberdade condicional apenas por terem sido atingidos pelo menos os dois terços da pena, pois tal transmitiria um enfraquecimento da ordem jurídica potenciador de novos delitos e não dissuasor da sua prática.
A comunidade muito dificilmente aceita que, tendo o recluso praticado factos com a gravidade dos ora em apreço, seja libertado sem que demonstre existirem fortes e ponderosas razões para isso — que não se postulam -, não podendo, nem devendo, pôr-se em causa as expectativas comunitárias na validade das normas violadas.
Assim sendo, e consideradas as elevadas exigências de prevenção especial que no caso se fazem sentir a sociedade não deve correr o risco de conceder a liberdade condicional ao condenado, sob pena de ofensa das exigências de prevenção geral e de alarme social, termos que ditam a improcedência do recurso.
9. Decisão:
Em conformidade com o exposto acordam os juízes neste tribunal em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Condena-se o recorrente em 3 (três) Unidade de Conta
(Texto elaborado de acordo com a raiz latina da língua portuguesa, em suporte informático e integralmente revisto pelos signatários)
Lisboa, 10 de Julho de 2018
Ricardo Manuel Chrystello e Oliveira de Figueiredo Cardoso
Filipa Maria de Frias Macedo Branco
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