Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
Actualidade | Jurisprudência | Legislação pesquisa:


    Jurisprudência da Relação Laboral
Assunto    Área   Frase
Processo   Sec.                     Ver todos
 - ACRL de 06-06-2018   Acidente de trabalho. Prova pericial. Valor probatório.
I - A prova pericial em que se traduzem os exames médicos efectuados no quadro nas acções emergentes de acidente de trabalho, quer de natureza singular, quer de natureza colectiva, está sujeita à livre apreciação do julgador.
II - As questões sobre que incide a junta médica são de natureza essencialmente técnica, estando os peritos médicos mais vocacionados para sobre elas se pronunciarem, só devendo o juiz divergir dos respectivos pareceres quando disponha de elementos seguros que lhe permitam fazê-lo.
Proc. 1464/13.8TTPRT.L1 4ª Secção
Desembargadores:  Maria José Costa Pinto - Manuela Fialho - -
Sumário elaborado por Ana Paula Vitorino
_______
Processo n.° 1464/13.8TTPRT.L1 4.ª Secção
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório
1.1. Os presentes autos emergentes de acidente de trabalho em que é sinistrado T..., e entidade responsável a Seg..., S.A., tiveram a sua origem no acidente ocorrido em 6 de Julho de 2012, quando o sinistrado exercia as suas funções laborais de bailarino na Companhia Nacional de Bailado ao serviço da Op..., EPE.
No exame médico-legal singular realizado na fase conciliatória, o Exmo. Perito do Gabinete Médico-Legal atribuiu ao sinistrado uma IPP de 3 /prct. com IPATH (incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual) a partir de 11 de Junho de 2014 (fls. 95 e ss.). Este exame fundou-se num parecer da especialidade de ortopedia solicitado a pedido do IML que considerou serem as sequelas de que padece o sinistrado impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual (fl.s 89).
Realizada a tentativa de conciliação perante o Digno Magistrado do Ministério Público (auto de fls. 107 e ss.), a mesma frustrou-se em virtude de, quer o sinistrado, quer a seguradora, discordarem da avaliação da incapacidade efectuada pelo perito médico no exame realizado na fase conciliatória.
Foi requerido por ambas as partes exame por junta médica, ambas formulando quesitos (fls. 115 e 123 e ss.).
No dia 09 de Julho de 2015 reuniu a junta médica e foi nela decidido, por unanimidade, submeter o sinistrado a junta médica de especialidade de ortopedia e, por maioria, pedir ao Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) o estudo do conteúdo profissional (fls. 150-151).
O IEFP juntou aos autos o parecer técnico - inquérito profissional e estudo do posto de trabalho do trabalhador sinistrado, no qual identificou as exigências fundamentais para o desempenho das tarefas e funções inerentes à função de bailarino profissional de dança clássica e contemporânea (fls. 169-175).
No dia 08 de Janeiro de 2016 foi realizada a junta médica da especialidade de ortopedia no termo da qual os peritos, por unanimidade, entenderam que o sinistrado é portador de uma IPP de 3/prct. sem IPATH (fls. 185-186).
Uma vez notificado o sinistrado, veio este arguir a falta de fundamentação das respostas conferidas aos quesitos e a reapreciação pela junta médica do correcto enquadramento da sua incapacidade.
A Mma. Juiz a quo determinou que os peritos prestassem os pedidos esclarecimentos, (despacho de fls. 196).
Em 07 de Outubro de 2016 efectuou-se nova junta médica da especialidade de ortopedia na qual os peritos opinaram, por unanimidade, que o sinistrado padece de IPP de 3/prct. e, por maioria, com a discordância do perito do sinistrado, que o sinistrado pode exercer a sua actividade, motivo pelo qual não é de atribuir IPATH (fls. 206 e ss.).
O sinistrado, notificado do resultado desta junta médica, veio requerer a realização de várias diligências e juntar aos autos uma declaração da sua empregadora Op..., EPE., datada de 17 de Outubro de 2016, na qual esta declara que tem com o mesmo um contrato de trabalho por tempo indeterminado desde 1 de Setembro de 2003 e que o sinistrado, na sequência do acidente de trabalho de 1 de Outubro de 2012, deixou de exercer as funções de bailarino face à situação clínica que resultou do referido acidente (fls. 220).
Perante este requerimento, a Mma. Juiz a quo emitiu em 15 de Novembro de 2016 (fls. 224) a seguinte decisão:
«Fls. 217 - Nos presentes autos não foi feita um mero exame médico mas sim, na sega ncia deste, uma junta médico composta por três peritos cuias respostas são claras ennbom possa o seu conteúdo não agradar a ambas as partes. E de notar que já vários esclarecimentos foram pedidos sempre por banda do sinistrado.
(…)
Indefere-se por isso tais diligências requeridas. Notifique.
Agende Junta Médica para continuação de modo a integrar o resultado da junta da especialidade.»
Ambas as partes foram notificadas deste despacho (fls. 225 e 226).
Sob novo requerimento do sinistrado, a Mma. Juiz a quo veio, por despacho de 26 de Janeiro de 2017 (fls. 240) a decidir que a junta médica de fls. 206 não pode ser considerada, pois é na verdade uma outra Junta Médica que presta esclarecimentos de uma perícia médica feita por outros médicos. Em fundamento de tal decisão referiu que os esclarecimentos prestados na junta de fls. 206 o foram por peritos médicos diferentes dos que intervieram na anterior junta de ortopedia realizada a fls. 185, o que não pode ser pois era esta - integrada pelos senhores Drs. J..., R... e F... - que deveria prestar os esclarecimentos, ou seja, a justificar o motivo pelo qual respondem do modo como respondem. Após determinou que se diligenciasse pelos esclarecimentos em apreço.
Reuniu então em 23 de Junho de 2017 a junta médica da especialidade de ortopedia, integrada pelos senhores Drs. J..., R... e F..., prestando os esclarecimentos pedidos e concluindo, por unanimidade, que o sinistrado se mostra afectado de uma IPP de 3/prct. sem incapacidade para a profissão habitual (fls. 251-252).
Foi após convocada a junta médica, conforme determinado no despacho de 15 de Novembro de 2016.
Reunida esta no dia 19 de Outubro de 2017, foi na mesma atribuída ao sinistrado, por maioria, com a discordância do perito da seguradora, uma IPP de 3/prct. com IPATH (fls. 266-267). No seu laudo, os peritos fizeram constar, além do mais, que:
«Em conclusão de Junta Medica constante de fls 150 e duas Junta Medica especialidade de ortopedia, de fls 185 e 251.
Com o parecer do Instituto do Emprego, a fls 170
Queixas - Subjectivos dolorosos em esforço, e repetidamente nas flexões e extensões da articulação do joelho esquerdo, movimentos a que é obrigado no desempenho da sua profissão( treinos e espectáculo).
(...)
Por maioria - pelos peritos do Tribunal e do sinistrado, é referido que a IPP seja fixável em 3/prct., com IPATH, atendendo as queixas, apresentadas ... Subjectivos dolorosos em esforço 1 e repetidamente nas flexões e extensões da articulação do joelho esquerdo, movimentos a que é obrigado no desempenho da sua profissão( treinos e espectáculo) ... ; o que naturalmente não lhe permite ser bailarino de ballet clássico.
Pelos perito da C. Seguradora, é referido, que após as decisões das juntas medicas de ortopedia, a fls 185 e 251, que por unanimidade foi fixada uma IPP em 3/prct., sem IPATH, não se entende que na junta de conclusão se altere as decisões o que anteriormente foi definido, pelo que atribui uma IPP de 3/prct. sem IPATH.
As partes foram notificadas deste laudo pericial e apenas o sinistrado veio pronunciar-se no sentido de que deve ser adoptada a decisão fundamentada e maioritária da Junta de conclusão, que vai no sentido da fixação de incapacidade de 3/prct. com IPATH.
A Mma. Juiz do Juízo do Trabalho de Lisboa proferiu em 05 de Dezembro de 2017 decisão final (fls. 250 e ss), na qual decidiu, na sua parte final, o seguinte:
«[...]
Destarte, considero, ao abrigo do preceituado no art. 140.° do Código de Processo do Trabalho, que, em consequência do acidente, [o] sinistrad[o] se mostra afectad[o] das sequelas documentadas nos autos as quais lhe determinaram uma IPP de 3/prct., com IPATH, desde 11 de Junho de 2014.
Assim, considerando que [o] sinistrad[o] auferia uma retribuição anual de € 29.969, nos lermos das disposições conjugadas dos arts. 8.° 19. 0, n.° 3, 23.°, 47. ° n.° 1, als. c) e d), e n.° 3, 48.°, n.° 3, al. b), e 67. ° da Lei n.° 98/2009, de 4 de Setembro, é-lhe devida, por força da IPP de 3/prct., com IPATH, que é portador, a pensão anual e vitalícia de € 15.164, 31 [(€€ 29.969x 50/prct. = €14.984, 5); (€ 29.969 x 70/prct. = € 20.978.3); (€20.978.3 - € 14.984,5x 3/prct. + €14.984,5)]com efeitos a partir de 12 de Junho de 2014.
O sinistrado tem, igualmente, direito ao subsídio por situações de elevada incapacidade permanente, a que alude o artigo 67.° n. ° 3, da Lei 98/2009, de 04 de Setembro, a fixar entre os 70/prct. e os 100/prct. de 12 vezes o valor de 1,1 IAS tendo em conta a capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível. O valor de IAS a ter em atenção é aquele que estiver em vigor à data do acidente.
Em 2014 o IAS estava fixado em € 419,22 (Decreto-Lei nº 323/2009, de 24-12).
Assim, tem o sinistrado direito a um subsídio de elevada incapacidade do valor €3.923, 29 com o IAS já actualizado.
Às quantias referidas relativas à pensão anual são devidos juros de mora, desde o vencimento de cada uma das prestações da pensão em falta (cfr., art. 72.° da Lei n.° 98/2009, de 04 de Setembro) e, no tocante ao subsídio de elevada incapacidade, desde o dia 30 de Abril de 2015.
A estas quantias deve abater-se o valor da pensão provisória já paga pela seguradora.
Por todo o exposto, fixo a incapacidade que padece o sinistrado em consequência do acidente dos autos em 3/prct. de IPP, com IPATH, e, em consequência, condeno a Companhia de S..., S.A. a pagar ao sinistrado:
a) a pensão anual e vitalícia de € 15.164,31, com efeitos a partir de 12 de Junho de 2014, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento de cada uma das prestações da pensão em falta até efectivo e integral pagamento;
b) a quantia de €3.923,29, a título de subsídio por elevada incapacidade, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 12 de Junho de 2014 até efectivo e integral pagamento;
c) às quantias referidas deve abater-se o valor da pensão provisória já paga pela seguradora.
Fixa-se à acção o valor de € 232.712,95. [...]
1.4. A seguradora interpôs recurso desta decisão em 3 de Janeiro de 2018, tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
A. Emerge o presente da sentença proferida pelo digníssimo Tribunal a quo, na parte em que decide pela atribuição de IPATH ao sinistrado e, em conformidade, condena a Recorrente no pagamento do subsídio por elevada incapacidade.
B. Com efeito, o raciocínio de fundamentação da decisão sob recurso erra em toda a linha, quer na análise da substância da prova produzida, quer na qualificação formal das diligências efectuadas, conforme abaixo se demonstrará.
C. Por decisão dos peritos inicialmente nomeados, foi convocada Junta Médica de especialidade (ortopedia) para avaliação do dano corporal do sinistrado.
D. Foi entendimento da Junta Médica de especialidade de 23/06/2017, por unanimidade, que o sinistrado está apto para o exercício da sua profissão.
E. Após a realização das diligências e finalizada a prova pericial especializada, e de forma inexplicável, o Mmo. Juiz do Tribunal a quo convocou nova Junta Médica, composta pelos peritos inicialmente nomeados, para o dia 19/10/2017, na qual foi atribuído ao sinistrado, com a discordância de um dos peritos, IPP de 3/prct. com IPATH.
F. Ora, passando a junta médica a ser composta por peritos especializados, não se vislumbra qualquer razão para o Mmo. Juiz a quo ter submetido novamente o sinistrado à Junta Médica composta pelos peritos inicialmente nomeados.
G. Com efeito, era à junta médica de especialidade (e não ao peritos inicialmente nomeados) a quem cabia a última palavra, consubstanciando aquela decisão do Mmo. Juiz do Tribunal a quo uma nulidade processual.
H. Acresce que, foram os próprios peritos inicialmente convocados que declararam a necessidade de avaliação especializada (ortopedia) do dano corporal do sinistrado, para efeitos de avaliação da capacidade daquele para o exercício da profissão de bailarino.
1. Razão pelo qual, o parecer realizado pelos peritos mais preparados para avaliar o dano em questão (Junta Médica de ortopedia), deverá ser a prova pericial decisiva para determinar a atribuição de IPATH.
J. Assim sendo, tendo a mesma emitido parecer unanime e fundamentado, no sentido de o sinistrado poder exercer a profissão habitual (embora com limitação, no âmbito da IPP atribuída), deverá ser revogada a parte da decisão do Tribunal a quo que reconhece a IPATH ao sinistrado e condena a Recorrente ao pagamento de subsídio de elevada incapacidade, sendo substituída por uma outra que atribua ao Recorrido uma IPP de 3 /prct. sem IPATH.
Nestes termos, e sempre com o douto suprimento de V. Exas, deverá o presente recurso ser julgado procedente, sendo alterada a decisão da sentença do Tribunal a quo, de acordo com os termos supra expostos, assim se fazendo a costumada Justiça!
1.5. O sinistrado respondeu a esta alegação, defendendo a improcedência do recurso, com a manutenção da sentença recorrida.
Concluiu do seguinte modo:
A Sentença em crise não padece de qualquer erro de análise da substância da prova produzida, nem tão pouco de erro na qualificação formal das diligências efectuadas.
B. A argumentação da Recorrente de existência de uma nulidade processual decorrente da convocação da Junta médica do dia 19.10.2017 (Junta de Conclusão) (a convocação da Junta Médica do dia 19/10/2017 não poderá deixar de constituir uma nulidade processual, por estar claramente em desconformidade com lei processual.) é improcedente, porquanto às nulidades processuais propriamente ditas aplica-se o regime previsto nos artigos 186º e ss e 195º e ss do CPC, no que ao seu elenco, efeitos e prazos de arguição respeita. Donde, as nulidades secundárias, atípicas ou inominadas -, genericamente contempladas no nº 1 do art. 195º do CPC, só produzirão nulidade quanto a lei expressamente o declare ou quando a irregularidade possa influir no exame e discussão da causa, possuindo o respectivo regime de arguição regulado pelo art. 199º do mesmo diploma. Daqui decorre, que as nulidades processuais devem ser arguidas no prazo legal, e, em princípio, perante o tribunal onde ocorrem, sob pena de considerarem sanadas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso,
C. Em via de recurso apenas devem ser conhecidas as nulidades processuais cobertas por despacho que sobre elas se tenha pronunciado, a não ser que sejam de conhecimento oficioso. A sentença em crise, conhece apenas do grau de incapacidade parcial permanente a fixar ao sinistrado e da classificação da mesma como IPATH, não contendo qualquer pronúncia sobre a alegada nulidade processual, e só nessa hipótese caberia a esse Venerando Tribunal da Relação averiguar da existência de tal nulidade processual, que não é de conhecimento oficioso (art. 196º do CPC).
D. Não tendo a recorrente arguido/reclamado perante a 1ª instância, no tempo oportuno a nulidade processual agora invocada, não poderá, ulteriormente, em recurso, suscitá-la, já que, o recurso não serve ou não é o meio próprio para conhecer da infracção às regras do processo quando a parte interessada não arguiu a nulidade perante o Tribunal onde aquela ocorreu, nos termos previstos nos arts. 196º a 199º do CPC, pelo que a admitir a existência da dita nulidade, o que não se concede, estará a mesma sanada.
E. Ainda que fosse tempestiva a arguição da dita nulidade processual, certo é que a mesma não só não existiu, como no plano material a decisão de considerar a existência de IPATH é inatacável, pois, quer a Junta de Especialidade de 08.01.2016, impugnada por requerimento do sinistrado de 12.01.2016 - ref.ª Citius 215 480 21, por manifesta falta de fundamentação, requerimento esse que veio a ser deferido, quer a Junta de repetição, enfermam da mesma maleita, sendo em ambas notório que a fundamentação não faz o necessário nexo causal entre as exigências da profissão de bailarino, as lesões identificadas, e a aptidão/inaptidão para o desempenho dessa profissão, sendo absolutamente conclusiva e superficial.
F. Não tendo a Junta Médica de especialidade fundamentado as suas respostas, de modo a que o julgador e as partes, pudessem percepcionar os motivos e o processo lógico que conduziu à resposta ao quesito 5º, in casu claramente divergente com os Pareceres do IEFP e do INMLCF, e da Junta de Conclusão, o Tribunal jamais poderia, como não esteve vinculado às respostas dadas nos termos em que o foram.
G. Mais, o julgador não está obrigado à observância rigorosa das conclusões dos peritos, delas podendo afastar-se, se tal se justificar, por forma devidamente fundamentada (Ac RE de 22.06.2004 in CJ 2004, 3º , 272). As asserções e conclusões dos peritos não se sobrepõem ao princípio da livre apreciação da prova, não se impondo, sem mais, ao julgador, que sobre elas tem a faculdade de exercer o seu juízo crítico, podendo até delas divergir e concluir diversamente, desde que motive/fundamente a sua dissensão (Ac RC de 16.6.2005: BTE 2º série nºs 10-11-12/2006, pág. 1185.
H. Sendo o sinistrado bailarino profissional da Companhia Nacional de Bailado, integrada no Organismo de Produção Artística E.P.E que representa Portugal, interna e externamente ao nível da dança clássica e contemporânea, cujos quadros são preenchidos, apenas, por bailarinos de topo, a quem são exigidas e exigíveis performances de excelência e condição/aptidão física irrepreensível, fácil será entender, que foi esse o segmento e enquadramento, que maioritariamente a Junta de Conclusão teve em conta, tal como o Parecer do IEFP de 28.08.2015 e bem assim do Relatório Médico do INMLCF de 10.01.2015, e a que a M. J. a quo, e bem ponderou e valorizou para a sua decisão.
I. Não existe prevalência, porque a lei não o prevê, nem a jurisprudência o acolhe, da Junta de Especialidade sobre a Junta Médica de Conclusão, nem tão pouco esta última está vinculada ao que emana da primeira.
J. O processo especial de acidentes de trabalho não está excluído dos princípios processuais vigentes, entre eles, o da livre apreciação e o da prevalência do apuramento da verdade material sobre a verdade formal, cabendo ao julgador a aferição da situação e de todos os elemento de prova disponíveis no processo, que lhe permitam quantificar e qualificar a incapacidade do sinistrado. Foi exactamente esse o procedimento da M. J. a quo, pelo que ponderados todos os elementos probatórios constantes dos autos, deverá ser integralmente mantida a decisão proferida em 1ª instância.
1.6. Mostra-se lavrado despacho de admissão do recurso, ao qual foi atribuído efeito suspensivo atenta a caução prestada (fls. 325 e 337).
1.7. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto Parecer em que opina pela improcedência do recurso. Ambas as partes foram notificadas do mesmo e nenhuma delas se pronunciou no exercício do contraditório.
Cumprido o disposto na primeira parte do n° 2 do artigo 657° do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.° 41/2013, de 26 de Junho, aplicável ex vi do artigo 87.°, n.° 1, do Código de Processo do Trabalho, e realizada a Conferência, cumpre decidir.

2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente - artigos 635.°, n.° 4 e 639.°, n.°s 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.° 41/2013, de 26 de Junho, aplicável ex vi do artigo 87.°, n.° 1, do Código de Processo do Trabalho -, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal prendem-se com saber:
1.ª - se se verifica a nulidade da decisão do tribunal a quo de submeter o sinistrado à junta médica de conclusão após a realização da junta de especialidade, o que implica a análise da questão, prévia, da tempestividade desta impugnação;
2.ª - se pode considerar-se o sinistrado afectado de IPATH a partir de 11 de Junho de 2014

3. Fundamentação de facto
Os factos materiais relevantes para a decisão do recurso emergem do relatório antecedente e, ainda dos factos que a sentença assentou do seguinte modo:
3.1. O sinistrado foi vítima de um acidente de trabalho em 6 de Julho de 2012, quando trabalhava mediante as ordens, fiscalização e direcção de O... EPE.
3.2. Do acidente referido em 1) resultaram para o sinistrado as lesões examinadas e descritas a fls. 95, 150, 185, 251 e 266, aqui dadas por reproduzidas.
3.3. À data do acidente, o sinistrado auferia a retribuição anual de €29.969,00;
3.4. À data do acidente, a O... EPE tinha a sua responsabilidade emergente de acidente de trabalho transferida para a Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A..

4. Fundamentação de direito
4.1. Da decisão que determinou a junta médica denominada de conclusão
Começa a recorrente por alegar que, de forma inexplicável, após a realização das diligências e finalizada a prova pericial especializada, o Mmo. Juiz do Tribunal a quo convocou nova Junta Médica, composta pelos peritos inicialmente nomeados, para o dia 19/10/2017, na qual foi atribuído ao sinistrado, com a discordância de um dos peritos, IPP de 3/prct. com IPATH.
Segundo aduz, passando a junta médica a ser composta por peritos especializados, não se vislumbra razão para o Mmo. Juiz a quo ter submetido novamente o sinistrado à Junta Médica composta pelos peritos inicialmente nomeados pois era à junta médica de especialidade (e não ao peritos inicialmente nomeados) a quem cabia a última palavra, consubstanciando aquela decisão do Mmo. Juiz do Tribunal a quo urna nulidade processual.
O recorrido, por seu turno, vem invocar que esta argumentação da recorrente traduz a invocação de uma nulidade processual decorrente da convocação da junta médica de 19 de Outubro de 2017, a qual se mostra sujeita ao regime dos artigos 186.° e ss. do Código de Processo Civil e devia ser arguida no prazo legal e, em princípio, no tribunal onde ocorre, sob pena de se considerar sanada, pois não é de conhecimento oficioso. Conclui que, não tendo a recorrente arguido perante a 1ª instância, no tempo oportuno a nulidade processual agora invocada, não pode em recurso, suscitá-la.
Vejamos.
Com o suscitar desta questão, a recorrente incide a sua censura sobre a decisão da 1.' instância que, na sequência da junta médica iniciada a 9 de Julho de 2015 - que não se pronunciou em termos finais sobre a incapacidade funcional do sinistrado e entendeu pedir a submissão do sinistrado a junta médica da especialidade de ortopedia, bem como a emissão de parecer pelo IEFP - e após recebido o parecer do IEFP e realizada a junta médica de ortopedia, entendeu convocar nova junta médica.
Afirma a recorrente que esta decisão do tribunal a quo consubstancia uma nulidade processual e invoca o recorrido que a arguição desta nulidade é extemporânea pois deveria ter sido arguida no prazo de 10 dias e perante o tribunal da 1.a instância.
Divergimos, contudo, na qualificação a que as partes procedem, quando invocam ser nula a decisão do tribunal a quo (conclusões G. da recorrente e C. a F. do recorrido).
Com efeito, o erro de que poderá enfermar a decisão do tribunal a quo que determinou a continuação da junta médica de modo a integrar o resultado da junta de especialidade, em vez de atender simplesmente a esta não constitui um vício formal da decisão, situando-se ao nível da substância do despacho, do seu conteúdo decisório, do acerto ou desacerto da solução que consagra face à lei processual.
Cabendo-lhe dirigir os termos do processo com vista a decidir o mérito da fase contenciosa da acção emergente de acidente de trabalho, o tribunal a quo entendeu que devia atender ao laudo da junta médica iniciada em 9 de Julho de 2015, que pediu um parecer do IEFP e a realização de uma junta de especialidade, razão por que a convocou novamente após a realização da junta médica de ortopedia. Ou seja, emitiu uma decisão de cariz processual que pode ser desconforme com a lei, mas sem que o despacho, em si, enferme - nem a recorrente o apontam - de qualquer vício formal intrínseco que acarrete a sua invalidada.
Ora só se o despacho estivesse inquinado, ele próprio, de um vício formal, é que poderia assacar-se-lhe urna invalidade processual e, eventualmente, declarar-se a sua nulidade, como pretendem os recorrentes.
Assim, a entender a recorrente que o despacho que determinou a realização desta diligência probatória - da junta médica denominada de conclusão - não era conforme com a lei, deveria interpor recurso de tal despacho por determinar a produção de um meio de prova em desconformidade com a lei adjectiva vigente, com vista à sua revogação.
Seja como fôr, se seria extemporânea a arguição de nulidade do referido despacho por excedido o prazo de 10 dias previsto na lei (artigos 199.° e 149.° do Código de Processo Civil), é igualmente de considerar extemporânea a interposição do presente recurso na parte em que incide a sua censura sobre aquela decisão do tribunal a quo que determinou a realização deste exame pericial que a recorrente reputa de errada por não ter razão de ser após haver uma junta de especialidade.
Com efeito, o recurso do despacho que admite meios de prova mostra-se contemplado no n° 2 do artigo 644° do Código de Processo Civil de 2013, tal como já estava da al. i) do n°2 do anterior artigo 691°, pelo que, compatibilizando os regimes do Código de Processo Civil com o Código de Processo do Trabalho na versão actualmente em vigor, deve operar-se a remissão prevista na al. i) do artigo 79°-A, n° 2, do CPT que, dantes, se fazia para o artigo 691 °, n° 2, al. i), para o actual artigo 644°, n° 1, al. d), este o preceito correspondente à norma revogada.
Quanto ao prazo para interposição do recurso, o CPT dispõe de norma expressa, qual seja o artigo 80°, n° 2, que não foi expressamente revogada pelo diploma que aprovou o novo CPC, mantendo-se, pois, em vigor, e que estabelece ser tal prazo de 10 dias.
Como resulta do relatório deste texto, a decisão da Mma. Juiz a quo no sentido de se agendar junta médica para continuação de modo a integrar o resultado da junta de especialidade foi proferida já em 15 de Novembro de 2016 (fls. 224), sendo a mesma notificada a ambas as partes em expediente electrónico elaborado no mesmo dia (vide, quanto à ora recorrente, a certificação a fls. 225).
Além disso, a ora recorrente foi notificada de que esta junta médica foi convocada especificamente para o dia 19 de Outubro de 2017 em expediente electrónico elaborado no dia 15 de Setembro de 2017 (vide a certificação a fls. 262).
E foi também notificada do resultado do laudo majoritário nela obtido em expediente electrónico elaborado no dia 24 de Outubro de 2017 (vide a certificação a fls. 271).
Ora, se a recorrente discordava do despacho que determinou o agendamento da junta médica para continuação de modo a integrar o resultado da junta de especialidade, deveria tê-lo questionado através de recurso autónomo interposto no prazo de dez dias a contar da notificação que lhe foi remetida em 2016.11.15 (conforme certificação citius a fls. 225), sob pena de deixar de poder exercer o direito à sua impugnação por a inerente decisão se tornar insusceptível de recurso - cfr. os artigos 138.°, 139.°, n.° 3 e 628.° do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art. 1.°, n.° 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho.
E, deste modo, é extemporâneo que venha suscitar no recurso interposto da sentença final em 3 de Janeiro de 2018 a questão da admissibilidade daquele meio de prova, quando sobre a matéria se havia formado já no processo caso julgado formal - artigo 620.° do Código de Processo Civil.
Assim, porque a questão da admissibilidade da prova suscitada nesta apelação - a da realização da junta médica denominada de conclusão após a junta de especialidade - se mostra já definitivamente decidida no âmbito dos presentes autos a partir do trânsito em julgado do despacho de fls. 171 que determinou o seu agendamento, não pode a mesma agora ser objecto de reponderação por este tribunal de 2.a instância.
Não se conhece, nesta parte, do recurso de apelação.
4.2. Da IPATH
A decisão recorrida, em fundamento da sua afirmação de que o sinistrado se encontrava afectado de uma IPP de 3 /prct. com IPATH, exarou o seguinte:
«[...]
Dos factos assentes resulta que o sinistrado foi vítima de um típico acidente de trabalho, indemnizável nos termos do art. 8.° da Lei n.° 98/2009, de 4 de Setembro.
O que cumpre aferir é apenas o grau de incapacidade que o sinistrado ficou afectado e, consequentemente, o montante da pensão a que tem direito.
Não se afigura existir fundamento para divergir do parecer majoritário da Junta Médica, face aos elementos dos autos e considerando o disposto na Tabela Nacional de Incapacidades até porque tal valor já vinha resultante do exame médico realizado. E certo que a junta médica não decide por unanimidade, e é certo que o parecer da especialidade não atribuiu IPATH mas em última análise é a Junta Médica quem tem a ultima palavra e decide integrar todos os exames e relatórios que recebe e efectuando o exame objectivo decide em conformidade. E nessa medida, a Junta considerou existir motivos para atribuir a IPATH, e o mesmo já sucedia no exame singular, pelo que aqui se manifesta a adesão a tal decisão.
O sinistrado mostra-se afectado das sequelas documentadas nos autos.
Considerando, pois, as tarefas inerentes ao posto de trabalho do sinistrado, as exigências físicas que lhes estão associadas e as sequelas que é portador, conclui-se que o sinistrado está permanentemente incapaz para o exercício do seu trabalho habitual, posto que o mesmo exige destreza e capacidades que, devido às sequelas que é portador, o sinistrado não detém.
Destarte, considero, ao abrigo do preceituado no art. 140.º, do Código de Processo do Trabalho, que, em consequência do acidente, [o] sinistrad[o] se mostra afectad[o] das sequelas documentadas nos autos as quais lhe determinaram uma IPP de 3/prct., com IPATH, desde 11 de Junho de 2014.
[...]»
O acidente sub judice ocorreu em 06 de Julho de 2012, na vigência da Lei dos Acidentes do Trabalho (LAT) actualmente em vigor, aprovada pela Lei n.° 98/2009 de 4 de Setembro.
À tramitação do processo que visa a sua reparação aplica-se o Código de Processo de Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei n.° 295/2009, de 13-10, com as alterações subsequentes, sendo a última introduzida pelo Decreto-Lei n.° 295/2009, de 13 de Outubro.
Nos termos do preceituado no artigo 138.°, n.° 2 do Código de Processo do Trabalho, uma vez finda a fase conciliatória do processo de acidente de trabalho, sem que tenha havido acordo quanto à natureza da incapacidade e grau de desvalorização de que o sinistrado esteja afectado, a parte que se não conformar com o resultado do exame médico realizado pelo perito médico do tribunal requererá a realização de junta médica para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho.
A perícia por junta médica nas acções emergentes de acidente de trabalho é constituída por três peritos, tem carácter urgente, é secreta e presidida pelo juiz (art 139° n° 1 do CPT). O juiz pode nela formular quesitos quando a dificuldade ou complexidade da perícia o justificar (artigo 139.°, n.° 6, do CPT) e determinar a realização de exames e pareceres complementares ou requisitar pareceres técnicos, se o considerar necessário (artigo 139.°, n.° 7 do CPT), o que implica uma intervenção activa do juiz na realização da perícia, dirigindo os seus trabalhos e possibilitando-lhe o conhecimento mais rigoroso da perspectiva da junta médica para melhor o habilitar a proferir decisão.
Este regime, que não é inteiramente coincidente com o previsto no Código de Processo Civil para os exames periciais (aí o juiz não preside à perícia e só assiste à mesma quando o considerar necessário nos termos do artigo 582.°, n.° 2 do VCPC, a que corresponde o artigo 480.°, n.° 2 do NCPC), justifica-se atendendo à natureza oficiosa das acções emergentes de acidente de trabalho (artigo 26.°, do CPT) e à centralidade da prova pericial na fixação dos factos subjacentes à definição dos direitos emergentes de acidente de trabalho.
Uma vez realizada a junta médica, e juntos os pareceres complementares que considere necessários, o juiz profere decisão sobre o mérito, fixando a natureza da incapacidade e o grau de desvalorização do sinistrado, rios lermos do n.° 1 do artigo 140° do Código de Processo do Trabalho.
3.3. A prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos que os julgadores não possuem, ou quando os factos relativos a pessoas não devam ser objecto de inspecção judicial (cfr. o artigo 388.° do Código Civil e o 591.° do Código de Processo Civil agora revogado, a que corresponde o artigo 489.° do NCPC).
Nos termos do artigo 389.° do Código Civil, que estatui sobre a prova pericial e a sua força probatória, [a] força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal, pelo que a prova pericial, em que traduzem os exames médicos efectuados no quadro nas acções emergentes de acidente de trabalho, quer de natureza singular, quer colectiva, está sujeita à livre apreciação do julgador. Como defendem Pires de Lima e Antunes Varela, o princípio da prova livre (por contraposição à prova legal: prova por documentos, por confissão e por presunções legais) vigora no domínio da prova pericial (ou por arbitramento), da prova por inspecção (artigo 391.°) e da prova por testemunhas (artigo 396. l
Prova livre não quer dizer prova arbitrária, «mas prova apreciada pelo juiz segundo a sua experiência, a sua prudência, o seu bom sendo, com inteira liberdade, sem estar vinculado ou adstrito a quaisquer regras, medidas ou critérios legais».
Assim, sem prejuízo da necessidade de fundamentação da sua discordância - como, aliás, relativamente a qualquer decisão judicial (cfr. o artigo 154° do CPC) -, quando o juiz não acompanha o parecer dos peritos que integram a junta médica, a lei não coloca qualquer entrave a tal distanciamento ou divergência, ainda que total.
Tem é que haver razões fundadas para tal discordância.
Com efeito, as questões sobre que incide a junta médica são de natureza essencialmente técnica, estando os peritos médicos mais vocacionados para sobre elas se pronunciarem, só devendo o juiz divergir dos respectivos pareceres quando disponha de elementos seguros que lhe permitam fazê-lo.
Além disso, como se escreveu no Acórdão da Relação do Porto de 2013.10.076, em princípio, a abordagem técnico-científica das questões médico-legais controvertidas, efectuada por três peritos médicos, tem a virtualidade de permitir uma mais segura aproximação à verdade material, desiderato primacial do processo civil, conduzindo a uma mais sólida formação da convicção do julgador.
É esta a razão de ser da intervenção da junta médica nas acções emergentes de acidente de trabalho - cfr. os artigos 138.° e ss. e 145.°, n.° 5 do Código de Processo do Trabalho - em que os mesmos factos já apreciados no primeiro exame voltam agora à apreciação de outros peritos mais numerosos 7. E é também a lógica da realização da segunda perícia no processo civil como se infere do disposto no artigo 487.°, n.° 3 do NCPC (idêntico ao artigo 589° do VCPC), nos termos do qual [a] segunda perícia tem por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexactidão dos resultados desta.
3.4. No caso sub judice a recorrente invocou que era à junta médica de especialidade que cabia a última palavra e que foram os próprios peritos inicialmente convocados que declararam a necessidade de avaliação especializada (ortopedia) do dano corporal do sinistrado, para efeitos de avaliação da capacidade daquele para o exercício da profissão de bailarino, razão pela qual a junta médica de ortopedia deverá ser a prova pericial decisiva, seguindo-se o seu parecer unânime e fundamentado, no sentido de o sinistrado padecer de uma IPP de 3 /prct. sem IPATH.
O recorrido, por seu turno, defendeu que no plano material a decisão de considerar a existência de IPATH é inatacável, pois, as Juntas de Especialidade de 08 de Janeiro e 23 de Junho de 2016 não fazem o necessário nexo causal entre as exigências da profissão de bailarino, as lesões identificadas, e a aptidão/inaptidão para o desempenho dessa profissão, sendo conclusivas e superficiais. Alegou ainda que as mesmas são divergentes dos Pareceres do IEFP de 28 de Agosto de 2015 e do INMLCF de 10 de Janeiro de 2015, e da Junta de Conclusão, não estando o Tribunal vinculado às respostas dadas nos termos em que o foram, devendo atender a que o sinistrado é bailarino profissional da Companhia Nacional de Bailado, integrada no Organismo de Produção Artística E.P.E que representa Portugal, interna e externamente ao nível da dança clássica e contemporânea, cujos quadros são preenchidos, apenas, por bailarinos de topo, a quem são exigidas e exigíveis performances de excelência e condição/aptidão física irrepreensível, o que a Mma. Juiz a quo ponderou e valorizou para a sua decisão.
É manifesto, em face do regime legal que emerge do artigo 139.° do Código de Processo do Trabalho, que a tramitação dos autos no que concerne à junta médica se desenrolou de modo menos ortodoxo.
Ainda que neste momento sejam insindicáveis as decisões que determinaram a realização das perícias nos termos em que o foram, cremos ser de meridiana clareza que na fase contenciosa dos presentes autos teriam de intervir na junta médica pelo menos dois peritos da especialidade de ortopedia nos termos prescritos no n.° 2 do artigo 139.° do Código de Processo do Trabalho, na medida em que na fase conciliatória a perícia exigiu um parecer desta especialidade (vide fls. 89).
Quanto aos exames, pareceres complementares e pareceres técnicos que sejam necessários, tal como previsto no n.° 7 do mesmo artigo 139.°, nada impõe que os mesmos sejam obtidos através de junta médica.
Seja como fôr, perante a concreta tramitação dos autos e em face dos elementos probatórios em presença, nos quais se incluem os diversos elementos médicos deles constantes respeitantes à incapacidade laboral permanente de que ficou a padecer o sinistrado em consequência do sinistro por si sofrido, cremos que não merece censura a decisão sob recurso ao proceder à ponderação global da prova, dentro dos parâmetros do princípio da livre apreciação da prova, e conferir prevalência à maioria pericial obtida na última junta médica, dita de conclusão realizada em 19 de Outubro de 2017 (fls. 266-267), maxime tendo em consideração que esta, ao invés da da especialidade de ortopedia, ponderou todos os elementos constantes dos autos, incluindo a própria junta médica de ortopedia.
Na verdade, era conferida à Mma. Julgadora a liberdade de não acompanhar o resultado unânime da junta médica de ortopedia e de sufragar, afinal, a opinião pericial expressa pelos dois peritos que formaram maioria na junta médica final. Como expressamente resulta do laudo pelos mesmos subscrito, estes atentaram nas juntas médicas da especialidade de ortopedia de fls. 185 e 281 e no parecer técnico - inquérito profissional e estudo do posto de trabalho do trabalhador sinistrado, junto aos autos pelo IEFP, no qual se identificam as exigências fundamentais para o desempenho das tarefas e funções inerentes à função de bailarino profissional de dança clássica e contemporânea (fls. 169-175). E ao invés das referências genéricas feitas nas juntas médicas de ortopedia para sustentar a inexistência de IPATH - referindo que não há IPATH dado considerar-se o sinistrado apto para o exercício profissional com as limitações inerentes à idade e às restantes patologias que apresenta, nomeadamente anca, sem estabelecer qualquer relação entre as sequelas decorrentes do acidente e essa incapacidade (ou não incapacidade, se assim o entendiam) - os peritos maioritários da junta médica de Outubro de 2017 procederam a uma concatenação entre as queixas apresentadas pelo sinistrado subjectivos dolorosos em esforço, e repetidamente nas flexões e extensões da articulação do joelho esquerdo e os movimentos a que é obrigado no desempenho da sua profissão (treinos e espectáculo), vindo a concluir que as sequelas não lhe permitem ser bailarino de ballet clássico.
Já o perito da seguradora que interveio na mesma junta médica não adiantou qualquer argumento substancial para salientar a sua divergência com a maioria, limitando-se a referir que, após as decisões das juntas médicas de ortopedia, a fls 185 e 251 (onde houve unanimidade quanto à IPP em 3/prct., sem IPATH), não entende que a junta de conclusão altere essas decisões.
Sufragamos, pois, o juízo decisório da Mma. Juiz a quo, que aliás é alicerçado no parecer do IEFP de fls. 170 que descreve minuciosamente as exigentes funções do bailarino profissional, e na opinião pericial expressa nos autos:
- pelo perito médico do IML que concluiu no seu fundamentado exame que as sequelas atrás descritas são causa de incapacidade permanente absoluta para a actividade profissional habitual (fls. 95);
- pelo parecer de ortopedia de 18 de Novembro de 2014 (subscrito por diferente médica ortopedista) no qual se conclui que tendo em conta que mesmo após tratamentos instituídos, o sinistrado mantém subjectivos álgicos que refere como intensos durante a grande maioria dos gestos inerentes à sua actividade profissional habitual, bem como a noção de que a lesão osteocondral, de momento, condicionadora de perpetuação de dor e com potencial de agravamento, penso serem as sequelas impeditivas do exercício da actividade profissional habitual, mas são, no entanto, compatíveis com outras profissões na área da sua preparação técnico profissional, de menor exigência física (fls. 89);
- pelos peritos médicos que integraram a junta e emitiram o seu laudo maioritário, fundamentando-o por referência aos movimentos a que o sinistrado é obrigado no desempenho da sua profissão (treinos e espectáculo).
Deve ainda ter-se em atenção a declaração da empregadora do sinistrado junta a fls. 220 e datada de 17 de Outubro de 2016 - de que a recorrente foi notificada e não impugnou - no sentido de que o sinistrado, a si vinculado por contrato de trabalho desde o ano de 2003, na sequência do acidente de trabalho de 1 de Outubro de 2012, deixou de exercer as funções de bailarino face à situação clínica que resultou do referido acidente (fls. 220). Embora não seja decisivo para a averiguação da existência de IPATH se o sinistrado exerce ou não a profissão, nem as causas porque o faz ou deixa de fazer (pode não a exercer apesar de lhe ser possível fazê-lo e pode até exercê-la com um sacrifício desmesurado e absolutamente inexigível, o que não contende com a afirmação da capacidade para o fazer segundo critérios médicos e jurídicos que partem de opções legislativas relacionadas com a normalidade do acontecer e com o que é razoavelmente de exigir a um ser humano), não deixa de ser um índice a ponderar que a própria empregadora reconheça a impossibilidade do exercício em consequência do acidente.
Assim, e em suma, por inexistirem, de facto, outros e melhores elementos susceptíveis de infirmar fundadamente o parecer majoritário dos Senhores Peritos que, após realizado o exame pelo Perito do INML e por as partes terem do mesmo discordado, integraram a última junta médica documentada nos autos e reanalisaram a situação clínica actual do sinistrado concluindo, por maioria, que o sinistrado padece de IPP de 3/prct. com IPATH, entendemos que não merece censura a decisão do tribunal a quo ao afirmar - depois de fazer também uma alusão às restantes informações clínicas constantes dos autos sobre a natureza das lesões e respectiva gravidade e sequelas, bem como à profissão do sinistrado - que em consequência do acidente dos autos o sinistrado se mostra afectado de uma IPP de 3/prct. com IPATH.
Improcedem as conclusões das alegações de recurso, subsistindo a decisão da 1 instância.
As custas do recurso serão suportadas pela recorrente, que nele decaiu (artigo 527.°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil).

5. Decisão
Em face do exposto, nega-se provimento à apelação e confirma-se a decisão contida na sentença da 1.° instância.
Condena-se a recorrente nas custas.
Nos termos do artigo 663.°, n.° 7, do Código de Processo Civil, anexa-se o sumário do presente acórdão.
Lisboa, 6 de Junho de 2018
(Maria José Costa Pinto)
Manuela Bento Fialho
Sérgio Almeida
Nos termos do artigo 663.°, n.° 7, do Código de Processo Civil, lavra-se o sumário do antecedente acórdão nos seguintes termos:
I - A prova pericial em que se traduzem os exames médicos efectuados no quadro nas acções emergentes de acidente de trabalho, quer de natureza singular, quer de natureza colectiva, está sujeita à livre apreciação do julgador.
II - As questões sobre que incide a junta médica são de natureza essencialmente técnica, estando os peritos médicos mais vocacionados para sobre elas se pronunciarem, só devendo o juiz divergir dos respectivos pareceres quando disponha de elementos seguros que lhe permitam fazê-lo.
Lisboa, 6 de Junho de 2018
   Contactos      Índice      Links      Direitos      Privacidade  Copyright© 2001-2024 Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa