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 - ACRL de 06-06-2018   Aplicação do fator de bonificação 1.5 em incidente de revisão a sinistrado com 54 anos de idade à data do acidente.
1 - O incidente de revisão da incapacidade tem como pressuposto a modificação da capacidade de ganho assente em qualquer das circunstâncias enunciadas na lei substantiva.
2 - Tal incidente não é o meio adequado a rever eventuais erros de julgamento.
Proc. 215/08.3TTABT 4ª Secção
Desembargadores:  Manuela Fialho - Sérgio Manuel de Almeida - -
Sumário elaborado por Ana Paula Vitorino
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4.ª Secção (Social)
Proc° 215/08.3TTABT Comarca de Lisboa Oeste Juizo do Trabalho de Cascais
Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:
FI... - COMPANHIA DE SEGUROS, S. A., entidade responsável nos autos emergentes de acidente de trabalho supra identificados, nos quais é Sinistrada M..., notificada da sentença com a qual não se conforma, vem, interpor o presente recurso de apelação.
Pede a revogação da sentença.
Funda-se nas seguintes conclusões:
1 - Nos presentes autos, a Junta Médica reconheceu que não existiu qualquer agravamento das sequelas, mas, não obstante tal facto, a incapacidade da Sinistrada foi bonificada pelo fator 1.5.
2 - Ou seja, a aplicação do fator 1.5 deveu-se, somente, ao facto de sinistrada ter mais de 50 anos.
3 - Ora, a eventualidade da alteração duma incapacidade para o trabalho, já judicialmente fixada, encontra a sua sede legal no art.° 25° da Lei n° 100/97, de 13.09, subordinado à epígrafe Revisão das prestações.
4 - O n° 1 desse normativo enumera os casos em que é admissível a verificação duma modificação da capacidade de ganho do sinistrado, com reflexo na revisão e no aumento, redução ou extinção das correspondentes prestações: agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação; intervenção clínica ou aplicação de prótese ou ortótese; formação ou reconversão profissional.
5 - Será, portanto, com fundamento numa de tais ocorrências, e apenas nelas, que o incidente de revisão da incapacidade poderá ser desencadeado, por iniciativa do sinistrado ou da entidade responsável. E será na base da demonstração do fundamento alegado que o incidente poderá vir a obter procedência.
6 - Neste sentido vai o acórdão do Tribunal da Relação de Evora, de 28-05-2015, Proc.° n.° 744/09.1TTPTM-B.E1, em www.dgsi.pt.
7 - De igual modo, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 24/10/2016, Proc. n° 240/08.4TTVNG.5.Pl, em www.dgsi.pt: A aplicação do fator de bonificação 1.5, no âmbito do incidente de revisão da incapacidade, quando o sinistrado tiver 50 anos ou mais e não tenha beneficiado da aplicação desse fator - nos termos estabelecidos no ponto 5, al. a), parte final, da TNI aprovada pelo DL n. ° 352/2007, de 23 de Outubro -, pressupõe que se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, condição imposta na art. ° 70.° n.° 1 da Lei 98/2009, para haver lugar à alteração da prestação que se encontra fixada.
8 - Por outro lado, a questão da aplicação do fator 1.5 nem se deveria colocar, uma vez que, evidentemente, a decisão que fixou inicialmente a IPP à Sinistrada há muito que transitou em julgado, sendo certo que, nessa data, ela já tinha 54 anos de idade, e, logo na tentativa de conciliação efetuada no âmbito dos autos principais, aquela aceitou o resultado do exame médico, sem reclamar ou questionar a não aplicação do fator de bonificação 1,5.
9 - Não se enquadrando esta questão da aplicação do fator 1.5 no objeto da perícia realizada, estava vedado aos Senhores Peritos pronunciarem-se sobre ela. Lapso a que a Meritíssima Juiz a quo aderiu, pois, como resulta da sentença em crise, não encontrou razões para contrariar o juízo pericial.
10 - Nos termos do disposto no artigo 619°, n° 1, do C. P. C., quando uma sentença transita em julgado, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele.
11 - A sentença em crise fixa um novo valor da IPP, não com base no agravamento real das sequelas - tinha, inicialmente, 20,382/prct. e, agora, mantém, exatamente, a mesma IPP (que só passa para 30,57/prct. por força da aplicação do fator de bonificação 1.5) - mas com base em factos já conhecidos pelas partes e pela Meritíssima Juiz a quo à data em que a sentença homologatória dos autos principais foi proferida, dado que a Sinistrada, à data do acidente, já tinha 54 anos de idade.
12 - Aplicar, agora, o referido fator de bonificação, que não foi considerado na perícia inicialmente realizada, e nem sequer foi valorado na sentença homologatória que fixou a incapacidade inicial da Sinistrada, não se traduz numa revisão da incapacidade por verificação dos pressupostos de revisão da mesma, mas sim uma revisão da sentença que fixou a IPP, sendo que o presente incidente não é, naturalmente, o meio próprio para tal.
13 - Se o sinistrado preencher os requisitos para beneficiar do fator de bonificação 1.5, não tendo tal lhe sido reconhecido na decisão inicial, com a qual se conformou, não pode beneficiar do mesmo na decisão do incidente de revisão que constate a inexistência de agravamento das sequelas decorrentes do acidente de trabalho... - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 19/10/2017, Processo n° 2254/16.1T8BRG-A.P1.G1, em www.dgsi.pt
14 - No mesmo sentido vai o acórdão desse douto Tribunal da Relação, de 12 de Março de 2014, Processo 2197/07.OTTLSB.2.L1, Relatora Desembargadora Dra. Alda Martins (não publicado), de cujo sumário, ponto III, se retira o seguinte ensinamento: Tendo o sinistrado, serralheiro, 50 anos à data da alta, e tendo sido atingido no olho esquerdo por uma limalha que lhe determinou uma incapacidade permanente parcial de 24,9/prct., preenchia os requisitos para beneficiar do fator de bonificação previsto na al. a) do ponto 5. das «Instruções Gerais» da Tabela Nacional de Incapacidades e Doenças Profissionais, aprovada pelo D. L. n° 341/93, de 30 de Setembro, mas, não tendo tal lhe sido reconhecido na decisão inicial, com a qual se conformou, não o pode ser na decisão de incidente de revisão que constatou a inexistência de agravamento das sequelas decorrentes do acidente de trabalho .
15 - A sentença em apreço, ao aplicar agora o fator 1.5 e condenando a Recorrente a pagar a diferença entre o capital de remição devido em função da pensão ora apurada (1.093,92E) e aquele que já foi pago, violou o disposto no artigo 619°, n° 1, do C. P. C., o art.° 25° da Lei n° 100/97, de 13.09 e o princípio da justa reparação estabelecido no art.° 59°, n° 1, al. f) da Constituição da Republica Portuguesa, pelo que deve ser revogada.
O MINISTÉRIO PUBLICO, junto deste Tribunal, em representação da A. M..., notificado das alegações do recurso vem responder pugnando pela manutenção da sentença.

M... deduziu incidente de revisão, alegando ter piorado das lesões decorrentes do acidente que sofrera.
Realizado exame médico, consignou-se ali que a sinistrada mantém a IPP de 20,38/prct., mas tendo em conta a idade superior a 50 anos se fixava a IPP em 30,57/prct..
FI... - Companhia de Seguros, SA. requereu exame por junta médica que se veio a realizar.
Respondendo aos quesitos apresentados pela Reqte., a junta considerou que não é de admitir a existência de agravamento, mantendo-.se a IPP de 20,38/prct., mas, de acordo com a idade, até porque à data do acidente a sinistrada já tinha 54 anos de idade, aplicou o fator de bonificação 1.5 e fixou a IPP em 30,57/prct..
Foi proferida sentença que condenou a seguradora a pagar à sinistrada a diferença entre o capital de remição devido em função da pensão ora fixada e aquele que foi pago...

As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.° 608°/2 e 635°/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, é a seguinte a questão a decidir, extraída das conclusões:
- Aplicar agora o fator 1,5, que não'foi considerado na perícia inicial, não se traduz numa revisão da incapacidade, mas sim numa revisão da sentença que fixou a IPP?
OS FACTOS:
A sentença recorrida não fixou a factualidade pertinente, o que se impunha face, não só ao regime processual geral aplicável à elaboração de sentenças, como também ao regime simplificado decorrente do disposto no Art° 730/3 do CPT. Dado que as normas aplicáveis à estrutura da sentença também se aplicam aos acórdãos proferidos na Relação, dado o disposto nu Ari° 663°/2 do CPC, passamos a exará-la tendo por base o auto de tentativa de conciliação que integra a fase conciliatória do processo.
1 - No dia 24/09/2007, pelas 16,10m, em Abrantes, a Reqte. foi vítima de um acidente quando exercia as funções de empregada doméstica ao serviço de C..., mediante o salário mensal de 58,10 x 60 dias (equiparado ao salário mínimo nacional então vigente).
2 - Sofreu fratura do rádio direito tratada com imobilização e fratura do calcâneo direito tratada cirurgicamente.
3 - Foi-lhe, após, atribuída IPP de 20,382/prct..

O DIREITO:
Tendo como ponto de partida ter piorado das lesões que sofrera, a sinistrada veio requerer incidente de revisão.
De todos os exames médicos realizados resulta que não se registou qualquer agravamento da situação clínica da Reqte..
Uma primeira observação que deixamos já explícita é que, considerando o exame realizado ab initio os coeficientes de incapacidade aplicados ainda registam margem para aumento. Porém, foi entendimento dos diversos peritos intervenientes nos autos que não é de admitir que houve agravamento.
Consideraram, porém, tais peritos que a IPP deveria registar agora a aplicação do fator de bonificação 1,5 até porque à data do acidente a sinistrada já tinha 54 anos de idade, razão pela qual a sentença veio a fixar a IPP em 30,57/prct., aqui se consignando que não há razões para contrariar o juízo pericial.
Portanto, o que motivou o acréscimo do coeficiente de incapacidade foi a circunstância de a Reqte. já ter 54 anos à data do acidente. Não foi a circunstância de ela os vir completar após este ou após a alta e por via disso se terem agravado as suas condições fisicas. Nem foi porque se registasse alguma alteração clínica.
A resposta à questão que nos ocupa não pode deixar de ser equacionada à luz do regime substantivo subjacente ao incidente processual de revisão da incapacidade.
Considerando que o acidente a que se reportam os autos ocorreu em 2007, é aplicável o regime constante da Lei 100/97 de 13/09 e o respetivo Regulamento constante do DL 143/99 de 30/04.
O Art° 25°/1 da Lei 100/97 dispunha que quando se verifique modificação na capacidade de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de prótese ou ortótese, ou ainda de formação ou reconversão profissional, as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada.
Assim, pressuposto da revisão é uma modificação na capacidade de ganho fundada nalguma das circunstâncias ali enunciadas.
Ora, os elementos constantes dos autos vão todos no sentido de não se registar tal modificação.
Tanto basta para que não se possa vir a concluir pelo aumento da pensão na sequência do incidente em tramitação.
Argumenta-se que o fator idade permite a aplicação da bonificação, situação que não terá sido acautelada no momento em que foi fixada a pensão inicial.
Ocorre, porém, que o incidente de revisão não é o meio processual adequado a rever um eventual erro de julgamento. Para tanto, o sistema consagra o regime de recursos como meio de impugnação das sentenças judiciais (Art° 627° do CPC).
E, por outro lado, à data do acidente, o fator idade ainda nem sequer fundamentava, só por si, a atribuição do fator de bonificação reportado nas Instruções Gerais da TNI.
Na verdade, vigorava então a TNI aprovada pelo DL 341/93 de 30/09.
De acordo com o que então ali se estipulava no n° 5 das Instruções Gerais, na determinação do valor final da incapacidade, sempre que se verifique perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho que ocupava com caráter permanente, os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados com uma multiplicação pelo fator 1,5, se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais.
Diferentemente do que se veio a consignar na TNI subsequente, aprovada pelo DL 352/2007 de 23/10 (que apenas entrou em vigor no ano seguinte) a bonificação em consequência da idade da vítima pressupunha perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho, não sendo, como atualmente, tal fator, apto, a, só por si, justificar uma bonificação no valor da incapacidade.
Donde, não podermos sufragar a argumentação de acordo com a qual, tendo, à data do acidente a sinistrada já 50 anos ou mais, deveria ter beneficiado da ponderação em apreciação. Essa é uma conclusão que poderia ter sido defendida em sede de recurso da sentença inicial. Não em sede de revisão da incapacidade fundada em pioria das lesões.
Termos em que procede a apelação.



Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogar a sentença.
Custas pela Apelada. Notifique.

Elabora-se o seguinte sumário(1) :
1 - O incidente de revisão da incapacidade tem como pressuposto a modificação da capacidade de ganho assente em qualquer das circunstâncias enunciadas na lei substantiva.
2 - Tal incidente não é o meio adequado a rever eventuais erros de julgamento.
(1) Da autoria da Relatora
Lisboa, 06-06-2018
MANUELA BENTO FIALHO
Sérgio Almeida
FRANCISCA MENDES
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