Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Laboral
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 - ACRL de 06-06-2018   Acidente de trabalho. Beneficiário sucessível deficiente profundo. Entidade empregadora declarada insolvente. FAT.
1. São factos constitutivos do direito do parente sucessível da vítima à atribuição de uma pensão, para além dessa mesma circunstância (parentesco sucessível), a necessidade daquele (daí que a lei se refira a situação de menoridade, frequência de ensino ou doença incapacitante para o trabalho) e a contribuição regular anterior por parte desta.
2. Por contribuição regular entende-se “as sucessivas, normalmente equidistantes no tempo, à medida que a vitima ía percebendo o seu próprio salário e com as quais o beneficiário contava para o seu sustento”.
3. Quando a entidade empregadora, responsável pela reparação do acidente, foi declarada insolvente e extinta, sem ter transferido a sua responsabilidade para uma seguradora, e tal facto resulta de documentos juntos aos autos (publicação em DR, certidão da matricula, apólice de seguro e folha de férias), que demonstram a sua realidade, devem ser considerados provados e, como tal, condenado o FAT no pagamento da pensão devida ao beneficiário.
Proc. 70/08.3TTBRR.L1 4ª Secção
Desembargadores:  Alves Duarte - Manuela Fialho - -
Sumário elaborado por Ana Paula Vitorino
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Processo n.° 70/08.3TTBRR.L1
Comarca de Lisboa
Juízo do Trabalho do Barreiro - J1
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
I - Relatório.
Gr... e An..., casados um com o outro e Ma..., sua filha e por eles representada, intentaram a presente acção declarativa, com processo especial emergente de acidente de trabalho, contra P..., Ld.a, Real Seguros, S. A., actualmente incorporada na Companhia de Seguros Lu...Ld.a Sucursal en Espana e U..., Mutua de accidentes de trabajo Y enfermidades profesionales n.° 15, pedindo a sua condenação no pagamento das seguintes prestações indemnizatórias:
a) aos Autores Gr... e An... o montante de E 1.478,80, de despesas de funeral e trasladação acrescidos de juros de mora desde o vencimento da prestação;
b) à interdita Ma... o montante anual e vitalício de € 515,35, de pensão por morte devida desde a data da morte do sinistrado acrescido de juros de mora desde o vencimento de cada prestação, alegando, em síntese, que:
• o sinistrado faleceu no dia 12 de Junho de 2007 vítima de um acidente de viação quando fazia parte do trajecto entre o local onde residia com os seus colegas e o local onde exercia o seu trabalho de trabalhador de construção civil.
• são pais do sinistrado o qual contribuía com regularidade para o sustento da sua irmã M..., totalmente incapaz devido a deficiência profunda e dependente de terceiros, tendo este manifestado a sua intenção de assumir, em momento próprio, as funções de tutor.
Contestou a ré Companhia de S..., S. A., entretanto designada de L..., pugnando pela sua absolvição, alegando, em suma, que:
• celebrou com a Ré P... Lda, um contrato de seguros de acidentes de trabalho de prémio fixo;
• tratando-se de um seguro de prémio fixo apenas os trabalhadores indicados nas condições particulares se encontravam abrangidos pela apólice de seguro em vigor razão pela qual a sua segurada não transferiu para a aqui contestante qualquer responsabilidade por força da eventual actividade desempenhada pelo sinistrado.
• desconhece a restante factualidade alegada.
Por despacho a folhas 1078 foram as rés, com excepção da Companhia de Seguros Lusitânia, S. A., consideradas partes ilegítimas e absolvidas da instância.
Foi proferido despacho saneador, no qual se afirmou a inexistência de quaisquer outras nulidades, excepções ou questões prévias que obstassem ao conhecimento da causa.
Ao abrigo do disposto no que, nos termos do art. 127.° n.° 1 do Código de Processo do Trabalho foi proferido despacho a determinar a intervenção do Fundo de Acidentes de Trabalho (folhas 1163).
Realizada a audiência de julgamento e julgada a matéria de facto controvertida, foi em seguida proferida sentença, na qual o Mm.° Juiz determinou:
- a absolvição da ré Lusitânia Seguros, S.A. da totalidade dos pedidos contra esta efectuados.
- a condenação do Fundo de Acidentes de Trabalho face à insolvência e subsequente dissolução da Ré P..., Ld.a no pagamento aos autores Gr... e An... do valor referente às despesas de funeral e da trasladação do corpo do seu filho, sinistrado nos presentes autos, que até ao momento não lhes foram pagas, no valor de €1.478,80, sem juros (cfr. art. 1.° n.° 1 al. a) e n.° 6 do DL n.° 142/99, de 30 de Abril).
- a absolvição do Fundo de Acidentes de Trabalho face à insolvência e subsequente dissolução da Ré P..., Ld.8 do montante anual e vitalício de € 515,35 (quinhentos e quinze euros trinta e cinco cêntimos), de pensão por morte devida desde a data da morte do sinistrado acrescido de juros de mora desde o vencimento de cada prestação.
Inconformados, os autores apelaram, pedindo que;
• se altere a matéria de facto, nos termos como se encontra impugnada e, em consequência
• se revogue a sentença recorrida substituindo-se por outra que considere procedente o pedido dos autores, ora recorrentes e, em consequência condene o Fundo de Acidentes de Trabalho, face à insolvência e subsequente dissolução da Ré P..., Ld.a, no montante anual e vitalício de £ 515,35, de pensão por morte devida desde a data da morte do sinistrado acrescido de juros de mora desde o vencimento de cada prestação,
culminando as alegações com as seguintes conclusões:
A) O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, nomeadamente na parte que julgou:
'a absolvição do Fundo de Acidentes de Trabalho face à insolvência e subsequente dissolução da Ré P..., Lda do montante anual e vitalício de £ 515,35 (quinhentos e quinze euros trinta e cinco cêntimos), de pensão por morte devida desde a data da morte do sinistrado acrescido de juros de mora desde o vencimento de cada prestação'.
B) O recurso ora interposto incide sobre a matéria de facto, nomeadamente pela não concordância dos ora recorrentes com factos dados como não provados pelo Tribunal a quo.
C) Em face de toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento, entendem os Recorrentes que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na apreciação da prova produzida e da matéria de facto.
D) Em concreto, o Tribunal a quo incorreu no seguinte erro de julgamento quando da matéria de facto não dá como provados determinados factos que, sendo relevantes para a apreciação da causa, o deveriam ter sido, em virtude do que resultou da prova produzida.
E) Assim, no que se refere à matéria de facto o presente recurso prende-se com a resposta dada à seguinte matéria factual dada como não provada:
'1. Seria o único irmão desta, o sinistrado falecido que iria assumir a posição de tutor
da irmã conforme já havia sido manifestado por este a familiares, como também essa
situação era do conhecimento do próprio estabelecimento frequentado pela incapaz'.
F) Assim, tem o presente recurso por objecto a impugnação da matéria de facto e, consequentemente, o sentido da decisão pela improcedência do peticionado pelos Recorrentes quanto à posição que o sinistrado iria assumir quanto à sua irmã interdita.
G) Os Recorrente discordam da resposta dada quanto aos factos relativos à posição que o sinistrado iria assumir quanto à sua irmã Ma..., ora recorrente, porquanto crêem os Recorrentes que foi produzida prova bastante para que a mesma resulte como provada.
H) Pretendendo, assim os recorrentes, a reapreciação da prova produzida - testemunhal - realizada em sede de audiência de julgamento sujeita a gravação áudio e, quanto a esta, a reapreciação da prova gravada.
A. DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA TESTEMUNHAL:
I) Os recorrentes crêem que a sentença recorrida padece de vícios de apreciação da prova testemunhal produzida em sede de audiência.
J) Em face da prova produzida, e porque relevantes para a apreciação do mérito da causa, entendem os Recorrentes que o Tribunal a quo deveria ter dado como provados determinados factos que não deu, como sejam os factos alegados pelos Recorrente nos artigos 3.° (até 32 anos de idade), 8.°, 40.° e 41.°, que em sede de alegações de recurso se transcreveram.
• Da regularidade de apoios financeiros dados pelo sinistrado:
K) Da prova produzida em sede de audiência, nomeadamente do depoimento das testemunhas arroladas pelos recorrentes, Dr. P…, A… e P…, não é verdade que não se concluía pela regularidade de apoios financeiros dados pelo sinistrado aos seus pais, para ajudar no sustento de sua irmã interdita.
L) Desde logo, convocamos o depoimento Dr. P…, depôs na qualidade de director e em representação da Associação Portuguesa para Protecção aos Deficientes Autistas onde a recorrente M... se encontra internada, o qual, de forma muito elucidativa, declarou, em síntese, que:
M) Na festa de Natal do ano 2006 da instituição onde a recorrida M... se encontrava e ainda se encontra internada, o sinistrado J... informou o director que iria assumir a tutela da irmã.
N) O sinistrado informou a testemunha, uma vez director da instituição, que ajudava monetariamente a sua família, em face das dificuldades financeiras que viviam (e ainda vivem), com uma verba mensal de cerca de 200,00E/250,00 €.
Depoimento prestado em audiência de julgamento realizada em 23 de Outubro de 2017, encontrando-se todo o seu depoimento registado digitalmente entre as 09:50:41 e as 09:58:33, e acima transcrito do minuto 00.00.:12 ao minuto 00:05:31.
O) Igualmente convocamos o depoimento da testemunha A…, prima do sinistrado e com uma ligação muito próxima com esta família, dos recorrentes.
Cujo depoimento foi gravado em audiência de julgamento realizada em 23 de Outubro de 2017, encontrando-se todo o seu depoimento registado digitalmente, entre as 09:58:58 e as 10.12.:08, acima transcrito do minuto 00.02:32 ao minuto 00.03:29.
P) Assim como o depoimento da testemunha Pa..., amiga dos recorrentes e que conhecia perfeitamente bem o sinistrado.
Depoimento prestado em audiência de julgamento realizada em 23 de Outubro de 2017, encontrando-se todo o seu depoimento registado digitalmente, entre as 10.:12.34 e as 1029:41, cujo excerto relevante para a reapreciação da prova se encontra acima transcrito do minuto 00:04:13 ao minuto 00:06:15.
Q) Decorre daqueles excertos dos depoimentos prestados pelas mencionadas testemunhas em sede de audiência claramente que o sinistrado auxiliava mensalmente a sua irmã, na quantia de 250,00€, porquanto tinha conhecimento das dificuldades dos autores, seus pais, em virtude da deficiência da recorrida Ma... e das despesas a ela inerentes.
R) Aquelas testemunhas, que depuseram com total credibilidade e isenção, manifestaram conhecimento directo do que estavam a afirmar, pois tinham proximidade e relação com a família.
S) Ora atendendo ao grau de proximidade, cumplicidade e confiança destas testemunhas com esta família, é claramente normal terem conhecimento desta realidade, nomeadamente quanto às ajudas que o sinistrado dava aos seus pais para o sustento de sua irmã, com quem mantinha uma relação muito próxima, relação esta de 'mais que irmãos'.
T) E por essa razão, nos depoimentos prestados por aquelas testemunhas mostraram manifestamente um conhecimento directo da situação (pois bem a conheciam!).
U) E, por isso, concretizaram com toda a segurança e confiança quais os montantes em que tais contribuições se traduziam e bem assim, com que periodicidade é que eram entregues.
V) Resulta assim claramente da prova produzida em sede de audiência que aquelas quantias concretamente apuradas e periódicas, eram pagas mensalmente no valor de 250,00€.
W) Sendo que estas contribuições fixas e periódicas eram entregues pelo sinistrado a título de contribuições para ajuda nos cuidados de sua irmã, pois claro está que não existiam facturas nem recibos!
X) Estamos a falar em ajudas dadas pelo irmão, portanto entre familiares, não existindo assim, necessidade de comprovação documental dos mesmos, sendo por essa razão que foram juntos aos presentes autos quaisquer documentos a esse título.
Y) E por não existir qualquer comprovação documental, não poderão estes factos, ser considerados não provados, quando em sede de audiência de julgamento resultou prova bastante para concluir pela entrega daquela quantia concreta e periódica.
Z) Temos, assim, provada a entrega de quantias certas e periódicas do sinistrado à sua família para ajuda no sustendo se sua irmã, ora recorrente M..., sendo absolutamente claro dos excertos dos depoimentos que acima se deixaram transcritos.
• Da posição que o sinistrado iria assumir quanto à sua irmã:
AA) De igual modo, no que se refere ao facto do sinistrado vir a assumir a posição de tutor de sua irmã Ma... e porque relevantes para a apreciação do mérito da causa, entendem os Recorrentes que o Tribunal a quo deveria ter dado como provados estes factos e não deu.
RB) O sinistrado já havia manifestado a familiares e amigos essa vontade, conforme ficou demonstrado em sede de audiência, através dos depoimentos prestados pelas já supra mencionadas testemunhas An... e Pa....
CC) A instâncias da mandatária da Recorrente, estas testemunhas prestaram depoimento sobre esta matéria em audiência de julgamento realizada em 23 de Outubro de 2017, cujo depoimento relevante quando à posição que o sinistrado iria assumir, se encontra supra transcrito:
1. Da testemunha An... do minuto 00:01:58 ao minuto 00:02:50;
2. Da testemunha Pa... do minuto 00:02:02 ao minuto 00:04:11.
DD) Também ficou demonstrado em audiência que já era do conhecimento do estabelecimento frequentado pela incapaz Ma..., irmã do sinistrado, conforme resulta do depoimento prestado pelo Dr. Pa... em sede de audiência de julgamento que depôs na qualidade de director do estabelecimento APPDL.
Cujo excerto relevante desta testemunha sobre esta matéria se encontra supra transcrito do minuto 00:03:12 ao minuto 00:04:38.
EE) Ainda assim, entendeu o Tribunal a quo que se trata de um facto futuro e não passado.
FF) Ora, trata-se, sim, de um facto futuro, porquanto, infelizmente o sinistrado faleceu no trágico acidente em causa nos presentes autos.
GG) E, por essa mesma razão é que o sinistrado não assumiu a posição de tutor, caso não tivesse acontecido tal tragédia, com toda a certeza que o sinistrado, tendo em conta a relação deste com a irmã, iria assumir a tutela da interdita conforme havia comunicado ao director do estabelecimento e a seus familiares.
HH) Se assim não fosse, não teria, com certeza, informado o director da instituição que iria desempenhar a qualidade de tutor de sua irmã incapaz, mostrando toda a preocupação com a situação da irmã.
II) Assim, mal esteve o Tribunal a quo em desconsiderar tal pretensão do sinistrado, pois era esta a sua vontade, que infelizmente, decido ao acidente, não mais pôde cumprir.
JJ) Não devendo, assim se considerar em razão de probabilidade, mas sim da certeza que o sinistrado já tinha manifestado - nos termos dos excertos dos depoimentos prestados e supra transcritos.
KK) E, obviamente que os recorrentes An... e Gr..., pais da incapaz Ma... e do sinistrado, 'passados dez anos desde a data do óbito do sinistrado, ainda são responsáveis pela sua irmã'!!
LL) Não se entende o alcance do Tribunal a quo, em afirmar tal facto!
MM) Pois claro que na ausência do sinistrado os pais do continuaram a assumir a posição de tutores da incapaz. Se não eles, quem mais o iria fazer?
NN) O sinistrado, infelizmente faleceu sem conseguir concretizar a sua vontade, ou seja de assumir a posição de tutor e, bem assim 'aliviar' seus pais, quer monetariamente, quer na distribuição das responsabilidades resultantes da incapacidade da recorrente interdita, atendendo às suas idades, à responsabilidade que sempre assumiram em relação a sua filha.
00) Está em causa nos presentes autos, não só a discussão do sinistro ocorrido, mas sobretudo a dor de uma mãe, a dor de um pai, pela perda de um filho nexo causal de um acidente de trabalho.
PP) Está em causa um filho que seria a esperança para estes pais, ora recorridos, para ajuda nos cuidados e tutela de sua irmã, interdita por incapacidade.
QQ) Se decorreram mais de dez anos sobre a morte do filho?... Infelizmente ocorreram!
RR) Ainda assim, decorridos mais de dez anos desde a data do óbito do sinistrado, sem que estes pais tenham o caso em apreço solucionado, deparando-se ainda com a douta sentença proferida, onde não lhes assistiu razão, em violação de toda a prova produzida nos presentes autos, prova esta que levaria, a seus entenderes e sem razão de dúvidas, a outra decisão e a eles favorável.
B. DA ALTERAÇÃO DA RESPOSTA À MATÉRIA DE FACTO:
SS) Por via do depoimento das testemunhas Dr. Pa..., An... e Pa..., nos termos dos excertos supra transcritos e pelos motivos e fundamentos indicados anteriormente,
TT) Dever-se-á eliminar tal facto do elenco dos não provados e dar o mesmo como provado, atenta a prova bastante para o efeito, o seguinte facto:
'1. Seria o único irmão desta, o sinistrado falecido que iria assumir a posição de tutor da irmã conforme já havia sido manifestado por este a familiares, como também essa situação era do conhecimento do próprio estabelecimento frequentado pela incapaz'.
UU) Deve ainda dar-se como provado, atenta a prova produzida em sede de audiência e impugnada supra que 'o sinistrado contribuía com regularidade para o sustento de sua irmã Ma..., quantias concretamente apuradas e periódicas, designadamente no valor mensal de 250,00€'.
III - DO SENTIDO DA DECISÃO:
VV) É manifesto que a alteração da matéria de facto, a proceder nos termos requeridos pelos recorrentes, fará forçosamente alterar-se a decisão de direito da douta sentença proferida.
WW) Com efeito, provando-se que os apoios financeiros, com carácter de regularidade e fixos, efectuados pelo sinistrado para o sustento de sua irmã e que aquele iria assumir a posição de tutor da irmã conforme já havia sido manifestado por este a familiares, como também essa situação era do conhecimento do próprio estabelecimento frequentado pela incapaz,
XX) Encontram-se, assim preenchidos os requisitos a que se refere o artigo 20.°, n.° 1, alínea d) e n.° 2, da Lei n.° 100/97, de 13 de Setembro, designadamente:
• Do acidente em causa nos presentes autos, resultou a morte do sinistrado;
• A irmã do sinistrado é parente sucessível daquele, aquando da data do
acidente - nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 2133.° do Código Civil;
• A recorrente Ma..., encontra-se afectada de doença
mental;
• O sinistrado contribuía com regularidade para o seu sustento.
YY) Deste modo impõe-se a alteração da decisão de direito.
ZZ) Dando-se como provados os supra mencionados factos, encontram-se verificados os requisitos nos termos da mencionada norma legal, existindo por isso, razão necessária e suficiente para a procedência da acção também quanto à:
Condenação do Fundo de Acidentes de Trabalho face à insolvência e subsequente dissolução da Ré P..., Ld.a do montante anual e vitalício de E 515,35 (quinhentos e quinze euros trinta e cinco cêntimos), de pensão por morte devida desde a data da morte do sinistrado acrescido de juros de mora desde o vencimento de cada prestação.
AAA) POSTO ISTO: provando-se a matéria de facto supra elencada, porquanto fizeram os recorrentes prova do elemento constitutivo do direito invocado, encontra-se, assim, verificada a responsabilidade do recorrido Fundo de Acidentes de Trabalho, face à dissolução da Ré P..., Ld.a, no montante anual e vitalício de 515,35E a pagar aos recorrentes, devendo, no mesmo, ser condenado.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Admitido o recurso na 1.a Instância, nesta Relação de Lisboa o relator proferiu despacho a conhecer das questões que pudessem obstar ao conhecimento do recurso' e determinou que os autos fossem com vista ao Ministério Público, o que foi feito tendo nessa sequência o Exm.° Sr. Procurador-Geral Adjunto emitido parecer no sentido da sentença recorrida ser confirmada. Nenhum dos interessados respondeu ao parecer do Ministério Público.
Colhidos os vistos,' cumpre agora apreciar o mérito do recurso, cujo objecto, como pacificamente se considera, é delimitado pelas conclusões formuladas pela recorrente, ainda que
sem prejuízo de se ter que atender às questões que o tribunal conhece ex officio. Assim, porque em qualquer caso nenhuma destas nele se coloca, importa conhecer da:
i. a impugnação da matéria de facto;
ii. o direito da apelante M... à peticionada pensão; e
iii. a responsabilidade do FAT pelo seu pagamento.
II - Fundamentos.
1. Da sentença recorrida.
1.1. Factos julgados provados:
Por acordo:
1. Os Autores são pais do sinistrado.
2. A irmã do sinistrado, Ma... é totalmente incapaz devido a deficiência profunda, com uma incapacidade superior a 85/prct., estando totalmente dependente de terceiros, encontrando-se em regime de internato, encontrando-se inclusivamente já interditada, no âmbito do processo n.° 2859/08.4 TVLSB, que correu termos na 10.° Vara Cível, 2.ª Secção.
Face à prova produzida em audiência de julgamento:
A. O pai do sinistrado aufere o vencimento de € 539,50 mensais e a mãe deste € 357,90 de subsídio de desemprego.
B. Foram os Autores que custearam as despesas de funeral e da trasladação do corpo do seu filho, sinistrado nos presentes autos, que até ao momento não lhes foram pagas, no valor de € 1.478,80.
C. O veículo conduzido pelo sinistrado, um veículo misto de marca Ford Transit Kombi, com a matrícula ... era propriedade da 1ª Ré.
D. A 1 Ré havia transferido a sua responsabilidade no âmbito dos acidentes de trabalho com os funcionários para a 3.ª Ré.
E. Tanto a primeira como a terceira Rés foram sempre a mesma entidade, na medida em que, pese embora tenha sido criada uma sucursal da primeira Ré, apenas e só por uma questão de logística, era a primeira ré que pagava os salários ao sinistrado.
F. A morte do sinistrado foi consequência de um acidente de viação que ele mesmo conduzia.
G. Acontecida pelas 6.40 horas, do dia 12 de Julho de 2007, no KM 22'900, da estrada UM - 602 no sentido Cartagena - Alhama de Murcia, em Fuente Álamo de Murcia - Espanha.
H. Quando fazia a parte final do trajecto 'de casa para o trabalho'.
1. O sinistrado residia com os seus companheiros de trabalho em Av. De Torre Pacheco, n.° 34, na localidade de Roldan a cerca de 15 Km do local do acidente.
J. Ele era trabalhador dependente na área da construção civil e trabalha para a 1 8 Ré.
K. O local de trabalho era na obra em edificação sita na Urbanização 'Jardines de Alhama, a cerca de 20 Kms do local do sinistro.
L. Na data do acidente o Sinistrado acumulava as funções de servente com as de motorista transportando todos os seus colegas no trajecto de casa/trabalho/trabalho casa.
M. O transporte era efectuado na viatura de marca Ford Transit Kombi, com a matrícula ..., propriedade da 1.ª Ré.
N. No dia do acidente, no início da jornada de trabalho o sinistrado transportava os seus Colegas de trabalho Jo…, Y…, R…, S…, J…, B…, E… e R…, para o local de trabalho Urbanização 'Jardines de Alhama, a cerca de e 20 Kms do local do sinistro.
O. Pelas 6.40 horas, do dia 12 de Julho de 2007, no KM 22'900, da estrada UM - 602 no sentido Cartagena - Alhama de Murcia, em Fuente Álamo de Murcia - Espanha, o veiculo por razões não apuradas entrou em despiste para o lado esquerdo da faixa de rodagem indo embater numa vivenda que construída perto do local do acidente.
P. Devido às lesões sofridas o sinistrado teve morte imediata, tendo falecido aos 23 anos de idade.
Q. Apresentando traumatismo crânio-encefálico.
R. Os Autores têm uma despesa mensal com a irmã do sinistrado fixa de €592,00, que passa a descriminar:
Mensalidade do Estabelecimento: €442,00
Fraldas: €100,00.
Medicação Fixa:€50,00.
S. A 1.ª Ré havia transferido a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho para a 2.ª Ré, através da apólice do ramo de acidentes de trabalho, com o número ....
T. Na data do acidente o sinistrado auferia o salário de € 1.717,82, sendo a quantia de e 776,86 X14 meses ao ano, de salário base, acrescido da quantia de e 940,96 X 12 meses refere a outros subsídios.
1.2. Factos iulgados não provados:
1. Seria o único irmão desta, o sinistrado falecido que iria assumir a posição de tutor da irmã conforme já havia sido manifestado por este a familiares, como também essa situação era do conhecimento do próprio estabelecimento frequentado pela incapaz.
2. Na data e hora do acidente nos autos o sinistrado não estava incluído no rol de trabalhadores cuja transferência da responsabilidade emergente do acidente de trabalho havia sido transferida para a 2.ª Ré.
1.3. Motivação da decisão:
O Tribunal teve em consideração a prova produzida e analisada em sede de audiência de julgamento, a saber, não apenas o teor dos documentos juntos aos autos, e os quais não mereceram quaisquer desmérito mas também os depoimentos das testemunhas inquiridas nesta sede, as quais revelaram um conhecimento directo e imediato sobre os factos em análise, tendo deposto com credibilidade e isenção.
Assim, é de reter que pelo Tribunal foi dada especial relevância ao assento de óbito de fls. 353, à escritura de habilitação de herdeiros de fls. 356, a declaração emitida pela Associação Portuguesa para Protecção aos Deficientes Autistas e referente a Ma..., ao recibo de vencimento do Autor de fls. 363, o recibo emitido pelo BPI e referente à Autora, a factura referente às despesas com o funeral do sinistrado de fls. 365 e recibo de fls. 366, o extracto de remunerações de fls. 367 referente ao sinistrado, o contrato de trabalho de fls. 370 e 371 celebrado com sinistrado e do qual foi possível retirar quais os seus termos e condições, a declaração amigável de fls. 377 e 378, conjugado com o atestado emitido pelas autoridades espanholas de fls. 379 a 388 o qual revela qual a dinâmica do acidente de viação em análise nos autos, assim como o trajecto seguido pela viatura, seu condutor e passageiros, respectivas moradas e locais de trabalho.
Mais se socorreu o Tribunal da informação da autópsia de fls. 389 a 392 na qual se conclui sobre as causas de morte do aqui sinistrado, as declarações de IRS constantes de fls. 394 e respectivas declarações, facturas e recibos correspondentes às despesas efectuadas para com Ma..., documentação essa a qual não mereceu qualquer desmérito.
Por sua vez, toda a factualidade supra foi confirmada pelas testemunhas inquiridas nos autos e arroladas pelos Autores, desde as testemunhas Pa..., director da APPDL e o qual confirmou na primeira pessoa a situação de M..., a qual se encontra internada na respectiva instituição, quais as causas e despesas com a mesma, até An... e P... as quais confirmaram a relação deste para com a sua irmã e respectivos pais.
No mais, o Tribunal atendeu, e no que diz respeito à matéria de facto considerada como não provada, nomeadamente no que respeita à eventual posição que o sinistrado iria assumir quanto à sua irmã à imprevisibilidade de tal situação.
Na realidade demonstrar que o sinistrado falecido iria assumir a posição de tutor da irmã apenas porque este já o havia manifestado a familiares, como também essa situação era do conhecimento do próprio estabelecimento frequentado pela incapaz, é um acto de fé que o Tribunal não pode nem está habilitado a realizar.
Ou seja, esta factualidade reporta-se a um facto não passado mas sim futuro sendo que aqui apenas se poderiam aplicar as leis das probabilidades as quais, infelizmente ou felizmente, não são passíveis de operar numa situação tão distante no tempo como seria a data do óbito dos pais do sinistrado ou da sua incapacidade para salvaguardar o bem estar da sua irmã.
Independentemente das certezas tidas aquando da data do óbito e referentes à postura do sinistrado em relação à sua família seria de todo temerário afirmar que este, num futuro distante (note-se que os aqui Autores, passado dez anos desde a data do óbito do sinistrado, ainda são os responsáveis pela sua irmã) iria assumir a posição de seu tutor.
Por outro lado, o Tribunal atendeu não só ao teor do depoimento da testemunha Susana Pinto, gestora de sinistros da Ré Seguradora, e a qual confirmou que o sinistrado, há data do acidente de viação, não se encontrava incluído no rol de trabalhadores da mesma.
Aliás, tal depoimento foi corroborado pela comunicação de fls. 1147 e apólice de fls. 452 a 462 dos autos e na qual o aqui sinistrado se encontra excluído da cobertura da Seguradora. Tal documentação não merece qualquer desmérito não tendo sido carreados para os autos quaisquer elementos que nos permitam pôr a mesma em crise.
3. O direito.
3.1. A impugnação da decisão da matéria de facto.
Os apelantes pretendem que se julgue provado o facto julgado não provado pelo tribunal a quo enumerado em 1, que a vítima iria assumir a posição de tutor da autora M..., sua irmã e que contribuía mensalmente para ela com a quantia de € 250, conforme havia alegado nos art.°S 8.°, 40.° e 41.° da petição inicial.
Acerca dessa matéria, o tribunal a quo julgou apenas o facto julgado não provado em 1 (que resultou do art.° 40.° da petição inicial) e não se pronunciou acerca da restante.
De todo o modo, convém recordar que desse facto julgado não provado em 1 consta o seguinte:
1. Seria o único irmão desta, o sinistrado falecido que iria assumir a posição de tutor da irmã conforme já havia sido manifestado por este a familiares, como também essa situação era do conhecimento do próprio estabelecimento frequentado pela incapaz.
E que nos art.°s 8.0, 40.° e 41.° da petição inicial fora alegado o seguinte:
8.° O sinistrado falecido sempre contribuiu com regularidade para o sustento da sua irmã, filha dos AA.
40.° Inclusivamente seria o único irmão desta, o sinistrado falecido que iria assumir a posição de tutor da irmã conforme já havia sido manifestado por este a familiares, como também essa situação era do conhecimento do próprio estabelecimento frequentado pela incapaz.
41.° Por tudo isto o sinistrado, ora falecido, auxiliava mensalmente os seus pais para a sua irmã com a quantia de 250,00 €, pois tinha conhecimento das dificuldades sofridas pelos AA. em virtude da deficiência da mesma e das despesas a essa situação inerentes.
Em suporte da sua tese, os apelantes especificaram passagens dos depoimentos prestados pelas testemunhas Pa..., An... e Pa... na audiência de julgamento.
Já o tribunal a quo motivou a sua decisão deste modo (nada tendo dito, portanto, acerca do
alegado pelos autores nos art.°S 8.° e 41 °, que não julgou provado nem não provado):
No mais, o Tribunal atendeu, e no que diz respeito à matéria de facto considerada como não provada, nomeadamente no que respeita à eventual posição que o sinistrado iria assumir quanto à sua irmã à imprevisibilidade de tal situação.
Na realidade demonstrar que o sinistrado falecido iria assumir a posição de tutor da irmã apenas porque este já o havia manifestado a familiares, como também essa situação era do conhecimento do próprio estabelecimento frequentado pela incapaz, é um acto de fé que o Tribunal não pode nem está habilitado a realizar.
Ou seja, esta factualidade reporta-se a um facto não passado mas sim futuro sendo que aqui apenas se poderiam aplicar as leis das probabilidades as quais, infelizmente ou felizmente, não são passíveis de operar numa situação tão distante no tempo como seria a data do óbito dos pais do sinistrado ou da sua incapacidade para salvaguardar o bem estar da sua irmã.
Independentemente das certezas tidas aquando da data do óbito e referentes à postura do sinistrado em relação à sua família seria de todo temerário afirmar que este, num futuro distante (note-se que os aqui Autores, passado dez anos desde a data do óbito do sinistrado, ainda são os responsáveis pela sua irmã) iria assumir a posição de seu tutor.
Aprecemos então a impugnação da decisão acerca da matéria de facto suscitada pelos apelantes.
Antes de mais diremos que o alegado no art.° 8.° da petição inicial acerca da periodicidade da contribuição do falecido para o sustento da sua irmã não é propriamente um facto mas uma
conclusão (ali apelidada como sendo feita com regularidade).
Porém, essa mesma periodicidade foi depois alegada no art.° 41.° da petição inicial (como sendo feita mensalmente), bem como, diremos já de passo, o quantum da contribuição (€ 250,00), pelo que sem dificuldades de maior poderemos dizer que o facto foi na sua essencialidade alegado pelos apelantes e por isso deveria ter sido objecto de decisão.
Já o que foi decidido como facto não provado em 1 poderia ter deixado de ser objecto de decisão uma vez que não é facto constitutivo do direito da apelante M... (nem, por maioria de razão, importava à defesa da posição do apelado), porquanto sendo o mesmo configurado na alínea d) do n.° 1 do ad.° 20.° da Lei dos Acidentes de Trabalho de 1997 (Lei n.° 100/97, de 13 de Setembro), dela não consta que a vítima tivesse que perspectivar vir a ser tutor do sucessível mas somente que contribuísse com regularidade para o seu sustento e, no caso específico dos autos, que aquela sucessível estivesse afectada de doença física ou mental que sensivelmente a incapacitasse para o trabalho.
E se o facto era irrelevante para a boa decisão da lide, naturalmente que, como de resto decidiu o acórdão da Relação de Lisboa, de 21-12-2016, no processo n.° 14440/15.7T8LRS.L1-6,
publicado em http://www.dgsi.pt não é de reapreciar a decisão sobre a matéria de facto quando a mesma se revela inútil para a decisão da causa, por via da proibição de prática de actos inúteis no processo.
O que nos deixa campo apenas para perspectivar a restante impugnação da decisão da matéria de facto, melhor dizendo, a que, pese embora relevante e alegada pelos apelantes, não foi objecto de decisão acerca da sua realidade; e que para facilitar a apreciação deste segmento da apelação condensamos da seguinte forma a partir dos factos alegados nos art.°s 8.° e 41.° da petição inicial (e impugnados no art.° 21.° da contestação):
O falecido sempre contribuiu mensalmente para o sustento da sua irmã com a quantia de € 250,00.
Como atrás referimos, os apelantes suportaram a sua pretensão especificando algumas passagens dos depoimentos prestados pelas testemunhas Pa..., An... e Pa... na audiência de julgamento.
Tendo em conta a omissão da decisão acerca do facto impugnado e, naturalmente, da fundamentação produzida acerca desta, convirá dizer que se procedeu à audição do depoimento prestado pela testemunha Susana Monteiro, única que para além daquelas também depôs na audiência de julgamento, do que resultou termos percepcionado que o seu depoimento é completamente desprezível para a apreciação da questão em dissídio uma vez que disse que era gestora de sinistros da apelada Companhia de S..., S. A. e, à data, da real Seguros, S. A., conhecia os apelantes apenas por causa do processo e nada disse nem lhe foi perguntado acerca dos aspectos relevantes para este segmento da apelação.
Assim sendo, a prova relevante a reapreciar é efectivamente a especificada pelos apelantes, o que nos leva de imediato a esse objectivo.
No que concerne à testemunha Pa..., preliminarmente interrogada disse não ter qualquer relação familiar ou outra com qualquer das partes, a não ser a circunstância de dirigir a instituição de solidariedade social onde a apelante M... se encontra internada desde 1990 e que por isso a conhece e aos seus pais e apelantes, o que também deu o mote à sua razão de ciência.
Interrogada pela Ilustre Mandatária dos apelantes, a testemunha respondeu assim:
00:04:42 MA: Quando ele referiu que dava essa ajuda aos pais, aquela ajuda esporádica, o que é que ele lhe disse em concreto relativamente a isso?
00:04:49 T: Disse que estava a ajudar a família e que mensalmente dava uma verba para ajuda, pronto, esta conversa vem a propósito de... porque tem-se que a... a... a instituição... embora seja uma instituição sem fins lucrativos tem custos muito elevados.
00:05:10 MA: Com certeza.
00:05:11 T: Pronto, os pais também estavam com dificuldades e ele ajudava.
00:05:16 MA: E quanto era, ele disse?
00:05:22 T: Acho que era à volta de € 200, 200 e tal euros.
Por sua vez, quando preliminarmente interrogada a testemunha An... disse ser prima da apelante M... e sobrinha dos seus pais, sendo por isso a fonte da sua razão de ciência para responder às questões que lhe foram colocadas e que rondaram acerca da relação entre eles e também com o seu primo e vítima mortal do acidente.
Os apelantes especificaram, designadamente, as seguintes passagens do seu depoimento a questões que lhe foram colocadas pela sua Ilustre Mandatária:
00:02:52 MA: ... [o J...] ajudava os pais?
00:02:50 T: Sim, ajudava o que fosse necessário para a irmã, ele ajudava se fosse preciso ir a um médico, aliás ele ajudava com uma quantia para as despesas inerentes do colégio tudo o que fosse necessário, medicação, essas coisas para a M....
00:03:09 MA: Tem ideia do valor que ele ajudava por mês?
00:03:12 T: Acho que era à volta de E 250,00, mais ou menos.
00:03:17 MA: Como é que sabe isso? Alguma vez o J... lhe disse, era a D. A... que lhe dizia?
00:03:22 T: Sim, ele dizia que ajudava a mãe e o pai.
00:03:28 MA: Ele próprio confirmou isso?
00:03:29 T: Ele próprio chegou a confirmar isso, sim.
Por fim, interrogada a testemunha Pa... a este propósito referiu que é amiga dos apelantes Gregário e esposa desde há mais de 20 anos e a vítima desde a sua adolescência, os quais eram clientes da sua loja.
Os apelantes especificaram, designadamente, as seguintes passagens do seu depoimento a questões que lhe foram colocadas pela sua Ilustre Mandatária:
00:05:34 MA: Mas o J... ajudava os pais monetariamente?
00:05:40 T: O J..., sempre, a partir da altura que começou a trabalhar é ponto assente, ajudar os pais porque ele sempre foi assim, ajudava os pais, sim.
00:05:46 MA: Alguma vez, a senhora D. A..., isto antes do falecimento do J...,
obviamente, o J... comentou consigo ou a A..., dos valores que o J... ajudava? 00:05:59 T: Das conversas que tive, € 250,00, 200 e tal euros, pronto, à volta disso. 00:06:04 MA: Mas chegaram-lhe a dizer mesmo?
00:06:06 T: Sim, sim, sim, sim, sem dúvida, sem dúvida.
00:06:10 MA: Passava muito tempo com eles?
00:06:12 T: O J...?
00:06:13 MA: Sim, se passava muito tempo, sim.
00:06:15 T: Se eu passava? Sim, conversava, ou a gente estava ou na loja, sim, sim. Quando eles precisavam de alguma coisa o J... comprava roupa lá sim, ela é que escolhia, era a mãe a escolher.
Todas as testemunhas depuseram com serenidade e distanciamento relativamente às questões que lhe foram colocadas, mantendo discursos calibrados com o que a sua razão de ciência e coerentes entre si.
Não existem, é certo, quaisquer documentos que suportem contabilisticamente essas contribuições, como refere a sentença recorrida, mas convém não perder de vista a realidade social com que lidamos; e como bem sabemos da experiência comum, não é normal a documentação de ajudas económicas prestadas no âmbito da família nuclear ou mais próxima.
Assim sendo, julgamos que as provas especificadas pelos apelantes demonstram a realidade do facto controvertido, que assim passará a constar:
U. O falecido contribuía mensalmente para o sustento da sua irmã com a quantia de pelo menos e 200,00.
3.2. O direito da apelante M... à peticionada pensão.
Conforme atrás referimos, tendo em conta que o acidente ocorreu a 12-07-2007 (facto provado G) e o disposto nos art.°s 41.°, n.° 1, alínea a) da Lei dos Acidentes de Trabalho de 1999, 71.°, n.° 1 do seu Regulamento (Lei n.° 143/99, de 30 de Abril) e 187.°, n.° 1 e 188.° da Lei dos Acidentes de Trabalho de 2009 (Lei n.° 98/2009, de 4 de Setembro), a questão em dissídio é regulada pela primeiro dos citados diplomas.
Vejamos então como decidir a questão em apreço, sendo certo que aqui se não discute a caracterização do acidente que vitimou o filho e irmão dos apelantes como sendo de trabalho.
Na parte que importa relevar, o art.° 20.° da citada da Lei dos Acidentes de Trabalho de 1999 estatui o seguinte:
1. Se do acidente resultar a morte, as pensões anuais serão as seguintes:
(…)
d) Aos ascendentes e quaisquer parentes sucessíveis à data do acidente até perfazerem 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentarem, respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, ou sem limite de idade quando afectados de doença física ou mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho, desde que o sinistrado contribuísse com regularidade para o seu sustento: a cada, 10/prct. da retribuição do sinistrado, não podendo o total das pensões exceder 30/prct. desta.
(...)
São factos constitutivos do direito do parente sucessível da vítima à atribuição de uma pensão, para além dessa mesma circunstância (parentesco sucessível), a necessidade daquele (daí que a lei se refira a situações de menoridade, frequência de ensino ou doença incapacitante para o trabalho) e a contribuição regular anterior por parte deste, correndo o respectivo ónus da prova por parte do autor (art.° 342.°, n.° 1 do Código Civil).
Por contribuição regular entende-se as sucessivas, normalmente equidistantes no tempo, à
medida que a vítima ia percebendo o seu próprio salário e com as quais o beneficiário contava para o seu sustento.
Alegaram e provaram os apelantes a necessidade da apelante, já que demonstrado ficou
que a irmã do sinistrado, Ma... é totalmente incapaz devido a deficiência profunda, com uma incapacidade superior a 85/prct., estando totalmente dependente de terceiros, encontrando-se em regime de internato, encontrando-se inclusivamente já interditada, no âmbito do processo n.° 2859/08.4 TVLSB, que correu termos na 10.ª Vara Cível, 2.ª Secção (facto provado 2.); e a contribuição regular da vítima, dado que se apurou que o falecido contribuía mensalmente para o sustento da sua irmã com a quantia de pelo menos € 200,00 (facto provado U.).
Destarte, pode dizer-se que a vítima contribuía com regularidade para o sustento da sua irmã e apelante M... e que por isso esta tinha direito a uma pensão por virtude da sua morte decorrente do acidente, a qual será, portanto, de 10/prct. da respectiva retribuição (isto porque não foi alegado nem provado que não existia pessoa em união de facto com a vítima com direito a pensão; sendo certo, aliás, que os autos indiciam o contrário, conforme se vê do auto de declarações de folhas 13 prestadas por Tânia Cristina Dias Mendonça e do art.° 49.°, n.° 2 da Lei n.° 143/99, de 30 de Abril).
Sendo a pensão a que a beneficiária M... tem direito de 10/prct. da retribuição da vítima,temos que:
p = r x 10/prct.
r = (€ 1717,82 x 14) + (940,96 x 12) _ € 35.341,00 € 35.341,00 x 10/prct.=€ 3.534,10
Diga-se ainda que de acordo com o art.° 49.° da Lei n.° 143/99, de 30 de Abril as pensões
por morte são fixadas em montante anual (n.° 1) e que as mesmas começam a vencer-se no dia seguinte ao do falecimento do sinistrado ... n.° 7).
Importa ainda dizer que o art.° 51.° da citada Lei estatui que as pensões anuais são pagas,
adiantada e mensalmente, até ao 3.° dia de cada mês, correspondendo cada prestação a1/14 da pensão anual (n.° 1) e que os subsídios de férias e de Natal, no valor de 1/14 cada, da pensão anual, são, respectivamente, pagos nos meses de Maio e de Novembro (n.° 2).
Diremos ainda que o valor da pensão anual e vitalícia a que a apelante M... tem direito € 3.534,10 é superior ao peticionado (€ 515,35) mas isso não obsta a que se lhe atribua o que é devido uma vez que, estando no domínio dos direitos indisponíveis (art.° 34.° da Lei dos Acidentes de Trabalho de 1999), deve o juiz condenar em quantidade superior ao pedido (art.° 74.° do Código de Processo do Trabalho).
Finalmente, importa referir que sobre as quantias vencidas e vincendas relativas à pensão são devidos juros de mora, à taxa de 4/prct. ao ano, até efectivo pagamento das mesmas.
3.3. A responsabilidade do FAT.
Vem afirmado na sentença recorrida que o FAT responde pelo ressarcimento dos danos decorrentes do acidente que vitimou o filho dos apelantes G… e An... uma vez que a entidade empregadora deste foi declarada insolvente e não transferira a sua responsabilidade infortunística para a seguradora relativamente ao mesmo mas nem uma nem outra coisa foi ali julgado provado.
Porém, o n.° 4 do art.° 607.° do Código de Processo Civil estatui que na fundamentação da sentença, (...) o juiz toma ainda em consideração os factos que estão (...) provados por documentos (...) compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência e o n.° 5 que a livre apreciação [da prova pelo juiz] não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes; sendo certo que embora esta norma directamente se reporte ao julgamento da matéria de facto pelo tribunal de 1.ª instância, bem sabemos que também é aplicável aos acórdãos proferidos nessa temática pela relação, ex vi do n.° 2 do art.° 663.° do Código de Processo Civil.
Aqui chegados, bem se compreende que Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2.ª edição, 2014, Almedina, página 121, conclua que determinados vícios que afectam a decisão da matéria de facto acabam por reflectir muitas vezes verdadeiros erros de direito que devem ser sanados pela Relação (ou até mesmo pelo Supremo Tribunal de Justiça), mesmo oficiosamente, sem necessidade de uma expressa declaração da parte interessada, desde que tenha acesso aos meios de prova enunciados pelo tribunal a quo, a respeito de cada facto. Assim sucederá quando se verifique que foi desconsiderado um determinado meio de prova que a lei atribui força probatória plena (v.g. confissão - art.° 358.°, n.° 1 do CC), decidindo o tribunal considerar não provado o respectivo facto. Ou, inversamente, quando for considerado provado determinado facto com recuso exclusivo a meio de prova que a lei considere insuficiente (factos que exigem prova
documental - art.° 364.°, n.° 1 do CC), o que de resto casa na perfeição com a situação sub iudicio: por um lado, o Tribunal a quo decidiu a matéria de facto em apreço julgando provado facto em contramão com o acordado entre os interessados na fase conciliatória quando a lei impunha, como vimos, que o considerasse provado (e por isso adequadamente inscrito nos factos assentes no despacho saneador, nos termos do art.° 131.°, n.° 1, alínea c) do Código de Processo do Trabalho).
Ora, conforme se vê, por um lado dos documentos de folhas 1154 (anúncio publicado no Diário da República) e 1157 (certidão registral do cancelamento da matrícula da sociedade) a entidade empregadora da vítima foi declarada insolvente e extinguiu-se e, por outro, de folhas 452 e 1147 e seguintes (apólice de seguro e folha de férias comunicada pela empregadora à seguradora, respectivamente) a mesma não transferira a sua responsabilidade infortunística para a seguradora relativamente à mesma, sendo certo que esses documentos demonstram a realidade desses factos (art. 32.°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 72/2008, de 16 de Abril, 17.°, n.° 1 e 38.° da Lei dos Acidentes de Trabalho de 1997 e 364.°, n.° 1, 369.°, n.° 1, 371.°, n.° 1, 373.°, n.° 1, 374.°, n.° 1 e 376.° do Código Civil) e por isso aqui os teremos que considerar como provados (e como não provado o facto 2.).
Tendo isso presente e que, inter alia, a lei comete ao Fundo de Acidentes de Trabalho a responsabilidade por garantir o pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho sempre que, por motivo de incapacidade económica objectivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa, ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação, não possam ser pagas pela entidade responsável (art.° 1°, n.° 1, alínea a) do Decreto-Lei n.° 142/99, de 30 de Abril, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei
n.° 185/2007, de 10 de Maio), já se vê que assiste razão aos apelantes e nessa medida deve a sua apelação proceder.
3.4. O valor da acção.
Estabelece o n.° 1 do art.° 120.° do Código de Processo do Trabalho que nos processos de acidentes de trabalho, tratando-se de pensões, o valor da causa é igual ao do resultado da multiplicação de cada pensão pela respectiva taxa constante das tabelas práticas aplicáveis ao cálculo do capital da remição, acrescido das demais prestações.
À data do acidente, a parente sucessível da vítima tinha 29 anos, porquanto o mesmo ocorreu no dia 12-07-2007 (facto provado G.) e esta nasceu no dia 01-06-1978 (vd. documento n.° 3 junta com a petição inicial).
Ora, tendo isso em conta e o disposto na Portaria n.° 11/2000, de 13 de Janeiro, a essa idade corresponde a taxa constantes das tabelas práticas a ela anexas aplicáveis ao cálculo do capital da remição de 17,0130.
Ao produto dessa multiplicação adiciona-se as despesas decorrentes do acidente (no caso, as despesas com o funeral e trasladação do corpo da vítima pagas pelos apelantes seus pais).
Deste modo, o valor da acção é o seguinte:
VA =PxT+D
(6 3.534,10 x 17,0130) + € 1.478,80 = E 61.604,44.
Resta, pois, decidir em conformidade com o atrás exposto e conceder provimento à apelação.
III - Decisão.
Termos em que se acorda conceder provimento à apelação e, em consequência:
1. quanto à impugnação da matéria de facto, julgar provado que:
U. O falecido contribuía mensalmente para o sustento da sua irmã com a quantia de pelo menos € 200,00;
2. nos termos do 2 do art.° 663.° do Código de Processo Civil:
a) julgar provado que:
V. A ré P..., Ld.a foi declarada insolvente no dia 27-06-2012 e a respectiva matrícula cancelada no registo comercial no dia 10-02-2016;
X. E não transferira a sua responsabilidade infortunística para a ré Real Seguros, S. A. (actualmente incorporada na Companhia de Seguros L…, S. A.) relativamente à vítima J…;
b) eliminar o facto julgado não provado em 2.;
3. no que respeita à questão de direito, revogar parcialmente a sentença recorrida e condenar, além do pedido, o Fundo de Acidentes de Trabalho no pagamento à interdita Ma... de uma pensão anual e vitalícia no montante de € 3.534,10 (três mil quinhentos e trinta e quatro euros e dez cêntimos), correspondendo cada prestação mensal a 1/14 da pensão anual a que acrescerão subsídios de férias e de Natal, no valor de 1/14 cada, da pensão anual, nos meses de Maio e de Novembro, desde 12-07-2007, data da morte do sinistrado;
4. relativamente ao mais, manter a sentença recorrida.
Custas pelo apelado (art.° 527.°, n.°S 1 e 2 do Código de Processo Civil).

Lisboa, 06-06-2018.
(António José Alves Duarte)
(Maria José Costa Pinto)
(Manuela Bento Fialho)
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