Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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Processo   Sec.                     Ver todos
 - ACRL de 19-06-2018   Erro notório na apreciação da prova. Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Junção de fotografias em processos judiciais. Crime de devassa da vida privada.
1. Os arguidos quando juntaram fotografias da assistente, nua em poses de cariz sexual, nos processos de divórcio e de regulação das responsabilidades parentais, neste caso através da plataforma CITIUS, não podiam ignorar que a sua divulgação nesses processos, nem podiam ter outro sentido, face às regras da experiência comum e à lógica corrente, que não fosse causarem a devassa da vida privada da assistente.
2. A ideia de que os arguidos ao procederem a essa junção não teriam agido livre, voluntária e conscientemente, com conhecimento de que a visualização das fotografias em causa nos autos causavam a devassa da vida privada da assistente, é contrária à mais elementar regra de experiência de vida, constituindo uma conclusão ilógica e arbitrária.
3. Padece, por isso, a sentença dos vícios de erro notório na apreciação da prova e de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Proc. 175/15.4T9AMD.L1 5ª Secção
Desembargadores:  Margarida Bacelar - Agostinho Torres - -
Sumário elaborado por Ana Paula Vitorino
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Recurso n° 175/15.4T9AMD.L1
5ª Secção
Proc. n°175/15.4T9AMD.L1 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - JL Criminal Amadora -
Juiz 1
ACÓRDÃO
Acordam, em conferência, os juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
No Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - JL Criminal Amadora - Juiz 1, mediante acusação do Ministério Público, foram julgados em processo comum, perante o tribunal singular, com documentação das declarações oralmente prestadas em audiência, os Arguidos a seguir identificados:
Jo..., filho de M… e de M…, natural de natural de Lisboa, nascido em 13.09.1972, divorciado, gestor, residente na Rua …, Carnaxide, e
Nu..., filho de J… e de I…, natural de São Sebastião da Pedreira, Lisboa, nascido em 17.06.1978, advogado, com domicilio em Av. …, Lisboa.
A final, foi decidido julgar a acusação improcedente e, em consequência:
a) Absolver o arguido Jo... da prática de um crime de devassa da vida privada previsto e punido nos termos do artigo 192° n.°1 alínea b) do Código Penal.
b) Absolver o arguido Nu... da prática de um crime de devassa da vida privada previsto e punido nos termos do artigo 192° n.°1 alínea b) do Código Penal.
c) Absolver os demandados cíveis do pedido de indemnização cível formulado pela demandante.
Inconformada, a Assistente A, interpôs recurso da referida decisão, formulando as seguintes conclusões:
1ª - Tendo em consideração o fundamentado supra em I 2- das presentes alegações devem considerar-se provados os factos alegados de que
a) No dia 19-6-2014, pelas 9H25, o arguido Dr. Nu... exibiu ao Dr. M... - entregou-lhe nas mãos para que as examinasse - trinta e duas págs. A4 cópias de fotografias íntimas de nudez da assistente, que o Dr. M... viu.
b) Em tal momento as 32 fotografias não tinham ainda sido apresentadas nem constavam nos processos judiciais que então corriam entre a assistente e o Eng. J....
c) Com a ameaça da apresentação das fotografias, pelas 9H25, os arguidos pretenderam ofender a integridade moral, a imagem e a dignidade pessoal da assistente.
d) Os arguidos tinham consciência - pois expressamente o afirmaram - de que a apresentação das fotografias atingiu e atinge a dignidade pessoal da A. (ora recorrente).
e) Pois as qualificavam, consideravam e declaravam 32 fotografias de carácter erótico- pornográfico e de conteúdo obsceno e lascivo.
f) Com a exibição, apresentação, exposição e publicidade das fotografias a assistente sentiu-se e ainda sente profundamente ofendida na sua personalidade moral.
g) E sofreu e sofre fortíssimo choque e abalo psicológico, querido pelos arguidos.
h) Ao ver dessa forma devassada e publicada a sua intimidade e nudez pela exposição e divulgação das fotos íntimas.
i) Sentiu-se profundamente vexada, humilhada e enxovalhada com essa exibição pública da sua intimidade.
j) Com a exibição, apresentação, exposição e publicidade das fotografias a vítima sentiu-se e ainda sente profundamente ofendida na sua personalidade moral e sofreu e sofre fortíssimo choque e abalo psicológico.
k) Ao ver dessa forma devassada e publicada a sua intimidade e nudez pela exposição e divulgação das fotos íntimas.
1) Sentiu-se profundamente vexada e humilhada com essa exibição pública da sua intimidade.
m) A recorrente sofreu e continua a sofrer muito profundamente na sua personalidade, dignidade, espírito e condição psicológica pela exposição e publicidade das suas fotos íntimas
n) As fotografias apresentadas contêm imagens da intimidade da requerente, causando-lhe muito grande dor e sofrimento pela exposição de que é alvo.
o) O grande e profundo dano moral que os arguidos com os seus narrados actos intencionais infligiram à assistente não será compensado com pagamento, por cada um dos arguidos, inferior a E 35.000,00.
p) Conforme os documentos relativos a 6 meses de rendimentos do arguido Eng. J..., juntos com o PIC, ele recebeu o correspondente a € 4.201,83 líquidos mensais ou € 8.271,79 ilíquidos mensais
2ª - Considerou a douta sentença provado que
Em data não concretamente apurada, mas anterior a 19 de Junho de 2014, o arguido J... entregou ao arguido Nu..., várias fotografias da assistente A..., onde esta constava nua, em poses íntimas de cariz sexual.
O arguido J... entregou estas fotografias ao arguido Nu..., sem o conhecimento e sem o consentimento de A... e para que este as exibisse no âmbito dos autos de divorcio que corriam seus termos neste tribunal, sito na Amadora.
Por sua vez, o arguido Nu... tomou conhecimento o conteúdo das fotografias e, bem sabendo que as mesmas continham imagens da assistente A... nua em poses íntimas de cariz sexual, decidiu exibi-las.
Nesse sentido, no dia 19 de Junho de 2014, no decurso da audiência de discussão e julgamento, que decorreu neste tribunal, o arguido entregou fotocópias das fotografias, requerendo a sua junção aos autos o que fez, e exibindo-as perante os intervenientes nos autos. Tal junção não foi admitida por se entender que a mesma não tinha relevância para os autos.
3ª - Estes factos são sem dúvida reais e verdadeiros e constituem a prática pelo Eng. J... e pelo Dr. Nu... dos crimes previstos e punidos nos artigos 192°, n° 1, al. b) e 199°, n° 2 do Código Penal.
4ª - Porque o Eng. J... divulgou as fotografias ao Dr. Nu... cometeu esses crimes; para que o Dr. A... as divulgasse e este divulgou-as mostrando-as aos intervenientes nos autos, consumaram nestes precisos momentos os crimes, sem despacho nenhum de cobertura, mesmo ilegal e ineficaz.
5ª - É verdade material provada que
Não foi em nenhum processo - mas antes e fora deles - que as fotografias foram divulgadas pelo Dr. Nu...
- Não foi em nenhum processo - mas antes e fora deles -que as fotografias forram divulgadas pelo arguido Dr. Nu... ao Dr. M...
- Não havia nenhuma autorização judicial, mesmo se ilegal e provisória, de o Eng. B... as divulgar ao Dr. A... nem da este as divulgar ao Dr. M...
6ª - Os crimes foram cometidos e consumados pelo Eng. J... e pelo Dr. Nu... em momento anterior
a) À utilização das fotografias ilícitas e proibidas em qualquer processo
b) às 21:56 do dia 19-6-2014
c) à apresentação pelo Citius
d) ao despacho de 19-2-2015, nunca transitado até ser substituído por outro de sentido contrário
E foram cometidos também com essa apresentação no Citius.
7ª - Relevância nenhuma também possuiria pois, por isso, o ininvocável despacho de 19-2-2015, respeitante a posteriores outras divulgações dos documentos e fotografias, quanto a exclusão da ilicitude das condutas de divulgação anteriores a essas posteriores divulgações do Eng. Bexiga e do Dr. Nu... através do Citius.
8ª - O Dr. Nu... desde as 09:25 do dia 19-6-2014 divulgou as fotografias ilícitas e proibidas da vítima em múltiplos lugares e a diversas pessoas.
9ª - O arguido Eng. J... quando divulgou informaticamente as fotografias ao arguido Dr. Nu... e este quando as entregou e divulgou ao Dr. M... pelas 09:25 do dia 19-6-2014, e na sala de audiências da audiência do divórcio, e através do CITIUS, agiram premeditadamente por terem antecipadamente pensado, preparado e organizado essas actuações ilícitas que conceberam e executaram.
10ª - Ambos os arguidos sabiam que era ilícita e proibida a exposição, divulgação, publicação e utilização das fotografias íntimas da vítima e agiram intencional e deliberadamente de forma livre nessa convicção e vontade.
11ª - O Eng. J... e o Dr. Nu..., sabiam que a divulgação e utilização ilícita e proibida das fotografias prejudicava gravemente o interesse dos dois menores e que portanto não as divulgavam no interesse dos menores mas contra o interesse deles e unicamente com o intuito ou propósito de degradar moralmente a imagem da mãe cujo único objectivo tinham em vista com essa divulgação que pois confessavam contrária aos interesses dos dois menores.
12ª - (...) a Constituição elevou à categoria dos direitos fundamentais a conciliação das provas com a dignidade da pessoa humana (179) a ofensa da integridade física ou moral da pessoa é método absolutamente proibido de obtenção de prova (180) são inadmissíveis, por força do art.° 18° da CRP, os meios de prova que lesem o direito ao livre desenvolvimento da personalidade e à reserva da intimidade da vida privada. A lei estabelece os casos em que as provas não devem ser valoradas, ao estatuir no n° 3 do art.° 126° que as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, etc., também não pode(m) ser utilizadas ( Prof. Paulo de Sousa Mendes, Lições de Direito Processual Penal, Almedina, 2014, págs. 179-186.)
13ª - O direito à reserva da intimidade da vida privada não é inferior ao interesse superior das crianças. Pelo contrário, não pode ser cometido o crime da sua violação e é indispensável ao interesse superior das crianças, como veio a ser decidido por despacho transitado, e que fez caso julgado, de 29-9-2015, que considerou necessário à realização desse interesse superior das crianças determinar a erradicação das fotografias ilícitas e proibidas dos autos de regulação.
14ª - Nos autos de regulação das responsabilidades parentais foram os próprios arguidos que em 29-9-2015 requereram a supressão da utilização da prova ilícita e proibida, na confissão ou reconhecimento de que prejudicava ou era contrária ao interesse dos menores.
15ª - Foi proferido despacho a considerar que tal solução - a erradicação desse material - favorece o interesse dos menores e determino que sejam desentranhados dos autos os documentos e sejam inutilizadas quaisquer outras cópias existentes e a sua apresentação e seja proibido o acesso a tais documentos através da plataforma Citius.
Considerou expressamente esse despacho que a erradicação desse material favorece o interesse dos menores, caso contrário tinha-o mantido.
16' - De facto assim é: tal como a posição do MP, do Eng. B... e do Dr. A..., também o douto despacho considerou que a divulgação e utilização das fotografias nos autos de regulação constituía prejuízo para o interesse dos menores.
17ª - Este despacho transitou imediatamente em julgado em 29-9-2015 e fez caso julgado por ser da concordância do Eng. Bexiga, do Ministério Público e da ofendida.
18ª - A douta sentença ora sob recurso não relevou o douto despacho transitado e que fez caso julgado, de 19-6-2014, que não admitiu a utilização ilícita e proibida das fotografias nos autos de divórcio; também não relevou o douto despacho transitado e que fez caso julgado, de 29-9- 2015, que mandou erradicá-las dos autos de regulação por prejudiciais ao interesse dos menores; mas a douta sentença deu valor ao despacho ilegal, provisório, revogado, reparado ou eliminado, de 19-2-2015, que teve a oposição e impugnação da ofendida e do MP - por admitir a utilização de prova ilícita e proibida e prejudicar o interesse dos menores - e que nunca transitou em julgado, nunca fez caso julgado, nem produziu efeito nenhum.
19ª - Não se pode relevar ou invocar aquilo que não existe - o despacho de 19-2-2015 e lançar desvalor aos despachos que realmente existem de 19-6-2014 e de 29-9-2015 estes sim, ao contrário daquele, transitados em julgado e que fizeram caso julgado. O MP não se vê, pois, confrontado com verdadeira questão jurídica da existência desse despacho de 19-2-2015, que não existe nem pode ser invocado porque foi substituído por outro de sentido exactamente contrário. Nem a sentença impugnada. Inexiste a causa de exclusão da ilicitude da conduta dos arguidos indicada pela sentença recorrida.
20ª - O Eng. B... e o Dr. Nu... mostravam pleníssimas consciência e convicção de que a divulgação das fotografias ofendia a integridade física e a imagem da vítima. Eles expressamente o disseram e que as utilizavam para que o Tribunal conheça a verdadeira personalidade moral da autora.
21ª - Ou seja, o Eng. Bexiga e o Dr. A... tiveram o propósito, o dolo directo e específico de devassar a vida privada e íntima da vítima para que o Tribunal conheça a verdadeira personalidade moral dela. E claramente com intenção de devassar a sua vida íntima e privada.
22ª - A actuação do Eng. J... e do Dr. Nu... foi dirigida à devassa da vida privada e íntima da ofendida, condição necessária e pressuposto do que pretendiam, que apenas era alcançável conforme o querer do Eng. J... e do Dr. Nu... através de devassarem a vida privada e íntima da vítima e quiseram assim devassá-la.
23ª - Foi propósito evidente e manifesto do Dr. Nu... proceder à devassa da vida privada e íntima da ofendida, pois era através e por meio dessa devassa que queriam alegar a inidoneidade da ofendida para exercer responsabilidades parentais. Não resta nenhuma dúvida de que quiseram directa e efectivamente devassar.
24ª - O Eng. J... e o Dr. Nu... quiseram para isso propositadamente a devassa pois se não fosse esta não alcançariam o que queriam, pois queria o Eng. J... a guarda exclusiva dos menores (V. fls 351 destes autos).
25ª - A douta sentença atribui efeitos a uma decisão judicial ilegal, de 19-2-2015, que foi reparada ou revogada, como se ela o não tivesse sido.
26ª - Trata-se de despacho - o de 19-2-2015 - que por estar impugnado enquanto não foi proferido o despacho de 29-9-2015 de erradicação da fotografias - que o contrariou, e substituiu, e transitou, e fez caso julgado - nunca se consolidou nem produziu efeitos.
27ª - O despacho de 19-2-2015 nunca foi definitivo. Os únicos definitivos foram o de 19-6-2014 que não admitiu a sua utilização da prova ilícita e o de 29-9-2015 que determinou a sua remoção. O despacho de 19-2-2015 era ilegal e provisório porque estava debaixo de recurso até ser eliminado.
28ª - Transitou - e fez caso julgado - o douto despacho de 19-6-2014 de não admissão da utilização da prova ilícita. Os únicos despachos transitados - e que fizeram caso julgado - foram o de 19-6-2014 de não admissão da utilização da prova ilícita e o de 29-9-2015 de remoção.
29ª - Um despacho - o de 19-2-2015 - provisório e ilegal que é revogado, reparado ou eliminado, que não transitou em julgado, não fez caso julgado, nem pois produziu quaisquer efeitos, não produziu o efeito de exclusão da ilicitude da conduta do Eng. J... e do Dr. Nu... que a douta sentença lhe atribuiu.
30ª - A assistente nunca desistiu do recurso do despacho ilegal de 19-2-2015. O que disse foi: dado o decidido e transitado em 29-9-2015 - a erradicação dos documentos - o recurso ficou sem objecto - V. fls. 177-178 e 267-270 dos presentes autos.
31ª - Declarou textualmente nessa Acta de 29-9-2015: A requerida considera que se se extinguisse por acordo a presente instância, isso tinha como implicação a manutenção nos autos dos documentos a que se refere o requerimento que antecede, sendo que a requerida não podia em tal consentir. Desde que seja deferido o requerimento e assegurado nos autos que não ficará cópia desses ditos documentos, a requerida está de acordo em passar a definitiva a regulação que tem vigorado como provisória. Requer, se forem desentranhados - isto é, se tal for decidido - lhe sejam entregues os documentos em questão e, ficando o recurso sem objecto, não o mantém. Não desistiu do recurso.
32ª - A posição dos arguidos Eng. J... e Dr. Nu... na Conferência de 29-9- 2015 demonstra que não tinham nenhum real interesse na demonstração da inidoneidade moral da vítima pois como se vê de fls 303 a 305 dos autos desde Junho de 1013 até hoje sempre a guarda foi partilhada a meio tempo pelo arguido Eng. J... e pela vítima tendo a iniciativa e proposta desta regulação sido feita pelo arguido Eng. J... e aceita pela vítima. Não era pois o apuramento da idoneidade da vítima que motivava os arguidos Eng. J... e Dr. Nu..., visavam antes e apenas devassar a sua vida privada e íntima e demolir a sua personalidade moral. Em cima de atribuírem à vítima fragilidades psicológicas, emocionais e psiquiátricas.
33ª - Tiveram assim o Eng. B... e o Dr. A... concreto propósito de devassar aspectos da vida privada e íntima da vítima a justificar um elevado grau de censura. Como aliás alegou por fim na audiência o MP, mas estando em manifesto equívoco quanto à existência de causa de exclusão da ilicitude.
34ª - Os crimes do Eng. J... e do Dr. Nu..., previstos e punidos pelos arts.° 192°, n° 1, al. b) e 199°, n° 2 do Código Penal, pelos quais devem ser condenados, foram cometidos fora e antes de qualquer processo judicial e do despacho ilegal, revogado e não transitado de 19-2-2015.
35ª - Conforme os documentos relativos a 6 meses de rendimentos do arguido Eng. J..., juntos com o PIC, ele recebeu o correspondente a E 4.201,83 líquidos mensais ou E 8.271,79 ilíquidos mensais
36ª - Deverá o pedido de indemnização ser julgado procedente nos termos do disposto nos arts.° 71°, 74°, 77° e 377° do CPP.
Nestes termos e no mais de direito na procedência destas respectivas conclusões deve ser dado provimento ao recurso, como é de JUSTIÇA
O Ministério Público e os arguidos responderam às motivações de recurso apresentadas pela Assistente, pugnando pela improcedência do mesmo.
Neste Tribunal, o Exmo.Procurador-Geral Adjunto teve Vista dos autos, emitindo parecer no sentido da improcedência do recurso.
A recorrente, notificada nos termos e para os efeitos previstos no art.° 417°, n° 2 do CPP, quedou-se pelo silêncio, nada tendo vindo alegar.
Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência prevista no art.° 419° do CPP, cumpre agora apreciar e decidir.
FACTOS CONSIDERADOS PROVADOS NA SENTENÇA RECORRIDA São os seguintes os factos que a sentença recorrida indica como estando provados: 2.1.Matéria de facto provada:
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
2.1.1. Em data não concretamente apurada, mas anterior a 19 de Junho de 2014, o arguido J... entregou ao arguido Nu..., várias fotografias da assistente A..., onde esta constava nua, em poses íntimas de cariz sexual.
2.1.2. O arguido J... entregou estas fotografias ao arguido Nu..., sem o conhecimento e sem o consentimento de A... e para que este as exibisse no âmbito dos processos n° 945/13.8T2AMD e 945/13.8T2AMD-B, autos de divorcio e de regulação das responsabilidades parentais, respectivamente, os quais corriam seus termos neste tribunal, sito na Amadora.
2.1.3. Por sua vez, o arguido Nu... tomou conhecimento o conteúdo das fotografias e, bem sabendo que as mesmas continham imagens da assistente A... nua em poses íntimas de cariz sexual, decidiu exibi-las.
2.1.4. Nesse sentido, no dia 19 de Junho de 2014, no decurso da audiência de discussão e julgamento do processo n° 945/13.8T2AMD, que decorreu neste tribunal, o arguido entregou fotocópias das fotografias, requerendo a sua junção aos autos o que fez, e exibindo-as perante os intervenientes nos autos.
2.1.5. Tal junção não foi admitida por se entender que a mesma não tinha relevância para aqueles autos, mas que poderia ter no processo de regulação das responsabilidades parentais.
2.1.6. Por esse motivo, no dia seguinte, o arguido Nu... apresentou requerimento no âmbito do processo n° 945/13.8T2AMD-B, através da plataforma CITIUS, juntando no referido requerimento as fotografias acima descritas disponibilizando-as e desta forma exibindo-as a quem tinha acesso ao referido programa e processo.
2.1.7. A junção das fotografias foi admitida por despacho de 19.02.2015 por se entender que o interesse do menor sobrepõe-se ao interesse de qualquer um dos pais, incluindo o direito destes à reserva da intimidade da sua vida privada.
2.1.8. A assistente é divorciada e tem dois filhos. 2.1.9. Aufere €1960 por mês.
2.1.10. Mora em casa dos pais.
2.1.11. Tem um carro da empresa.
2.1.12.Devido a estes factos a assistente ficou abalada psicologicamente necessitando de acompanhamento médico.
2.1.13. Devido a estes factos a assistente teve um baixo rendimento no seu trabalho tendo sido despedida.
2.1.14. O arguido J... é divorciado, tem dois filhos e mora com a companheira. 2.1.15. Aufere €4.000.
2.1.16. Mora em casa própria.
2.1.17. Tem um veículo automóvel de marca Mazda do ano de 1990.
2.1.18. Tem um MBA.
2.1.19. O arguido Nu... é divorciado, tem dois filhos e mora com a companheira. 2.1.20. Aufere €5.000 por mês e a sua companheira ganha €1.500 mensais.
2.1.21. Mora em casa própria.
2.1.22. Tem um veículo automóvel de matrícula ….
2.1.23. Tem o mestrado em Direito.
2.1.24. Os arguidos não têm antecedentes criminais.
FACTOS CONSIDERADOS NÃO PROVADOS
2.2.1. As fotografias tenham sido tiradas na residência do casal.
2.2.2. Aquando do facto descrito em 2.1.4. as fotografias tenham sido exibidas ao público que se encontrava presente
2.2.3. Ao agir da forma vinda de descrever, os arguidos actuaram sempre de forma livre, voluntária e consciente, com intenção concretizada de devassar a vida privada de A..., designadamente a sua intimidade sexual, bem sabendo que a forma como agiam, ao expor ao público imagens desta em espaços e cenas íntimas, era adequada à obtenção de tal resultado.
A MOTIVAÇÃO DA DECISÃO SOBRE MATÉRIA DE FACTO PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO
O Tribunal a quo fundamentou do seguinte modo a sua convicção quanto aos factos que considerou provados e não provados:
A convicção deste tribunal sobre a matéria de facto provada formou-se com base na avaliação e ponderação de todos os meios de prova produzidos ou analisados em audiência de julgamento, nomeadamente:
- Nas declarações dos arguidos que descreveu as suas condições económicas e sociais, Quanto aos factos o arguido J... não quis prestar declarações.
- Por sua vez o arguido Nu... referiu que o arguido J... lhe entregou as fotografias, que estavam no computador, acessíveis aos filhos, motivo porque ele as decidiu juntar aos respectivos processos, sendo que apenas o fez para salvaguardar o interesse superior das crianças.
- Nas declarações da assistente, A....
A assistente referiu que na audiência do processo de divórcio o arguido Nu... requereu a junção das fotografias aos autos, o que não foi admitido, no entanto as mesmas foram exibidas às partes e à Mma. Juiz.
Esclareceu que as fotografias foram tiradas por ela a pedido do arguido J..., sendo que as mesmas não foram tiradas em casa, designadamente as do varão.
Disse que o computador era do arguido e não era utilizado pelas crianças, sendo que ela apenas o utilizou algumas vezes.
Referiu que depois de sair de casa voltou lá cerca de três vezes para ir buscar as suas coisas mas não voltou a mexer no computador.
No depoimento da testemunha S…, oficial de justiça.
Esta testemunha referiu que estava na diligência em que foi requerida a junção das fotografias, tendo pegado nas mesmas para as entregar à Mma. Juiz e à parte contrária.
No depoimento da testemunha M..., advogado da assistente nos referidos processos.
Esta testemunha referiu que na diligencia dos autos de divorcio o arguido Nu... requereu a junção das fotografias justificando as mesmas com o interesse superior das crianças, ao que a assistente se opôs sendo que a Mma. Juiz não admitiu a sua junção.
No entanto, no dia seguinte viu que o arguido Nu... juntou as fotografias nos autos de regulação das responsabilidades parentais, as quais foram admitidas posteriormente por despacho da Juiz.
No depoimento da testemunha A..., irmã da assistente.
Esta testemunha referiu que estava presente na diligência de divórcio e que no decurso da mesma o arguido Nu... requereu a junção de umas fotografias, o que não foi admitido pela Mma. Juiz.
Disse que posteriormente viu as fotografias porque a assistente lhas mostrou. Para além disso explicou o estado em que a assistente ficou depois destes factos.
- No depoimento da testemunha A..., medico.
Esta testemunha referiu que a assistente foi sua paciente, sendo que a mesma se encontrava deprimida por causa desta situação com as fotografias, tendo sido medicada para o efeito. Disse que o tratamento durou cerca de dois anos.
- No depoimento da testemunha MA..., mãe da assistente.
Esta testemunha testemunhou o estado em que a assistente ficou devido a esta situação. - No depoimento da testemunha S....
Esta testemunha referiu que foi chefe da assistente na altura dos factos.
Disse que antes dos mesmos a assistente tinha um bom rendimento e era boa profissional, mas que depois baixou de produtividade, sendo que a acabou por despedir.
No depoimento da testemunha F..., juiz.
Esta testemunha referiu que no âmbito do processo foi solicitada a junção das fotografias as quais não foram admitidas porque as mesmas não interessavam àquele. No entanto em relação ao processo de regulação das responsabilidades parentais admitiu a sua junção porque entendeu que as mesmas eram pertinentes para a causa, sendo que estava em causa o interesse superior das crianças.
- No depoimento da testemunha N..., médica psiquiátrica.
Esta testemunha referiu que seguiu a assistente de 2013 por a mesma estar num episódio depressivo, sendo que em 2014 a mesma teve alta deixando de a acompanhar.
No depoimento da testemunha M..., mãe do arguido.
Esta testemunha referiu que o filho mudou a fechadura de casa em Fevereiro de 2014, sendo que até essa data a assistente tinha a chave de casa e podia entrar no interior da mesma.
- Nas fotocópias das fotografias de fls.27 a 59.
- Na certidão de fls.87 e 88 no que concerne ao despacho que admitiu a junção das fotografias nos autos de regulação das responsabilidades parentais.
- No Certificado de Registo Criminal, junto aos autos, no que concerne aos antecedentes criminais dos arguidos.
Face à prova produzida em audiência de julgamento e demais prova documental junta aos autos dúvidas não teve o Tribunal em dar como provados os factos supra descritos.
Ou seja dúvidas não existem em como o arguido J... entregou aquelas fotografias da assistente ao arguido Nu..., sendo que este as decidiu juntar aos processos supra identificados. Para tal baseou-se o tribunal nas declarações do segundo arguido.
Também não existem dúvidas em como o arguido Nu... requereu a junção das fotografias no processo de divórcio e que a mesma não foi admitida. Para tal baseou-se o tribunal no depoimento do assistente, da sua irmã, do seu advogado e da Mma. Juiz que presidiu a tal diligência.
Da prova documental junta aos autos e prova testemunhal resulta também demonstrado que no dia seguinte o arguido Numo Aureliano requereu a junção das fotografias nos autos de regulação das responsabilidades parentais, o que foi admitido por despacho.
Por fim do depoimento das testemunhas do pedido cível resultou o estado em que a assistente ficou devido a toda esta situação.
Pelo que daqui duvidas não existem em como estes factos ocorreram, motivo porque os mesmos foram considerados não provados.
Quanto aos factos dados como não provados os mesmos deveram-se a ausência de prova nesse sentido.
Ou seja a própria assistente referiu que as fotografias não foram tiradas em casa de família.
Também da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento resultou que na diligencia de divorcio as fotografias apenas foram exibidas às partes, não o tendo sido feito às pessoas que estavam a assistir à mesma.
Quanto ao elemento subjectivo entende o Tribunal que tendo em conta as declarações do arguido Nu... o mesmo não pode ser dado como provado, uma vez que este arguido disse de forma expressa que a sua intenção nunca foi o de invadir a vida privada da assistente, mas tão só acautelar o interesse das crianças na regulação das responsabilidades parentais.
O OBJECTO DO RECURSO DA ASSISTENTE
Perante os factos considerados provados pela 1ª instância, importa agora curar do mérito dos recursos, tendo-se em atenção que é pelas conclusões que a assistente/recorrente extrai da sua motivação que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem, sem prejuízo para a apreciação de questões de oficioso conhecimento e de que ainda se possa conhecer - Cfr. o Ac do STJ de 3.2.99 in BMJ 484, pág 271; o Ac do STJ de 25.6.98 in BMJ 478, pág 242; o Ac do STJ de 13.5.98 in BMJ 477, pág 263; SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES in Recursos em Processo Penal cit., págs. 74 e 93, nota 108; GERMANO MARQUES DA SILVA in Curso de Processo Penal, vol. III, 2 ed., 2000, pág. 335; JOSÉ NARCISO DA CUNHA RODRIGUES in Recursos, Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal, 1988, p. 387; e ALBERTO DOS REIS in Código de Processo Civil Anotado, vol. V, págs. 362 e 363).«São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal ad quem tem de apreciar» (GERMANO MARQUES DA SILVA, ibidem).
As questões essenciais suscitada pela Assistente (nas conclusões da sua motivação) são as seguintes:
1) Se a sentença recorrida valorou incorrectamente as provas produzidas, violando o princípio da livre apreciação da prova (art° 127° do C.P.P.).
2) Se os factos provados foram erroneamente qualificados, do ponto de vista jurídico.
O MÉRITO DO RECURSO DA ASSISTENTE
1) A PRETENSA AVALIAÇÃO INCORRECTA DA PROVA PRODUZIDA
Embora a Assistente tenha transcrito os factos provados e tenha feito a transcrição de longos segmentos da prova por declarações, não resulta seguramente das conclusões formuladas e também não resulta do corpo da motivação, que tenha sido sua pretensão impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto.
Mas, admitindo, por hipótese de raciocínio, que foi essa a sua pretensão - impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto - certo é que não observou a exigência legal constante do art.° 412°-3 e 4 do CPP - por isso não curou sequer de, indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as concretas provas que impunham decisão diversa da que foi proferida e, ainda, as provas que deviam ser renovadas, dando, assim, integral cumprimento ao disposto no normativo citado
E que, «Quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto nesta modalidade, as conclusões do recurso, por força do estabelecido no artigo 412°, n° 3, do CPP, têm de descriminar: a)Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
Segundo o n° 4 da mesma disposição legal, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n° 2 do artigo 364°, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação, sendo que, neste caso, o tribunal procederá à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa - n° 6.
Para dar cumprimento a estas exigências legais tem o recorrente nas suas conclusões de especificar quais os pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados, quais as provas (específicas) que impõem decisão diversa da recorrida, bem como referir as concretas passagens/excertos das declarações que, no seu entendimento, a tal obrigam, transcrevendo-as, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações, conforme a
jurisprudência fixada no Acórdão do STJ n° 3/2012, de 08/03/2012, D.R. n° 77, Série I, de 18/04/2012.» (Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de Janeiro de 2015, proferido no Proc.974/12. 9PHSNT.L1).
Aliás, mais se verifica que tal omissão decorre quer das conclusões, quer da inerente motivação.
Deste modo, impõe-se considerar precludida a faculdade de, por via do presente recurso, proceder à reapreciação do decidido quanto à matéria de facto.
Sucede, porém, que, este Tribunal pode e deve conhecer oficiosamente de qualquer um
dos vícios elencados nas diversas alíneas do n° 2 do art.° 410° do CPP (cfr. o Acórdão do Plenário das
Secções Criminais do STJ, de 19 de Outubro de 1995. Este aresto fixou a seguinte doutrina obrigatória: É oficioso, para o tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410°, n° 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito, publicado in D.R., I Série - A, de 28 de Dezembro de 1995 e também in BMJ n° 450, p. 72).
Ora - como se vai ver - a decisão recorrida padece, para além do mais, do vício de erro notório na apreciação da prova.
Como é sabido e como resulta expressis verbis do art.° 410°, n° 2, corpo, do CPP, os vícios nele referidos - entre os quais se conta o erro notório na apreciação da prova (cfr. a al. c) do
mesmo preceito) - «têm de resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo o julgamento» (Ac. do STJ de 19/12/1990 proferido no Proc. n° 41 327, apud MAIA GONÇALVES in Código de Processo Penal Anotado e comentado, 11° ed., 1999, p. 743).
Na verdade, «qualquer dos vícios constantes do art.° 410°, n° 2, do Código de Processo Penal tem de resultar do
texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência» (Ac. do STJ de 5/11/1997, proferido no Proc. n° 366/97). «As regras da experiência comum não são senão as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece e respeitam à apreciação de qualquer das hipóteses previstas no n° 2 do art.° 410°» (GERMANO MARQUES DA SILVA in Curso de Processo Penal, vol. III, 2° ed., 2000, p. 339).
Por outro lado, «erro notório na apreciação da prova é o erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta» (GERMANO MARQUES DA SILVA in Curso... cit., vol. cit., p. 341). É claro que - por se tratar de requisito comum a todos os vícios previstos nas diversas alíneas do cit. art.° 410°-2 do CPP -, «só existe erro notório na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta com toda a evidência a conclusão contrária à que chegou o tribunal» (Ac. do STJ de 15/4/1998 (in BMJ n° 476, p. 82), isto é, «quando se dão como provados factos que, face às regras da experiência comum e à lógica corrente, não se teriam podido verificar ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsos» - Ac. do STJ de 10/3/1999 proferido no Proc. n° 162/99 (apud MAIA GONÇALVES in Código de Processo Penal Anotado e comentado, 11 ed., 1999, pp. 744-745) -, ou seja, «quando se dá como provado um facto com base em juízos ilógicos, arbitrários ou contraditórios, claramente violadores das regras da
experiência comum» - Ac. do STJ de 11/10/1995 (in BMJ n° 450, p. 110); Segundo o Ac. do STJ de 25/2/1999 (in BMJ n° 484, p. 288), «contraria notoriamente as regras da experiência comum concluir que o arguido estava na posse dum porta-moedas contendo 43 doses de heroína sem saber o que se encontrava dentro do mesmo porta-moedas, pois o comportamento normal e instintivo de qualquer pessoa que acha um desses objectos é abri-lo para ver o que contém».
Ora, no caso sub judice, é por demais evidente que os Arguidos J… e Nu..., (o primeiro ex-marido da Assistente e o segundo Advogado do arguido J...), não podiam ignorar que a divulgação das fotografias em causa nos autos, não
poderiam ter outro sentido, face às regras da experiência comum e á lógica corrente, que não fosse causarem a devassa da vida privada da Assistente.
A ideia segundo a qual os arguidos Jo... e Nu..., não teriam agido livre, voluntária e conscientemente, com conhecimento de que a visualização das fotografias em causa nos autos causava a devassa da vida privada da Assistente, - é contrária à mais elementar regra da experiência da vida.
É, assim, evidente que a conclusão a que chegou o tribunal a quo, acerca da actuação dos arguidos Jo... e Nu..., é absolutamente ilógica e arbitrária.
A sentença recorrida padece, pois, do vício de erro notório na apreciação da prova.
Por outro lado, ainda que o Tribunal de recurso pudesse em tese sanar o vício do erro notório na apreciação da prova, tal sanação seria sempre parcial e não abriria caminho à definitiva resolução do processo uma vez que se perfila um outro vício que é o de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, na medida em que, a eventual adequação das questionadas fotografias como meio de prova, com relativa pertinência, no âmbito da acção de divórcio dependia desde logo de averiguar o conteúdo do requerimento feito para a sua junção e muito particularmente, a factualidade que com elas se pretenderia demonstrar, tudo isto relevante para a definição do tipo de motivação da conduta dos arguidos, com reflexos na eventual verificação da apontada causa de justificação.
E isto ficou, porém, por apurar, podendo e devendo tê-lo sido.
Assente, que a sentença recorrida enferma, do vício de erro notório na apreciação da prova e de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, impõe-se pois o reenvio dos autos para novo julgamento, nos sobreditos termos.
A existência dos referidos vícios, torna despicienda a apreciação do fundamento de recurso invocado pela Recorrente.
DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em determinar o reenvio do processo para novo julgamento, nos sobreditos termos (art.° 426°, n° 1, do CPP).
Sem custas.
Lisboa, 19 /06/2018
Maria Margarida Bacelar
Agostinho Torres
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