Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Cível
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 - ACRL de 24-05-2018   Reembolso das despesas feitas pelo administrador da insolvência com os serviços prestados pela leiloeira sem a prévia autorização da comissão de credores ou, na falta desta, do juiz, desde que justificados.
1 - A contratação, pelo administrador de insolvência, dos serviços de uma leiloeira para o auxiliar na venda de imóvel apreendido para a massa insolvente carece de prévia concordância da comissão de credores ou, na falta desta, do juiz (art.° 55°, n.° 3, do CIRE).
2 - No entanto, é de admitir o reembolso das despesas feitas pelo administrador da insolvência com os serviços prestados pela leiloeira ou outros auxiliares e técnicos por si contratados sem a prévia autorização da comissão de credores ou, na falta desta, do juiz, contanto que o administrador justifique nos autos os concretos motivos por que não obteve essa prévia concordância, quais as razões da necessidade de contratação desse técnico ou outro auxiliar para praticar o acto ou serviço realizado e que dessa contratação não resulte prejuízo para o devedor ou para os credores da insolvência e da massa insolvente.
3 - A possibilidade de reacção contra os actos do administrador de insolvência está hoje dependente da qualificação desse acto como assumindo «especial relevo para o processo de insolvência», nos termos do art.° 161° do CIRE.
4 - Contudo a declaração de nulidade ou ineficácia desses actos implica a instauração de uma acção declarativa dirigida contra o administrador e contra quem pretenda aproveitar - ou fazer prevalecer - o acto impugnado.
Proc. 10804/14.1T2SNT-D.L1 6ª Secção
Desembargadores:  Manuel Rodrigues - Ana Paula Carvalho - -
Sumário elaborado por Margarida Fernandes
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6.ª Secção
Processo n.° 10.804/14.1T2SNT-D.L1 (Recurso de apelação em separado)
Recorrente: Ministério Público
Recorrida: Massa Insolvente de An...
Relator: Juiz Desembargador Manuel Rodrigues
Adjuntas: Juíza Desembargadora Ana Paula A. A. Carvalho Juíza Desembargadora Maria Manuela Gomes

I - A contratação, pelo administrador de insolvência, dos serviços de uma leiloeira para o auxiliar na venda de imóvel apreendido para a massa insolvente carece de prévia concordância da comissão de credores ou, na falta desta, do juiz (art.° 55°, n.° 3, do CIRE).
II - No entanto, é de admitir o reembolso das despesas feitas pelo administrador da insolvência com os serviços prestados pela leiloeira ou outros auxiliares e técnicos por si contratados sem a prévia autorização da comissão de credores ou, na falta desta, do juiz, contanto que o administrador justifique nos autos os concretos motivos por que não obteve essa prévia concordância, quais as razões da necessidade de contratação desse técnico ou outro auxiliar para praticar o acto ou serviço realizado e que dessa contratação não resulte prejuízo para o devedor ou para os credores da insolvência e da massa insolvente.
III - A possibilidade de reacção contra os actos do administrador de insolvência está hoje dependente da qualificação desse acto como assumindo «especial relevo para o processo de insolvência», nos termos do art.° 161° do CIRE.
IV - Contudo a declaração de nulidade ou ineficácia desses actos implica a instauração de uma acção declarativa dirigida contra o administrador e contra quem pretenda aproveitar - ou fazer prevalecer - o acto impugnado.

Acordam na 6ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I - Relatório
1 Por apenso aos autos de insolvência que correm termos pela Comarca de Lisboa Oeste, Sintra - Juízo de Comércio - Juiz 4, e onde oportunamente foi decretada a insolvência de An..., e concluída a liquidação, veio o Administrador da Insolvência (doravante AI), Br..., proceder, em 17/09/2017, a prestação de contas para cumprimento do disposto nos termos do art.° 62.°, n.°s 1 e 3 do CIRE, relacionando:
1 - Saldo de Caixa
fluxos conta bancaria - Conta N ................... - Banco Santander Totta S.A.
...
Resultado da liquidação
...
Despesas de liquidação
...
2 - Despesas do Administrador Judicial
...
3 - Fluxos de receitas e despesas em conta corrente
...
2. Os credores e a devedora foram regularmente notificados para se pronunciarem e nenhum deles impugnou ou colocou em causa as contas apresentadas.
3. O Ministério Público teve vista no processo para o mesmo fim e por articulado apresentado em 09/11/2017 (cf. ref.ª Citius 109721897, do apenso C) pronunciou-se desfavoravelmente à aprovação das contas apresentadas pelo AI, nos seguintes termos:
«O requerimento de prestação de contas, padece de uma ilegalidade.
De acordo com o art.° 55-3 do CIRE, o administrador da insolvência pode ser coadjuvado por terceiros remunerados, mediante prévia concordância da comissão de credores ou do Juiz.
Ora, o sr. A.I. peticionou o pagamento de um total de 825,16 € a uma leiloeira (tendo o imóvel sido vendido, como é sempre inevitável, ao credor hipotecário).
Todavia o sr. A.I. não informou previamente quais as condições remuneratórias desse prestador de serviço, designadamente nem sequer apresentou o «regulamento das condições de venda» da leiloeira, nem pediu nem obteve a concordância de ninguém para lhe ser prestado tal serviço, nem justificou as razões pelas quais não pediu a necessária autorização.
Por outras palavras, não só não é legal a intervenção nos autos de uma leiloeira, por não ter sido previamente autorizada, como não existe qualquer tipo de razão prática (v.g., numero elevado de bens a vender ou complexidade das vendas desses bens) para a massa insolvente pagar a verba em questão.
O sr: A.I. limitou-se a subcontratar serviços que eram da sua competência executiva.
Neste sentido, veja-se o recente ac. TRP de 20.06.2017, proc. 1079/11.5T2AVR-G.P1, in, www.dgsi.pt.
I - Em sede de prestação de contas do AI, as despesas a reembolsar serão apenas as tidas com a realização de diligências concretas, efectuadas no exercício das suas funções, com referência a cada acto praticado, que tem de ser descriminado e sustentado documentalmente,
II - No que concerne às despesas feitas com os serviços prestados por técnicos ou outros auxiliares, o reembolso das mesmas é possível, mas não basta que o AI se limite a juntar aos autos os documentos comprovativos da realização das respectivas despesas e de presumir que a passividade da comissão de credores é um sinal de aprovação da sua actuação.
III. Pois exige a lei que o AI obtenha a prévia autorização da comissão de credores, e se tal não sucedeu, exige-se que justifique nos autos os concretos motivos por que não obteve essa prévia concordância, v.g. devido a urgência e/ou natureza do acto, e quais as razões por que determinados actos, dada a sua natureza, escapam ao âmbito das tarefas que por lei lhe estão cometidas, daí a necessidade de contratação desse técnico ou outro auxiliar para os realizar.
Em conclusão, não tendo o pagamento à leiloeira cobertura legal, porque a sua intervenção não foi previamente autorizada, nem justificação no plano prático, (porque a simplicidade da diligência não exigia auxilio de terceiros), promovo que o sr. A.I. seja notificada para retificar as contas, retirando delas o valor em causa por não ser legalmente devido pela massa» (Fim de citação).
4. O Exmo. Administrador da Insolvência apresentou resposta em 5/12/2017, nos seguintes termos:
«Quanto ao valor pago à Leiloeira ONEFIX-Leiloeiros, Lda., é prática do signatário no exercício escrupuloso das funções que lhe são atribuídas, enquanto Administrador judicial, recorrer ao auxílio de Leiloeira para a venda do património dos Insolventes.
Salvo melhor entendimento, entende o signatário que o auxílio de uma entidade especializada em vendas é uma mais-valia para os processos, pois, não só permite potenciar as vendas, em face da possibilidade de chegar a um maior leque de interessados - na maioria dos casos as pessoas certas em face dos bens em venda -, como assegura que os bens em venda são visitados/mostrados a qualquer dia e a qualquer hora, garantido assim atingir o maior número de interessados.
Foi com base nestes pressuposto que o signatário escolheu a ONEFIX-Leiloeiros, Lda., enquanto entidade credenciada para o efeito, que tem mostrado bastante sucesso nos processos de venda que tem colaborado com o Administrador Judicial.
Tenha-se presente que mesmo que fosse o signatário a proceder à publicação dos anúncios de venda do mesmo também teria custos, não inferiores certamente aos suportados pela encarregada de venda contratada pelo Administrador Judicial.
Efectivamente, o signatário não pediu, previamente e expressamente, a concordância destes autos para a sua decisão de ser coadjuvado por Leiloeira, todavia, previamente à venda, o signatário enviou para o processo, mandatária dos insolventes, credor hipotecário e demais credores, o anúncio de venda, onde vem expressamente identificada a encarregada de venda, não acolhendo qualquer tipo de oposição ou desagrado por parte dos mesmos (Cópia do requerimento e email em anexo).
Em face do exposto e acreditando que a sua decisão foi a mais benéfica para os interesses da Massa Insolvente, o signatário requer, mui respeitosamente, a V. Exa. Se digne considerar por válidos os esclarecimentos prestados». (Fim de citação).
5. Por sentença datada de 16/01/2018, com a referência Citius 110854749, proferida no apenso de prestação de contas (apenso C), foi decidido `julgar boas as contas apresentadas, apurando-se um saldo de €2.825, 65.
6. Inconformado, o Ministério Público recorreu da sentença e nas respectivas alegações formulou as seguintes conclusões:
«1 - O presente recurso é interposto da sentença proferida nos autos à margem identificados, que julgando irregulares as contas da insolvência, apresentadas pelo sr. Administrador da Insolvência, remeteu a impugnação das mesmas, para a instauração de uma ação declarativa por qualquer interessado em invalidar o ato de contratação da leiloeira e subsequente pagamento de remuneração/honorários com fundamento em que no âmbito do CIRE inexiste a faculdade de impugnação dos atos do administrador e que não teria o legislador pretendido que os resultados da atuação da administrador fossem postos em causa com sanções como a nulidade ou a ineficácia.
2 - Ora de acordo, com o art.° 55-3 do CIRE, o administrador da insolvência, pode ser coadjuvado por terceiros, alias só mediante prévia concordância da Comissão de credores ou do juiz, na falta dessa comissão, pelo que para despoletar o procedimento de coadjuvação, tem ele de obter o acordo prévio da comissão de credores ou do Juiz,
sob pena de não procedendo assim, a utilização de terceiros no exercício da administração da insolvência carecer de base legal.
3 - E assim, se for peticionado qualquer remuneração a terceiros coadjuvantes, sem tal prévia concordância, o seu pagamento pela massa insolvente não pode ser autorizado, devendo o Juiz recusar tal pagamento e não aprovar as contas correlativas.
4 - No caso concreto, a atuação do AI, traduziu-se em mera subcontratação de trabalho, pois a atividade da leiloeira consistiu na prática de atos que são da competência exclusiva dos administradores da insolvência.
5 - Também não tem base legal a teoria de se considerar que a impugnação das contas deve ser feito numa ação cível à parte, desde logo porque viola princípios processuais de celeridade, concentração e da economia processual. Na verdade, não se vê, porque razão um ato irregular e ilegal praticado num processo, tem de ser impugnado noutro processo. Não faz sentido e em termos práticos equivale á desresponsabilização, quer do fiscal quer do fiscalizado.
6 - Na verdade, o Juiz, deste processo (e não de outro processo) tem poderes de fiscalização da atividade dos administradores da insolvência como não poderia deixar de ser.
7 - Compete ao Mmo Juiz (deste processo e não de outro) dar execução ao procedimento legal de julgamento das contas, previsto nos arts.° 62.° a 65.° do CIRE, não julgando válidas as contas apresentadas por violação dos normativos citados e julgá-las na parte em crise, ineficazes para a massa insolvente, devendo o A.I. repor na massa o valor em causa de 819,18 €, respeitante á comisso da leiloeira, indevidamente paga pela massa insolvente.
Nestes termos e nos mais de Direito, requer-se que se admita e julgue procedente o presente recurso nos termos enunciados.»
7. O Exmo. Administrador de Insolvência, apresentou contra-alegações, que rematou com as seguintes conclusões:
«A. Com o Recurso do Recorrente o mesmo apenas pretende desvalorizar o trabalho dos Administradores Judiciais, entre os quais o do Apelante,
B. Tecendo comentários ofensivos, que em nada abonam a favor do processo ou da sentença de que pretende recorrer.
C. Efectivamente, o Recorrente fundamenta o seu Recurso na falta de autorização nos termos do artigo 55.° do CIRE, sendo certo que toda a sua fundamentação se centra na alegada obscuridade da venda.
D. É pois prática do Apelante no exercício escrupuloso das funções que lhe são atribuídas, enquanto Administrador judicial, recorrer ao auxílio de Leiloeira para a venda do património dos Insolventes.
E. Salvo melhor entendimento, entende o signatário que o auxílio de uma entidade especializada em vendas é uma mais-valia para os processos, pois, não só permite potenciar as vendas, em face da possibilidade de chegar a um maior leque de interessados - na maioria dos casos as pessoas certas em face dos bens em venda -, como assegura que os bens em venda são visitados/mostrados a qualquer dia e a qualquer hora, garantido assim atingir o maior número de interessados.
F. Foi com base nestes pressupostos que o signatário escolheu a ONEFTX-Leiloeiros, Lda., enquanto entidade credenciada e autorizada para o efeito, que tem mostrado bastante sucesso nos processos de venda que tem colaborado com o Apelante,
G. Contrariamente ao alegado pelo Recorrente quando refere que na maioria dos casos o imóvel é adjudicado ao credor hipotecário.
H. No que ao caso concreto concerne, a fracção adjudicada ao credor hipotecário, apenas aconteceu após tentada a venda a terceiros, sendo esta a política do signatário que não faz vendas directas, até porque o processo é dos credores e não apenas de um ou de outro.
1. Efectivamente, independentemente do imóvel, a final, ter sido adjudicado ao Credor Hipotecário, o certo é que o mesmo teve várias visitas, para além dos vários telefonemas com pedidos de informação recebidos.
J. Efectivamente, o signatário não pediu, previamente e expressamente, a concordância dos autos de insolvência para a sua decisão de ser coadjuvado por Leiloeira, todavia, previamente e como já referiu, previamente, à venda, o signatário enviou para o Processo, credor hipotecário e demais credores, o anúncio de venda e condições de venda, onde vem expressamente identificada a encarregada de venda não acolhendo Qualquer tipo de oposição ou desagrado por parte dos mesmos (sublinhado do Apelante).
K. Também contrariamente ao alegado pelo Recorrente, continua o Apelante a considerar que a sua decisão foi a mais benéfica para os interesses da Massa Insolvente, não tendo praticado qualquer acto inútil.
L. Acto inútil, pelos vistos, é o conhecimento dado das vendas e respectivas condições, as quais não se opõe e vem depois rejeitar as contas apresentadas, contas, essas, mais do que justificadas e que, insiste-se, são apenas devidas pelo facto da leiloeira adiantar estes valores ao Administrador Judicial, por forma a que este não tenha de mexer no seu orçamento.
M. Assim, porque o Apelante considerou ter dado conhecimento a todos os Credores e ao tribunal a quo das diligências para venda e porque as verbas em causa constituem dívida da Massa Insolvente, dúvidas não podem restar de que é licito ao Apelado efectuar o pagamento das mesmas a quem delas pagou em nome do Administrador Judicial, em benefício da Massa Insolvente,
N. Vender casas não é estar sentado a uma secretária, e os bens aparecem vendidos.
O. É preciso tomar posse dos bens, quer através de arrombamento e troca de fechaduras, quer através da remoção e armazenamento de bens, é preciso mandar fazer placas ou lonas para colocar nos imóveis a publicitar a venda, é preciso publicar anúncios, é preciso ter disponibilidade, quase, 24 horas por dia para atender um telefone e agendar visitas aos imóveis, maioria das vezes ao fim-de-semana.
P. É preciso uma série de actos que a leiloeira adianta ao Administrador Judicial - que na maioria dos casos não tem recursos económicos e conhecimentos para sustentar o andamento normal do processo, até porque só recebe a final - despesas, essas, que mesmo que fossem efectuadas directamente pelo Administrador Judicial o mesmo teria direito a delas ser ressarcido pelo produto da Massa Insolvente.
Q. Estamos a falar de adiantamos de verbas que são efectuadas em benefício da Massa Insolvente e como tal (mesmo que praticadas directamente pelo Administrador Judicial) e não devem sair do seu orçamento.
R. Colocar em causa despesas inexistentes ou injustificadas - o que não foi o caso - é uma situação, agora querer que as despesas com a venda de um imóvel, que são dívidas da Massa, não sejam pagas, é outra,
S. Efectivamente, quer sejam adiantadas pela Leiloeira, quer sejam pagas pelo Administrador Judicial, nos termos do disposto no artigo 51.° n.° 1 c), são dívidas da massa insolvente as dívidas emergentes dos actos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente.
T. Pelo que, e como andou bem o douto tribunal a quo, concretizado que está o pagamento à leiloeira, e não tendo havido até ao momento qualquer oposição à intervenção da leiloeira, a exigência de responsabilidade ao Administrador Judicial depende da instauração de uma ação declarativa por qualquer interessado em invalidar o ato de contratação da leiloeira e subsequente pagamento de remuneração/honorários.
U. Isto porque no âmbito do CIRE inexiste a faculdade de impugnação dos atos do Administrador Judicial (ao contrário do art.° 136° do CPEREF), e não terá o legislador pretendido que os resultados da atuação do Administrador Judicial sejam postos em causa com sanções como a nulidade ou a ineficácia - vide a este propósito o Ac. do TRL, de 27.11.2014, proc. 2503/12.5 TBPDL-O-L1-2, relatado pela desembargadora Teresa Albuquerque, in www.dgsi.pt.
V. Em face de tudo o atrás exposto, o presente recurso é desprovido de qualquer fundamento, pois a decisão recorrida é inatacável pois,
W. De modo algum, o Recorrente consegue atacar a bem elaborada e fundamentada decisão do Excelentíssimo Senhor Juiz do Tribunal a quo, para a qual nos remetemos inteiramente.
Nestes termos, negando provimento ao recurso interposto e confirmando a douta sentença recorrida, farão V. Exas. a esperada e costumada Justiça.
8. Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II - Objecto do recurso e sua delimitação:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do recorrente (artigos 5.°, 635°, n.° 3 e 639°, n.°s 1 e 3, do CPC), sem prejuízo do conhecimento das questões de que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.° 608, n.° 2., ex vi do art.° 663°, n° 2, do mesmo diploma legal. E porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Consoante resulta das conclusões das alegações do Recorrente, constitui objecto do presente recurso saber se deve considerar-se injustificada a verba de 819,18€ paga à Leiloeira ONEFIX pela venda do imóvel integrante da massa insolvente e nessa parte julgar as contas apresentadas ineficazes para a massa insolvente, dedo o AI repor na massa o valor em causa.
III - Fundamentação:
A) Motivação de Facto:
Os factos com relevância para a apreciação do presente recurso são os que estão enunciados no supra elaborado relatório e, para além desses, o seguinte circunstancialismo fáctico processual:
1. Em 17/06/2014 foi declarada a insolvência de An...;.
2. Foi nomeado Administrador de Insolvência Br...;
3. Para a Massa Insolvente foi apreendida a fracção autónoma designada pela letra Q do prédio sito na Rua do Casal, n.° 29 e Impasse da Sagrada Família, 19, 21, 23 e 25, Agualva e Mira-Sintra, descrito na CRP de Sintra sob o n.° 323;
4. Não foi nomeada comissão de credores;
5. O Administrador de Insolvência optou pela modalidade de venda por meio de proposta em carta fechada, tendo solicitado a intervenção da empresa Onefix - Leiloeiros, Lda.;
6. A leiloeira publicitou um anúncio de vendas;
7. O prédio apreendido foi adjudicado ao credor hipotecário;
8. O Administrador de Insolvência procedeu ao pagamento à supramencionada leiloeira da quantia de € 819,18 (IVA incluído) a título de promoção de venda do imóvel;
9. Não existe qualquer despacho judicial a autorizar a AI a recorrer à referida leiloeira para auxílio na concretização da venda, nem declaração expressa de consentimento nesse sentido por parte de credores;
10. Previamente à venda, o Administrador de Insolvência enviou para o processo, credor hipotecário e demais credores, o anúncio de venda e respectivas condições, no qual vem expressamente identificada, como encarregada de venda, a Leiloeira ONEFIX, por si subcontratada;
11. Tal anúncio não sofreu qualquer tipo de oposição ou reparo por parte dos credores ou do Tribunal a quo.
B) Motivação de Direito:
1. A questão a decidir é a de saber se deve considerar-se injustificada a verba de 819,18€ paga à Leiloeira ONEFIX pela venda do imóvel integrante da massa insolvente e nessa parte julgar as contas apresentadas ineficazes para a massa insolvente, devendo o AI repor na massa o valor em causa.
2. Para melhor compreensão do alcance do recurso interposto - e do alcance do que resulta transitado em julgado, em função da inexistência de recurso por parte do Recorrente, dos Credores e da Devedora, relativamente à modalidade da venda escolhida pelo AI, condições da venda e subcontratação da Leiloeira - atente-se no teor da decisão recorrida:
«No caso concreto a questão polémica reside na assunção e pagamento da despesa de € 819,18 à leiloeira por conta de serviços por ela prestados no âmbito da liquidação.
Sucede que o ar. 55° n.° 3, do GIRE exige que o recurso a auxiliares na venda, onde se inclui a leiloeira, dependa da autorização da comissão de credores ou do juiz. -
Ora, no caso concreto, o recurso à prestação de serviços de uma leiloeira pelo administrador de insolvência foi feita sem a permissão legalmente necessária.
Todavia, concretizado que está o pagamento à leiloeira, e não tendo havido até ao momento qualquer oposição do credor hipotecário à intervenção da leiloeira, a exigência de responsabilidade ao administrador de insolvência depende da instauração de uma ação declarativa por qualquer interessado em invalidar o ato de contratação da leiloeira e subsequente pagamento de remuneração/honorários.
Isto porque no âmbito do CIRE inexiste a faculdade de impugnação dos atos do administrador (ao contrário do art.° 136°, do CPEREF), e não terá o legislador pretendido que os resultados da atuação do administrador sejam postos em causa com sanções como a nulidade ou a ineficácia - vide a este propósito o Ac. do TRL, de 27.11.2014, proc. 2503/12.5 TBPDL-O-LI -2, relatado pela desembargadora Teresa Albuquerque, in www.dgsi.pt.
Assim, as contas apresentadas pelo Administrador da Insolvência, sob a forma de conta corrente, retratam os movimentos a crédito e a débito efetivamente realizados e contêm os elementos suficientes para representar a massa insolvente, apurando-se um saldo de € 2.825, 65, sem contar com os valores respeitantes às custas devidas e remuneração variável» (Fim de citação).
3. Da decisão em crise decorre que o Exmo. Juiz a quo entendeu que, tal como decorre do disposto no n.° 3 do art.° 550 CIRE, o Exmo. Administrador da Insolvência devia ter requerido a autorização do juiz para ser coadjuvado pela leiloeira, mas que tal questão estava ultrapassada e não constituída entrave à aprovação da despesa em causa, dada a circunstância de não ter havido oposição do credor hipotecário à intervenção daquela auxiliar da venda e ainda porque a possibilidade de reacção contra os actos do administrador está hoje mais limitada e implica a instauração de uma acção declarativa dirigida contra quem pretenda aproveitar - ou fazer prevalecer - o acto atacado, e contra o administrador infractor. Assim é porque, conforme muito bem salienta o Exmo. Juiz a quo, com respaldo no Acórdão desta Relação de Lisboa, de 27/11/2014, proc. 2503/12.5TBPDL-O-L1-2, relatado pela Exma. Desembargadora Teresa Albuquerque, acessível em wwvri,.dgsi.pt., o legislador (por confronto com o anterior art.° 136° do CPEREF) não terá pretendido que os resultados da actuação do administrador sejam postos em causa com sanções como a nulidade ou a ineficácia.
4. No caso sub judice, não foi apenas o credor hipotecário, mas também os demais credores e o Tribunal a quo quem não reagiu contra a intervenção da Leiloeira ONEFIX, sendo que o podiam ter feito quando lhes foi dado conhecimento do anúncio da venda, contendo a modalidade da venda, demais condições e a identificação daquela entidade como encarregada da venda.
5. No intróito das alegações e na conclusão Ia da apelação, o Recorrente alega, contra a realidade dos factos, que o recurso é interposto da sentença proferida (...) que julgando irregulares as contas da insolvência, apresentadas pelo sr. Administrador da Insolvência, remeteu a impugnação das mesmas, para a instauração de uma acção declarativa por qualquer interessado em invalidar o ato de contratação da leiloeira e subsequente pagamento ....
Porém, a verdade é que nem os credores nem a devedora insolvente se pronunciaram desfavoravelmente sobre as contas apresentadas, na oportunidade do n.° 1 do artigo 64° do CIRE, pelo que não se antolha o interesse dos mesmos numa eventual impugnação judicial e, de outra banda, a sentença em crise julgou boas as contas apresentadas e não irregulares, como se afirma.
Acresce que os credores e a devedora insolvente não interpuseram recurso da sentença em crise, pelo que, nesta perspectiva, sempre se terá de considerar ultrapassada, relativamente aos mesmos, a questão da não autorização do juiz para a contratação pelo AI da leiloeira ONEFIX como auxiliar na venda do imóvel integrante da massa insolvente.
O Recorrente, bem vistas as coisas, insurge-se, contra a aprovação, pelo Exmo. Juiz a quo, das contas apresentadas pelo AI, na parte respeitante ao pagamento, no montante de 819,18@, dos serviços prestados pela referida leiloeira, e pretende que, nesta parte, as contas sejam julgadas ineficazes para a massa insolvente e que o AI reponha na massa o valor em causa com o argumento de que a intervenção daquela leiloeira não foi previamente autorizada, nem teve justificação no plano prático, arremessando, sem qualquer sustentação factual, diga-se em abono da verdade, que a simplicidade da diligência não exigia auxílio de terceiros, nem esse terceiro teve qualquer influência na venda dos bens.
6. O Exmo. Administrador da Insolvência, contrapôs, na resposta ao parecer desfavorável do Ministério Público, ora Recorrente, e nas conclusões do recurso, no que aqui releva, o seguinte:
(...) entende o signatário que o auxilio de uma entidade especializada em vendas é uma mais-valia para os processos, pois, não só permite potenciar as vendas, em face da possibilidade de chegar a um maior leque de interessados - na maioria dos casos as pessoas certas em face dos bens em venda -, como assegura que os bens em venda são visitados/mostrados a qualquer dia e a qualquer hora, garantido assim atingir o maior número de interessados.
Foi com base nestes pressupostos que o signatário escolheu a ONEFIX¬Leiloeiros, Lda., enquanto entidade credenciada e autorizada para o efeito, que tem mostrado bastante sucesso nos processos de venda que tem colaborado com o Apelante,
Contrariamente ao alegado pelo Recorrente quando refere que na maioria dos casos o imóvel é adjudicado ao credor hipotecário.
No que ao caso concreto concerne, a fracção adjudicada ao credor hipotecário, apenas aconteceu após tentada a venda a terceiros, sendo esta a política do signatário que não faz vendas directas, até porque o processo é dos credores e não apenas de um ou de outro.
Efectivamente, independentemente do imóvel, a final, ter sido adjudicado ao Credor Hipotecário, o certo é que o mesmo teve várias visitas, para além dos vários telefonemas com pedidos de informação recebidos.
(...)
(...) a sua decisão foi a mais benéfica para os interesses da Massa Insolvente, não tendo praticado qualquer acto inútil.
Vender casas não é estar sentado a uma secretária, e os bens aparecem vendidos.
É preciso tomar posse dos bens, quer através de arrombamento e troca de fechaduras, quer através da remoção e armazenamento de bens, é preciso mandar fazer placas ou lonas para colocar nos imóveis a publicitar a venda, é preciso publicar anúncios, é preciso ter disponibilidade, quase, 24 horas por dia para atender um telefone e agendar visitas aos imóveis, maioria das vezes ao fim-de-semana.
É preciso uma série de actos que a leiloeira adianta ao Administrador Judicial - que na maioria dos casos não tem recursos económicos e conhecimentos para sustentar o andamento normal do processo, até porque só recebe a final - despesas, essas, que mesmo que fossem efectuadas directamente pelo Administrador Judicial o mesmo teria direito a delas ser ressarcido pelo produto da Massa Insolvente.
Estamos a falar de adiantamos de verbas que são efectuadas em beneficio da Massa Insolvente e como tal (mesmo que praticadas directamente pelo Administrador Judicial) e não devem sair do seu orçamento.
Colocar em causa despesas inexistentes ou injustificadas - o que não foi o caso - é uma situação, agora querer que as despesas com a venda de um imóvel, que são dívidas da Massa, não sejam pagas, é outra,
Efectivamente, quer sejam adiantadas pela Leiloeira, quer sejam pagas pelo Administrador Judicial, nos termos do disposto no artigo 51.° n.° 1 c), são dívidas da massa insolvente as dívidas emergentes dos actos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente.
7. Ora, só podemos considerar pertinentes, com apoio na lei e na jurisprudência, os argumentos esgrimidos e as justificações apresentadas, quer pelo Exmo. Juiz a quo, quer pelo Exmo. Administrador da Insolvência.
Vejamos.
7.1. O Recorrente invoca, em abono da sua tese, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 20/06/2017, Proc. 1079/11.5T2AVR-G.P1, relatado pela Exma. Desembargadora Anabela Dias da Silva, acessível em www.dgsi.pt.
Não obstante, uma leitura mais atenta do referido aresto, para que nos remete, aliás, o ponto III do respectivo sumário, deixa perceber que no mesmo se ponderou que nos casos em que o AI não obtenha autorização prévia da comissão de credores [ou do juiz], também é possível o reembolso das despesas feitas com os serviços prestados por técnicos ou outros auxiliares, contanto que o AI junte aos autos os documentos comprovativos da realização das respectivas despesas e justifique nos autos os concretos motivos por que não obteve essa prévia concordância, v.g., devido a urgência e/ou natureza do acto, e quais as razões por que determinados actos, dada a sua natureza,
escapam ao âmbito das tarefas que por lei lhe estão acometidas, daí a necessidade da contratação desse técnico ou outro auxiliar para os realizar.
7.2. Por sua vez, o Exmo. Juiz a quo e o Recorrido estribam-se no Acórdão desta Relação de Lisboa, de 27/11/2014, Proc. n.° 2503/12.5.TBPDL-O.L1-2, relatado pela Exma. Desembargadora Teresa Albuquerque e acessível em www.dgsi.pt., cujos fundamentos se ajustam mais ao caso vertente.
No referido aresto ponderou-se, além do mais e com interesse para o caso concreto:
«Parece no entanto que o legislador não terá pretendido que os resultados da actuação do administrador que aja sem ter obtido aquela autorização, ou sem facultar a referida pronúncia ao credor que tenha garantia real sobre o bem a alienar - bem como noutras situações em que o mesmo tenha prescindido de autorizações ou pronúncias prévias - sejam postos em causa através de sanções como a nulidade, ou mesmo, em regra, a respectiva ineficácia, pois que, ao contrário do que sucedia no âmbito do CPEREF - cf respectivo art.° 136° - não existe agora no regime do CIRE a faculdade de impugnação dos actos do administrador.
A verdade é que, «decerto com o objectivo da dinamização e eficiência do processo - instrumentos determinantes da melhor satisfação possível dos interesses dos credores, que constitui a finalidade visada pelo instituto da insolvência - reforçou-se a competência do administrador», reforço que resulta, também de, em regra, não ser possível reagir contra os seus actos «em termos de os poder afectar, diferentemente do que antes sucedia», sem prejuízo, no entanto, da sua responsabilização pessoal perante os credores, nos termos do art.° 59°, máxime no seu n° 2.
Com efeito, a possibilidade de reacção contra os actos do administrador está hoje dependente da qualificação desse acto como assumindo «especial relevo para o processo de insolvência» (o que implicará, segundo se crê, que o mesmo cumule em si as quatro características enunciadas no n. ° 2 do art.° 161° do CIRE ['J) mas, mesmo assim, a ineficácia desse acto quando praticado sem o prévio consentimento da comissão de credores, ou quando esta não exista, da assembleia de credores - n. ° 1 desse art. ° 161° - ficou reservada, segundo o art. ° 163°, para as situação em que «as obrigações assumidas pelo administrador da insolvência excedam manifestamente as da contraparte», sendo que a declaração dessa ineficácia implicará «a instauração de uma acção declarativa dirigida contra quem pretenda aproveitar - ou fazer prevalecer - o acto atacado, e contra o administrador infractor» [$], o que implica, como é evidente, um significativo esforço processual que poucas vezes será desenvolvido.
Tudo isto para concluir que o Exmo Administrador da insolvência de C... Lda (devendo também ter ouvido o B... a respeito da modalidade da venda que perspectivava para a liquidação da massa insolvente - venda através de estabelecimento de leilão - ao invés de apenas a ter informado dessa modalidade e de lhe ter solicitado a fixação dos valores de avaliação dos imóveis sobre que detinha garantia real) devia ter obtido a autorização do juiz do processo a respeito das condições para essa venda, máxime do preço a pagar à leiloeira, pois que o mesmo comporta manifestamente obrigações para a insolvência.
Não o tendo feito e nenhuma reacção tendo advindo dos credores- em que se inclui o B... enquanto credor hipotecário relativamente a oito dos imóveis compreendidos na massa insolvente que nada objectou à modalidade da venda no espaço compreendido entre o momento em que foi avisado pelo Administrador do preço base fixado e a própria realização do leilão em que participou - a venda realizada não é nula, e tão pouco ineficaz, apenas podendo produzir a responsabilização pessoal do Exmo Administrador, como decorre, em última análise, do despacho recorrido».
E mais adiante, prossegue o mesmo aresto:
«O art. ° 55°/3 do CIRE refere a respeito das funções e do exercício das mesmas pelo administrador da insolvência: «O administrador da insolvência, no exercício das respectivas funções, pode ser coadjuvado sob a sua responsabilidade por técnicos ou outros auxiliares, remunerados ou não, incluindo o próprio devedor, mediante previa concordância da comissão de credores ou do juiz, na falta dessa comissão».
Como resulta do n.° 1 al a) desse art. ° 55° cabe ao administrador promover a alienação dos bens que integram a massa insolvente.
De todo o modo, e como é assinalado no Ac RC C 18/1/2011, «é suposto que o administrador reúne os requisitos pessoais e técnicos necessários e os conhecimentos suficientes para bem desempenhar as funções que lhe são legalmente atribuída, não estando excluído que, por assim ser, não necessite de ser coadjuvado por técnicos ou outros auxiliares na actividade de liquidação da massa insolvente».
Mas quando entenda que o necessita - como será o caso normal numa liquidação de médio volume - quem escolha para a ajudar nessa função comportar-se-á como seu auxiliar, valendo a respeito deste o disposto no art. ° 59°/3, segundo o qual «o administrador da insolvência responde solidariamente com os seus auxiliares pelos danos causados pelos actos e omissões destes, salvo se provar que não houve culpa da sua parte, ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos» .
Para os efeitos do n.° 3 do art. ° 55°, tanto é «auxiliar» na actividade de liquidação da massa insolvente, a leiloeira que é escolhida pelo administrador para proceder à venda em estabelecimento de leilão, como o é a leiloeira de que o próprio administrador se socorra para encontrar um preço base para a venda por negociação particular. De um modo ou de outro o administrador da insolvência está a socorrer-se de auxiliares para o desempenho da prática dos actos necessários à alienação dos bens que integram a massa insolvente, função que lhe compete».
8. Acolhemos, sem reservas, as considerações expendidas no referido acórdão do TRL, de 27/11/2014, tal como perfilhamos o entendimento expresso no acórdão do TRP, de 20/06/2017, no sentido de que também é possível o reembolso das despesas feitas com os serviços prestados por técnicos ou outros auxiliares, contanto que o AI junte aos autos os documentos comprovativos da realização das respectivas despesas e justifique nos autos os concretos motivos por que não obteve essa prévia concordância.
Nos autos está em causa um pagamento no valor de 819,18€ (de um total de 825,16€ relacionados nas contas como pagamentos à ONEFIX) a uma leiloeira contratada pelo AI para se encarregar da venda do imóvel apreendido para a massa insolvente, despesa que compreende o custo dos serviços e encargos com a venda (v.g. publicitação da venda e dos anúncios), sendo que os custos com a publicitação da venda sempre teriam de ser reembolsados ao AI se tivessem sido suportados por si.
Parece ser dado adquirido das regras de experiência que as mediadora imobiliárias, bem como as empresas leiloeiras, pelo próprio objecto social que prosseguem, possuem uma estrutura de pessoal com formação adequada e conhecimentos técnicos (know how) que os administradores de insolvência não possuem, concordando-se, assim, com a explicação dada pelo Recorrido que o auxílio de uma entidade especializada em vendas é uma mais-valia para os processos, pois, não só permite potenciar as vendas, em face da possibilidade de chegar a um maior leque de interessados (...) como assegura que os bens em venda são visitados/mostrados a qualquer dia e a qualquer hora, garantindo assim atingir o maior número de interessados.
Consideramos, em suma, que o AI, aqui Recorrido, não só comprovou documentalmente nos autos a realização da despesa em causa, no montante de 819,18€, como justificou os motivos por que não obteve a prévia concordância do Juiz do processo de insolvência para a contratação da leiloeira para o auxiliar na venda do imóvel apreendido para a massa insolvente.
Por outro lado, não é despiciendo ponderar que, nem o Tribunal a quo, nem os credores ou a devedora insolvente alguma vez informaram o AI de que a coadjuvação por si promovida e de que se inteiraram com o anúncio/publicitação da venda não seria admitida e que as despesas associadas à mesma não seriam aceites, criando o seu silêncio uma legítima convicção no sentido de os custos por si apresentados serem aceites.
Em tal contexto, propendemos a pensar que uma decisão de não julgar justificadas tais despesas seria violadora dos princípios da confiança e da colaboração, visto que todo o processo se desenrolou de forma a criar no AI a expectativa de que a adjudicação havia sido aceite.
O artigo 58° do CIRE dispõe que o administrador de insolvência exerce a sua actividade sob a fiscalização do juiz, que pode, a todo o tempo, exigir-lhe informações sobre quaisquer assuntos ou a apresentação de um relatório da actividade desenvolvida e do estado da administração e da liquidação.
Contudo, é pertinente lembrar que o administrador de insolvência deve, no exercício das suas funções, considerar-se um servidor da justiça e do direito (art.° 16° da Lei 32/2004 de 22/07).
Ora, como se ponderou, muito a propósito, no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 19/03/2013, Proc. n.° 1464/0.OTBGMR-H.G1, relatado pela Exma. Desembargadora Manuela Bento Fialho e acessível em www.dgsi.pt., «a obtenção daquelas informações e relatórios tem particular relevo na possibilidade de o juiz efectivamente controlar a legalidade da actividade desenvolvida pelo administrador. Mas não lhe confere o poder de o instruir ou impedir de actuar. E, se o poder conferido ao juiz não substitui o dever de informação do administrador de insolvência, também nos parece que aquele que tem o poder, o deve exercer efectivamente, o que implica tomar as providências adequadas quando a actividade do administrador indicie que o mesmo extravasa as competências que lhe são próprias.
Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, acentuam que o ajustamento estratégico da posição do juiz (efectuada pelo Código) tem a virtualidade de acentuar dois vectores fundamentais no processo de insolvência - o da crescente privatização do processo , que deixa aos credores uma larga margem de intervenção na tutela dos seus interesses; e o da crescente confinação do papel do juiz ao de garante da legalidade (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Júris, 268)».
Revertendo ao caso concreto diremos que o AI adjudicou serviços sem obter a concordância do Tribunal - no caso, e no que para aqui releva, os serviços de uma empresa leiloeira.
Porém, foi dando conhecimento dos actos a vários passos, sem que algum reparo lhe fosse feito. Ou sem que alguma decisão fosse tomada.
Criou, pois, o Tribunal a quo uma legítima convicção no AI de que estava a proceder em conformidade. Significa isto que, não só foi criada uma situação objectiva de confiança - dado o conhecimento da adjudicação dos serviços, nenhum reparo se efectuou -, como também se permitiu o investimento nessa confiança - o administrador continuou a relatar os actos, sem que houvesse pronúncia em contrário, a não ser pelo Ministério Público, ora Recorrente, e somente aquando da prestação de contas.
Ora, como se refere, doutamente, no referido aresto do TRG, de 19/03/2013, «a tutela da confiança está legalmente protegida através do princípio da protecção da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito democrático, que, como se sabe, postula um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas que lhes são juridicamente criadas, censurando as afectações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas. Entende-se, por via dele, que está garantida uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, pelo que a afectação de expectativas será inadmissível quando se prefigure algo com que, razoavelmente, os destinatários das normas não possam contar e quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes. Assim, porque o Estado é um estado de legalidade, em que as pessoas organizam as suas vidas tendo em conta o quadro legal existente em cada momento, também nos parece que, sendo os tribunais órgãos de soberania na organização do Estado, não podem deixar que se criem expectativas que, depois são coarctadas por força ou em consequência da sua própria inércia (Fim de citação).
Por tudo isto, embora propendamos a pensar que neste caso concreto o Recorrido tenha negligenciado os seus deveres funcionais no que se reporta à necessidade de obtenção de prévia concordância judicial acerca da contratação da leiloeira, também nos parece que o Tribunal a quo permitiu que se firmasse uma convicção de normalidade nesta actuação.
Por todas as razões apontadas, não se vê que as contas, na parte relativa à despesa, no montante de 819,18€, relacionada com a prestação de serviços pela leiloeira ONEFIX, devam ser julgadas ineficazes.
A despesa foi comprovada por documentos junto aos autos, não é excessiva como sustenta o Recorrente, bem pelo contrário (representa apenas 2,04/prct. do valor da venda, que foi de 40.000,00€), o AI justificou os motivos por que não obteve a prévia concordância do juiz do processo de insolvência para a contratação da leiloeira e não se olvide que a conduta do Tribunal e dos demais intervenientes firmou no mesmo uma convicção de normalidade na sua actuação.
Nem se diga também, como o sustenta o Recorrente, - depois de afirmar, contraditoriamente, diga-se, desconhecer os actos ou diligências concretamente praticados pela leiloeira - que a actividade desta auxiliar foi completamente inútil e redundou num prejuízo para a massa insolvente e para os credores, até porque o imóvel acabou por.ser adjudicado ao credor hipotecário.
Desde logo, porque o que a adjudicação do imóvel (fracção Q) tem apoio na lei e decorre naturalmente da posição privilegiada do credor hipotecário e o preço a pagar pelo mesmo resultou compensado com o valor do crédito de que era titular.
Bem andou, pois, o Tribunal a quo em julgar boas as contas apresentadas pelo Exmo. Administrador da Insolvência.
Por conseguinte, improcedem as conclusões do Recorrente, devendo confirmar-se a sentença recorrida.
IV - Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar a apelação improcedente e em confirmar a sentença recorrida.

Sem custas - artigo 4°, n.° 1, alínea a), do Regulamento das Custas Processuais.
Registe e notifique.

Lisboa, 24 de Maio de 2018
Manuel Rodrigues
Ana Paula A. A. Carvalho
Maria Manuela Gomes
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