Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Cível
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 - ACRL de 10-05-2018   Apreensão de veículo num inquérito criminal. Art.s° 20.º n.º 4 e 32.º n.º 2 da CRP. Art.º 60º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Duração do processo.
1. Cabe à Relação, se dispuser nos autos dos necessários elementos (documentos e gravação dos depoimentos), substituir-se à primeira instância no suprimento da deficiência na indicação, na sentença, dos factos provados relevantes para o julgamento do litígio (al. c) do n.º 2 do art.° 662.° do CPC).
2. A responsabilização civil do Estado pela atuação do Ministério Público no exercício da orientação e condução do inquérito criminal, rege-se pela norma, diretamente aplicável, inscrita no art.° 220º da CRP, com recurso à concretização contida, à data dos factos, no Decreto-Lei n.° 48051, de 21.11.1967.
3. No que concerne à dilação temporal assacada à apreensão e restituição de um veículo no âmbito de um inquérito criminal, haverá ainda que atentar nos comandos constitucionais vertidos no art.° 20.º n.º 4 (Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo) e 32.º n.º 2 (Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa) e, bem assim, à jurisprudência que nesta matéria tem sido consolidada pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos por referência à interpretação e aplicação do art.° 60, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
4. O TEDH tem reiterado que o caráter razoável da duração de um processo deve ser apreciado de acordo com as circunstâncias do caso em concreto, à luz de critérios como a complexidade do caso, o comportamento do requerente e o das autoridades envolvidas, bem como, se for relevante, a particular importância do litígio para o requerente, concluindo-se com uma perspetiva global ou de conjunto.
5. Embora os prazos fixados no CPP para a duração do inquérito não sejam perentórios, mas apenas ordenadores, e a razoabilidade da duração do processo não seja aferida, pelo menos necessariamente, pelo cumprimento dos prazos legalmente previstos, estes não deixam de, no caso de gritante ultrapassagem dos mesmos, impor à autoridade que a eles estiver sujeita o ónus de fundamentar esse desrespeito.
6. Constatando-se que entre a apreensão de um motociclo no âmbito de um inquérito crime, após audição informal do seu proprietário quanto às circunstâncias da sua aquisição em Moçambique, e a sua restituição àquele - que entretanto fora constituído arguido -, decorreram sete anos e nove meses, sendo imputáveis às autoridades portuguesas (Polícia Judiciária e Ministério Público) cerca de quatro anos de desnecessário arrastar do processo (além de dois anos e três meses imputáveis a atraso das autoridades sul-africanas na resposta ao pedido de informações que justificadamente lhes havia sido dirigido pela PJ), foi ilícita e culposamente desrespeitado o direito do A. a uma decisão em prazo razoável, no âmbito de um processo penal.
7. Tal facto ilícito, imputável ao Estado pelo menos a título de mau funcionamento do serviço (faute du service), concederá ao lesado o direito a uma indemnização, se se verificarem os outros pressupostos da responsabilidade civil, que são a ocorrência de dano, atribuível ao facto ilícito por um nexo de causalidade adequada, em termos idênticos aos da lei civil.
Proc. 2690/12.2BELSB.L1 2ª Secção
Desembargadores:  Jorge Leal - Ondina Alves - -
Sumário elaborado por Margarida Fernandes
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Proc. n.o 2690/12.2BELSB.L1
Sumário (art.° 663.° n.o 7 do CPC)
1. Cabe à Relação, se dispuser nos autos dos necessários elementos (documentos e gravação dos depoimentos), substituir-se à primeira instância no suprimento da deficiência na indicação, na sentença, dos factos provados relevantes para o julgamento do litígio (al. c) do n.o 2 do art.° 662.° do CPC).
II. A responsabilização civil do Estado pela atuação do Ministério Público no exercício da orientação e condução do inquérito criminal, rege-se pela norma, diretamente aplicável, inscrita no art.° 22.º da CRP, com recurso à concretização contida, à data dos factos, no Decreto-Lei n.° 48051, de 21.11.1967.
III. No que concerne à dilação temporal assacada à apreensão e restituição de um veículo no âmbito de um inquérito criminal, haverá ainda que atentar nos comandos constitucionais vertidos no art.° 20.º n.º 4 (Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo) e 32.º n.º 2 (Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa) e, bem assim, à jurisprudência que nesta matéria tem sido consolidada pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos por referência à interpretação e aplicação do art.° 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
IV. O TEDH tem reiterado que o caráter razoável da duração de um processo deve ser apreciado de acordo com as circunstâncias do caso em concreto, à luz de critérios como a complexidade do caso, o comportamento do requerente e o das autoridades envolvidas, bem como, se for relevante, a particular importância do litígio para o requerente, concluindo-se com uma perspetiva global ou de conjunto.
V. Embora os prazos fixados no CPP para a duração do inquérito não sejam perentórios, mas apenas ordenadores, e a razoabilidade da duração do processo não seja aferida, pelo menos necessariamente, pelo cumprimento dos prazos legalmente previstos, estes não deixam de, no caso de gritante ultrapassagem dos mesmos, impor à autoridade que a eles estiver sujeita o ónus de fundamentar esse desrespeito.
VI. Constatando-se que entre a apreensão de um motociclo no âmbito de um inquérito crime, após audição informal do seu proprietário quanto às circunstâncias da sua aquisição em Moçambique, e a sua restituição àquele - que entretanto fora constituído arguido -, decorreram sete anos e nove meses, sendo imputáveis às autoridades portuguesas (Polícia Judiciária e Ministério Público) cerca de quatro anos de desnecessário arrastar do processo (além de dois anos e três meses imputáveis a atraso das autoridades sul-africanas na resposta ao pedido de informações que justificadamente lhes havia sido dirigido pela PJ), foi ilícita e culposamente desrespeitado o direito do A. a uma decisão em prazo razoável, no âmbito de um processo penal.
VII. Tal facto ilícito, imputável ao Estado pelo menos a título de mau funcionamento do serviço (faute du service), concederá ao lesado o direito a uma indemnização, se se verificarem os outros pressupostos da responsabilidade civil, que são a ocorrência de dano, atribuível ao facto ilícito por um nexo de causalidade adequada, em termos idênticos aos da lei civil.
Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa
RELATÓRIO
Em 05.11.2012 C... intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa ação administrativa comum contra o Estado Português.
O A. alegou, em síntese, que em 18.11.2003 foi-lhe apreendida, pela Polícia Judiciária Militar, uma mota, sua propriedade, no âmbito de uns autos de inquérito que corriam os seus termos pelo Departamento de Investigação e Ação Penal. Tal apreensão resultou de existirem suspeitas de que o referido veículo tinha sido objeto de subtração a terceiro, facto que supostamente era do conhecimento do A.. A mota só foi restituída passados oito anos. A referida apreensão, ordenada pelo DIAP através dos seus agentes, constituiu um ato ilícito, pois que não foi efetuada em conformidade com os preceitos legais aplicáveis, e exigiu um sacrifício anormal ao A., que se viu privado do seu veículo durante oito anos, sem que tivesse contribuído para essa apreensão. O A. sofreu prejuízos com tal ilícito, ou seja, em agosto de 2011 pagou a quantia de € 4 021,33 à Agência Nacional de Compras Públicas, em virtude de um saldo a favor da mesma; gastou € 3 005,81 na reparação e substituição de peças que se danificaram em virtude da imobilização do veículo; liquidou anualmente imposto único de circulação, com o valor total de € 820,00.
0 A. terminou pedindo que o R. fosse condenado a pagar-lhe, a título de indemnização por danos patrimoniais, a quantia de € 7 847,14, acrescida de juros legais, desde a citação, até integral pagamento.
O R. contestou a ação, através do Ministério Público, o qual alegou a incompetência do tribunal quanto à matéria, negou a ilicitude da dita apreensão da mota, justificou a morosidade do processo com a necessidade de se efetuar diligências em vários países, recusou haver comportamento culposo por parte dos agentes do Estado e considerou que os alegados prejuízos não eram imputáveis a facto ilícito do R. e não constituíam prejuízos anormais ou excecionais, que pudessem dar origem à obrigação de indemnizar.
O R. concluiu pela sua absolvição da instância, pressuposta a incompetência material do tribunal e pela improcedência da ação, por não provada.
O A. pugnou pela improcedência da exceção arguida.
Em 16.12.2015 realizou-se audiência prévia, na qual o tribunal se julgou incompetente, quanto à matéria, para julgar a ação, tendo absolvido o R. da instância.
Em 27.4.2016, a requerimento do A., o processo foi remetido à Instância Local, Secção Cível, da Comarca de Lisboa.
Em 16.9.2016 realizou-se audiência prévia, na qual foi proferido saneador tabelar, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Realizou-se audiência final e em 01.6.2017 foi proferida sentença em que se julgou a ação improcedente, absolvendo-se o R. do pedido.
O A. apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:
1- Do alegado pelo autor no seu articulado, e, dos factos dados como assentes, não podia o tribunal a quo concluir pela improcedência da ação,
2- porquanto produziu e aplicou, de forma manifestamente incorreta, o Direito aos factos.
3- A suposta complexidade da investigação, a qual não ficou provada, não pode, tão só, servir para ignorar a proteção dos direitos e interesses do autor que ficaram ofendidos com a atitude do Estado Português,
4- quando reconhece que o processo foi arquivado por não terem sido recolhidas provas bastantes de o arguido ter praticado o faco ilícito.
5- Aliás a suposta complexidade da investigação implicou 8 anos de morosidade que implicaram um prejuízo patrimonial de € 7847,14.
6- Pelo que impunha-se ao tribunal a quo uma decisão diversa da proferida permitindo dessa forma o ressarcimento dos danos patrimoniais sofridos pelo autor ora recorrente.
7- Ao decidir como decidiu, a douta sentença fez uma errónea interpretação dos factos, como fez, do mesmo passo, má aplicação da lei, com o que violou, nomeadamente, as disposições do artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 1.º do Decreto-Lei 48.051/67 de 21 de Novembro.
8- Dando provimento ao presente recurso, deve ser revogada a sentença recorrida, e substituída por acórdão deste Venerando Tribunal que, fazendo aplicação do direito conforme o enquadramento jurídico que aqui se advoga, por ser o único consentâneo, julgue conceder provimento ao presente recurso, revogando a douta sentença recorrida condenando Estado Português a pagar ao autor a quantia de € 7.847,14, acrescida de juros de mora vencidos e vincendo à taxa legal, contados desde a da data em que foi liquidada a quantia em dívida, até integral pagamento.
O R. contra-alegou, tendo rematado as suas alegações com as seguintes conclusões:
1.ª - O Apelante, não se conformando, com a sentença proferida nos presentes autos que julgou a acção improcedente com consequente absolvição do Réu Estado do pedido, da aludida sentença vem interpor o presente recurso de apelação, requerendo a revogação da sentença proferida com decorrente condenação do Réu Estado no pedido indemnizatório formulado na P.I.;
2.ª - o que faz, tão somente, com fundamento em erro de apreciação e de aplicação de direito pelo Tribunal a quo defendendo, assim, que se não tivesse incorrido no aludido erro de julgamento, o mesmo Tribunal, face à matéria fáctica dada como provada sempre teria julgado a acção procedente.
3.ª - Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária não assiste razão ao Apelante, dado que na sentença recorrida não foi violada qualquer das normas invocadas pelo Apelante. E mesmo que assim não fosse a requerida condenação do Réu Estado Português no pedido carece de qualquer fundamento.
4.ª - Atenta a matéria fáctica dada como provada na sentença recorrida - transcrita no art.° 10.º destas contra-alegações e que, ora se dá por integralmente reproduzida - é manifesto que nunca, a aludida matéria fáctica, tem, ou poderá vir a ter, a virtualidade de conduzir à pretendida procedência da acção pelo Apelante.
5.ª - Na verdade, na sentença e em sede factos provados o Tribunal a quo relativamente aos factos alegados sob os art.° 8.º a 21.º, 22.º primeira parte e 23.º na contestação, em sede de defesa por impugnação, não declarou quais os factos que julgava provados ou não provados não cumprindo, assim, o disposto no art.° 607.º n.º 4 do C.P.C.
6.ª - Assim sendo, atentos os factos dados como provados na sentença recorrida e porque conforme já referido, e seguindo de perto o excerto do sumário do acórdão do S.T.J a cuja transcrição se procedeu no art.° 9.º das presentes contra-alegações - e que, ora, se dá por integralmente reproduzido - não evidenciando os factos provados, na sentença recorrida (...) a existência de acção ilícita e culposa do Estado nem qualquer nexo de causalidade entre essa pretensa acção e os danos sofridos, não se acham reunidos os pressupostos de que depende a responsabilidade civil extracontratual, não recaindo, como tal, sobre aquela aquele o dever de indemnizar a que alude o art. 2.º do referido Decreto n.° 48051.
7.ª - Pelo que, em face da matéria fáctica provada, na sentença recorrida, sempre a acção terá que improceder.
8.ª - Acresce que, em sede de fundamentação jurídica, de igual modo, a sentença recorrida omite a parte mais significativa da argumentação jurídica sufragada na contestação sob os art.° 26.º a 45.º da aludida peça processual: a licitude do acto - validação da apreensão do motociclo pertencente ao Autor por parte da Magistrada do Ministério Público titular do inquérito por referência aos pressupostos dos normativos aplicáveis e aos indícios dos crimes que, à data da prolação de tal despacho, se podiam considerar objectivamente indiciados face à prova produzida - a inexistência dos requisitos da responsabilidade civil por acto lícito na lei vigente à data e as delongas no processo causal - a morosidade do inquérito está plenamente justificada, por referência às diligências que foi imperativo realizar em vários países do continente africano onde os mecanismos de cooperação de polícia e de cooperação judiciária internacional são, consabidamente complexos e a entrega do motociclo ao Autor implicou, de igual modo, inúmeras diligências tendentes a apurar a identidade do seu proprietário, que se mostram, de igual modo plenamente justificadas.
9.ª - Para o caso de se entender que o recurso merece provimento, a título subsidiário o Réu Estado, argui a nulidade da sentença proferida por omissão de pronúncia, deste modo, ampliando o âmbito do recurso (cfr. art.° art.° 636.º n.° 2 articulado com o art.° 615.° n.o 1 al e d) ambos do C.P.C.).
10.ª - Pela análise da sentença recorrida, é manifesta a omissão de pronúncia sobre a totalidade dos factos constantes da contestação, em sede de defesa por impugnação motivada.
11.ª - Na verdade, na sentença recorrida, o Mm° Juiz a quo não se pronunciou, como devia, relativamente aos factos alegados pelo Réu Estado em sede de defesa por impugnação motivada, designadamente no que respeita aos
factos articulados sob os art.° 8.° a 21.° 220 primeira parte e 23.o da aludida peça processual ( o Tribunal a quo «não os julgou provados como não os julgou não provados).
12.ª Por via da arguida nulidade, não pode deixar de reputar-se deficiente a sentença sob os aludidos pontos da matéria de facto mostrando-se indispensável a ampliação do objecto da pronúncia no que respeita aos factos alegados na contestação pelo Réu Estado em sede de impugnação motivada sob os art.° 8.º a 21.°, 22° primeira parte e 23.°.
13.ª - Pelo que, deverá ser julgada procedente a arguida nulidade da sentença por omissão de pronúncia, anulando-se, assim, a sentença proferida com consequente remessa dos autos à primeira instância para ampliação do objecto da pronúncia relativamente aos art.° melhor identificados na conclusão 12.ª - e transcritos sob o art.° 34.° da presente resposta - alegados na contestação em sede de impugnação motivada nos termos do art.° 662 n.° 1 al c) do C.P.C.
O apelado terminou pedindo que fosse negado provimento ao recurso, julgando-se improcedente a ação; subsidiariamente, pediu que a arguida nulidade da sentença por omissão de pronúncia, dos factos alegados na contestação em sede de impugnação motivada - já identificados - fosse julgada procedente, anulando-se, assim, a sentença proferida com consequente remessa dos autos à primeira instância para ampliação do objeto da pronúncia nos termos constantes das contra-alegações.
Não houve resposta à matéria da ampliação do recurso.
Foram colhidos os vistos legais.
FUNDAMENTAÇÃO
A questão que se suscita nesta apelação é se existe responsabilidade civil extracontratual por parte do Estado, em virtude da aludida apreensão da mota do A.. Subsidiariamente, poderá ter de se apreciar se a sentença recorrida enferma de nulidade.
Primeira questão (responsabilidade civil do Estado)
O tribunal a quo deu como provada a seguinte
Matéria de facto:
1. Em 18 de novembro de 2003 [o A.] viu a sua mota ser apreendida pela Policia Judiciária Militar, no âmbito dos autos de inquérito 13991/03TDLSB que corriam os seus termos pela 8a Secção do Departamento de Investigação e Ação e Investigação Penal.
2. Em 21 de dezembro de 2009 foi o A. notificado da decisão de arquivamento dos supra invocados autos, tendo, em Fevereiro de 2011, sido notificado do despacho proferido pelo Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa onde é determinada a entrega do supra referido veículo.
2 [esta numeração está repetida na sentença] Em maio de 2011 o autor recebe uma carta da Agência Nacional de Compras Públicas, com conhecimento ao DIAP. Na referida carta o autor é notificado para proceder ao pagamento da quantia de € 3.269,37, resultante de um saldo a favor da mesma, conforme resulta do Doc. 5 que ora se junta e se dá por reproduzido .
3. Em 2 de agosto de 2011 o aqui autor liquidou a quantia de € 4.021,33 à Agência Nacional de Compras Públicas, conforme resulta do Doc. 6 junto com a p.i e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
4. O supra referido veículo esteve imobilizado quase 8 anos.
5. A imobilização do veículo pelo tempo referido gerou a deterioração de várias peças que tiveram que ser reparadas e substituídas para que o mesmo pudesse voltar a circular.
6. Tal imobilização acarretou ao autor um prejuízo de € 3.005,81, conforme resulta da fatura/recibo n.o 16 emitida em 2 de Julho de 2012 pela Motorcycle-Madness de João Figueiredo junta com a p.i como doc. 7 e se dá por reproduzido.
7. A par desse facto ao autor teve que liquidar durante o período em que a viatura esteve apreendida o imposto único de circulação, valor que foi liquidado anualmente, no valor total de € 820,00, como forma resulta do Doc. 8 junto com a p.i. e que se dá por reproduzido.
8. Quando o veículo foi apreendido circulava o mesmo sem problemas mecânicos.
O Direito
A presente ação assenta na imputação ao Estado de danos patrimoniais causados ao A. em virtude de o DIAP (o Ministério Público) ter (alegadamente) indevidamente validado a apreensão, em inquérito criminal, de uma mota pertencente ao A., a qual só lhe veio a ser restituída quase oito anos após a dita apreensão. Estão em causa, pois, a licitude da referida apreensão da mota e a razoabilidade da duração da apreensão.
É inquestionável nos autos que os factos imputados se regem pelo regime anterior ao que foi aprovado pela Lei n.o 67/2007, de 31.12 (Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas), lei
essa que entrou em vigor em 31.01.2008 (art.° 12.0, n,° s 1 e 2, 1.a parte, do Código Civil).
É também consensual nos autos, pela escrita tanto do apelante, como do apelado, como do tribunal a quo, que a responsabilidade do aqui R., pela atuação do Ministério Público no exercício da orientação e condução do inquérito criminal, se rege pela norma, diretamente aplicável, inscrita na CRP pelo art.° 22.º (Responsabilidade das entidades públicas - O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem), com recurso à concretização contida no Decreto-Lei n.º 48051, de 21.11.1967 (cfr, sobre esta matéria, com amplas referências doutrinárias e jurisprudenciais, O regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas: comentário à jurisprudência, coordenação de Carla Amado Gomes, Ricardo Pedro e Tiago Serrão, AAFDL Editora, 2017; Comentário ao Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, coordenação de Rui Medeiros, Lisboa, 2013, Universidade Católica Portuguesa; e Responsabilidade Civil extracontratual das entidades públicas - Anotações de Jurisprudência, coordenação de Carla Amado Gomes e Tiago Serrão, e-book, IC]P-FDUL, 2013). Sendo certo, no que concerne à dilação temporal assacada à apreensão e restituição do veículo, que haverá que atentar nos comandos constitucionais vertidos no art.° 20.° n.º 4 (Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo) e 32.º n.° 2 (Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa) e, bem assim, à jurisprudência que nesta matéria tem sido consolidada pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) por referência à interpretação e aplicação do art.° 6.º, n.° 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. (...)). Com efeito, Portugal aderiu à aludida Convenção (aprovada para ratificação pela Lei n.° 65/75, de 13 de Outubro) e declarou, para os efeitos previstos no art.° 46.0 da Convenção (reconhecimento, pela Parte Contratante, da obrigatoriedade da jurisdição do TEDH para todos os assuntos relativos à interpretação e aplicação da Convenção), reconhecer como obrigatória a jurisdição daquele Tribunal para todos os assuntos relativos à interpretação e aplicação da Convenção (aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros, publicado no D.R., I série, de 06.02.1979). Nos termos do art.° 50.º da Convenção, versão inicial, se o TEDH declarar que uma decisão tomada ou uma providência ordenada por uma autoridade judicial ou qualquer outra autoridade de uma Parte Contratante se encontra, integral ou parcialmente, em oposição com obrigações que derivam da presente Convenção, e se o direito interno da Parte só por forma imperfeita permitir remediar as consequências daquela decisão ou disposição, a decisão do Tribunal concederá à parte lesada, se for procedente a sua causa, uma reparação razoável. A Convenção foi atualizada pelo Protocolo n.° 11, o qual foi aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 21/97, de 3 de Maio e ratificado por Decreto do Presidente da República n.º 20/97, da mesma data. Na nova redação da Convenção o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos é instituído a fim de assegurar o respeito dos compromissos que para as Altas Partes contratantes resultam da presente Convenção (art.° 19.º), podendo qualquer das partes contratantes ou qualquer pessoa singular ou organização não governamental submeter ao TEDH a apreciação de alguma infração às disposições da Convenção e seus protocolos praticada por uma parte contratante (artigos 33.º e 34.º). O art.° 41.º reconhece à parte lesada o direito a uma reparação razoável, se for caso disso, em termos idênticos aos constantes no anterior artigo 50.º da Convenção. E, na sequência do Protocolo n.º 14, de 13.5.2004, no art.° 46.º, sob a epígrafe força vinculativa e execução das sentenças, consagrou-se a obrigatoriedade, para as Altas Partes Contratantes, das sentenças definitivas do Tribuna/ nos litígios em que forem partes (no 1), prevendo-se, nos números seguintes, medidas a tomar para assegurar a respetiva execução. Tal Protocolo, que foi ratificado pelo Presidente da República pelo Decreto n.° 14/2006, de 21.02 e entrou em vigor em 01.6.2010, ditou a alteração introduzida à alínea f) do art.° 771.° do CPC de 1961 pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, o qual acrescentou à lista de casos justificativos da revisão extraordinária de sentenças a necessidade de conciliar a decisão recorrida com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português (cfr. José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil anotado, volume 3.º, tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, páginas 228 e 229; no CPC de 2013, atualmente em vigor, vide art.° 696.° alínea f)).
Exposto isto, cumpre notar que o tribunal a quo foi bem parco, na sentença recorrida, no que concerne à discriminação da matéria de facto, relativamente ao circunstancialismo que terá motivado a apreensão da mota do A. e, bem assim, terá ou não justificado a sua duração. De facto, pese embora o a esse respeito alegado pelo R. na contestação (maxime artigos 8.º a 16.º, 18.º a 23.º), o tribunal não o referiu, seja em sede de factos provados, seja em sede de factos não provados. Tendo-se limitado, no âmbito da apreciação de direito, ou seja, em segmento inadequado da sentença (cfr. n.º s 3, 4 e 5 do art.° 607.º do CPC), a exarar que ...acresce o facto da complexidade da investigação, que implicou inúmeras diligências, já pela sua própria natureza morosas, em vários países, alguns fora do círculo da Europa, como é o caso de Moçambique e África do Sul. Ora, tal afirmação, para ter utilidade, precisaria de factos concretizadores. Sendo certo que essa matéria, assim como a atinente às razões da dita apreensão da mota, faziam parte dos temas da prova indicados no despacho saneador (cfr. fls 351 e v.°).
Assim, a aludida omissão da sentença quanto a essa matéria de facto constitui deficiência que, nos termos do art.° 662.º n.º 2 al. c) do CPC, daria azo à respetiva anulação, se no processo não constassem os elementos necessários ao seu suprimento.
A verdade é que esta Relação tem acesso a todos os documentos produzidos no âmbito da ação, assim como aos depoimentos prestados, que estão gravados, pelo que caber-lhe-á substituir-se ao tribunal a quo, no uso dos poderes que lhe são conferidos pelo art.° 662.º n.°s 1 e 2, al. c), do CPC.
Nestes termos se dará satisfação à ampliação do objeto do recurso pretendida pelo apelado.
Assim, com base nas transcrições do inquérito criminal constantes nos autos, e bem assim no depoimento da testemunha João Tavares, Inspetor da PJ que elaborou o relatório, datado de 18.7.2005, constante a fls 112 a 119 e fls 256 a 281, dão-se ainda como provados os seguintes factos:
9. O inquérito crime referido em 1 iniciou-se em 15.10.2003, perante a Polícia Judiciária Militar, na sequência de denúncia de que existiam indivíduos, em Moçambique, nomeadamente cooperantes militares portugueses, que estariam a exportar para Portugal motas de grande cilindrada, cuja origem seria ilícita (cfr. Relatório circunstanciado da PJM, a fls 205 a 207 destes autos).
10. Em 31.10.2003 e em 06.11.2003 a Conservatória do Registo Automóvel de Maputo e o Instituto Nacional de Viação de Moçambique informaram, respetivamente, que sete motas exportadas de Moçambique para Portugal, por
militares portugueses, entre as quais aquela a que se referem estes autos, não tinham correspondência entre as matrículas moçambicanas que ostentavam e as que figuravam naqueles serviços, sendo que algumas matrículas não estavam atribuídas (referido Relatório circunstanciado e fls 79 e 89 dos autos).
11. Em relação à viatura objeto destes autos, Harley Davidson com a matrícula MLU-11-80, constava naqueles serviços que essa matrícula correspondia a uma Suzuki, registada em nome de uma sociedade (mesmas fls referidas em 10).
12. O A. esteve colocado em comissão de serviço em Moçambique, entre 20.3.2002 e 20.7.2003 (fls 93 dos autos).
13. Em 11.11.2003 o A. foi ouvido informalmente pela PJM, no âmbito do inquérito supra referido, tendo afirmado que comprara a aludida Harley Davidson em março de 2003, em Moçambique, a um indivíduo que apenas sabia chamar-se Abdul, por cerca de 5 000 euros, tendo recebido do aludido indivíduo o livrete e o título de registo de propriedade em abril de 2003. Mais disse que tinha regressado a Portugal em 20.7.2003 e que a mota chegara a Portugal no dia seguinte. Para documentar a venda, o que era necessário para trazer a viatura para Portugal, pediu a uma firma para lhe elaborar uma fatura (fls 93 e 94 dos autos, fls 239 dos autos).
14. No título de registo de propriedade moçambicano referente à aludida Harley Davidson figura a titularidade da propriedade da mota, a favor do A., desde 31.7.2001 (fls 85 dos autos).
15. Em 17.11.2003 o Diretor da PJM, sob proposta do Investigador Principal do inquérito, ordenou, ao abrigo do art.° 337.° do CJM, a apreensão da mota a que se referem estes autos e bem assim das referidas em 10, por se considerar haver fortes indícios de falsificação de documentos e de importação ilegal de veículos (fls 103 a 105).
16. Em 19.11.2003 o Investigador Principal elaborou Relatório Circunstanciado, nos termos do art.° 336.º n.º 4 do CJM, propondo a remessa dos autos para outro foro, nos termos do art.° 340.°, al. d), do CJM (fls 205 a 207).
17. Em 19.11.2003 o Sr. Diretor da PJM determinou a remessa dos autos ao DIAP de Lisboa, nos termos da al. d) do art.° 340.° do CJM (fls 208).
18. Em 20.11.2003 o Ministério Público validou as apreensões dos veículos, supra referidas, que considerou efetuadas no âmbito de medidas cautelares de polícia, nos termos dos artigos 249.° n.° 1 e 2 al. c) e 178.° n.° 5 do CPP, por existirem indícios de que os aludidos motociclos eram provenientes da prática de crimes contra o património, e de falsificação dos seus elementos identificativos, tendo delegado na P3 o encargo de proceder às necessárias diligências e investigações, fixando para esse efeito o prazo de conclusão em 31.5.2004 (fls 211 e 212).
19. No decurso do inquérito foram apreendidas, nas mesmas circunstâncias, mais quatro motas, importadas de Moçambique para Portugal por civis (fls 163 dos autos, Despacho do M.° P.º).
20. Em 31.12.2003 a PJ solicitou à Direcção-Geral de Viação cópia dos processos de atribuição de matrícula bem como os originais dos livretes e títulos de registo de propriedade moçambicanos dos veículos discriminados, entre os quais o do ora A. (fls 219 e 220).
21. Em 09.01.2004 procedeu-se ao exame das motos apreendidas (fls 221).
22. Em 14.01.2004 a PJ pediu à Harley Davidson Portugal informação sobre o historial do veículo objeto destes autos (fls 230), tendo obtido resposta em 20.01.2004 (fis 231).
23. Em 06.8.2004 a PJ solicitou às autoridades sul-africanas e da Suazilândia informação sobre se os motociclos em investigação estavam ou tinham estado registados naqueles países, se ali constavam como furtados ou se possuíam pedidos de apreensão pendentes, bem como outra informação pertinente (vide referência a fls 118 dos autos, no relatório elaborado pela PJ).
24. A Suazilândia respondeu, informando não ter qualquer informação pertinente (fls 118).
25. Em 12.10.2004 a PJ solicitou ao Laboratório de Polícia Científica a realização de exame pericial aos documentos (livretes e títulos de registo de propriedade) moçambicanos referentes às motas apreendidas (fls 125 e 126).
26. Em 06.4.2005 insistiu-se, via Interpol, por resposta das autoridades da África do Sul (fls 119 e 244).
27. Em 19.4.2005 o ora A. foi constituído arguido nos autos e interrogado nessa qualidade, tendo ficado sujeito a termo de identidade e residência (fls 237 a 243).
28. Em 22.6.2005 insistiu-se de novo por informação junto das autoridades da África do Sul (fls 119).
29. Em 18.7.2005 o Inspetor deu por findas as diligências a realizar, elaborando o respetivo Relatório (fls 112 a 119 e 256 a 281), tendo os autos sido remetidos ao DIAP.
30. Em 29.11.2005 o LPC enviou à PJ o relatório pericial solicitado conforme 25 supra (fls 125 a 137).
31. Nesse relatório conclui-se, em IV, que a emissão do livrete moçambicano da mota destes autos é falsa (fls 128).
32. Em 17.01.2006 e 24.02.2006 o Ministério Público insistiu, junto do Gabinete Nacional da Interpol, por resposta das autoridades sul-africanas, ao que o aludido Gabinete informou, em 15.3.2006, que ainda não tinha recebido qualquer informação e que nessa mesma data insistira por esta (fls 139).
33. Em 28.11.2006 as autoridades sul-africanas responderam, informando que haviam localizado alguns dos proprietários das motas e solicitando informações, atinentes ao processo de identificação das motas junto das seguradoras e à eventual devolução das motas (fls 140 e 141).
34. Seguiu-se troca de mensagens entre as autoridades portuguesas e sul-africanas, nomeadamente mensagem da R.A.S. em 26.02.2007, resposta de Portugal em 15.5.2007 e mensagem da R.A.S. em 28.6.2007, tendo em vista acertar pormenores quanto à identificação das motas e seu processo de devolução aos proprietários sul-africanos, ou respetivas seguradoras (fls 142 a 145).
35. Em 06.7.2007 as autoridades sul-africanas enviaram informação detalhada sobre a identificação dos proprietários sul-africanos em relação a dez ,motas apreendidas e recapitulando o que fora acordado quanto às formalidades necessárias à restituição das motas (fls 146 a 151).
36. A mota a que se reportam estes autos não fazia parte das identificadas pelas autoridades sul-africanas como tendo sido furtadas naquele país.
37. As autoridades portuguesas responderam em 16.8.2007 (fls 152) e, na sequência de fax das autoridades sul-africanas, datado de 06.9.2007, em 29.10.2007 reiteraram instruções para futura entrega das motas (fls 153).
38. Em 02.6.2008 o Ministério Público determinou a restituição das motas identificadas, às seguradoras que foram sub-rogadas nos direitos dos respetivos proprietários (fls 154).
39. Em 22.10.2008 a P3 oficiou ao IMTT para cancelar as matrículas dos motociclos que iam ser restituídos (fls 157), tendo o IMTT informado, em 27.10.2008, que procedera ao pedido cancelamento (fls 160).
40. Em 27.11.2009 o Ministério Público proferiu despacho determinando o arquivamento do processo, sem dedução de acusação, ao abrigo do n.° 2 do art.° 277.0 do CPP, por entender que, pese embora se tivesse apurado a existência de indícios que apontavam no sentido da existência de redes organizadas que se dedicavam à introdução em Moçambique de veículos ligeiros topo de gama, motociclos e mesmo embarcações de recreio, obtidos ilicitamente em países vizinhos, em particular na África do Sul, e frequentemente produto de furto, roubo ou fraude a seguradoras, não havia indícios suficientes de que os adquirentes dessas viaturas tinham conhecimento da sua proveniência ilícita (fls 162 a 167 dos autos).
41. No final do despacho o M. P. determinou, em relação ao veículo destes autos e a dois outros, que se solicitasse à PJ, a fim de lhes ser dado destino, informação relativa à legítima propriedade dos mesmos e reclamação da sua entrega (fls 167 dos autos).
42. Em 12.01.2010 o A. solicitou ao Ministério Público a restituição urgente da aludida mota, juntando documentos comprovativos da sua titularidade (fls 169 a 170).
43. Em 15.01.2010 o Ministério Público ordenou que os autos aguardassem a resposta da P3 solicitada conforme 41 (fls 171).
44. Em 22.01.2010 a Agência Nacional de Compras Públicas (ANCP) solicitou ao DIAP, em relação ao veículo destes autos, informação sobre se já havia sido proferida decisão definitiva sobre a perda do veículo a favor do Estado (fls 172).
45. Em 25.01.2010 a PJ respondeu, em relação ao motociclo destes autos e a um outro, não dispor de qualquer informação adicional, e, em relação ao terceiro motociclo (BMW R1100GS, MMC-16-84) que aquando da entrega dos outros motociclos o representante das seguradoras informara a a identificação do seu titular, e que a respetiva seguradora informara que iria tratar do assunto de forma autónoma (fis 173).
46. Em 15.06.2010 o Ministério Público despachou no sentido de se apurar do interesse da dita seguradora na restituição do referido motociclo BMW e, em relação aos outros dois veículos, incluindo o destes autos, determinou-se que, após, se remetessem os autos à PJ para que em 45 dias procedesse à realização das seguintes diligências:
1. Levantamento e identificação dos veículos apreendidos que ainda não foram entregues/devolvidos aos seus legítimos proprietários/seguradoras, e identificação das pessoas em cuja posse se encontravam à data da apreensão;
2. Relativamente aos veículos que ainda não foram entregues, que indiquem os seguintes elementos:
a) onde os mesmos se encontram actualmente localizados;
b) se foram objecto de furto e nesse caso qual a identificação dos seus proprietários ou seguradora com direito a haver tais viaturas;
c) Caso se desconheça o facto mencionado em b), que informem se tais veículos ou respectivos documentos estão viciados de forma a impedir a sua entrega aos seus possuidores à data da apreensão (fls 175 e 176).
47. Em data não apurada a P3 respondeu referindo, em relação à mota destes autos, que a mesma fora apreendida na posse do ora A., que estava depositada no armazém da ANCP, que se presume que não existe pedido de apreensão para aquele motociclo na África do Sul e que os documentos moçambicanos apresentados para legalizar a mota em Portugal são falsos (fls 178).
48. Em 21.7.2010 o M. P. determinou a devolução dos autos à PJ, para que esclarecessem cabalmente se os vícios apontados aos documentos dos veículos impedia a sua entrega aos seus conhecidos possuidores e, se fosse o caso, de que forma poderia tal situação ser retificada (fls 179).
49. Em 03.9.2010 a PJ respondeu informando que em casos de contornos semelhantes tem havido decisão de declaração de perda a favor do Estado e que a única via para suprir a falta de documentos seria através de decisão da competente autoridade judiciária (fls 180).
50. Em 19.9.2010 o Ministério Público despachou ordenando que se oficiasse ao IMTT solicitando que em 15 dias informassem se era possível obter a legalização, a favor de particular, de veículos exportados de país Africano, com documentos falsos, sendo impossível obter os documentos verdadeiros. Em caso informativo, deveriam informar de que forma se poderia proceder a tal legalização e quais os custos e trâmites que tal processo acarretaria (fls 182).
51. Em 25.01.2011 o IMTT informou que por imposição judicial era possível a legalização do veículo em causa, desde que aqueles serviços dispusessem, eventualmente por meio do representante da marca em Portugal, da informação técnica necessária para homologar e matricular o veículo (fls 183).
52. Em 17.02.2011 o Ministério Público determinou que o veículo fosse entregue ao ora A., mas apenas após o mesmo ter procedido, junto do IMTT, à sua legalização, a comprovar nos autos (fls 184 a 186).
53. Em 24.3.2011 o ora A. requereu a junção aos autos de cópia certificada dos documentos respeitantes à situação do veículo Harley Davidson com a matrícula 04-71-VP, assim comprovando a situação legal do mesmo, reiterando o pedido de entrega (fls 187).
54. Em 30.3.2011 o Ministério Público determinou que se oficiasse ao IMTT solicitando que informasse se o veículo em causa se encontrava devidamente legalizado e homologada a sua matrícula (fls 189).
55. Em 02.5.2011 o Ministério Público ordenou que se procedesse às diligências necessárias para entrega do veículo ao ora A. (fls 191).
56. 0 veículo referente a estes autos foi entregue ao ora A. em 18.8.2011 (fls 198), após o A. ter pago à ANCP a quantia supra referida em 3, a qual foi contabilizada pela ANCP como correspondendo a uma taxa de recolha diária, no valor diário de € 02,49 (Esc. 500,00), durante 1313 dias (de 30.6.2007 a 02.02.2011).
57. No interrogatório na qualidade de arguido o ora A. afirmou que efetivamente tinha notado que a data inscrita no título de registo de propriedade da mota era de 31 de julho de 2001, não correspondendo pois à verdade, pelo que questionou o Abdul, que lhe disse que devia ser um engano. Mais esclareceu que o Abdul lhe disse que aquela mota era dele próprio, tendo-lhe exibido um título de registo de propriedade com o nome dele inscrito (fls 239 destes autos).
Nada se consigna quanto à carta de condução moçambicana alegadamente adquirida pelo A. (cfr. artigos 17.° e 22.° da contestação), por constituir factualismo irrelevante para a apreciação do litígio sub judice.
Procedamos então à apreciação jurídica do conjunto dos factos apurados.
Nos termos do n.° 1 do art.° 2.° do Decreto-Lei n.° 48051, de 21.11.1967, o Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício.
O art.° 6.° explicita que para os efeitos deste diploma, consideram-se ilícitos os actos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração.
Por sua vez o n.° 1 do art.° 4.0 dispõe que a culpa dos titulares do órgão ou dos agentes é apreciada nos termos do artigo 487,0 do Código Civil.
Encurtando razões, resulta manifesto, do factualismo provado, que a apreensão do motociclo do A. (militar, que se encontrava em missão de cooperação em Moçambique) foi justificada, nada tendo de ilícito. Havia indícios de que a referida mota, tal como várias outras, tinha proveniência ilícita, sendo acompanhada de documentos falsos. A sua apreensão foi determinada pelo Diretor da Polícia Judiciária Militar, ao abrigo dos poderes que lhe eram conferidos pelo Código de Justiça Militar então em vigor (aprovado pelo Dec.-Lei n.° 141/77, de 09.4, com as alterações publicitadas). Com efeito, estipulava o n.º 1 do art.° 337.º do CJM que o director, o subdirector, os chefes de delegação, de repartição e de secção, bem como os investigadores do Serviço de Polícia Judiciária Militar, podem ordenar comparências, apreensões, exames, peritagens, expedição de deprecadas, requisição de informações e quaisquer outras diligências necessárias que não colidam com a especial natureza da investigação. Verificando-se que havia indícios de ilícitos criminais praticados por civis, foi ordenada a remessa do processo ao DIAP, ao abrigo do disposto no art.° 340.°, al. d) do CJM (Após as investigações, o processo será concluso, conforme os casos, ao director ou subdirector do Serviço de Polícia Judiciária Militar ou ao chefe da delegação competente, que, no prazo de cinco dias, ordenará: ...d) A remessa à entidade competente, havendo indícios de infracção da competência de outro foro;).
Recebidos os autos no DIAP de Lisboa, o Ministério Público, autoridade judiciária titular do inquérito (cfr. artigos 1.º, al b), 48.º e 263.° do CPP) pronunciou-se sobre as apreensões, validando-as (n.º 3 do art.° 178.º do CPP: As apreensões são autorizadas, ordenadas ou validadas por despacho da autoridade judiciária), invocando para o efeito o disposto nos artigos 249.º n.º 1 e 2 al. c) e 178.° n.° 5 do CPP (art.° 249.° n.º 1: Compete aos órgãos de polícia criminal, mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária competente para procederem a investigações, praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova; art.° 249.º n.° 2 al. c): Compete-lhes, nomeadamente, nos termos do número anterior: ...c) Proceder a apreensões no decurso de revistas ou buscas ou em caso de urgência ou perigo na demora, bem como adoptar as medidas cautelares necessárias à conservação ou manutenção dos objectos apreendidos; 178.º n.º 5: Os órgãos de polícia criminal podem ainda efetuar apreensões quando haja fundado receio de desaparecimento, destruição, danificação, inutilização, ocultação ou transferência de instrumentos, produtos ou vantagens ou outros objetos provenientes da prática de um facto ilícito típico suscetíveis de serem declarados perdidos a favor do Estado). Face aos elementos supra referidos, maxime os mencionados nos n.°s 9, 10, 11, 13, 14 e 31 da matéria de facto, a apreensão e sua manutenção justificava-se.
Põe-se, então, a questão da duração da dita apreensão. Com efeito, todos têm direito a que a respetiva causa seja julgada e decidida num prazo razoável. E, como se viu, entre a apreensão da mota do A. (18.11.2003) e a sua restituição (18.8.2011) decorreram sete anos e nove meses. Sendo que entre a data da apreensão e a decisão do Ministério Público que determinou a entrega do veículo ao A. (02.5.2011) decorreram sete anos e seis meses.
Como se disse supra, no que concerne à avaliação da razoabilidade da duração de um processo em termos que afetem com relevância a situação de um cidadão, deverá atentar-se na jurisprudência do TEDH.
Quanto à determinação do dies a quo de tal prazo em processo criminal, o TEDH vem defendendo que o período relevante se inicia a partir do momento em que uma pessoa é formalmente acusada ou logo que as suspeitas de que é objeto tenham repercussão importante na sua situação, em virtude das medidas tomadas pelas autoridades de investigação (cfr. v.g., caso Pé/issier e Sassi c. França, acórdão de 25.3.1999, processo 25444/94 - todos os acórdãos do TEDH são consultáveis na base de dados do respetivo site). Bastando para tal que a pessoa em causa seja abordada pelas autoridades de investigação e fique a saber que existe um inquérito que lhe diz respeito (neste sentido, caso Martins e Garcia Alves c. Portugal, acórdão de 16.11.2000, processo 37528/97).
In casu, a data relevante é, como se disse, pelo menos 18.11.2003, data em que a mota do A. lhe foi apreendida, sendo certo que poucos dias antes este fora ouvido informalmente pela Polícia Judiciária Militar (n.os 1 e 13 da matéria de facto).
O TEDH tem reiterado que o caráter razoável da duração de um processo deve ser apreciado de acordo com as circunstâncias do caso em concreto, à luz de critérios como a complexidade do caso, o comportamento do requerente e o das autoridades envolvidas, bem como, se for relevante, a particular importância do litígio para o requerente, concluindo-se com uma perspetiva global ou de conjunto (vide, além dos processos acima referidos, v.g., X. contra França, 31.3.1992, processo 18020/91; Silva Pontes contra Portugal, 23.3.1994, processo 14940/89; H. contra Reino Unido, 08.7.1987, processo 9580/81).
Acresce que o TEDH, na avaliação do incumprimento da Convenção pelo Estado, não diferencia entre as diversas autoridades desse Estado envolvidas, sejam do poder executivo, judicial ou legislativo (v.g., Moreira de Azevedo contra Portugal, 23.10.1990, processo 11296/84).
Não há, no caso, qualquer evidência de que o comportamento do A. tenha contribuído, de alguma forma, para o protelamento do processo.
Quanto à importância do caso para o A., este litígio não se inscreve nas situações em que o TEDH tem apontado o especial interesse para a parte na célere conclusão do processo, como o são pretensões indemnizatórias deduzidas por lesados com pouca esperança de vida (v.g., X. contra França; Karakaya contra França), ou por vítimas de acidentes rodoviários (Silva Pontes contra Portugal), ou demanda visando o reatamento de contactos entre uma mãe e a filha, destinada a adoção (H. contra Reino Unido).
O caso a que se referem estes autos revestia alguma complexidade, na medida em que se visava apurar acerca da licitude da proveniência de cerca de uma dezena de veículos (motociclos) que tinham sido importados de Moçambique. Contudo, dada a aparente uniformidade de comportamentos em causa e da similitude da origem desses veículos (África do Sul), sendo ainda certo que todos os compradores estavam em Portugal, que não havia dificuldade em contactar os fabricantes dos veículos e que as autoridades moçambicanas prestaram rapidamente as informações solicitadas no que concerne aos documentos moçambicanos atribuídos aos veículos, afigura-se que um prazo de quase oito anos para a determinação do destino do veículo apreendido é excessivo.
Note-se que, à data do recebimento do inquérito no DIAP (novembro de 2003), o CPP determinava que o inquérito deveria ser encerrado, o mais tardar e relativamente aos casos mais graves e/ou complexos, no prazo máximo de 12 meses (art.° 276.º n.° 2 al. c) do CPP, redação original), começando o prazo a contar-se (tal como atualmente) a partir do momento em que o inquérito corresse contra pessoa determinada ou houvesse constituição de arguido (n.° 3 do art.° 276.º). Em 2010, com a entrada em vigor da Lei n.° 26/2010, de 30.8, tal prazo estendeu-se a 18 meses e passou a suspender-se durante a pendência de cartas rogatórias, com o limite de metade do prazo máximo que corresponda ao inquérito (n.° 5 do art.° 276.º).
Embora tais prazos não sejam perentórios, mas tão só ordenadores (neste sentido, v.g., Germano Marques da Silva, Princípio da celeridade e prazos do inquérito e Paulo Dá Mesquita, Prazos da ação penal e procedimento para acusação ambos in Julgar, 34, janeiro-abril 2018, pp. 139 e ss. e 165 e ss; na jurisprudência, v.g., STA, 10.9.2009, 083/09) e a razoabilidade do prazo não seja aferida, pelo menos necessariamente, pelo cumprimento dos prazos processuais legalmente previstos (cfr. Luís Guilherme Catarino, A Responsabilidade do Estado pela Administração da Justiça, Almedina, 1999, p. 384; João Aveiro Pereira, A responsabilidade civil por actos jurisdicionais, Coimbra Editora, 2001, pp. 190-192; Ricardo Pedro, Administração da justiça morosa: Ia storia continua..., anotação ao acórdão do STA, de 15.5.2013 (proc. 0144/13, in Estudos sobre Administração da Justiça e Responsabilidade Civil do Estado, AAFDL Editora, 2016, p. 94), não deixam de, no caso de gritante ultrapassagem dos mesmos, impor à autoridade que a eles estiver sujeita o ónus de fundamentar esse desrespeito.
In casu, o R. invocou a necessidade de realizar diligências extremamente morosas em Moçambique, África do Sul e Inglaterra.
Ora, se em relação a Moçambique e a Inglaterra não se mostra que tenha havido qualquer dilação com reflexos no andamento dos autos, confirma-se que as autoridades sul-africanas levaram dois anos e três meses para responderem ao justificado pedido de informações que a PJ lhes dirigira, pese embora a insistência das autoridades portuguesas (vide n.ºs 23, 26, 28, 32, 33 da matéria de facto). Porém, não se pode deixar de constatar que, tendo a PJ recebido o inquérito do DIAP em novembro de 2003 (n.o 18 da matéria de facto), só em agosto de 2004 solicitou as referidas informações à África do Sul (n.º 23 da matéria de facto). Por outro lado, verifica-se que em julho de 2007 as autoridades sul-africanas enviaram informação detalhada acerca das motas que haviam sido apreendidas, da qual resultava que em relação à mota do A. não existia participação de furto (n.ºs 35 e 36). Não se vislumbra que, no inquérito, após a obtenção de tal informação, se fez qualquer ulterior diligência investigatória relevante, para apurar mais elementos úteis destinados a fundar uma decisão acerca da prossecução de ação penal. Assim, também se nos afigura que a prolação do despacho de arquivamento, apenas em novembro de 2009 (n.º 40 da matéria de facto), pecou por tardia. Por outro lado, face ao desenrolar do processo e aos elementos que nele já constavam, afigura-se-nos ser discutível a concomitante decisão, reiterada, de determinar que a PJ prestasse informação relativa à legítima propriedade do veículo e reclamação da sua entrega (n.º 41 e 46), que identificasse a pessoa que se encontrava na posse da viatura à data da apreensão e que informasse se a mesma havia sido furtada (n.º 46), isto mesmo após o A. ter solicitado a restituição da mota em janeiro de 2010 (n.º 42 da matéria de facto), isto é, na sequência do dito despacho de arquivamento. Com estas diligências se gastou mais um ano e três meses (n.°s 41 e 52), tempo que se nos apresenta excessivo para o simples apuramento sobre a viabilidade da legalização da dita viatura.
Em suma, afigura-se-nos que às autoridades portuguesas (Ministério Público e Polícia Judiciária) são imputáveis, pelo menos, quatro anos de desnecessário arrastamento da apreensão da mota. Imputabilidade essa, em termos de culpa, que in casu, sendo certo que o demandado é apenas o Estado, se ignora se reveste a forma de faute de service (assacável a pessoas - funcionários - em concreto) ou faute du service (assacável a mau funcionamento das estruturas públicas envolvidas, sem ser possível apontar pessoas em concreto). A referida forma anónima de responsabilização (faute du service) tem expressa consagração no atual regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas (art.° 7.º n.º 3 e art.° 12.º) e já vinha sendo admitida, à luz da lei anterior, pela jurisprudência e pela doutrina (cfr. acórdão do STA, de 07.3.1989, com anotação concordante de Gomes Canotilho, em RU, 123.º, p. 292 e seguintes; João Aveiro Pereira, ob. cit., pp. 127-129; Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Regime da responsabilidade civil extra-contratual do Estado e demais entidades públicas, Coimbra Editora, 2.a edição, 2008, pp. 163 e 164; STJ, 17.6.2003, processo 02A4032; TCANorte, 15.10.2009, processo 02334/06.1BEPRT -todos estes acórdãos são consultáveis em www.dgsi.pt).
Entende-se, pois, que foi ilícita e culposamente desrespeitado o direito do A. a uma decisão em prazo razoável, no âmbito de um processo penal. Cabe, agora, apurar se se verificam os outros pressupostos da responsabilidade civil, que são a ocorrência de dano, atribuível ao facto ilícito por um nexo de causalidade adequada, em termos idênticos aos da lei civil (cfr., v.g., o já mencionado acórdão do STA, de 07.3.1989, caso Garagens Pintosinho).
Nos termos do art.° 562.° do Código Civil, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
O art.° 563.°, relativo ao nexo de causalidade, estipula que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. Tais danos cobrem tanto o prejuízo causado, na dimensão de danos emergentes, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (lucros cessantes) - n.º 1 do art.° 564.º. Não sendo possível a reconstituição natural, a indemnização será fixada em dinheiro, tendo como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (n.°s 1 e 2 do art.° 566.º). Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (n.° 3 do art.° 566.º).
O A. invocou danos patrimoniais, que consistem no seguinte:
a) € 3 005,81 que despendeu na reparação do motociclo, resultante da deterioração de várias peças do veículo causada pela imobilização deste pelo tempo da apreensão;
b) € 820,00, correspondente ao total de imposto único de circulação que teve de liquidar durante o período em que a viatura esteve apreendida;
c) € 4 021,33 que a ANCP lhe exigiu aquando da restituição da mota.
Vejamos.
Todas essas despesas, e respetiva origem, se provaram (n.°s 2 a 7, 56 da matéria de facto).
Porém, no que concerne ao imposto único de circulação, trata-se de uma obrigação fiscal que o A., se permanecesse na posse da mota, teria à mesma de suportar, pelo que não constitui um dano indemnizável.
Quanto à quantia paga à ANCP, foi reclamada por esta agência ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.° 12.º do DL n.o 31/85, de 25.01. Este artigo estipula, em relação a veículos apreendidos que sejam restituídos ao seu proprietário, que a este será exigido o pagamento das despesas de remoção, taxas de recolha, multas e demais encargos não relacionados com a utilização da viatura pelo Estado, segundo tabelas a aprovar pelo Ministro das Finanças e do Plano. O Estado goza de direito de retenção pelos referidos créditos (n.o 2 do art.° 12.0).
In casu, foi reclamada ao A. uma taxa diária pela recolha do seu veículo entre 30.6.2007 e 02.02.2011 (n.° 56 da matéria de facto).
Ora, como se disse, em condições de razoabilidade o destino da mota deveria ter sido decidido pelo menos quatro anos antes, ou seja, conforme decorre do analisado supra, em momento anterior àquele em que a ANCP iniciou a contabilização da taxa de recolha. Portanto, se o destino do motociclo tivesse sido decidido num prazo razoável, o A. não teria sido forçado a pagar à ANCP a aludida quantia de € 4 021,33. Pelo que nos encontramos perante um dano indemnizável.
Provou-se também que em virtude da imobilização do motociclo durante sete anos e nove meses, várias das suas peças deterioraram-se, tendo sido necessário repará-las e substituí-las, no que o A. gastou € 3 005,81 (n.°s 1, 56, 5 e 6 da matéria de facto).
Aqui cabe relevar que nem todo o período de imobilização da mota contrariou a lei e a Constituição. Como se disse, a apreensão foi ditada pelo propósito de prossecução da investigação criminal, a qual, destinando-se à repressão do crime, visa salvaguardar a legalidade democrática. E tal apreensão, contida dentro de limites tidos por aceitáveis, poderá causar transtornos e até danos aos cidadãos, mas só justificará indemnização se esses danos representarem, pela sua desproporção face ao que é exigível a qualquer cidadão a troco do benefício de viver numa sociedade simultaneamente livre e segura, um sacrifício anormal, violador da igualdade entre todos (cfr. art.° 9.º do Decreto-Lei n.° 48051 e, no regime atualmente previsto pela Lei n.° 67/2007, art.° 16.°; na jurisprudência, v.g., acórdão do STJ, de 29.6.2005, 05A1780).
Exposto isto, e na impossibilidade de determinar quais os danos que a mota apresentaria se o caso tivesse sido apreciado num prazo razoável, deduzindo-se o respetivo valor àquele que o A. veio a desembolsar conforme se provou, opta-se, com base num critério de equidade, em reduzir o valor gasto pelo A., fixando-o em proporção idêntica ao período de apreensão tido por excessivo, de cerca de quatro anos, ou seja, calculando-o, assim, em € 1 551,38 (48 meses x € 3 005,81 : 93 meses).
O total indemnizatório devido ao A. pelo R. orça, pois, o valor de € 5 572,71. Sobre essa verba e conforme peticionado, vencer-se-ão juros de mora, à taxa legal, atualmente 4/prct., contados desde a data da citação até integral pagamento (artigos 805.° n.° 1 e 806.° do CC).
DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente e consequentemente revoga-se a sentença recorrida e, em sua substituição, julga-se a ação parcialmente provada e procedente e consequentemente condena-se o R. a pagar ao A., a título de indemnização, a quantia de € 5 572,71 (cinco mil quinhentos e setenta e dois euros e setenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, atualmente de 4/prct., vencidos desde a data da citação (07.11.2012) até integral pagamento.
As custas da ação e da apelação serão a cargo de ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento (art.° 527.° n.°s 1 e 2 do CPC).
Lisboa, 10.5.2018
Jorge Leal
Ondina Carmo Alves
Pedro Martins
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