Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
Actualidade | Jurisprudência | Legislação pesquisa:


    Jurisprudência da Relação Cível
Assunto    Área   Frase
Processo   Sec.                     Ver todos
 - ACRL de 08-05-2018   Direito de a criança se relacionar com os ascendentes. Razões justificativas para o impedirem.
1 – O artigo 1887-A do Código Civil, consagra um direito de a criança se relacionar com os ascendentes e com os irmãos, reconhecendo, através da referência aos ascendentes, a importância para a criança da relação com a grande família.
2 – Porém, o convívio entre os netos e os avós poderá ser derrogado se razões justificativas o impuserem.
Proc. 6295/15.8T8LSB.L1 1ª Secção
Desembargadores:  Rosário Gonçalves - José Augusto Ramos - -
Sumário elaborado por Margarida Fernandes
_______
Processo n°. 6295/15.8T8LSB.L1
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
1- Relatório:
A requerente, Od... intentou contra os requeridos, Jo... e Ma... a presente acção tutelar comum, requerendo, o decretamento de providências adequadas ao restabelecimento de convívios com os netos, através da fixação de um regime de visitas e da obrigatoriedade dos requeridos permitirem o contacto telefónico com os mesmos.
Para tanto, alegou que a requerida é sua filha e que os requeridos têm 3 filhos. Até Agosto de 2010 relacionava-se com os requeridos e os netos, sendo que, a partir desta data, sem qualquer motivo justificativo, os requeridos cortaram relação consigo, nunca mais a visitando, nem deixando mais que os visitasse e aos netos.
Citados os requeridos, vieram os mesmos contestar, pugnando pela improcedência da presente acção ou assim se não entendendo, que os convívios tenham uma periodicidade trimestral, com contacto não superior a duas horas, em Lisboa e sempre na presença de um dos requeridos.
Alegaram em síntese, que a requerente é manipuladora, revanchista e preconceituosa, entendendo que é a avó e que os netos não têm de conviver com a avó paterna, por não ser do mesmo sangue deles, tendo perturbado a L... que ficou apavorada e receosa com a dúvida se também ela não teria sido adoptada.
A partir dessa altura os requeridos tomaram a decisão de não permitir mais os contactos da requerente com os filhos.
Os seus filhos mantiveram o convívio com a linha materna, entre outros, com o avô e o tio, sendo que o convívio só não foi maior, porque a requerente o impediu, sempre que se apercebeu do mesmo.
A requerente e os requeridos apresentaram requerimentos de respostas e contra-respostas, os quais por despacho de fls. 191 dos autos, não foram admitidos, sem prejuízo da apreciação da junção de documentos.
Foi efectuada avaliação médico-legal da requerente e junto o respectivo relatório aos autos a fls. 307.
Procedeu-se a julgamento, vindo a final a ser proferida sentença, com o seguinte teor na sua parte decisória:
«Pelo exposto, julgo improcedente a presente ação instaurada por Od... contra Jo... e Ma..., absolvendo estes dos pedidos».
Inconformada recorreu a requerente, concluindo as suas alegações:
1) Do art. 1887°-A do CC decorre um limite ao exercício dos poderes parentais que impõe aos pais dos menores que, de forma injustificada, impeçam o relacionamento entre os seus filhos e irmãos ou avós;
2) Desta disposição decorre ainda a existência de um direito dos menores a manter contacto com os seus irmãos e avós, bem como um direito autónomo dos avós a manterem contacto com os netos;
3) Contactos estes, que, nos termos do art. 1887°-A do CC se presumem benéficos para os menores;
4) In casu, entendeu o Tribunal a quo que não era do interesse dos Menores reestabelecer o contacto com a Recorrente porquanto, face à vontade manifestada pela menor Le..., face ao desconhecimento dos menores M... e T... da existência da Avó materna e face aos conflitos entre Recorrente e Recorridos, é de prever que o restabelecimento de visitas agravará as tensões familiares das quais os menores deveriam ser afastados, pelo que entendeu indeferir totalmente o pedido;
5) No entanto, face à factual idade provada, não se pode deixar de considerar tal decisão violadora do disposto no art. 1887°-A do CC, porquanto não foram alegados nem provados factos demonstrativos de ser interesse dos Menores não contactar, de forma definitiva com a Recorrente;
6) Em primeiro lugar, não foram alegados factos que demonstrem que, do convívio com a Recorrente, existe qualquer perigo sério para a saúde e segurança física ou psicológica dos Menores;
7) Pelo contrário, a perícia realizada recomendou uma intervenção, com contornos psicoeducacionais, preparando visitas assistidas ou supervisionadas;
8) Ainda em favor do restabelecimento do contacto foi alegado e provado que:
• Antes do corte de relações a Recorrente sempre conviveu com os netos, manifestando a neta Leonor muito apreço por esse convívio (ponto 3.1), 3.2, a), 5.1, 5.2.1) da factual idade provada);
• A Recorrente tem uma boa integração social no meio em que se insere (ponto 3.2, f) da factual idade provada);
• Tem condições físicas para receber e conviver com os netos (ponto 3.1) e 3.2) da factual idade provada);
• A Recorrente, desde o corte de relações com os Recorridos tem encetado uma série de esforços para ter contacto com os Menores, o que é claramente demonstrativo do afecto e amor incondicional que nutre pelos mesmos (pontos 6.2.3) e 6.2.4) da factual idade provada);
9) Da factualidade provada não resulta qualquer facto que demonstre que os contactos com a Recorrente possam pôr em causa o desenvolvimento físico, moral e intelectual dos menores;
10) Pelo contrário, dos factos provados resulta que os Recorrentes têm submetido os Menores a uma educação moralmente questionável, em que, perante o conflito, optaram por transmitir aos menores que a sua avó materna tinha morrido (ponto 6.1.5 da factualidade provada);
11) Da factualidade provada resulta ainda que, para fundamentar a sua posição de corte de relações com a Recorrente, os Recorridos optaram por empolar de forma desproporcionada os factos ocorridos em Agosto de 2010, ignorando todas as qualidades que o relacionamento com a Recorrente trazia para os Menores, tendo passado a incutir-lhes um receio e um medo desse contacto manifestamente injustificado (ponto 4.2 e 6.3.1 da factual idade provada);
12) Face a tal conclusão, a convivência com a Recorrente afigura-se como o único meio possível de demonstração de que os receios que lhes foram incutidos pelos Recorridos são infundados e inverosímeis, servindo esse contacto cromo meio de realização e crescimento da própria identidade dos menores;
13) A isto acresce que, sendo os contactos feitos através de visitas supervisionadas, seriam mitigados todos os inconvenientes que levaram o Tribunal a quo a decidir pela improcedência da acção;
14) Isto porque, a Recorrente e os Recorridos não teriam contacto, o que evitaria qualquer conflito entre ambos e a presença de um assistente social, para além de facilitar o contacto com os menores, evitaria a possibilidade de repetição de qualquer erro passado;
15) Face a tal conclusão, verifica-se ainda que as eventuais características psicológicas dos intervenientes não devem ser um impedimento ao contacto, devem é os contactos ser adaptados a essas características, sob pena de coartar, de forma injustificada, o direito dos menores ao contacto com determinados familiares;
16) Face à factualidade provada é também previsível que, não sendo por ordem do Tribunal, o contacto da Recorrente com os Menores nunca volte a ser restabelecido, pelo que é mais adequado ao interesse dos menores o estabelecimento de um convívio acompanhado, o qual pode ser adaptado em função do seu resultado concreto, do que o corte total e definitivo do contacto;
17) A favor do restabelecimento do contacto com a Recorrente concorre ainda o facto de, pela sua idade (73 anos), não ser previsível que a relação com os Menores possa ser iniciada por iniciativa destes após a sua maioridade, fincando assim o seu direito a conhecer a avó materna definitivamente coartado;
18) Apesar da opinião da menor Leonor ter sido no sentido de não pretender restabelecer o contacto com a avó, tal opinião, apesar de válida, tal vontade não se pode considerar livre e esclarecida, resultando de uma clara incorporação da posição dos Recorridos;
19) A isto acresce que, nos presentes autos, pela sua idade, não foi considerada a opinião dos menores M... e T..., os quais, face à idade da Recorrente, podem não ter a possibilidade de a vir a manifestar;
20) Pelo exposto, atendendo aos supra descritos direitos e à presunção decorrente do art. 1887°-A do CC, bem como os factos provados, deveria o Tribunal a quo ter ordenado o restabelecimento de contactos dos menores com a Recorrente;
21) Contacto este que, dada a factualidade provada, nos parece razoável que seja estabelecido através de um regime de visitas periódico, com uma duração pré-estabelecida pelo Tribunal, que deverá contar com a presença de técnico social, por forma a ajudar no estabelecimento de relações familiares gratificantes entre as partes. Estas visitas deverão ocorrer em dia e hora acordado entre a Recorrente e os Recorridos em local a designar pelo Tribunal, devendo ainda ser solicitado o acompanhamento técnico destas visitas, bem como sugestões técnicas no sentido destas mesmas visitas passarem a desenvolver-se de forma construtiva para os Menores, promovendo o desenvolvimento de uma relação afectiva com a Recorrente.
Contra-alegaram os requeridos, pugnando pela manutenção da decisão proferida.
Por seu turno, o Magistrado do Ministério Público, concluiu:
O recurso interposto pelo requerente/recorrente não merece provimento, tendo a douta sentença ora recorrida procedido a uma correta e criteriosa avaliação dos factos e aplicação da Lei e do Direito, não padecendo a mesma de qualquer vício ou nulidade, estando esta sentença devidamente fundamentada, razão pela qual deve ser mantida nos seus precisos termos.
Foram colhidos os vistos.
2- Cumpre apreciar e decidir:
As alegações de recurso delimitam o seu objecto, conforme resulta do teor das disposições conjugadas dos artigos 608°, n°2, 5°, 635° e 639°, todos do CPC.
A questão a dirimir consiste em aquilatar sobre a regulamentação ou não de regime de convívio entre a avó e os netos.
A matéria de facto delineada na la.instância foi a seguinte:
1) Ma... nasceu a ..., filha de Ma... e de Od....
2) Ma... e Jo... celebraram casamento católico, sem convenção antenupcial, a ..., e tiveram três filhos:
2.1) Le..., nascida a ....
2.2) Mar..., nascida a ....
2.3) Ti..., nascido a ....
3) Od...:
3.1) Vive com o seu marido em S. P..., numa casa grande de 1911 (com salas e quartos), com quinta com baloiços, escorrega e outros equipamentos para os netos.
3.2) Tem capacidade de trabalho e de dedicação à família, com as limitações de 3.3) e 7) infra:
a) Dedicou a sua vida aos dois filhos e à família, gerindo-a de acordo com a sua perspetiva de vida; deslocou-se a Lisboa para apoiar a filha e visitar os netos, nos termos referidos em 5.1) infra;
b) Cuida do marido, com cerca de 80 anos e com mobilidade reduzida, conduzindo-o para onde este carecer;
c) Toma conta da casa e da quinta onde vive com o marido;
d) Frequenta a Universidade da terceira idade e a hidroginástica;
e) Ajuda os amigos e relaciona-se com pessoas da terra onde vive;
O Gosta de receber e acolher pessoas, no quadro e nos termos do que entende que esse acolhimento deve ser feito.
3.3) Tem limitações nas suas capacidades e nos seus relacionamentos referidos em 3.2) supra, em face das seguintes características e das referidas em 7) e 8) infra:
3.3.1) Tem dificuldade de aceitar circunstâncias diferentes da sua forma de avaliar o mundo, nomeadamente:
a) Não aceitou que o genro J... tratasse como mãe a mulher do seu pai, que não era a sua mãe biológica;
b) Reagiu com oposição, nomeadamente: nas alturas referidas em 5.2.2) e 6.2.2); quando o seu marido foi visitar os netos, após a quebra de relações da filha com a mãe referida em 5.2) infra, em que lhe fechou a porta de casa e este teve que partir um vidro para aí entrar; quando soube que a irmã seria testemunha da filha neste processo, em que contestou a sua atuação ao telefone com esta.
3.3.2) Gosta de ter as pessoas na sua dependência e proximidade, disputando com os outros o amor que entende que lhe seria devido a si, nomeadamente:
a) Considerava que o marido da filha F... a levara para longe de si em Lisboa, dizendo-lhe mãe só há uma e maridos podem existir vários;
b) Considerava que os netos não deveriam ser cuidados por empregadas, quando existia uma avó, entendendo que aquelas não exerciam a sua função com competência, roubavam, não eram diligentes, desperdiçavam recursos;
c) Não tolerava que a neta L... chamasse avó à mulher do pai do J..., tida por este como sua mãe, por não ser a sua mãe biológica, por entender que apenas a própria era avó da neta, que a família da neta era a família materna. 4) M... e Jo..., pais das crianças referidas em 2) supra:
4.1) São muito centrados na sua família nuclear:
a) Ambos tiveram licenças de paternidade e maternidade quando nasceram os filhos;
b) A mãe renunciou a um trabalho num escritório de advogados para ter mais tempo para os filhos;
c) São preocupados com os cuidados e a educação dos filhos, tendo, nomeadamente:
d) Contratado empregada a tempo inteiro, pelo menos antes dos filhos frequentarem estabelecimento educativo;
e) Tratado da inscrição frequência pré-escolar e escolar dos filhos: da L... n' O B..., entre o final de outubro de ... e o final de maio de ..., e no Externato O P... e Colégio dos A... em ...; da M... no Colégio dos A... no ano letivo ...; do T... no Esc..., Lda.
4.2) Viveram com muito dramatismo e emoção os factos referidos em 5.2.2) e 6) infra, a audição das testemunhas arroladas por Od... na audiência de julgamento deste processo (na qual a Ma... fez comentários, abraçou repetidamente Jo..., fez gestos de contestação dos depoimentos, mesmo depois de advertida pelo Tribunal para corrigir o comportamento), a audição da filha L... pelo Tribunal (que viveram com sofrimento); não revelam capacidade crítica para avaliar objetivamente o seu comportamento e o da avó materna nos acontecimentos de 2010, nem capacidade emocional para reconhecer as qualidades da avó materna Odete da Conceição e os aspetos positivos da sua convivência com os filhos até 2010.
5) Entre nascimento das crianças referidas em 2) supra e o verão de 2010:
5.1) A avó O... conviveu com os seus netos, com periodicidade total e exata não apurada, em deslocações que fez a Lisboa e em deslocações que a filha e o marido fizeram a S. P... ou a A..., pelo menos: em Natais; em aniversários; num período de cerca de dois meses, em que os pais da L...
estiveram sem a empregada que tomava conta desta na casa de Lisboa, antes de esta frequentar o infantário; em períodos de férias em Aveiro, quando os pais dos netos iam passar férias à praia da Barra com os filhos; em outras ocasiões, para prestar apoios complementares à filha. Quando ia a Lisboa levava produtos da terra, nomeadamente, frangos caseiros e borrego.
5.2) No período de convivências referido em 5.1) supra:
5.2.1) Antes do verão de 2010:
a) A L...: quando convivia com a avó estava feliz, chamava-a querida avó D...; tinha um anjo da guarda e disse um dia que lhe pedia para guardar os avós;
b) A avó O... gostava dos netos; mas, nas festas com as duas famílias, não gostava que a L... convivesse com os avós paternos.
5.2.2) No verão de 2010:
a) Deu um passeio na praia com a neta L... e disse-lhe que a mulher do seu avô paterno (a quem a neta tratava por avó M...) não era mãe do seu pai, nem sua avó paterna, sendo apenas a própria a sua avó; pediu-lhe segredo sobre esta revelação; após isto, a L... ficou prostrada e confusa;
b) Após a ocorrência de a) supra: foi à casa de praia onde os pais dos netos e estes se encontravam, com a pretensão de levar a neta L... para a praia; depois de a L... não querer ir, em face de acordo de outro programa com os pais, puxou-a para o elevador para a levar para a praia, contra a vontade desta e dos pais; após, a mãe e o pai dirigiram-se ao elevador para retirar a L... à avó, que a retinha consigo, sendo a L... puxada pela avó de um lado e pelos pais do outro lado; depois desta disputa e de os pais levarem a L... para casa, os pais decidiram interromper a quinzena de férias e partir para Lisboa e a L... agarrou-se à mãe a chorar, dizendo a culpa é minha, ela quis-me levar e eu não quis.
6) Após os episódios de 5.2) supra:
6.1) Os pais das crianças, Jo... e Ma...:
6.1.1) Deixaram de conviver com a O... e de deixar que esta falasse e convivesse com os filhos.
6.1.2) Falaram, pelo menos, ao sogro e ao irmão da M..., para estes intercederem junto de Od... para esta se retratar, familiares que lhes disseram que não havia nada a fazer, por esta entender que não se passara nada.
6.1.3) Mudaram de telefones fixos e móveis, após as mensagens referidas em 6.2.2) -b) infra.
6.1.4) A 3 de abril de 2014, após os episódios de 6.2.2)- c) e e) infra, declararam no Notário, nomeadamente:
a) Os tutores a nomear, em caso de morte ou incapacidade;
b) A exclusão da possibilidade de nomeação de tutor: de Od..., por total inexistência de contacto desde 2010, data em que o comportamento e atitude levaram à quebra dos laços familiares; de Ma..., devido à sua idade avançada de 77 anos, estado de saúde, estado físico e debilidade;
c) A recomendação aos tutores das suas vontades, entre as quais fizeram constar «...a sua vontade de impedimento -absoluto- de contacto dos Filhos menores com Od...».
6.1.5) A Ma... disse aos filhos que a sua mãe estava longe, doente e morrera no seu coração.
6.2) Od...:
6.2.1) Telefonou à neta L..., pelo menos mais uma vez após os episódios de 5.2.2) supra, dizendo que a avó M... não era sua avó.
6.2.2) Entrou num processo progressivo de reação contra a decisão e o comportamento da filha e do genro referidos em 6.1.1) supra e de reafirmação da sua posição:
a) Fez centenas de chamadas à filha, de forma descontrolada, que a filha não atendeu;
b) Enviou mensagens de voz ao telefone da filha Ma..., aproximadamente em junho de 2012, dizendo Casaste com um bandido, És bandida, Assassina, Criminosa, Gastas o meu dinheiro; Vais causar o meu divórcio, Eu vou-te dar cabo da vida, Vou dar cabo de ti, Eles serão sempre meus, após o que M... e J... mudaram de telefone;
c) Telefonou a uma amiga da faculdade da filha, Fl..., dizendo-lhe que era mãe da F..., que queria dizer-lhe quem era a sua amiga, que a filha Ma... não a deixava ver os netos, que ela é que era a sua avó, que a neta deveria saber que estava enganada e que ela era a sua única avó; não ouviu os conselhos que esta lhe deu sobre a inadequação do que dissera à L..., sobre a conveniência de se arrepender e de pedir desculpa à filha e ao genro, conselhos que esta recusou; perguntou-lhe o que aconteceria sobre a responsabilidade dos netos se acontecesse alguma coisa à filha e ao genro (por poderem, nomeadamente, ter um acidente e morrer);
d) Fez telefonemas para o local de trabalho da filha na D...:
d1) Entre 2010 e 2012: fez telefonemas, que não foram publicamente percebidos;
d2) Entre 2012 e maio de 2015 fez telefonemas alvoraçados (umas vezes 4 dias seguidos), que foram publicamente percebidos pelo facto de os telefones tocarem em rede, telefonemas nos quais disse, a quem a atendia: que queria dizer ao Diretor Geral e aos recursos humanos quem era a filha; que não conheciam a filha F..., que esta não tinha valores, renegava a família e preferia dar-se com terceiros; que o Z... não tinha valores para educar a filha porque não foi educado pela mãe, que o abandonou. No último telefonema de maio de 2015 pediu informações sobre horas de entrada e de saída da filha, para informar o Instituto de Apoio à Criança. Não aceitou conselhos da irmã para não telefonar para a D...;
e) Disse ao seu afilhado que se acontecesse alguma coisa aos pais dos netos, ela seria a responsável por estes.
6.2.3) Fez tentativas de aproximação aos netos, tentando visitá-los com um ramo de flores mas não conseguiu entregar na escola.
6.2.4) Procurou o IAC - Instituto de Apoio à Criança, aproximadamente em 2014, para saber como se poderia encontrar com os netos, altura em que se encontrava em sofrimento.
6.2.5) A 15 de maio de 2017: nega que realizou os telefonemas a terceiras pessoas referidos em 6.2.2) supra, razão pela qual entende que não tem que pedir desculpa à filha e ao genro; admite poder pedir desculpa pelo facto de
5.2.2)- a) supra, se o Tribunal o considerar necessário, embora sem reconhecimento de desvalor ao mesmo.
6.3) As crianças referidas em 2)-2.1) a 2.3) supra:
6.3.1) A L...:
a) Após as revelações da avó referidas em 5.2.2)- a) e 6.2.1) supra: ficou confusa, não entendia porque é que a avó M... não era mãe do pai e não era sua avó, pensava que se ela não era avó também poderia também não ser filha dos pais, ser adotada e não pertencer à família; perguntava aos pais se os pais eram seus pais ou se era adotada; tinha pesadelos à noite (uma vez sonhou que deu com uma frigideira na cabeça da avó); tinha medo que a avó voltasse, tinha medo que a viesse buscar;
b) A 15 de maio de 2017, de forma dramática, rígida e inamovível: chamou à avó Senhora O... e não avó materna; declarou não querer que os seus irmãos passassem o que passou, reproduzindo os episódios de 2010 nos termos e expressões relatados pelos seus pais na audiência de julgamento (que a avó materna lhe revelou que a avó M... não era sua avó; que a avó materna a agarrou num braço e a arranhou para a levar para a praia quando queria ir para a piscina em 2010; que a avó materna telefonou-lhe a dizer que a avó Maria não era sua avó e que os pais não valiam nada; que teve pesadelos); não tinha capacidade de reflectir sobre os factos de 2010 e sobre o decurso do tempo ocorrido sobre os mesmos; não aceitou conviver com a avó materna, sozinha ou acompanhada, mesmo depois do Tribunal lhe ter explicado a possibilidade de os erros serem reparados e depois do Ministério Público ter insistido na sua aceitação do início de visitas acompanhadas, altura em que lacrimejou.
6.3.2) A M... e o T...: não conhecem as razões da perda de relação entre a avó materna e os pais.
7) Od...:
a) Tem défice cognitivo ligeiro, sobretudo no pensamento abstrato e no conjunto de processos cognitivos fundamentais para o controlo comportamental, para a capacidade de retenção, para o processamento e o uso de informação, para a flexibilidade cognitiva, raciocínio, resolução de problemas e planeamento; nos desempenhos cognitivos formais tende a precipitar-se por causa da ansiedade, o que confirma a presença de mais emotividade e menos reflexividade;
b) Tem um conjunto de traços de personalidade disfuncionais, que prejudicam uma relação com qualidade afetiva e emocional: tem rigidez psicológica; tem dificuldades de aprender com a experiência, perseverando nos mesmos comportamentos apesar dos repetidos falhanços; tem superficialidade afetiva, que a torna autocentrada, exigente, amarga, hostil e ressentida, com prejuízo do julgamento das situações e com manipulação dos outros para os influenciar e controlar;
c) E obstinada, influenciada por preconceitos pessoais, pouco reflexiva, autoritária e egocêntrica.
8) As dificuldades de aprender com a experiência, o reduzido insight sobre as motivações pessoais, as dificuldades de perceção sobre as suas condutas diferem das dos outros, a inflexibilidade, as crenças rígidas sobre o genro e a família, referidas em 7) supra, são aptas a prejudicar o sucesso normal de uma psicoterapia.
Matéria de facto não provada:
A restante matéria de facto alegada pelas partes.
Vejamos:
Discorda a apelante da sentença proferida, na medida em que entende que foi violado o disposto no art. 1887°-A do Código Civil, porquanto não foram demonstrados factos no sentido de ser do interesse dos menores, não contactar com a avó, nem que, a atribuição de relacionamentos possa colocar em causa o seu desenvolvimento físico, moral ou intelectual.
Ora, nos termos plasmados no art. 1887°-A do Código Civil, os pais não podem injustificadamente privar os filhos do convívio com os irmãos e ascendentes. Tal preceito foi aditado pelo art. 1° da Lei n°. 84/95, de 31 de Agosto, dando uma cobertura legal a aspectos inerentes a relações pessoais entre avós e netos. Como escreveu Maria Clara Sottomayor, Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, 5a ed., Almedina, pág. 194-195 «A nossa lei consagra, desde 1995, um direito de a criança se relacionar com os ascendentes e com os irmãos, reconhecendo, através da referência aos ascendentes, a importância para a criança da relação com a grande família. (...) Com a entrada em vigor do art. 1887°-A, a criança passou a ser titular de um direito autónomo ao relacionamento com os avós e irmãos.
(...) A lei pretende tutelar a expressão de amor e de afecto entre os membros da família, a importância da ligação afectiva e do auxílio mútuo entre as gerações. No aspecto jurídico, esta nova sensibilidade social traduz-se no princípio de que a criança não é uma coisa, propriedade dos pais, mas antes um sujeito de direitos, um ser autónomo, cujos afectos devem ser respeitados pelos pais». Com efeito, nos termos do disposto no art. 1877° do Código Civil, os filhos estão sujeitos às responsabilidades parentais até à maioridade ou emancipação.
Sendo que, face ao plasmado no n°. 1 do art. 1878° do mesmo normativo, compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros e administrar os seus bens.
Por seu turno, face ao n°. 2 do preceito, os filhos devem obediência aos pais; estes, porém, de acordo com a maturidade dos filhos, devem ter em conta a sua opinião nos assuntos familiares importantes e reconhecer-lhes a autonomia na organização da própria vida.
Dispondo também, o n°. 5 do art. 36° da CRP., que os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos.
Efectivamente, os pais serão em primeira linha os defensores dos interesses dos filhos e os detentores das responsabilidades parentais.
Porém, não está aqui em causa o conteúdo do poder paternal, mas antes, um direito pessoal dos menores e dos seus avós, a um convívio recíproco.
Como se aludiu em, O Direito dos Avós às Relações Pessoais com os Netos na Jurisprudência Recente, Rosa Martins/Paula Távora Vítor, Julgar, n°. 10, a pág. 61 «A (re)valorização da criança e a nova consciência das suas especificidades tem reflexos no plano jurídico. De facto, à criança é actualmente reconhecido um estatuto de cidadania social que radica na sua nova condição de pessoa de direitos fundamentais que devem ser respeitados não só pelos pais e outros familiares mas também pela Sociedade e pelo Estado».
Ora, o convívio que o legislador pretendeu que existisse entre avós e netos, só poderá sofrer restrições caso existam razões justificadas que o impeçam, ou seja, os pais poderão impedir o convívio com os avós, desde que justificadamente demonstrem ser o mesmo prejudicial para os seus filhos.
E tais razões só poderão ter como subjacente o interesse dos próprios menores, o qual deverá também prevalecer sobre o direito dos avós.
Porém, a lei não fornece o critério para tanto, devendo por isso, quando a intervenção do tribunal é suscitada, ser este a aquilatar das motivações, tendo presente os princípios da necessidade, da proporcionalidade e da adequação, relativamente aos próprios menores.
Colocados estes parâmetros incumbe, pois, a análise do caso concreto.
Assim, resulta da factualidade assente que a apelante é avó de L..., nascida a ..., de M..., nascida a ... e de T..., nascido a ....
A avó O... conviveu com os seus netos, com periodicidade total e exacta não apurada, em deslocações que fez a Lisboa e em deslocações que a filha e o marido fizeram a S. P... ou a A..., pelo menos: em Natais; em aniversários; num período de cerca de dois meses, em que os pais da L... estiveram sem a empregada que tomava conta desta na casa de Lisboa, antes de esta frequentar o infantário; em períodos de férias em A..., quando os pais dos netos iam passar férias à praia da Barra com os filhos; em outras ocasiões, para prestar apoios complementares à filha. Quando ia a Lisboa levava produtos da terra, nomeadamente, frangos caseiros e borrego.
Desde o verão de 2010 que os pais das crianças deixaram de conviver com a apelante e de deixar que esta falasse e convivesse com os filhos.
Para justificação de tal conduta, apontam os requeridos os seguintes factos apurados:
- A avó O... gostava dos netos; mas, nas festas com as duas famílias, não gostava que a L... convivesse com os avós paternos.
- No verão de 2010, deu um passeio na praia com a neta L... e disse-lhe que a mulher do seu avô paterno (a quem a neta tratava por avó M...) não era mãe do seu pai, nem sua avó paterna, sendo apenas a própria a sua avó; pediu-lhe segredo sobre esta revelação; após isto, a L... ficou prostrada e confusa;
- Após a ocorrência supra, foi à casa de praia onde os pais dos netos e estes se encontravam, com a pretensão de levar a neta L... para a praia; depois de a L... não querer ir, em face de acordo de outro programa com os pais, puxou-a para o elevador para a levar para a praia, contra a vontade desta e dos pais; após, a mãe e o pai dirigiram-se ao elevador para retirar a Leonor à avó, que a retinha consigo, sendo a L... puxada pela avó de um lado e pelos pais do outro lado; depois desta disputa e de os pais levarem a L... para casa, os pais decidiram interromper a quinzena de férias e partir para Lisboa e a L... agarrou-se à mãe a chorar, dizendo a culpa é minha, ela quis-me levar e eu não quis.
Ora, os factos descritos e ocorridos com a neta L..., não abonam em termos educacionais a figura da avó, já que, não devia ter sido ela a abordar o assunto relativo à família do pai, bem como, não deveria a mesma imiscuir-se nas decisões dos pais sobre a vida dos filhos.
E resultando ainda da factualidade, que a apelante tem dificuldade de aceitar circunstâncias diferentes da sua forma de avaliar o mundo, que gosta de ter as pessoas na sua dependência e proximidade, disputando com os outros o amor que entende que lhe seria devido a si, que tem um conjunto de traços de personalidade disfuncionais, que prejudicam uma relação com qualidade afectiva e emocional, não vemos como poderá a mesma relacionar-se com os seus netos e manter com eles uma relação de qualidade.
Com efeito, relativamente à menor O..., como consta das declarações da mesma, prestadas em audiência, não quer conviver com a avó materna, a quem chama de senhora O... e não quer que os seus irmãos passem o que passou, relativamente aos episódios descritos supra.
Ora, perante este comportamento da menor, quase a perfazer quinze anos de idade, denotamos que apesar do tempo decorrido, da idade que a mesma tinha na altura, ainda se mostra perturbada com os acontecimentos ocorridos. Perante este quadro, entendemos que não existe possibilidade de reatamento de relacionamentos da L... com a avó, já que, os afectos não se podem impor se os mesmos não existirem ou se não houver vontade de os fomentar. A adolescência é um período complicado na vida dos jovens e negando a menor qualquer contacto com a avó, qualquer imposição do tribunal poderia não ser benéfica para a mesma, pelo que, poderia estar em causa o interesse da criança. Assim, o tempo e o crescimento da L... se encarregarão de clarificar a sua posição e quiçá até possa vir a renascer um relacionamento entre ambas, o que nesta fase não é viável.
No que se reporta aos menores M... e T..., estes não conhecem as razões da perda de relação entre a avó materna e os pais.
Eram muito pequenos em 2010 para se aperceberem do ocorrido com a irmã L....
Os mesmos não têm qualquer referência da avó materna, tendo-lhes a requerida dito que a sua mãe estava longe, doente e morrera no seu coração.
Não se sabe como reagiriam os menores com uma tal aproximação, nem se a mesma seria benéfica ou desejável para os mesmos.
O que se sabe é que não se poderá impor a presença de uma avó a crianças que nunca com a mesma se relacionaram, que não mudou a sua visão das coisas, nem revela qualquer autocrítica.
Porém, isto não significa que a M... com 10 anos e o T... ainda com 8 anos, não possam vir a sentir por si, a necessidade de conhecerem a sua avó, mas tão só, que não se afigura a este tribunal que seja este o momento oportuno para uma tal decisão, a qual poderia provocar graves traumas naqueles, com repercussão na sua saúde física e sobretudo mental, o que incumbe preservar acima de tudo.
Por outro lado, há que realçar que os requeridos são muito centrados na sua família nuclear, preocupados com os cuidados e a educação dos filhos, pelo que, sendo conhecedores das personalidades e interesses dos mesmos, se entendessem ser-lhes benéfica tal aproximação, certamente que a fomentariam, o que não sucede.
Assim, entendemos haver razões justificadas que demonstram não dever prevalecer o direito da avó perante o interesse das crianças.
Destarte, nenhum reparo nos merece a sentença proferida, decaindo as conclusões do recurso apresentado.
Em síntese:
- O artigo 1887°-A do Código Civil, consagra um direito de a criança se relacionar com os ascendentes e com os irmãos, reconhecendo, através da referência aos ascendentes, a importância para a criança da relação com a grande família.
- Porém, o convívio entre os netos e os avós poderá ser derrogado se razões justificativas o impuserem.
3- Decisão:
Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a sentença proferida.
Custas a cargo da apelante.
Lisboa, 8 de maio de 2018
Rosário Gonçalves
José Augusto Ramos
Manuel Marques
   Contactos      Índice      Links      Direitos      Privacidade  Copyright© 2001-2024 Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa