Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
Actualidade | Jurisprudência | Legislação pesquisa:


    Jurisprudência da Relação Cível
Assunto    Área   Frase
Processo   Sec.                     Ver todos
 - ACRL de 17-04-2018   Emissão de resíduos. Impossibilidade de arejamento de fracção destinada a habitação. Ambiente e qualidade de vida. Interesses difusos. Tutela.
1. Um interesse difuso corresponde a um interesse juridicamente reconhecido, tutelado, cuja titularidade pertence a todas e a cada um dos membros de uma comunidade ou de um grupo, mas não é susceptível de apropriação individual por qualquer um desses membros.
2. A impossibilidade de arejamento de uma fracção autónoma destinada a habitação (por impossibilidade de abertura das respectivas janelas durante determinado período de tempo) constitui limitação ao gozo pleno da propriedade delineado no art. 1805.º, do C.C., e enquadra-se no “direito” que se pretende acautelar nos termos do art. 362.º, do C.P.C..
Proc. 8111/16.4T8ALM.L1 1ª Secção
Desembargadores:  Teresa Jesus Henriques - Isabel Maria da Fonseca - -
Sumário elaborado por Ana Paula Vitorino
_______
Proc 8111/16 4T8ALM.L1
Apelante- D...- Supermercados, S.A.
Apelado- MINISTÉRIO PÚBLICO
I
O Exm° Mag M.°P° intentou a presente providência cautelar contra o recorrente pedindo que:
1. Seja ordenada a cessação da emissão de resíduos da combustão provenientes da fracção autónoma da apelante (fumo, vapores, calores e cheiros) através dos tubos cujas aberturas de escape terminam na grelha da fachada do edifício virada para a R. Bulhão Pato, Costa de Caparica,
2. Se decrete a inversão do contencioso e, assim, do ónus de propositura da acção principal pelo Ministério Público;
3. Fixe uma sanção pecuniária compulsória no montante não inferior a € 750 por cada dia em que o requerido viole as providências decretadas.
Alegou, em síntese, que:
i) A sociedade requerida instalou um supermercado no interior da sua fracção onde, diariamente, coze pão e produtos de pastelaria e, assa frangos;
ii) Mas não instalou na dita fracção condutas de fumo com as especificações legalmente exigidas;
iii) Todas as tubagens começam no interior do supermercado, e as aberturas de escape terminam na
grelha da fachada do edifico virada para a Rua Bulhão Pato, por baixo do piso destinado a habitação;
iv) As alhetas da grelha exterior estão viradas para baixo, sobre o passeio público;
v) Os resíduos da combustão-fumos, vapores, calores e cheiros emitidos pelos tubos- são projectados sobre o passeio público, atingindo os peões que por aí se desloquem, os veículos automóveis, motas ou bicicletas que circulam na estrada;
vi) Esses resíduos propagam-se ao próprio edifício obrigando os respectivos moradores a manterem fechadas as portas e janelas para impedir a sua entrada nas habitações;
vii) Prejudicando a ventilação daquelas habitações e potenciando problemas de saúde, prejudicando a qualidade de vida dos moradores;
viii) Potenciando ainda aparecimentos de bolores e humidades, manutenção de poluentes e perdas tér¬micas nas mesmas;
ix) Num conflito de valores entre a laboração de uma instalação específica e um ambiente de vida humana, sadio e equilibrado, deve dar-se prevalência a este.
A apelante deduziu oposição, pugnando pela sua absolvição, com os seguintes fundamentos:
i) O tribunal competente para dirimir o litígio é o da sede da sua administração que se situa em Lisboa;
ii) É titular do alvará de utilização do supermercado em questão e só recebeu uma única queixa relati-vamente aos fumos e odores de frango assado devido a um sistema de ventilação que se revelou insatisfatório;
iii) E solucionou o problema com um novo sistema de ventilação, executado por firma reputada no mer-cado, que mereceu parecer favorável do Município de Almada;
iv) A Autoridade de Segurança alimentar Alimentar e Económica(ASAE) e a GNR procederam a fiscali-zações sem qualquer notícia de incumprimento;
v) A solicitação da apelante o Instituto Ricardo Jorge elaborou relatório onde conclui que os valores das emissões de provenientes da grelha de exaustão instalada na fracção da apelante não ultrapassam os limites legais.
vi) O M.°P. omitiu estes factos;
Julgada a causa foi proferida sentença cujo dispositivo é o seguinte: Destarte, julga-se pro
cedente por provado o presente procedimento e, em consequência:
1. Ordena-se ao requerido D... - Supermercados S.A. a cessação da emissão de resíduos da confecção de frangos (vapores, calores e cheiros), no estabelecimento com acesso pelos n.º 13-A da Av… e n.º 2 da Rua …, Almada, realizada através dos tubos cujas aberturas de escape terminam na grelha da fachada do edifício virada para a R. …, Costa de Caparica;
2. Fixa-se uma sanção pecuniária compulsória no montante de €500,00 por cada dia em que o requerido viole a providência decretada.
Custas pelo requerido. Registe e notifique.
I.B.
Conclusões da apelante
Quanto à nulidade da sentença,
A. Referindo-se a causa de pedir e o pedido à cessação de resíduos de combustão, a condenação na cessação de outros resíduos, que não sejam de combustão, consubstancia uma condenação em objecto diverso do pedido, vio¬lando o disposto no n.o 1 do artigo 609.o do CPC, sendo a sentença recorrida nula, nos termos do disposto na alínea e), do n.o 1, do artigo 615.o do CPC.
Quanto à nulidade processual arguida,
B. Não obstante quanto à prova em processo civil se dever observar o princípio do inquisitório, o mesmo não é desprovido de limites, cabendo ao juiz sujeitar ao contraditório prévio das partes quaisquer diligências de prova que pretenda determinar e, em especial, permitir às partes que, querendo, participem nas mesmas, sendo inadmissível a decisão que tenha por base diligências desconhecidas das partes, consubstanciando prova-surpresa.
C. O processo cuja decisão se funda em prova-surpresa é nulo, por violação do princípio do contraditório, dos direitos a um juiz imparcial e a um processo equitativo, violando o disposto no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa e o artigo 3.º, n.º 3, 411.º e 415.º, n.º 1, do CPC.
D. Considerando a nulidade do meio de prova por inspecção alegadamente levado a cabo no dia 3.03.2017, por violação do princípio do contraditório, impõe-se considerar não indiciado o ponto 37.º da lista de factos indiciados, substituindo-se o mesmo por novo facto donde resulte que o sistema de exaustão e depuração de odores instalado é suficiente, não se sentindo odores resultantes da confecção de frangos assados na Rua Bulhão Pato, proveniente das grelhas de extracção.
Quanto à impugnação da matéria de facto (com e sem reapreciação da prova gravada)
E. A conclusão de que o sistema instalado depura satisfatoriamente os odores resultantes da confecção de frangos, os quais apenas se sentem de forma residual por quem permaneça encostado à grelha de exaustão, não se sentindo no resto da Rua Bulhão Pato, resulta à saciedade dos testemunhos do Eng.o António José Afonso, da Eng.a L..., do senhor Marcelo Barreiro Santos e da senhora A..., os quais, aliados à inspecção judicial realizada no dia 9.03.2017, impõem a revogação dos pontos 13.º a 16.º e 37.º da lista de factos indiciados e a sua substituição por um novo facto indiciado donde decorra que O sistema de exaustão e depuração instalado no estabelecimento dos autos elimina eficazmente os odores provenientes da assadura de frangos
F. Ainda que assim não se entenda, o que não se concede, mesmo que algum valor proba¬tório tivesse a visita da Mm.a Juiz ao estabelecimento no dia 4.03.2017, atendendo a que a única diferença entre essa visita de sábado e a inspecção judicial de 9.03.2017 (quinta-feira), foi a realização de manutenção semanal do sistema que ocorreu na terça-feira, dia 7.03.2017, não se observando quaisquer odores na ins¬pecção após a realização da manutenção, é lógico e imperioso concluir, no mínimo, que O sistema de exaus¬tão instalado no estabelecimento dos autos, no terceiro dia após a acção de manutenção, continua a eliminar eficazmente os odores provenientes da assadura de frangos.
G. testemunhas inquiridas se pronunciaram através de meros acho que sim, deve o mesmo ser eliminado da lista de factos indiciados.
H. Não se tendo notado quaisquer odores aquando da inspecção judicial, por maioria de razão impunha-se a conclusão de que inexistem odores que se propaguem para o edifício e, em consequência, a eliminação do ponto 14.o dos factos indiciados, sendo certo que, em qualquer caso, sempre se imporia a eliminação da parte final desse mesmo ponto, que alude a edifícios adjacentes, na medida em que não foi feita qualquer prova sobre o alastramento de odores aos mesmos.
1. lnexistindo uma qualquer obrigação de manter as janelas fechadas, que de resto nem sequer é confirmada pelas testemunhas inquiridas, de cujas afirmações resulta apenas que nas horas em que se encontram em casa e a Requerida está a assar frangos optam por manter as janelas fechadas, e que, de qualquer forma, foi desmentida pela inspecção judicial, impõem-se eliminar o ponto 15.o dos factos indiciados
ou, pelo menos, alterar a 31 redacção do mesmo de modo a que se leia que nas horas em que estão em casa e em que a Requerida estava a assar frangos os condóminos cujas fracções dão para a Rua Bulhão Pato optam por não abrir as janelas, sendo certo que, atendendo às várias soluções juridicamente possíveis e, em especial, à necessidade de tentar harmonizar direitos conflituantes não é indiferente o número de horas que os condóminos passam fora das suas casas.
J. Quanto ao ponto 16.o dos factos indiciados, além de claramente conclusivo, também não foi feita qualquer prova sobre o mesmo, razão pela qual este deverá ser eliminado dos factos indiciados, sem mais.
K. A alegação de que a Requerida tem 5 funcionários exclusivamente afectos aos pontos de confecção e venda de pão e de confecção e venda de frangos, consubstancia matéria de excepção que, em face da omissão de impugnação do Requerente, deveria ter sido considerada indiciada, sem mais.
L. Não obstante, sempre se dirá que a Requerida fez prova - naturalmente indiciária, como de resto é normal nos procedimentos cautelares - através do testemunho da Dra. A..., pelo que, se impõe que, ainda que não se consiga apurar em concreto o número de funcionários exclusivamente afectos a tais pontos de confecção e venda de pão e frangos assados, nem se saiba qual a modalidade contratual dos mesmos, pelo menos deverá ser aditado à lista de factos indiciados um novo facto donde decorra que A Requerida tem funcionários afectos exclusivamente ao ponto de preparação e venda de pão e de frangos assados que em caso de encerramento desses pontos, com elevada probabilidade, serão despedidos.
M. Tendo sido alegados factos que cuja verificação determinará que a ordem de cessação, tal como requerida, implicaria uma violação do princípio da igualdade, designadamente, os factos constantes dos artigos 103.º a 105.º da oposição à providência cautelar, os quais além de não terem sido impugnados, estão provados pelos documentos 22.º a 24.º juntos com a mesma oposição, de modo a que a decisão jurídica possa ter em consideração as várias soluções jurídicas possíveis, impõem-se que seja aditado à lista de factos
indiciados um novo facto com o seguinte teor: Na área onde está instalado o supermercado da requerida, existem diversos exemplos de estabelecimentos em cuja extracção de fumos, odores, calores e vapores se faz pela fachada de edifícios habitacionais ou em zonas habitacionais.
N. Também com relevância para a solução jurídica a dar à presente providência, ainda que se trate de facto instrumental e que, nessa medida, não tenha que constar da lista dos factos indiciados, não poderia a sentença recorrida ignorar, como efectivamente o fez, o facto de os moradores - únicos sobre os quais incidiu a prova de um alegado prejuízo com odores - passarem a maioria do tempo em que o estabele¬cimento da Requerida está em funcionamento fora das suas casas, não sendo substancialmente afectado o seu direito à qualidade de vida, o qual, no limite, apenas será limitado pelos alegados odores por períodos de tempo muito curtos.
Quanto à impugnação da matéria de direito,
O. Expurgados da lista dos factos indiciados aqueles que manifestamente lá não devem constar, como sejam aqueles que decorrem da diligência probatória nula ou de meios de prova insuficientes ou para os quais foi apresentada contraprova bastante, qualquer decisão relativa aos pressupostos de que depende a providência a decretar se torna simples, porquanto inexiste qualquer probabilidade séria de violação de qualquer interesse difuso ou direito de qualquer colectividade, assim como inexiste perigo de lesão grave e dificilmente reparável.
P. Com efeito, tal decorre da demonstração cristalina de que os equipamentos ins-talados eliminam eficientemente quaisquer odores provenientes das grelhas junto da fachada na Rua Bulhão Pato.
Q. Mesmo que não se eliminem da lista dos factos indiciados os factos supra referidos, o que não se concede, é manifesto que da lista de factos indiciados não decorre a existência de qualquer prejuízo considerável ou substancial, sendo certo que o direito à qualidade de vida e, em especial, a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, como bem se sabe não são direitos a uma vida sem influência de emissões, mas antes a uma vida que não seja por elas substancialmente prejudicada.
R. Ao contrário do que decorre da sentença recorrida, os limites legalmente definidos não são irrelevantes, nem podem ser irrelevantes, antes devendo servir de medida objectiva para apurar se existe uma violação de interesses difusos, ou de direitos de personalidade.
S. Sem embargo de apuradas circunstâncias excepcionais em que apesar do cum-primento dos limites legais se constata existir um prejuízo substancial para um direito de per-sonalidade ou para interesses difusos, estes deverem prevalecer sobre os limites legalmente definidos, essa prevalência dependerá necessariamente das tais circunstâncias excepcionais terem sido alegadas e provadas.
T. Em face da prova apresentada e dos factos indiciados, é impossível a conclusão de que as emissões de vapor, calor e odores provenientes das grelhas da fachada na Rua Bulhão Pato prejudicam substancialmente o ar, a saúde e o ambiente, impondo-se concluir que as emissões realizadas através daquelas grelhas não afecta substancialmente qualquer direito dos transeuntes, nem tão pouco afecta os direitos à qualidade de ar, saúde e ambiente dos condóminos.
U. A justiça das generalidades e a justiça da prova-surpresa e extra-processo deve ser liminarmente rejeitada, cabendo ao tribunal olhar de forma crítica e com distanciamento para as provas constantes do processo e para os factos indiciados.
V. Qualificativos como intenso e persistente, usados na sentença recorrida, não decorrem dos factos indiciados, assim como não decorrem de quaisquer factos indiciados as conclusões de que alegadamente existirão odores fortes que invadem a habitação, incómodo físico, e a suposição de que tais odores comprometem a salubridade da habitação e, inerentemente, a saúde de quem lá vive, e são até contrários ao que efectivamente se observou e indiciou (veja-se os pontos 35.o e 36.o), sendo tais qualificativos, conclusões e suposições totalmente inadmissíveis, devendo a decisão recorrida, também por isso, ser revogada, em face da não verificação do pressuposto da aparência do direito violado.
W. Mesmo que assim não se entenda, o que não se concede, inexiste qualquer lesão grave ou dificilmente reparável, pressuposto do decretamento de qualquer providência não especificada, sobre a qual, de resto, não há qualquer facto indiciado.
X. Lida a motivação, o que se constata é que ao invés de curar de verificar o preenchimento deste pressuposto do decretamento da providência, o tribunal a quo se preocupou mais em punir um comportamento anterior da Requerida, supondo uma sua indiferença, que em concreto não se verificou, e que de resto não estava em discussão nem sequer estava em causa nos presentes autos, por esta, alegadamente, ter continuado em laboração apesar de ter recebido queixas.
Y. O que é factual e indesmentível é que a sentença recorrida não elenca um qualquer facto que seja susceptível de integrar os conceitos de lesão grave e dificilmente reparável, sendo certo que, como refere Abrantes Geraldes, em Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, 4.a edição, páginas 101 e 103, citado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23.10.2014, proferido no processo n.º 1629/13.2TBLSD.P1, disponível em www.dgsi.pt, não é qualquer lesão que justifica a intromissão na esfera jurídica do requerido com a intimação para se abster de determinada conduta ou com a necessidade de adoptar determinado comportamento ou de sofrer um prejuízo imediato relativamente ao qual não existem garantias de efectiva compensação em casos de injustificado recurso à providência cautelar. Assim, ficam afastadas do círculo de interesses acautelados pelo procedimento comum, ainda que se mostrem irreparáveis ou de difícil reparação, as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida, do mesmo modo que são excluídas as lesões que, apesar de graves, sejam facilmente reparáveis.
Z. Em face da inexistência de indícios de qualquer lesão grave e dificilmente reparável, ao invés de sustentar o decretamento da providência na vontade de punir comportamentos anteriores e na mera especulação e conclusões destituídas de factos que as suportem, devia o Tribunal a quo indeferir a providência requerida por não se encontrar verificado o segundo pressuposto de que depende o decretamento de uma providência cautelar comum: o perigo de lesão grave e dificilmente reparável.
AA. Ainda que se entenda estarem verificados os pressupostos de que depende o deferimento da providência requerida, o que não se concede, é hoje pacífico que numa situação de conflito de direitos, ainda que se reconheça a prevalência do direito à qualidade de vida, enquanto direito de personalidade, sobre o direito à iniciativa económica e à propriedade, a protecção do primeiro não deverá implicar necessariamente a supressão total dos outros, impondo-se, sempre que possível uma harmonização dos diferentes interesses em jogo.
BB. Sendo manifesto e indisputado que pelo menos aquando da inspecção judicial de 9.03.2017 o sistema de
exaustão e depuração de odores provenientes da confecção de frangos assados que sai pelas grelhas junto da Rua B..., se encontrava em pleno funcionamento, não se sentindo quaisquer odores, impunha-se que a sentença tivesse tal circunstância em consideração e, no máximo, em vez da cessação, decretasse a realização de manutenção preventiva de 5 em 5 dias, ou eventualmente menos.
CC. A providência decretada viola, pois, os artigos 3.º, n.º 3 e 4, 195.º, n.º 1, 362.º, n.º 1, 411.º, 415.º, n.º 1, e 615.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil, e os artigos 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 4, 61.º, 62.º e 66.º da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, - Ser declara a nulidade da sentença, substituindo-se a mesma por Acórdão que revogue a providência decretada; caso assim não se entenda, - ser declarada a nulidade processual invocada, alterando-se a matéria de facto em conformidade e, consequentemente, proferindo-se Acórdão que, aplicando o direito aos factos que seriam indiciados acaso não se verificasse a nulidade arguida, revogue a providência decretada; caso assim não se entenda, - ser alterada a matéria de facto indiciada nos termos alegados e, aplicando-se correctamente o direito aos factos, revogar-se a providência decretada; ou, caso assim não se entenda, - ser aplicado correctamente o direito aos factos, revogando-se a decisão proferida, substituindo-se a mesma por nova providência que compatibilize os interesses difusos em causa com os direitos constitucionalmente previstos da Requerida. Assim farão V. Exas. a costumada
JUSTIÇA!
Em contra-alegações o M.°P° conclui pugnando pela manutenção do julgado. As questões a decidir são as seguintes:
i)Nulidade da sentença por condenação em objecto diferente do pedido;
ii) Nulidade processual por violação do contraditório (prova surpresa);
iii) Reapreciação da matéria de facto;
iv)Reapreciação dos pressupostos subjacentes ao decretamento da providência cautelar.
II
A primeira instância considerou provado o seguinte:
1.º O requerido é proprietário do piso zero - loja um, com acesso pelos no 13-A da Av. da República e no 2 da Rua Dr. L... na freguesia da Costa da Caparica, Almada, descrito na Conservatória do Registo Predial de Almada sob o n.º 1384/19970523- AG e na matriz com o nº 4750.
2.º O mencionado prédio urbano é composto pelo piso menos um, piso zero, bloco A e bloco B, num total de 34 fracções autónomas (fracções A a AL).
3.º O prédio está integrado num quarteirão formado pela Av. da República, Rua Dr. L..., R. Bulhão Pato e Av. 1.º de Maio.
4.º Na fracção propriedade do requerido este instalou em 2008 um supermercado que usa a designação M....
5.º O supermercado funciona todos os dias das 9.00 às 21.00 horas.
6.º No seu interior o requerido coze pão e produtos de pastelaria e cozinha frango assado,
7.º Para dar tiragem às emissões procedentes da cozedura de tais produtos, o requerido colocou dois tubos na horizontal:
a) Um para a seção de frango assado, com um ventilador de extracção com a potência de 1100 W e um caudal de 2500 m3/h,
b) Outro para a seção de ponto quente (pão), com um ventilador de extracção com a potência de 0,75 W e um caudal de 2000 m3/h,
8.º Todas as tubagens começam no interior do supermercado e as aberturas de escape terminam na grelha da fachada do edifício virada para a R. Bulhão Pato, por baixo de piso destinado a habitação.
9.º As alhetas da grelha exterior do edifício estão viradas para baixo, sobre o passeio público.
10.º De Janeiro a Junho de 2016 o requerido vendeu 14.462 frangos assados.
11.º Em Julho de 2016, o requerido colocou uma nova máquina de cozinhar, com novas valências, caso da «...cozedura automática (modo automático) de Carne, Aves, Peixe, Legumes e Guarnições, Pratos à base de ovos/Sobremesas, Produtos de pastelaria/padaria...».
12.º Os resíduos da assadura de frango - vapores, calores e principalmente cheiros - emitidos pelos tubos são projectados sobre o passeio público da R. Bulhão Pato,
13.º Atingindo os peões que por aí eventualmente se desloquem,
14.º E propagando-se ao próprio edifício e edifícios adjacentes,
15.º Obrigando os moradores cujas fracções se situam acima das referidas grelhas a manter fechadas as janelas, para que os referidos vapores, calores e principalmente cheiros não entrem nas habitações,
16.º Prejudicando a ventilação e arejamento das habitações.
17.º Mediante ofício datado de 28.09.2016, o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Almada efectuou participação criminal contra a requerida pelo crime de desobediência, nos termos e com os fundamentos do teor do documento de fls. 28, o qual se dá por integralmente reproduzido.
18.º Mediante ofício datado de 29.02.2016, foi o requerido notificado pelo Chefe da Divisão de Fiscalização Municipal para, no prazo de cinco dias a contar da data de recepção da notificação, cessar de imediato a actividade de assadura de frangos.
19.º A solução instalada pelo requerido foi autorizada através do competente procedimento de comunicação prévia, o qual mereceu parecer favorável do Departamento de Administração Urbanística, comunicado por ofício datado de 21.04.2016, e no qual o requerido foi, para além do mais, informado que (...) a obrigatoriedade da manutenção das correctas condições de funcionamento dos equipamentos particularmente quanto às condições de exaustão e depuração de cheiros ou vapores, provenientes do equipamento de churrasco, sendo que caso as condições de perfeito funcionamento não sejam respeitadas, proceder-se-á ao encerramento deste equipamento.
20.º O requerido é uma sociedade comercial unipessoal por quotas que se dedica à exploração de supermercados e outros estabelecimentos comerciais e à distribuição de produtos alimentares e não alimentares.
21.º O requerido explora estabelecimentos comerciais de supermercado sob a insígnia M…, quer directamente, quer indirectamente, em regime de franquia, através de contrato que inclui a licença de utilizar e explorar as marcas e insígnias D… e M….
22.º Um dos estabelecimentos explorados pela requerida é, precisamente, o M… sito na Av…, no13,13-A e 13-B, Rua …, nos 2, 2-A, 4 , 4-A e 4-B e Rua B…, no 1, de que esta é proprietária.
23.º Para o efeito, o requerido é a titular do Alvará de Utilização n.º 389/08, de 11 de Setembro, para o uso de supermercado.
24.º Desde a abertura do estabelecimento M... , em 13 de Agosto de 2008, que a secção de ponto quente, com pão cozido no interior do estabelecimento, funciona; e desde essa data que existe exaustão através das grelhas instaladas na fachada do prédio, na Rua …, do ar, calor, vapor e odor resultantes da cozedura de pão.
25.º A Autoridade Nacional da Protecção Civil, entidade responsável pela fiscalização relativa a riscos de incêndio, realizou vistoria ao estabelecimento em 21/07/2008 e analisou o plano de segurança do mesmo em 10/0112012.
26.º O requerido recebeu queixas relativas a fumos e odores após a instalação no estabelecimento M… de uma secção do supermercado destinada à confecção de frangos assados, em meados de 2015.
27.º Porquanto o sistema de exaustão que existia no estabelecimento M... não tratava satisfatoriamente o ar, os vapores e odores resultantes da assadura dos frangos.
28.º O que motivou que em 21/12/2015 a requerida tenha sido notificada pela Câmara Municipal de Almada para cessar de imediato o funcionamento da exaustão de fumos, repor a obra de acordo com o projecto aprovado e ou proceder à apresentação de projecto de alterações, para apreciar no prazo de 20 dias a contar da recepção da presente notificação,
29.º O requerido realizou uma consulta ao mercado e contratou a Eng.o L... para conceber um sistema alternativo ao existente, que permitisse melhorar significativamente a exaustão do ar, vapores e odores provenientes da secção de confecção de frangos assados.
30.º Tendo a requerida, em 02/02/2016, submetido o projecto de ventilação da secção de take away e requerido junto da Câmara Municipal de Almada, mediante procedimento de Comunicação Prévia, a autorização para a sua implementação, conforme concebido pela Eng.a L...
31.º E, subsequentemente, contratado a empresa MC..., Lda., para executar o projecto concebido pela Eng.a L....
32.º Tendo o requerido contratado a mesma MC..., Lda., para que realizasse manutenção ao sistema de exaustão da secção acessória de confecção de frango assado, o que esta empresa vem fazendo.
33.º O requerido adquiriu e instalou um forno eléctrico na secção acessória de take away, da marca RATIONAL, modelo 101, que funciona através de ar quente ou vapor, e não combustão.
34.º Também a secção de ponto quente onde se coze pão não funciona através de combustão.
35.º O requerido contratou ao instituto Nacional de Saúde, Dr. Instituto Ricardo Jorge, uma perícia ao interior e exterior do supermercado, em especial junto das grelhas na fachada da Rua Bulhão Pato.
36.º De acordo com o relatório elaborado por esse instituto e que foi notificado ao requerido em 9111/2016, o ar expelido através das grelhas junto da fachada na Rua Bulhão Pato, está dentro dos valores legalmente admissíveis.
37.º Sem embargo da factualidade exposta de 28.º a 36.º. mantém-se a emissão de notórios odores provenientes da assadura / cozedura de frangos.
Nada mais se provou.
Designadamente, e da factualidade com maior interesse para apreciação e decisão, não se provou que:
- a cozedura / assadura de frangos se realize através de combustão, e, consequentemente, sejam emitidos fumos com origem em tal combustão;
- quantas pessoas o requerido emprega no ponto de preparação e venda de frango assado, ou que o encerra-mento de tal ponto implique o despedimento de tais pessoas;
- que o sistema implementado para exaustão elimine os odores resultantes da confecção de frango assado.
II.B.
i) Nulidade da sentença
Sustenta a apelante que se verifica o vício do art.615°,n.°1, al.ae) do CPC ( condenação diversa do peticionado) pois o M.°P.° peticionava que fosse ordenada a cessação de emissão de resíduos de combustão e na sentença ordena-se a cessação da emissão de resíduos da confecção, sendo que está assente que o forno eléctrico funciona através de ar quente e não de combustão.
O M.°P° ,que alega ser a questão suscitada de mera semântica ,peticiona, efectivamente, que seja ordenada a cessação da emissão de resíduos da combustão provenientes da fracção autónoma da apelante (fumo, vapores, calores e cheiros).
E está assente que o forno eléctrico da apelante funciona sem combustão.
Mas o que está em causa é a probabilidade de lesão relevante, ilícita e culposa de direitos de personalidade/interesses difusos pela emissão dos resíduos provenientes da assadura de carne de frango, independentemente da forma conto aqueles são produzidos são produzidos.
Assim, foi peticionado que se ordenasse à apelante que cessasse a emissão daqueles resíduos, e foi precisamente o que foi decretado, inexistindo qualquer diferença no pedido e no decretado pelo que não se verifica o invocado vício.
As conclusões da recorrente improcedem nesta parte.
ii) Nulidade processual derivada de prova (inspecção) surpresa.
No decurso da audiência de julgamento foi efectuada uma inspecção ao local. E quanto a esta diligência nada foi objectado.
No entanto, e na fundamentação da decisão quanto à matéria de facto a Sr.aJuiz consignou o seguinte:
A convicção do tribunal fundou-se na apreciação da prova documental e testemunhal produzida, bem como na prova obtida mediante inspecção ao local, sendo que esta será objecto de análise e discussão mais detalhada.( a.)
(...)Vistos tais depoimentos, foi agendada deslocação ao local, a fim de se aquilatar, in loco, se de facto existiam cheiros, se estes seriam notórios, intensos ou meramente residuais.
No dia agendado - 9 de Março de 2017, pelas 14,40; quinta-feira - foi possível visitar o interior do supermercado, onde se verificou existir, de facto, apenas um forno eléctrico onde são confeccionados os frangos. Verificou-se ainda o sistema de exaustão, que corresponde ao que se pode ver nas fotografias já juntas aos autos. E, tanto no inicio como principalmente no final da diligência, esteve a signatária um longo período de tempo na Rua Bulhão Pato, imediatamente abaixo da grelha de exaustão, e no passeio do lado oposto da rua. O que se pode verificar, em termos de emissões, é que é notório o calor proveniente da grelha. Não foram detectados vapores, mas a verdade é que se tratava de dia especialmente quente, com temperaturas rondando os 20o centígrados. Do passeio no lado oposto à grelha e edifício, o cheiro a frango era praticamente indetectável. Imediatamente abaixo das grelhas notava-se, de facto, um cheiro que se pode classificar como residual. Notava-se aliás um outro cheiro, a lembrar talvez uma mistura de óleo e/ou borracha. Foi esclarecido que tinha sido feita uma manutenção na terça feira imediatamente anterior, facto que não se pode comprovar como verdadeiro, mas a existência de tal manutenção era notória dado o tal cheiro notado, e a ausência de cheiros intensos a frango e gordura.
E a ausência de cheiros intensos a frango assado e gordura foi notada porque a signatária, ante¬cipando a possibilidade de o requerido realizar uma manutenção ou limpeza do sistema de exaustão (quiçá mais minuciosa...) previamente à inspecção, e que tal intervenção pudesse viciar ou alterar a percepção dos cheiros emanados em circunstancias normais, deslocou-se, por sua iniciativa, à Rua Bulhão Pato no sábado imediatamente anterior (dia 4 de Março), tendo estado no local cerca das 11.30 e mais uma vez, cerca das 13.00 horas. Em ambas as ocasiões permaneci cerca de cinco minutos no local, tanto debaixo da grelha, como no lado oposto da rua. Não foi desejada nem possível uma permanência mais prolongada, dado o incómodo provocado pelos odores emanados que, como já se aflorou supra, foram imediatamente identificados como sendo de frango assado e gordura (esta como que saturada).
Confirma-se assim que naquele sábado, dia 6 de Março, os cheiros eram incomodativos e inten¬sos, principalmente no passeio adjacente à referida grelha. A signatária considera-se uma pessoa media¬namente tolerante a odores (ao contrário do seu familiar e acompanhante, que verbalizou um incómodo muito mais acentuado), e ainda assim pode afirmar, com toda a convicção, que se a simples passagem pela Rua Bulhão Pato não é agradável, a permanência na zona de influência da grelha era impossivel e intolerável, não se imaginando sequer o efeito de saturação que possa implicar a sujeição a dez horas diárias de emissões naquelas condições.
Esta deslocação foi de imediato revelada ao Ilustre Mandatário do requerido, bem como foi de imediato frisada a considerável diferença de intensidade de odores sentida entre ambas as datas.
Do exposto resulta e convicção inabalável de que o equipamento instalado pelo requerido não só não elimina odores, como não o faz sequer de forma eficaz e aceitável. Se tal se deve a deficiente manu¬tenção, parca periodicidade da mesma, ou inadequado dimensionamento do equipamento face à quanti¬dade de frangos confeccionados, desconhece-se. A verdade é que os odores são notórios, bem como as condensações no exterior da grelha; no que respeita a vapores, é credivel que estes se verifiquem em dias mais frios, dada a temperatura do ar expelido.
De outra forma se conclui quanto a odores provenientes da confecção de pão ou produtos de
pastelaria, não se tendo notado de forma significativa, em qualquer das deslocações, tais odores.
Ora é quanto à valoração da deslocação prévia à inspecção efectuada no decurso do julgamento que a apelante se insurge.
A inspecção judicial é, efectivamente, uma espécie de prova que confere ao juiz o contacto directo com o local, a pessoa ou a coisa. O seu resultado é livremente apreciado pelo tribunal (cfr. art. 390° e 391' CCiv ).
A inspecção judicial é, no entanto, uma diligência formal, com a elaboração de um auto(art.493°CPC).
A sua realização está regulada nos art.490° a 494° do CPC e carece, evidentemente, de notificação à parte contrária (cfr.art.491° e 415°CPC).
No caso em apreço a deslocação que, por sua iniciativa, a Sr.aJuiz efectuou ao local onde se situa o estabelecimento da apelante não pode ser qualificada como de inspecção judicial.
Acresce que esta deslocação sempre seria um meio de prova inadmissível, porque não foi precedida de qualquer comunicação às partes pelo que (art.415°,n.°1,CPC).
Todavia, esta inadmissibilidade não configura a pretendida nulidade processual advo¬gada pela recorrente na medida em que, como já se disse supra, a aludida deslocação não revestiu a natureza de diligência processual, não constituindo assim qualquer acto processual para efeitos do art. 195°,n.°1, CPC.
A consequência da sua valoração pela Sr.a Juiz será objecto de análise em sede de reapreciação da matéria de facto.
Também nesta parte improcedem as conclusões da recorrente - iii) Reapreciação da matéria de facto
A recorrente impugna os pontos 13° a 16° e 37° da matéria indiciariamente provada pre-tendendo a sua eliminação e substituição pelo seguinte ponto: O sistema de exaustão e depu¬ração instalado no estabelecimento dos autos elimina eficazmente os odores provenientes da assadura de frangos.
E pretende que se aditem àquela matéria os seguintes pontos:
'A Requerida tem funcionários afectos exclusivamente ao ponto de preparação e venda de pão e de frangos assados que em caso de encerramento desses pontos, com elevada probabilidade, serão despedidos,
Na área onde está instalado o supermercado da requerida, existem diversos exemplos de estabelecimentos em cuja extracção de fumos, odores, calores e vapores se faz pela fachada de edifícios habitacionais ou em zonas habitacionais .
Apreciando
Os pontos impugnados são os seguintes:
13.º Atingindo os peões que por aí eventualmente se desloquem,
14.º E propagando-se ao próprio edifício e edifícios adjacentes,
15.º Obrigando os moradores cujas fracções se situam acima das referidas grelhas a manter fechadas as janelas, para que os referidos vapores, calores e principalmente cheiros não entrem nas habitações, 16o Prejudicando a ventilação e arejamento das habitações.
37º Sem embargo da factualidade exposta de 28º a 36º, mantém-se a emissão de notórios odores provenientes da assadura / cozedura de frangos.
Em abono da sua pretensão socorre-se dos depoimentos das testemunhas L..., M…, A…, A…, A… e A…, e invoca a nulidade processual decorrente da valoração da deslocação privada da Sr.' Juiz ao local onde se situa o estabelecimento.
O M.°P. transcreve segmentos dos depoimentos e rebate os argumentos da apelante.
Na fundamentação da decisão a Sr.a Juiz, para além da já aludia deslocação ao local valor os depoimentos das testemunhas arroladas pelo M.°P.°, em detrimento dos depoimentos das testemunhas arroladas pela requerida.
A Sr.aJuiz fundamenta a sua convicção privilegiando os depoimentos dos condóminos em detrimento dos depoimentos das testemunhas arroladas pela apelante.
E desvaloriza o percepcionado na inspecção judicial em detrimento do que terá percep-cionado na sua deslocação ao local porquanto lhe foi dito que dois dias antes tinha sido efec¬tuada uma manutenção ou limpeza do sistema de exaustão.
Ora, como já se disse, deslocação que a Sr.aJuiz fez por sua iniciativa não pode ser considerada meio de prova pois não foi precedida do necessário contraditório.
No entanto há que considerar o seguinte.
A apelante não impugna os seguintes pontos:
8o Todas as tubagens começam no interior do supermercado e as aberturas de escape terminam na grelha da fachada do edifício virada para a R. Bulhão Pato, por baixo de piso destinado a habitação.
9o As alhetas da grelha exterior do edifício estão viradas para baixo, sobre o passeio público.
12° Os resíduos da assadura de frango - vapores, calores e principalmente cheiros - emitidos pelos tubos são projectados sobre o passeio público da R. Bulhão Pato,
Ora o ponto n.° 13 é uma consequência lógica dos pontos 8° e 9°, pelo que sem necessidade de mais considerandos é de manter o mesmo.
Quanto aos pontos n.° 14 e 15.
Os moradores e visitas destes [A..., An... , V..., AB...] relataram o incómodo causado pelas emissões provenientes da assadura das carnes: odores ,que alguns denominaram de cheiro nauseabundo/pestilento, impossibilidade de manter as janelas abertas durante o horário de funcionamento do estabelecimento, gorduras nas janelas das habitações.
Do depoimento dos funcionários da autarquia, E... e A..., respectivamente chefe de divisão de fiscalização e antigo elemento do Departamento de Administração Urbanístico (DGAU) resultou que no seguimento de queixas relativamente aos odores provenientes do estabelecimento a apelante procedeu à realização de obras visando a redução/eliminação dos mesmos.
A testemunha Afonso, arrolada pela apelante, deixou aquele departamento sem certezas quanto ao resultado das obras (...pensava que tinha ficado resolvido...). A testemunha Durão (arrolada pela apelada), que foi ao local várias, vezes, declarou que as grelhas de exaustão estão direccionadas para o passeio e percepcionou cheiro, calor, vapores, e confirmou, que subscreveu a notificação datada de 29/02/2016, cuja cópia se encontra junta aos autos a fl. 29, ordenando à apelante que cessasse de imediato a actividade de assadura de frangos por não estar devidamente licenciada.
A testemunha Lúcia , autora do objecto de depuração e exaustão do estabelecimento, afirmou que o projecto visava a eliminação de odores, mas dependendo da manutenção do equipamento.
As testemunhas Ana e Marcello (que exercem na apelante as funções de, respectivamente, jurista no departamento de gestão do património, e coordenador no departamento de manutenção) acabaram por confirmar que nas deslocações que fizeram ao estabelecimento, depois das obras, sentiram o odor da assadura (um bocadinho para a primeira, muito fraquinho para a segunda).
É, actualmente, pacífico que este Tribunal também forma a sua convicção.
E este Tribunal constatou que, como resulta do supra exposto, as testemunhas que habitam, (ou frequentam) o prédio em que se situa o estabelecimento afirmaram que a assadura da carne emite um cheiro forte, incomodativo, que impede que tenham as janelas abertas e que estas ficam engorduradas.
Também as testemunhas da apelante que são, simultaneamente, funcionárias da mesma admitiram que, mesmo depois das obras, ainda se sente o cheiro.
E esta asserção é corroborada pelo depoimento do funcionário municipal E...(arrolado pela apelada) e não é contrariada pelo depoimento do outro funcionário municipal A…(arrolado pela apelante).
Ora é certo que aquando da inspecção judicial ( realizada quinta-feira), a Sr.a Juiz, como a mesma refere na sua fundamentação, não detectou odores. Mas também é certo que, como como consta do auto de fl. 207, o sistema de exaustão tinha sido objecto de limpeza e verificação de filtros na terça-feira anterior, ou seja, dois dias antes.
Está assente que a apelante contratou uma empresa para proceder à manutenção do sistema de exaustão, e que esta o vem fazendo (ponto n.°32).Mas, embora tivesse sido alegado pela apelante que a limpeza era semanal (art.37° da oposição) esta periodicidade não se provou, como se constata do aludido ponto n.° 32°.
Conjugando os depoimentos dos moradores com o resultado da inspecção judicial e a incerteza da periodicidade da limpeza do equipamento pode concluir-se que a ausência de odores se deveu à limpeza do equipamento(como tinha dito a testemunha L...), o que equivale a dizer que a situação de ausência de odores é a excepção e não a regra.
Este Tribunal conclui, pois, que a decisão da primeira instância quanto deve ser mantida no tocante aos pontos n.° 13 a 15, mas com a fundamentação antecedente, ou seja desconsiderando as percepções da Sr.aJuiz resultantes da deslocação que por sua iniciativa fez ao local.
No que respeita ao ponto n.°16, alega a recorrente que o mesmo é conclusivo e, consequentemente , deve ser eliminado.
Na formulação de Alberto dos Reis, «a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer
ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior; b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei»
Para Miguel Teixeira de Sousa, «A selecção da matéria de facto não pode conter qualquer apreciação de direito, isto é, qualquer valoração segundo a interpretação ou aplicação da lei ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica
Na expressão de A. Varela, M Bezerra e Sampaio e Nora, factos são as ocorrências concretas da vida real, os acontecimentos concretos da realidade. Como faz notar Anselmo de Castro, para o efeito de distinguir facto e direito é indiferente a natureza do facto: são factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os factos reais, como os simplesmente hipotéticos. Do conteúdo que deve revestir decidirá apenas a norma legal
Por outro lado, como se salienta no Ac. do STJ de 13.11.2007( proc. n.°07ª3060,Nuno Cameira) torna-se patente que o julgamento da matéria de facto implica quase sempre que o julgador formule juízos conclusivos, obrigando-o a sintetizar ou a separar os materiais que lhe são apresentados através das provas. Insiste-se: o que a lei veda ao julgador da matéria de facto é a formulação de juízos sobre questões de direito, sancionando a infração desta proibição com o considerar tal tipo de juízos como não escritos. Aliás, não pode perder-se de vista que é praticamente impossível formular questões rigorosamente simples, que não tragam em si implicados, o mais das vezes, juízos conclusivos sobre outros elementos de facto; e assim, desde que se trate de realidades apreensíveis e compreensíveis pelos sentidos e pelo intelecto dos homens, não deve aceitar-se que uma pretensa ortodoxia na organização da base instrutória impeça a sua quesitação, sob pena de a resolução judicial dos litígios ir perdendo progressivamente o contacto com a realidade da vida e assentar cada vez mais em abstrações (e subtilezas jurídicas) distantes dos interesses legítimos que o direito e os tribunais têm o dever de proteger. E quem diz quesitação diz também, logicamente, estabelecimento da resposta, isto é, incorporação do correspondente facto no processo através
da exteriorização da convicção do julgador, formada sobre a livre apreciação das provas produzidas.
Constitui ,pois, entendimento pacífico ser praticamente impossível formular questões rigorosa-mente simples, que não tragam em si implicados juízos conclusivos sobre outros elementos de facto; e assim, desde que se trate de realidades apreensíveis pelos sentidos e compreensíveis pelo intelecto do homem, não deve aceitar-se que uma pretensa ortodoxia e um exacerbado rigorismo na organização da base instrutória impeça a sua quesitação, sob pena da resolução judicial dos litígios ir perdendo progressivamente o contacto com a realidade da vida e assentar
cada vez mais em abstracções distantes dos interesses legítimos que o direito e os tribunais têm o dever de proteger. Ac. STJ de 10/01/2012, Revista n.° 1 97/04.OTCGMR. S I - 6° Secção (Relator Nuno Carneira).
Se, quer os factos vertidos nos pontos controversos, quer as respostas que lhe forem dadas, reflectem rea¬lidades concretas, perfeitamente apreensíveis por qualquer pessoa, estando longe de encerrarem um juízo valorativo
de uma certa factualidade, não há fundamento para considerar as referidas respostas como não escritas. AC STJ de 22.05.2012, Revista n.° 5504/09.7TVLSB.LI.S1 - 1ª Secção (Relator Paulo Sá).
A inserção, na matéria de facto, de conceitos que podem ser tidos como sendo de direito é irrelevante, se os mesmos forem factualizados e forem usualmente utilizados na linguagem comum, possuindo um sentido comum que
é o empregue nas respostas. Ac. STJ de 4/12/2014, Revista n.° 282/03 .6TBVRM.GI. S1- 7ª Secção (Relator Pires da Rosa).,STJ de 28.05.2015,proc. n.°460/11.4TVLSB.L1.S1(Granja da Fonseca)
Finalmente, e como se refere no Ac. STJ de 28.01.2016, proc. n.°1715/12.6TTPRT.PI.S1
(Anónio Leones Dantas) ( ..)só não podem ser considerados no plano da aplicação do direito os enunciados cons-tantes da matéria de facto que, para sua cabal compreensão, exijam o recurso a critérios estritamente jurídico-normativos, que deverão ser retirados da base factual da decisão a proferir.
Ora o ponto n.°16 é, efectivamente, uma consequência evidente do ponto n.°15 ,e até podia ser a continuação daquele ...
O arejamento das fracções é efectivamente prejudicado pela impossibilidade de abertura das janelas.
Inexiste fundamento para eliminar o ponto em questão.
Quanto ao ponto n.° 37, e pelos fundamentos supra aduzidos, é de manter, à excepção do adjectivo notórios que, efectivamente envolve um juízo de valor.
As conclusões da recorrente procedem apenas nesta parte [eliminação de notórios.
Aditamento
Pretende a recorrente que se aditem estes pontos à matéria de facto
i) A Requerida tem funcionários afectos exclusivamente ao ponto de preparação e venda de pão e de frangos assados que em caso de encerramento desses pontos, com elevada probabilidade, serão despedidos.
ii) Na área onde está instalado o supermercado da requerida, existem diversos exemplos de estabelecimentos em cuja extracção de fumos, odores, calores e vapores se faz pela fachada de edifícios habitacionais ou em zonas habitacionais.
No tocante ao primeiro destes pontos
A primeira instância considerou que não se provou - quantas pessoas o requerido emprega no
ponto de preparação e venda de frango assado, ou que o encerramento de tal ponto implique o despedimento de tais pessoas;
A recorrente socorre-se da falta de impugnação da recorrida e do depoimento da testemunha L....
Quanto ao depoimento da testemunha indicada pela apelante, Ana Pinto, disse que se parassem a laboração os funcionários afectos poderiam ser recolocados noutras lojas se estivessem efectivos, sendo que no Concelho de Almada há cerca de 12. Se estivessem a prazo acabava-se o contrato.
Como se constata, do depoimento da testemunha não resulta o alegado pela recorrente.
No tocante à pretendida cominação por falta de resposta, também a pretensão da recor-rente não procede.
A alegação de que em caso de encerramento poderão ser despedidos os funcionários afectos ao ponto de preparação e venda de pão, e frango assado, é hipotética,
E não impedindo, modificando ou extinguindo o direito invocado pelo requerente (respei-tante a direitos difusos) , não constitui qualquer excepção pelo a ausência de resposta não acarreta qualquer cominação.
Quanto ao segundo ponto diz a recorrente que deve ser aditado porque também não foi contestado pelo requerente e, porque a ordem de cessação da sua actividade implicaria uma violação do princípio da igualdade.
No que respeita à ausência de resposta remete-se para o que se disse quanto ao ponto anterior.
Quanto à alegada violação do princípio da igualdade diz-se apenas que a sua verificação pressupõe a existência de situações de facto iguais com tratamentos distintos.
A existência de outros estabelecimentos com sistemas de extracção iguais ao da recor-rente não significa que os respectivos efeitos sejam iguais, ou sentidos de modo igual pelos afectados. A violação do princípio da igualdade ocorreria se tivesse sido indeferido o pedido de cessação de actividade.
Inexiste, pois, fundamento para alterar o decidido em primeira instância, pelo que se indefere o pretendido aditamento destes pontos.
No tocante aos alegados factos instrumentais, conclui a recorrente que: N. Também com
relevância para a solução jurídica a dar à presente providência, ainda que se trate de facto instrumental e que, nessa medida, não tenha que constar da lista dos factos indiciados, não poderia a sentença recorrida ignorar, como efectiva-mente o fez, o facto de os moradores - únicos sobre os quais incidiu a prova de um alegado prejuízo com odores - passarem a maioria do tempo em que o estabelecimento da Requerida está em funcionamento fora das suas casas, não sendo substancialmente afectado o seu direito á qualidade de vida, o qual, no limite, apenas será limitado pelos alegados odores por períodos de tempo muito curtos.
Como se constata da leitura da sua conclusão, a recorrente não indica qual o ponto que pretende que seja que seja aditado, como estipulado no art.640°,n.°1, al.ac) CPC.
Este circunstância, só por si, inviabiliza a sua pretensão atento o disposto no n.°1, do mesmo preceito legal.
Também nesta parte improcede a pretensão da recorrente.
A decisão quanto à matéria de facto é de manter excepcionando o vocábulo notórios.
iv) Reapreciação dos pressupostos subjacentes ao decretamento da providência cautelar.
Estipula o art.362,n.°1, CPC que Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem calesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado.
Pretende-se, com a presente providência, tutelar interesses difusos ligados ao ambiente e qualidade de vida alegadamente degradados pela actuação da apelante.
Um interesse difuso corresponde a um interesse juridicamente reconhecido e tutelado, cuja titularidade pertence a todos e cada um dos membros de uma comunidade ou de um grupo mas não é susceptível de apropriação individual por qualquer um desses membros. Prosseguindo na tentativa de delimitação conceptual, escreve Miguel Teixeira de Sousa: Pode assim afirmar-se que os interesses difusos não são interesses públicos, porque a sua titularidade não pertence a nenhuma entidade ou órgão público, também não se identificam com interesses colectivos, porque não pertencem a uma colectividade ou a um grupo mas a cada um dos seus membros, e também não são reconduziveis a interesse individuais, porque, como o bem jurídico a que se referem é inapropriável individualmente, esses interesses são insusceptíveis de serem atribuídos em exclusivo a um sujeito, antes pertencem, sem qualquer exclusividade, a qualquer um dos membros de uma comunidade ou de um grupo. Os interesses difusos são simultaneamente interesses não públicos, não colectivos e não individuais
Estipula o art.66°n,°1, da CRP, que Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.
O art.5°, n.°1, da Lei de Bases da Política do Ambiente(Lei n.°19/2014, de 14.04 E o art. 1346° do CCiv estipula que O proprietário de um imóvel pode opor-se à emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, bem como à produção de trepidações e a outros quaisquer factos semelhantes, provenientes de prédio vizinho, sempre que tais factos importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam.
Por outro lado estabelece-se no art.61°,n.°1, da CRP que 1. A iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral. (..)
E no art.80°,al.ac) A organização económico-social assenta nos seguintes princípios: a)...b)..c) na liberdade de iniciativa e de organização empresarial no âmbito de uma economia mista.
Está-se,assim, no âmbito de relações jurídicas de carácter multipolar ou poligonal, nas quais não relevam interesses meramente genéricos ou difusos de ordem ambiental ou de quali¬dade de vida mas, também ,de concretos e diferenciados, de natureza socioeconómica relativos à actividade de livre empresa, direitos e interesses esses com idêntica dignidade constitucional.
No entender do recorrido as emissões provenientes da actividade de assadura de frangos (odores, vapores, etc) prejudicam a qualidade de vida dos moradores do prédio em que se situa o estabelecimento da apelante.
A matéria indiciariamente provada, e relevante,é a seguinte
5° O supermercado funciona todos os dias das 09.00 às 21.00 horas.
12o Os resíduos da assadura de frango - vapores, calores e principalmente cheiros - emitidos pelos tubos são projectados sobre o passeio público da R. Bulhão Pato,
13o Atingindo os peões que por aí eventualmente se desloquem,
14o E propagando-se ao próprio edifício e edifícios adjacentes,
15o Obrigando os moradores cujas fracções se situam acima das referidas grelhas a manter fechadas as janelas, para que os referidos vapores, calores e principalmente cheiros não entrem nas habitações, 16o Prejudicando a ventilação e arejamento das habitações.
35o O requerido contratou ao Instituto Nacional de Saúde, Dr. Instituto Ricardo Jorge, uma perícia ao interior e exterior do supermercado, em especial junto das grelhas na fachada da Rua Bulhão Pato.
36o De acordo com o relatório elaborado por esse instituto e que foi notificado ao requerido em 9/11/2016, o ar expelido através das grelhas junto da fachada na Rua Bulhão Pato, está dentro dos valores legalmente admissíveis.
37° Sem embargo da factualidade exposta de 28o a 36o, mantém-se a emissão de odores provenientes da assadura / cozedura de frangos.
Entende a recorrente que da factualidade indiciariamente provada não decorre a existência de qualquer prejuízo considerável ou substancial, sendo que o direito à qualidade de vida e, em especial, a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, não são direitos a uma vida sem influência de emissões, mas antes a uma vida que não seja por elas substancialmente prejudicada.
No que respeita a qualidade de vida, estipulava o art. 5°,n,.° 1 da anterior Lei de Bases
do Ambiente (Lei n.° 11/87, de 07.04)que - A qualidade de vida é resultado da interacção de múltiplos
factores no funcionamento das sociedades humanas e traduz-se na situação de bem estar físico, mental e social e na satisfação e afirmação culturais, bem como em relações autênticas entre o indivíduo e a comunidade, dependendo da influência de factores inter-relacionados, que compreendem, designadamente: a) A capacidade de carga do território e dos recursos; b) A alimentação, a habitação, a saúde, a educação, os transportes e a ocupação dos tempos livres;
c) Um sistema social que assegure a posteridade de toda a população e os consequentes benefícios da Segurança Social;
d) A integração da expansão urbano-industrial na paisagem, funcionando como valorização da mesma, e não como agente de degradação.
Da leitura da factualidade indiciária resulta que as emissões provenientes do estabeleci-mento da apelante causam a impossibilidade de arejamento das habitações dos moradores do prédio.
E certo que essa impossibilidade ocorre apenas durante o período de laboração do ponto de assadura de frangos, pois há que conjugar os pontos 15 e 16 com o ponto 5, ou seja, está circunscrita a um determinado período de tempo, sendo certo que não foi alegado, nem provado, qualquer impedimento ao dito arejamento para o horário de encerramento das 21.00 às 09.00 horas.
E também não está indiciado, porque não foi alegado, que as emissões afectem a saúde dos moradores- não há indícios de moradores com problemas de respiração, lacrimejantes, com problemas dermatológicos. No relatório elaborado por entidade credenciada (Instituto Ricardo Jorge) concluiu-se que as emissões se situam dentro dos limites legais. E também não há indícios de perturbação do descanso dos mesmos.
No entanto, esta impossibilidade limita, efectivamente, o pleno gozo das fracções por parte dos moradores, afectando a sua qualidade de vida, e integrando o disposto no art.1346° do CCiv.
Por outro lado, a sentença impugnada não ordena a cessação da laboração, mas limita-se a condicioná-la . O que se ordena é a cessação da emissão resíduos de confecção realizada através dos tubos cujas aberturas de escape terminam na grelha da fachada do edifício virada para a Rua Bulhão Pato.
Assim sendo, a apelante poderá continuar com a laboração, desde que com essa labo¬ração não emita resíduos através das ditas aberturas de escape.
E poderá fazê-lo se, designadamente, adequar o sistema de ventilação ao disposto no Regulamento Geral das Edificações Urbanas(RGEU), aprovado pelo DL n.°38382/51,de 07.08, que estipula o seguinte:
Art.112° As condutas de fumo deverão formar com a vertical um ângulo não superior a 30°. A sua secção será a necessária para assegurar boa tiragem até ao capelo, porém sem descer a menos de 4 decímetros quadrados e sem que a maior dimensão exceda três vezes a menor.
Art.113°As condutas de fumo elevar-se-ão, em regra, pelo menos, 0,50m acima da parte mais elevada das coberturas do prédio e, bem assim, das edificações contiguas existentes num raio de 10 metros. As bocas não deverão distar menos de 1,50m de quaisquer vãos de compartimentos de habitação e serão facilmente acessiveis para limpeza.
As conclusões da apelante improcedem pois. Em síntese diz-se o seguinte:
1.A impossibilidade de arejamento de uma fracção autónoma destinada a habitação [por impossibilidade de abertura das respectivas janelas durante determinado período de tempo] constitui limitação ao gozo pleno da propriedade delineada no art. 1305° CCiv, e enquadra-se no direito que se pretende acautelar nos termos do art. 362° do CPC.
III
Considerando o que se acaba de expor, julga-se improcedente a apelação, e confirma-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Lisboa, 17 de Abril de 2018
TJR de Sousa Henriques
Isabel Maria Brás da Fonseca
Maria Adelaide Domingos
   Contactos      Índice      Links      Direitos      Privacidade  Copyright© 2001-2024 Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa