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 - ACRL de 17-04-2018   Admissibilidade da junção de documentos com as alegações de recurso. Crédito do trabalhador por indemnização de antiguidade em razão de despedimento ocorrido após a declaração de insolvência.
1 - Não é admissível a junção, com a alegação de recurso, de documento potencialmente útil à causa ab initio e não apenas após a sentença, ou seja, não é admissível a junção de documentos para provar factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado.
2 - O crédito do trabalhador por indemnização de antiguidade, em razão do despedimento ocorrido após a declaração da insolvência, constitui um crédito sobre a insolvência e não uma dívida da massa insolvente.
Proc. 281/12.7TYLSB-E.L1 7ª Secção
Desembargadores:  Luís Filipe Pires de Sousa - Carla Inês Câmara - -
Sumário elaborado por Ana Paula Vitorino
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SUMÁRIO ELABORADO PELO RELATOR:
O crédito do trabalhador por indemnização de antiguidade, em razão do despedimento ocorrido após a declaração da insolvência, constitui um crédito sobre a insolvência e não uma dívida da massa insolvente.

Proc. N° 281/12.7TYLSB-E.L1
Recorrente: Massa Insolvente de E..., Obras e Saneamento, Lda.
Recorrido: L...

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO
L... instaurou a presente ação declarativa com processo comum contra massa insolvente de E... - Sociedade Empreendimentos de Obras e Saneamento Lda., pedindo que a R. seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 39.600,00.
Alegou para o efeito, em síntese, que são devidos ao A., na qualidade de trabalhador da R. a quantia global de € 39,600,00 referentes a indemnização não paga, e proporcionais do ano da cessação do contrato.
A R. contestou dizendo, em síntese, que a massa insolvente não deu causa à dívida, nem teve qualquer intervenção na contratação de responsabilidades para com o A. e que o mesmo quando muito tem uma dívida perante a insolvente.
Após julgamento, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a ação, condenando a Ré a pagar ao autor a quantia de € 28.600.

Não se conformando com a decisão, dela apelou a requerente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
«A. A decisão recorrida não fez a correta interpretação e aplicação dos preceitos legais aplicáveis, nem tão pouco as decisões dos Tribunais Superiores que se têm debruçado sobre esta matéria.
B. Errou na aplicação e interpretação dos art.º 47, 51.º, 156.º do CIRE e 343.º e 347.º do CT;
C. A declaração de insolvência com a aprovação do relatório e prosseguimento da empresa para liquidação nos termos do art.° 156 do C.I.R.E cessa, por si só, os contratos de trabalhos sem necessidade do Administrador ter que recorrer ao despedimento coletivo regulado no Código de trabalho;.
D. A assembleia de credores ao deliberar pelo encerramento do estabelecimento compreendido na massa insolvente concretiza a impossibilidade absoluta e definitiva do empregador receber a prestação do trabalho que configura uma causa de caducidade do contrato de trabalho nos termos do art.º 343 b) do Código do Trabalho - sem que o administrador de insolvência tenha qualquer intervenção;
E. Mesmo que assim não se entendesse, o administrador de insolvência não tinha que proceder ao despedimento através do mecanismo do despedimento coletivo previsto no n.º 3 do art.º 347 do Código do Trabalho pois o n.º 4 do mesmo exceciona deste procedimento as microempresas - que é o caso da insolvente;
F. Operando a caducidade nos termos consignados, não pode ser assacada qualquer responsabilidade à massa insolvente por conta de um contrato de trabalho que deixou de existir;
G. Os créditos que dizem respeito à antiguidade do trabalhador do seu trabalho prestado dantes da declaração ou seja, ao valor a título de indemnização pela antiguidade referente aos anos anteriores à declaração de insolvência, são uma divida da insolvência e não da massa insolvente;
H. Da mesma forma, não são dividas da massa insolvente os créditos laborais indemnizatórios do trabalho prestado pelo trabalhador em momento anterior à declaração de insolvência;
I. Para ser considerada uma dívida da massa insolvente, pressupunha sempre um ato de gestão do administrador de insolvência - Pois as dívidas da massa falida, a que se reporta o artigo 51.9 do CIRE, não se confundem com as dívidas da insolvência.
J. Estas são as custas do processo de insolvência, as dívidas emergentes dos atos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente, as dívidas resultantes da atuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções;
K. São excluídas, como não podia deixar de ser - mas que se verifica no caso concreto, as dívidas que terceiros, sem o conhecimento ou anuência do administrador de insolvência, decidem concretizar;
L. No caso, o trabalhador em questão não foi contratado nem despedido pelo Administrador de insolvência - que nem sabia da sua existência - foi contratado pelo gerente da empresa à revelia do Administrador de insolvência e do processo.
M. Errou assim o Tribunal ao condenar a massa insolvente a pagar ao recorrido/trabalhador o valor de 28.600,00 € respeitantes aos proporcionais em divida ao trabalhador por trabalho prestado no decorrer do ano de 2014 e à indemnização por antiguidade do trabalhador;
N. Por tudo o exposto, devem as presentes alegações ser procedentes revogando-se a decisão proferida que deve ser substituída por outra que considere os montantes referidos e objeto da condenação uma dívida da sociedade insolvência e não da massa insolvente que nasceu com a declaração de insolvência.
Assim se fazendo Justiça.»
Contra-alegou o Ministério Público, propugnando pela improcedência da apelação (fls. 105-106).
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635.º, n.º4 e 639.º, n.º1, do Código de Processo Clvll, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.' Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5.º, n.º3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.
Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
i. Admissibilidade da junção de documentos pela apelante;
ii. Se o autor é credor das quantias que peticiona enquanto trabalhador;
iii. Na afirmativa, aquilatar se se tratam de créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
«1 - E... - Sociedade de Empreendimento de Obras e Saneamento Lda. foi declarada insolvente por sentença datada de 18.06.012.
2 - Na assembleia de apreciação de relatório realizada nos autos principais em 21.08.012 foi decidido que os autos prosseguissem nos termos do art.º 158º do C.I.R.E. com a liquidação do ativo.
3 - Em data não apurada o A. foi admitido noutra sociedade em que era gerente Manuel Martins Filipe.
4 - Em 1990 o A. foi transferido para a sociedade E... - Sociedade de Empreendimento de Obras e Saneamento Lda.
5 - O A. manteve todos os direitos inclusive a antiguidade.
6 - 0 A. auferia ultimamente o vencimento de € 1.100,00.
7 - O A. manteve em funções até 01.09.014.
8 - O A. exerceu funções em Arruda dos Vinhos.
9 - O A. sempre exerceu as mesmas funções de motorista.
10 - Durante os anos de 2012, 2013 e 2014 já declarada a insolvência, foram sempre pagos os vencimentos ao A.;
11 - ... e emitidos os recibos pela sociedade E... de Obras e Saneamento Lda.
12 - Sempre foram pagos ao A. o subsídio de férias e de Natal, com exceção dos infra enunciados.
13 - Foram efetuados ao A. descontos para a Segurança Social.
14 - No dia 01 de setembro de 2014, após ter regressado de férias, o gerente da sociedade insolvente comunicou ao A. que sociedade estava insolvente e sem condições para o manter ao serviço, pelo que terminava o seu acordo de trabalho a partir de 01.09.014.
15 - Não foram pagos ao A. os proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal respeitantes a 2014.
16 - Não foi pago ao A. qualquer valor respeitante a indemnização.
-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
ADMISSIBILIDADE DA JUNÇÃO DE DOCUMENTOS PELA APELANTE
Com as suas alegações de recurso, a apelante requere a junção de três documentos com o propósito de demonstrar que a apelante é uma microempresa e, como tal, não era legalmente exigível ao administrador da insolvência proceder ao despedimento coletivo dos trabalhadores da sociedade (cf. artigos 18º e 19º das alegações).
Nos termos do Artigo 651º, nº1, do Código de Processo Civil, «As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.» Por sua vez, o Artigo 425º do Código de Processo Civil dispõe que «Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.»
No que tange à impossibilidade de apresentação anterior, afirmam LEBRE DE FREITAS et ai, Código de Processo Civil Anotado, 2º Vol., Coimbra Editora, 2001, p. 426, que «Constituem exemplos de impossibilidade de apresentação o de o documento se encontrar em poder de terceiro, que só posteriormente o disponibiliza, de a certidão de documento arquivado em notário ou outra repartição pública, atempadamente requerida, só posteriormente ser emitida [superveniência objetiva] ou de a parte só posteriormente ter conhecimento da existência do documento [superveniência subjetiva]. Nos dois primeiros casos, será necessário que se tenham esgotado anteriormente os meios dos arts. 531 a 537 [atuais Artigos 4322 a 4372 do Código de Processo Civil].» Rui PINTO, Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, 2014, p. 265, afirma que: «Os documentos apresentados referem-se a factos já trazidos ao processo, nos articulados normais ou nos articulados supervenientes (cf. artigos 588º e ss.). Portanto, a regra é a de que os documentos supervenientes não trazem ao processo factos supervenientes.»
Quanto à necessidade da junção em virtude do julgamento da primeira instância (Artigo 651º, nº1), «a lei não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da ação (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em primeira instância. O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida» - ANTUNES VARELA et ai, Manual de Processo Civil, 2ª Ed., pp. 533-534. Ainda na doutrina, ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, pp. 184-185, afirma que: «Podem ainda ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, máxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo. A jurisprudência anterior sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado.» Refere-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.9.º012, Gonçalves Rocha, 174/08, que «(...) a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância criar pela 1ª vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam.» Visa-se abranger as situações que - pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação - tornaram necessário provar determinados factos, cuja relevância a parte não podia, razoavelmente, ter em consideração antes da decisão ter sido proferida.
O regime do Artigo 651º, nº1, não abrange a hipótese da parte pretender juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1ª instância.Dito de outra forma, não é admissível a junção, com a alegação de recurso, de um documento potencialmente útil à causa ab initio e não apenas após a sentença, ou seja, não é admissível a junção de documentos para provar factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado.
Ora, na petição inicial elaborada pelo Ministério Público foi - desde logo - suscitada a questão da existência de um despedimento ilícito (artigo 8º), cabendo à Ré defender-se da mesma. Vale isto por dizer que a alegada não sujeição da Ré aos procedimentos de despedimento coletivo constituiu, ab initio, uma questão em discussão nestes autos pelo que cabia à ora apelante alegar e carrear os elementos documentais pertinentes até à prolação da decisão final. Em suma, sendo os documentos cuja junção ora é requerida potencialmente úteis à causa ab initio e não apenas após a sentença, não é admissível a sua junção nesta fase (cf. supra).
Termos em que não se admite a junção dos documentos.
SE O AUTOR É CREDOR DAS QUANTIAS QUE PETICIONA ENQUANTO TRABALHADOR
Dispõe o Artigo 277º do CIRE que «Os efeitos da declaração de insolvência relativamente a contratos de trabalho e à relação laboral regem-se exclusivamente pela lei aplicável ao contrato de trabalho.» E, nos termos do Artigo 347º do Código de Trabalho:
«1 - A declaração judicial de insolvência do empregador não faz cessar o contrato de trabalho, devendo o administrador da insolvência continuar a satisfazer integralmente as obrigações para com os trabalhadores enquanto o estabelecimento não for definitivamente encerrado.
2 - Antes do encerramento definitivo do estabelecimento, o administrador da insolvência pode fazer cessar o contrato de trabalho de trabalhador cuja colaboração não seja indispensável ao funcionamento da empresa.
3 - A cessação de contratos de trabalho decorrente do encerramento do estabelecimento ou realizada nos termos do n.º 2 deve ser antecedida de procedimento previsto nos artigos 360.º e seguintes, com as necessárias adaptações.
4 - O disposto no número anterior não se aplica a microempresas.
5 - Na situação referida no n.º 2, o trabalhador tem direito à compensação prevista no artigo 366.º
6 - O disposto no n.º 3 aplica-se em caso de processo de insolvência que possa determinar o encerramento do estabelecimento.»
Destarte, a declaração de insolvência de 18.6.2012 não teve como efeito a cessação do contrato de trabalho do autor. Apenas o encerramento definitivo e total da empresa implica a cessação dos contratos de trabalho por caducidade nos termos do Artigo 343º, alínea b), do Código de Trabalho, por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber (cf. Acórdãos da Relação de Coimbra de 7.7.º005, 1428/05 e da Relação de Lisboa de 25.3.º015, 86.14, acessíveis em www.colectaneadejurisprudencia.com e Acórdão da Relação de Guimarães de 3.5.º011, Rosa Tching, 1132/10).
Sucede que, no dia 1.9.2012, após ter regressado de férias, o gerente da sociedade insolvente comunicou ao autor que a sociedade estava insolvente e sem condições para o manter ao serviço, pelo que terminava o seu acordo de trabalho a partir de 1.9.2014. (facto 14).
0 tribunal a quo valorou esta situação como integrando um despedimento ilícito por não ter sido observado o procedimento de despedimento coletivo (cf. Nº3 do Artigo 3472 do CT).
Na factualidade provada, nada consta sobre se o Administrador da Insolvência sabia ou não da existência do autor enquanto trabalhador, tendo a atuação material descrita sido praticada pelo gerente da sociedade insolvente. De todo o modo, concordamos com o tribunal a quo quando afirma que tal é inócuo na medida em que a manutenção de contratos de trabalho ou a celebração de novos contratos de trabalho constitui competência do administrador da insolvência (cf. Artigo 55º, nº1, alínea b), nº4, do CIRE), estando o mesmo colimado a um dever de diligência na gestão e liquidação da massa insolvente no âmbito do qual é facilmente divisável o dever de apurar se a sociedade mantém trabalhadores no ativo (cf. Artigo 59º, nº1, do CIRE). Donde se infere que o ato material praticado pelo gerente é imputado ao Administrador da Insolvência no âmbito das suas competências próprias.
Não acompanhamos o tribunal a quo quando considera e se atém estritamente ao regime do despedimento coletivo.
Conforme se afirma no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12.2018, Helena Melo, 1450/14,
«De harmonia com o disposto no nº 3, do artigo 347º, do CT, as formalidades a seguir nos casos de a cessação do contrato de trabalho decorrente do encerramento do estabelecimento neste contexto de processo de insolvência são as do despedimento coletivo, com as necessárias adaptações. E impõe-se que essas adaptações sejam feitas, porque no âmbito de um processo de insolvência e tendo sido judicialmente determinada a liquidação da sociedade insolvente, como ocorreu no caso, onde se decidiu que o processo prosseguia para liquidação do ativo, não se reveste de qualquer utilidade ou sentido a fase negociai do processo de despedimento de coletivo, uma vez que o contexto de insolvência onde é imposta a liquidação da empresa não se compadece com medidas alternativas ao despedimento (como se defende no Ac. do TRG de 11.07.2017, proferido no processo 1500/14 e no qual interviemos como adjunta). E também o não fará, por idêntica ordem de razões, a aplicação do regime de aviso prévio para a cessação do contrato de trabalho consagrado no processo de despedimento coletivo. Do cumprimento da tramitação referida nos aludidos preceitos legais resultaria até, efetivamente, um agravamento da situação financeira da empresa insolvente, pois que, a assim suceder, continuariam a vencer-se salários, impostos e contribuições durante os prazos a que aludem os artigos 366º e 363º, tudo em prejuízo de todos os credores da insolvente, incluindo os próprios trabalhadores, numa altura em que a empresa já não tem recuperação e que provavelmente já nada conseguirá vender para minimizar o acréscimo dos salários, impostos e contribuições que se continuariam a vencer. Tendo sido declarada a insolvência e nomeado um administrador da insolvência, o qual procede a reuniões com os trabalhadores, a possibilidade da cessação dos contratos e do encerramento da empresa é uma hipótese altamente provável, sendo pois um cenário possível. No caso do despedimentos coletivo, o legislador pretende e bem que os trabalhadores não sejam surpreendidos com a decisão e consagra a necessidade de uma comunicação prévia. A fixação de determinados prazos, designadamente o do aviso prévio com prazos variáveis em função da antiguidade do trabalhador, tem também por fim a preparação do trabalhador para a nova realidade, atribuindo-lhe até um crédito de horas, que poderá inclusive utilizar para ir procurando outros postos de trabalho (art° 364º do CT), enquanto não chega o anunciado fim do contrato. Mas no caso da insolvência em que o contrato cessa pela cessação de atividade do insolvente, iniciando-se a liquidação do seu ativo, decorrente da situação de insolvência, as circunstâncias não são iguais. Não se pode falar do fator surpresa. Os trabalhadores cuja entidade patronal foi declarada insolvente, não podem deixar de equacionar como possível, que os seus contratos de trabalho venham a cessar.
A remissão do artigo 347º do CT para as normas reguladoras do despedimento coletivo serve apenas e só o propósito de prever que a compensação pela cessação do contrato de trabalho devida ao trabalhador cujo contrato caduca, é calculada nos termos do artigo 366º do CT, isto é, como se de um despedimento coletivo se tivesse tratado, não se podendo, assim, olhar-se para a remissão que o artigo 347º, do CT, faz para as normas reguladoras do despedimento coletivo no sentido de terem de ser cumpridos todos os formalismos ali previstos, pois que, por um lado, o próprio artigo ressalva que essa remissão deve ser efetuada com as necessárias adaptações e, por outro lado, porque tal interpretação desrespeitaria toda a dinâmica e interesses que o processo de insolvência visa proteger, pelo que não terá sido esse o espírito do legislador ao dar a redação atual ao tal preceito legal (como igualmente se defendeu no citado acórdão do TRG que seguimos de perto). Assim, a cessação do contrato de trabalho dos trabalhadores cuja colaboração não foi considerada indispensável à liquidação da empresa, não é ilícita, nem é exigida a comunicação prévia da intenção de proceder ao despedimento como se considerou na sentença recorrida, por o sr. AI se ter limitado a comunicar aos trabalhadores o facto do seu despedimento imediato, sem que antes tenha comunicado essa intenção.»
Deste modo, a remissão feita no Artigo 347º do CT reporta-se, apenas, aos termos da compensação a operar pela cessação do contrato de trabalho e não para os formalismos próprios do despedimento coletivo, os quais não colhem razão de ser num contexto como o dos autos.
Não se aplica o Artigo 366º do CT ex vi Artigo 347º, nº5 do CT, atento o regime transitório da cessação do contrato de trabalho decorrente do Artigo 5º a Lei nº 69/2013, de 30.8.
Nos termos deste Artigo 5º:
1 - Em caso de cessação de contrato de trabalho celebrado antes de 1 de novembro de 2011, o compensação prevista no n.º 1 do artigo 366.º do Código do Trabalho, na redação conferida pela presente lei, é calculada do sequinte modo:
a) Em relação ao período de duração do contrato até 31 de outubro de 2012, o montante da compensação corresponde a um mês de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiquidade ou é calculado proporcionalmente em caso de fração de ano;
b) Em relação ao período de duração do contrato a partir de 1 de novembro de 2012 inclusive e até 30 de setembro de 2013, o montante da compensação corresponde a 20 dias de retribuição base e diuturnidades calculado proporcionalmente ao período efetivo de trabalho prestado;
c) Em relação ao período de duração do contrato a partir de 1 de outubro de 2013 inclusive, o montante da compensação corresponde à soma dos seguintes montantes:
i) A 18 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, no que respeita aos três primeiros anos de duração do contrato;
ii) A 12 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, nos anos subsequentes;
iii) O disposto na subalínea i) aplica-se apenas nos casos em que o contrato de trabalho, a 1 de outubro de 2013, ainda não tenha atingido a duração de três anos.
2 - O montante total da compensação calculado nos termos do número anterior não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.
3 - Em caso de cessação de contrato de trabalho celebrado depois de 1 de novembro de 2011 e até 30 de setembro de 2013 inclusive, a compensação prevista no n.º 1 do artigo 366.º do Código do Trabalho, na redação conferida pela presente lei, é calculada do seguinte modo:
a) Em relação ao período de duração do contrato até 30 de setembro de 2013, o montante da compensação corresponde a 20 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade ou é calculado proporcionalmente em caso de fração de ano;
b) Em relação ao período de duração do contrato a partir de 1 de outubro de 2013 inclusive, o montante da compensação corresponde à soma dos seguintes montantes:
i) A 18 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, no que respeita aos três primeiros anos de duração do contrato;
ii) A 12 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, nos anos subsequentes;
iii) O disposto na subalínea i) aplica-se apenas nos casos em que o contrato de trabalho, a 1 de outubro de 2013, ainda não tenha atingido a duração de três anos.
4 - Para efeitos de cálculo da parte da compensação a que se referem as alíneas b) e c) do n.º 1 e as alíneas a) e b) do n.º 3:
a) O valor da retribuição base e diuturnidades do trabalhador a considerar não pode ser superior a 20 vezes a retribuição mínima mensal garantida;
b) O valor diário de retribuição base e diuturnidades é o resultante da divisão por 30 da retribuição base mensal e diuturnidades;
c) Em caso de fração de ano, o montante da compensação é calculado proporcionalmente.
5 - Quando da aplicação do disposto na alínea a) dos n.os 1 e 3 resulte um montante de compensação que sela:
a) (qual ou superior a 12 vezes a retribuição base mensal e diuturnidades do trabalhador ou a 240 vezes a retribuição mínima mensal garantida, não é aplicável o disposto nas alíneas bJ e c) do n. ° 1 e b) do n.º 3;
b) Inferior a 12 vezes a retribuição base mensal e diuturnidades do trabalhador ou a 240 vezes a retribuição mínima mensal garantida, o montante global da compensação não pode ser superior a estes valores.
6 - Quando da soma dos valores previstos nas alíneas a) e b) do n. g 1 resulte um montante de compensação que seja:
a) Igual ou superior a 12 vezes a retribuição base mensal e diuturnidades do trabalhador ou a 240 vezes a retribuição mínima mensal garantida, não é aplicável o disposto na alínea c) do n.º1;
b) Inferior a 12 vezes a retribuição base mensal e diuturnidades do trabalhador ou a 240 vezes a retribuição mínima mensal garantida, o montante global da compensação não pode ser superior a estes valores.
Assim, conjugando os Artigos 5º, nº1, alínea a) com o nº5, alínea a), temos que o autor tem direito a uma compensação pela cessação do contrato de trabalho relativamente ao período de 1990 a 31.10.2012 de € 24.200 (22 anos x € 1.100).
Tem ainda o autor direito aos proporcionais de férias e subsídios de férias e Natal de 2014 no valor de € 2.200 (€ 1.100: 12 m x 8m x 3; cf. Artigos 245º, nº1, alínea b), 263º, nos. 1 e 2, alínea b) e 264º do CT).
SE OS CRÉDITOS DO AUTOR SÃO SOBRE A INSOLVÊNCIA OU SOBRE A MASSA INSOLVENTE
Neste circunspecto, há que distinguir entre os créditos remuneratórios (proporcionais) e os créditos compensatórios (devidos pela cessação do contrato de trabalho).
Quanto aos primeiros, são inteiramente procedentes as considerações de
CLÁUDIA MARISA FARINHA PESTANA, Insolvência do Empregador e o Contrato de Trabalho. Efeitos e Proteção dos Créditos Laborais, FDUC, 2016, p. 47, quando afirma que:
«Quanto aos créditos remuneratórios, o facto de estes serem constituídos antes ou depois da declaração de insolvência leva a soluções diferentes. Neste sentido, se estivermos perante créditos remuneratórios constituídos antes da declaração judicial de insolvência, os mesmos constituem créditos sobre a insolvência, qualificando-se como créditos privilegiados e garantidos nos termos das als. a) e b) do nº 1 do art. 333º do CT (art. 47º, nº 4, al. a) do CIRE), sendo o seu pagamento realizado após a satisfação dos créditos sobre a massa nos termos nos arts. 174º e 175º do CIRE.
No entanto, os créditos remuneratórios constituídos após a declaração judicial de insolvência são considerados créditos sobre a massa insolvente, sendo satisfeitos no momento do seu vencimento, independentemente do estado do processo (art. 172º, nº 3 do CIRE). LUÍS MENEZES LEITÃO na anotação feita ao acórdão da Relação de Coimbra de 14/07/2010, Proc. Nº 562/09, refere que esses créditos não podem ser considerados créditos da insolvência, uma vez que «teríamos uma situação labora) em que o trabalhador continuaria a trabalhar para a empresa após a situação de insolvência, mas os seus salários apenas seriam pagos como créditos sobre a insolvência num momento futuro, tendo que ser reclamados no processo»
Assim, incluem-se nos créditos sobre a massa, os créditos remuneratórios dos trabalhadores, cujo contrato de trabalho foi celebrado pelo empregador (agora insolvente) e que se manteve após a declaração de insolvência (art. 51º, nº 1, al. f) do CIRE); e ainda, os créditos remuneratórios dos contratos celebrados pelo administrador da insolvência, nos termos do art. 55º, nº 4 do CIRE, «uma vez que emergem de atos de administração e liquidação da massa (art. 51º, n° 1, alínea c), do CIRE) ou da atuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções (art. 51º, n° 1, alínea d), do CIRE)». Neste sentido LUÍS MENEZES LEITÃO em anotação ao acórdão da Relação de Coimbra de 14/07/2010, Proc. Nº 562/09, refere que se esses créditos fosse considerados créditos da insolvência, «a norma do art. 55º, n° 4, do CIRE ficaria sem qualquer aplicação, uma vez que nenhum trabalhador aceitaria ir trabalhar para uma empresa insolvente, sabendo que o seu salário só poderia ser pago como crédito sobre a insolvência»
Assim sendo, pelo crédito de € 2.200 responde a massa insolvente Ré.
No que tange ao crédito indemnizatório gerado pela cessação do contrato de trabalho, inexiste consenso na doutrina e na jurisprudência quanto a saber se o mesmo é sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente.
Continuando a acompanhar CLÁUDIA MARISA FARINHA PESTANA, Op. Cit., pp. 48-50:
«Relativamente aos créditos compensatórios importa distinguir os que resultam da compensação devida pela cessação do contrato celebrado pelo administrador da insolvência nos termos do art. 55º, nº 4 do CIRE e os que resultam da compensação devida pela cessação do contrato de trabalho por força de uma deliberação da assembleia de credores ou por decisão do administrador da insolvência quando este procede ao despedimento do trabalhador dispensável à manutenção da empresa, nos termos do art. 347º, nº 2 do CT.
No que diz respeito à primeira situação, esta enquadra-se nos créditos sobre a massa insolvente nos termos do art. 51º, nº 1, al. c) do CIRE, uma vez que trata-se de um crédito emergente de um ato de administração da massa insolvente realizado pelo administrador da insolvência.
Quanto à segunda situação JOANA COSTEIRA, acompanhando a posição da jurisprudência, entende que estes créditos devem qualificar-se como créditos sobre a insolvência. Não obstante, esta posição tem sido contrariada pela maioria da doutrina nacional. De facto, quanto à compensação devida ao trabalhador pelo despedimento pelo administrador da insolvência, a doutrina portuguesa tem-na qualificado como um crédito da massa insolvente. Esta posição é defendida por CARVALHO FERNANDES, pois, na opinião do A., a compensação devida ao trabalhador resultante da cessação do contrato de trabalho nos termos do art. 3472, n2 2 do CT «é um crédito da massa insolvente [art. 51º, nº 1, al. c) do Código (leia-se CIRE)], cuja satisfação beneficia de um regime especial e privilegiado (art. 172º). Na opinião de LUÍS MENEZES LEITÃO, «esses créditos não podem ser qualificados como créditos sobre a insolvência, uma vez que o seu fundamento não é anterior à data de declaração de insolvência (art. 47º, nº 1 do GIRE), antes resultam de uma decisão do administrador da insolvência em considerar a colaboração do trabalhador como não indispensável ao funcionamento da empresa (art. 347º, nº 2 do Código de Trabalho)». Defende o A. que a compensação devida ao trabalhador resultante da cessação do contrato de trabalho nos termos do art. 347º, nº 2 do CT, é, também, um crédito sobre a massa insolvente. Todavia, enquadra-se na al. d) do nº 1 do art. 51º do CIRE, pois trata-se de um ato praticado pelo administrador da insolvência no exercício das suas funções.
Pese embora a cessação do contrato de trabalho ocorra após a declaração judicial de insolvência por ato do administrador da insolvência ou por deliberação da assembleia de credores esta surge em consequência daquela situação de insolvência. Neste sentido, JOANA COSTEIRA, defende que a compensação devida ao trabalhador qualifica-se como crédito sobre a insolvência, dado que, «não nos parece que o simples facto de a cessação do contrato de trabalho ocorrer após a declaração judicial da insolvência seja argumento suficiente para conduzir a compensação à classe dos créditos da massa, na medida em que existem outros créditos cuja reclamação tem lugar após a declaração judicial de insolvência e que são considerados créditos sobre a insolvência, nomeadamente aqueles que se vencem no decurso do processo de insolvência e cujo fundamento não reside no processo de insolvência».
Tendemos a acolher a posição de JOANA COSTEIRA, na medida em que, qualificar a compensação devida ao trabalhador emergente da cessação do contrato de trabalho por ato do administrador da insolvência ou por decisão dos credores em assembleia, levaria a um tratamento desigual entre os trabalhadores cujos contratos de trabalho cessaram por decisão do insolvente imediatamente antes da declaração de insolvência e os que cessaram por deliberação da assembleia de credores ou pelo administrador da insolvência.»
Além do que já fica dito, em abono da tese de que o crédito do trabalhador por indemnização de antiguidade, em razão do despedimento ocorrido após a declaração da insolvência, constitui um crédito sobre a insolvência e não uma dívida da massa insolvente, pode argumentar-se designadamente que:
A dívida emerge de uma relação que nasceu muito antes da declaração de insolvência e não constitui qualquer contrapartida de uma obrigação do trabalhador, motivo pelo qual não se subsume à previsão do art. 51º, nº1, alínea e), do CIRE (Acórdão da Relação de Guimarães de 1.2.2018, Helena Melo, 1450/14).
ii. A cessação do contrato é consequência daquele estado de insolvência, uma vez que a compensação é um direito adquirido com referência à duração do vínculo laborai, cujo contrato de trabalho perdurou enquanto a empresa insolvente esteve em atividade (JOANA COSTEIRA, Os Efeitos da Declaração de Insolvência no Contrato de Trabalho, 2013-91);
iii. «Não parece que se possa dizer, regra geral, que a compensação devida pela cessação seja uma daquelas despesas que se inserem no escopo da lei ao qualificar certas dívidas como dívidas da massa e que não só as causas do despedimento'.së. encontram na situação económica da empresa pré-existente à declaração de insolvência, como, e, sobretudo, a compensação (...) é tarifada em função dos anos de antiguidade que terão lugar, em regra, anteriormente à declaração de insolvência, pelo menos na sua maior parte (JÚLIO GOMES, Nótula sobre os efeitos da insolvência do empregador nus relações de trabalho, Almedina 2013, pp. 292 a 295);
iv. «Ao invés dos créditos retributivos, os créditos compensatórios não só não pressupõem qualquer contraprestação por parte do trabalhador, como também não assumem a natureza alimentar dos créditos retributivos», sendo duvidoso que a, fonte. de tais. créditos radique na atuação do administrador «pois se a cessação dp vínculo em si pode ser reconduzida a esse ato volitivo, não é menos verdade que o direito de crédito associado a tal cessação tem fonte legal, por ser a lei que determina, para além das condições de tal cessação, a forma de cálculo da compensação a atribuir aos trabalhadores visados» e a solução contrária conduziria a uma desigualdade de tratamento entre os trabalhadores despedidos em data anterior à declaração de insolvência, cujo crédito compensatório é dívida da insolvência, e os despedidos após a declaração da insolvência - que pode até ocorrer poucos dias depois - que vêm o crédito compensatório classificado como dívida da massa».
v. «(...) Repare-se que a tese da doutrina dominante conduz, outrossim, a uma grave desigualdade de tratamento entre trabalhadores: trabalhadores da empresa que tenham sido abrangidos por um despedimento coletivo praticado antes da declaração de insolvência terão apenas um crédito sobre a insolvência, enquanto os trabalhadores que sejam objeto de um despedimento coletivo ou de uma caducidade por encerramento após a declaração de insolvência teriam um crédito sobre a massa, apenas porque, por hipótese, o despedimento coletivo ou a caducidade que os afetou teve lugar alguns dias depois.
Dir-se-á, contudo, que esta é uma solução que poderá ser materialmente injusta, mas que resulta do art. 51.º do CIRE. Afigura-se-nos, no entanto, que importa fazer uma interpretação teleológica e restritiva do art. 51.º e, designadamente, da sua alínea d). Repare-se que, de acordo com a alínea f) do n.º1 do art. 51.º, qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não seja recusado pelo administrador da insolvência é uma dívida da massa mas, acrescenta-se, salvo na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte anteriormente à declaração de insolvência ou que se reporta a período anterior a essa declaração e, do mesmo modo, a alínea g) do n.º 1 também estabelece que é dívida da massa qualquer dívida resultante de contrato que tem por objeto uma prestação duradoura, mas só na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte e cujo cumprimento tenha sido exigido pelo administrador judicial provisório. A alínea e) do n.9 1 do artigo 51.º ao referir que é dívida da massa insolvente qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não possa ser recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida em que se reporte a período anterior à declaração de insolvência parece referir-se, designadamente, ao contrato de trabalho. Ora pode questionar-se se a compensação por antiguidade, ainda que desencadeada por uma atuação do administrador (o despedimento coletivo, o despedimento por extinção do posto de trabalho ou o encerramento definitivo da
empresa ou estabelecimento com a consequente caducidade dos contratos de trabalho) não se reporta, a final, a período anterior (ou, pelo menos, parcialmente anterior) a essa declaração?
A situação referida na alínea d) é também ela uma dívida que resulta da atuação do administrador, da insolvência na medida em que este optou por não recusar o cumprimento do contrato, o que de resto, legalmente, não poderia fazer. O contrato de trabalho não cessa automaticamente, como vimos, pela declaração de insolvência do empregador e, além disso, de acordo com a doutrina dominante, o administrador-não terá a possibilidade de simplesmente recusar o seu cumprimento, mas poderá fazê-lo cessar, por exemplo, por despedimento. coletivo ou por caducidade (se _houver encerramento definitivolda empresa).(...)» (JÚLIO GOMES, em intervenção atualizada em Dezembro de 2014, CEJ, Ebook Processo De Insolvência e Ações Conexas, citado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5.7.º016, Ana Paula Boularot, 6034/13).
vi. Se é certo que o direito à indemnização é despoletado por. um ato do administrador, ao fazer cessar o vínculo laboral, a verdade é que o fundamento do crédito está longe de se esgotar nesse ato, ao 'invés haverá de ser reportado ao. tempo de trabalho prestado, designadamente o prestado até à declaração de insolvência (artigo 47º, n.º 1), sendo certo que nada parece justificar um tratamento desigual entre os casos de ,cessação do contrato de: trabalho anterior ,à declaração de insolvência e o de cessação posterior, relativamente à indemnização devida até à data da declaração de insolvência (com esta expressão, cf. os Acórdãos da Relação de Guimarães de 9.7.2015, Maria Luísa Ramos, 72/12 e com o mesmo número e da mesma data, sendo relator Carvalho Guerra).
vii. Na senda de Catarina Serra, há que atentar na ratio legis que determina que as dívidas da massa insolvente sejam merecedoras de um regime privilegiado de pagamento.«(...) considerando que as dívidas da massa
têm como finalidade permitir manter a empresa em funcionamento (...), então, apenas os créditos correspondentes a trabalho prestado depois da declaração da insolvência merecerão essa qualificação, ao contrário da compensação devida pelo cessação do contrato de trabalho que será, assim, um crédito sobre a insolvência. Na verdade, nas palavras de Catarina Serra a solução para esta específica questão deverá ser a mais coerente com a disciplina da insolvência e a que for mais adequada aos propósito para que foi concebida-» (LEONOR PIZARRO MONTEIRO, O
Trabalhador e a Insolvência da Entidade Empregadora, Almedina, 2016, p. 124). Com efeito, o tratamento privilegiado de certos credores deve ocorrer apenas em casos contados a fim de se evitar que a massa insolvente fique sobrecarregada a favor de alguns credores em detrimento de outros. Doutra forma, o processo de insolvência seria instrumentalizado para satisfazer exclusivamente os créditos constituídos depois da sua abertura e seria impotente perante os créditos anteriores (que deram origem à abertura do processo) nada ou quase nada restando para a sua satisfação. O que seria incompreensível (CATARINA SERRA apud LEONOR PIZARRO MONTEIRO, Op.
Cit., p. 125)
Em sentido oposto, pugnando no sentido de que tal dívida é da massa insolvente argumenta-se que (além do que já ficou explicitado supra):
«Constituindo um ato de administração da massa insolvente a manutenção da empresa em laboração, as dívidas respeitantes a salários e demais contraprestações do trabalho prestado pelos trabalhadores da insolvente, após a declaração de insolvência, são qualificadas pelo art.º 51º, n.º 1, c), do CIRE, como dívidas da massa insolvente.
Não resultando a manutenção dos contratos de trabalho após a insolvência do disposto no art.º 111º, do CIRE, mas sim do art.° 391º, n.º 1, do C. T., por força da imposição consagrada no art.º 277º, do CIRE, não é aplicável a estes contratos o disposto no art.º 108º, do CIRE, para o qual remetia o referido art.º 111º, pelo que a extinção desses contratos por iniciativa do administrador da insolvência não é regulada pelo disposto nesse art.º 108º, mas sim pelas normas constantes do art.º 391º, do C.T.
Não sendo pois a compensação devida pela extinção dos contratos de trabalho, em consequência do encerramento da empresa, a referida no art.º 108º, n.º 3, do CIRE, a qual é qualificada como dívida da insolvência, ela enquadra-se perfeitamente na previsão do art.º 51º, c), do CIRE - dívida emergente de ato de' administração da massa insolvente - podendo integrar a alínea d), do mesmo artigo - dívida resultante da atuação do administrador -, quando essa extinção é efetuada de forma ilícita pelo administrador. Assim, os créditos reclamados nestas ações pelos Recorridos são créditos sobre a massa insolvente, gozando da precipuidade na sua satisfação pelo produto désta, pelo que também improcede,este fundamento-cio recurso» (Acórdãos da Relação do Porto de 14.10.2013, Fernanda Soares, 711/12 e de 30.11.2015, Jorge Loureiro, 775/12).
Ponderando todas as posições já enunciadas na doutrina e já jurisprudência e acima resumidas, cremos que os argumentos que sustentam que se trata de' uma dívida da insolvência são mais convincentes e acutilantes, em especial os que radicam na ratio legis do regime das dívidas da massa insolvente bem como os que assentam no tratamento igualitário dos trabalhadores.
Assim sendo, improcede a ação na parte atinente ao pedido de indemnização por antiguidade e pela cessação do contrato de trabalho porquanto se trata de um crédito sobre a insolvência e não sobre a massa insolvente.
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, condena-se a Ré a pagar ao autor apenas a quantia de € 2200 a título de créditos remuneratórios, no mais se absolvendo a Ré do pedido.
Custas pela apelante na proporção de 92/prct. (Artigo 527.º, n.º1, do Código de Processo Civil).
Lisboa, 17.4.2018
(Luís Filipe Sousa)
(Carla Câmara)
(Higina Castelo)
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