Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Cível
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 - ACRL de 13-03-2018   Administrador da insolvência. Violação dos deveres inerentes ao cargo. justa causa de destituição.
I- Não tendo o administrador da insolvência obtido a prévia concordância da Comissão de Credores sobre a contratação de uma leiloeira e tendo pago a esta uma remuneração em prejuízo da massa e ao arrepio do que fora contratado, violou com gravidade os deveres inerentes ao cargo.
II- Não tendo o mesmo, também noutras ocasiões, obtido consentimento da Comissão de Credores para a prática de atos jurídicos relevantes para o processo de insolvência, nem prestado a esta Comissão e ao Tribunal as informações que lhe foram solicitadas, é de concluir que agiu em desrespeito das obrigações devidas;
III- Tais condutas, sendo demonstrativas de evidente falta de cuidado no exercício das funções e na defesa dos interesses da devedora e dos credores, e comprometendo, além do mais, a relação de confiança entre a Comissão de Credores e o A.I., tornam inexigível a manutenção do mesmo no cargo para que foi nomeado, constituindo justa causa para a sua destituição.
Proc. 896/14.9TYLSB-F.L1 7ª Secção
Desembargadores:  Conceição Saavedra - Cristina Coelho - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Proc. n°. 896/14.9TYLSB-F.L1
Apelante: J..., Administrador de Insolvência Apelados: N..., S.A., e Outros

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.
I- Relatório:
No processo de insolvência respeitante à devedora R...-Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda, foi nomeado como Administrador da Insolvência J....
O credor reclamante N..., S.A., veio apresentar nos autos, a pedido da Comissão de Credores, cópia da Ata n° 4 da reunião daquela Comissão de 7.7.2017 em que se suscitam várias questões relativas ao desempenho do cargo pelo referido J..., mais solicitando a notificação deste `para repor, à massa, o valor de € 20.295, 00 (...), pago à L... e a apreciação da proposta de substituição do mesmo A.I..
Por despacho de 19.9.2017 (fls. 49 deste apenso), foi determinada a notificação nos termos e para os efeitos do art. 56 do C.I.R.E..
Por ofício de 21.9.2017 (fls. 50 deste apenso), foi o referido J..., na qualidade de Administrador da Insolvência, notificado `para, querendo, se pronunciar sobre
a destituição e substituição de Administrador da Insolvência (art. 56° n° 1 do CIRE).
Pronunciaram-se os membros da Comissão de Credores, confirmando o parecer já emitido na reunião cuja Ata fora junta aos autos (fls. 59 a 61 verso).
Em 17.1 0.2017, foi proferida decisão que analisa o referido desempenho do A.I., concluindo nos
seguintes termos: (...) Ora, a supra citada factualidade, reveste gravidade e inviabiliza a manutenção das funções do Sr. Administrador da Insolvência, pois demonstra falta de cuidado no exercício da sua função e assumpção de uma posição alheia aos interesses da massa insolvente, celebrando contratos em seu nome sem base legal e fazendo-a incorrer em despesas injustificadas, violando expressamente as normas legais que regem o exercício das suas funções.
Pelo exposto, ao abrigo do art. 56°, n°1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, destituo o Sr. Administrador da Insolvência do cargo para que foi nomeado.
Notifique e comunique à CAAJ com cópia do presente despacho. (...).
Mais se nomeia no aludido despacho Administrador de Insolvência em substituição do destituído, determinando-se, por outro lado, no final: Notifique ainda o Sr. Administrador da
Insolvência destituído para depositar na conta da massa insolvente a quantia de € 20.295, 00 indevidamente paga à L..., SA.
Inconformado, veio interpor recurso J..., A.I. destituído, apresentando alegações que culmina com as conclusões a seguir transcritas:
A) Surgem as presentes alegações no âmbito do recurso de apelação de prazo reduzido, interposto do despacho com a referência 36994458, datado de 17.10.2017, em que é decidido destituir o ora recorrente com justa causa, bem como condená-lo a devolver à massa insolvente a quantia de € 20.295,00 quantia esta entendida como indevidamente paga à L... e com o que o recorrente se não pode conformar.
B) Fundamenta-se a decisão recorrida nos factos concretos de:
a) o recorrente ter pago à sociedade de Leilões L... S.A. a quantia de €20.295,00 por comissão de venda de um dos imóveis em insolvência;
b) ter contestado uma acção de verificação ulterior de créditos com o correspondente pagamento de taxa de justiça, sem requerer correspondente apoio judiciário.
C) Relativamente ao primeiro dos fundamentos, e contrariamente ao que foi definido pela Comissão de Credores encontra-se provado no despacho recorrido que o recorrente juntou aos autos contrato de prestação de serviços para alienação de activos celebrado com a L..., a fls 64 e 65 do apenso D, o qual, na remuneração, não determina a conclusão que é feita no despacho recorrido de que a comissão seria sempre paga pelo adquirente acrescendo, e ainda sobre o contrato de prestação de serviços junto aos autos, que este previa todas as variáveis de comissões e, com essa previsão foi junto aos autos e foi informada a comissão de credores quer do seu teor quer da modalidade da venda, ao abrigo do art. 164° do CIRE, facto que a comissão de credores nunca pôs em causa sendo integrada pelo próprio credor hipotecário.
D) A factura emitida pela L... foi já consequência da não oposição ao contrato de mediação e condições de venda por parte da comissão de credores e da aceitação tácita dessa comissão de o administrador de insolvência ser coadjuvado por auxiliares.
E) Por outro lado e sobre a taxa de justiça o recorrente entendeu dever contestar a acção de verificação ulterior de créditos deduzida por C..., tendo na contestação logo alegado que a massa insolvente estaria abrangida por isenção de taxa de justiça e demais custas processuais, nos termos da alínea u do n° 1 do art. 4 do Regulamento das custas
processuais pelo que quando tal isenção foi indeferida e exigido por parte do tribunal o pagamento da taxa, já não estava a massa insolvente em tempo de requerer o apoio judiciário, que não requereu inicialmente com a contestação da acção de verificação ulterior de créditos porque entendeu que a Taxa de Justiça não lhe era exigível, sendo ambas as questões explicadas pelo recorrente ainda antes de ser notificado do despacho recorrido no seu requerimento com a referência 27108248 de 19.10.2017.
F) O despacho recorrido que exonerou o aqui recorrente, foi proferido sem audição expressa do Sr. Administrador de Insolvência e apesar de nos autos estar provado o envio ao processo do contrato de prestação de serviços com a L... em 26.10.2015, tendo dado conhecimento à comissão de credores para os termos 55° n° 3 do CIRE o que teve como consequência ter sido o credor com garantia real o adjudicatário, como tudo melhor consta do e-mail enviado à comissão de credores a 01.03.2017 e que consta nos anexos ao referido requerimento enviado pelo recorrente a juizo em 19.10.2017.
G) E sobre a taxa paga, a defesa dos interesses da massa e os termos em que foi deduzida a contestação no apenso B dos presentes autos implicava o seu pagamento sequente ao indeferimento da isenção da massa insolvente sob pena de desentranhamento da própria contestação que visava proteger os referidos interesses da massa.
H) Ao determinar a destituição do recorrente violou o despacho recorrido os arts. 55° n° 3 do CIRE, dado o conhecimento e autorização de contratação de auxiliares na venda, 56 11° 1 do mesmo código por falta de audição prévia e expressa do recorrente, 164° n° 1 sobre a escolha do administrador quanto à modalidade de alienação de bens e n° 2 desta mesma disposição, dado que foi transmitido o conhecimento da venda ao credor hipotecário, o qual a final foi o efectivo adjudicatário, bem como o art. 16° do Estatuto do Administrador de Insolvência, uma vez que o pagamento da taxa foi feito em beneficio e nos interesses da massa insolvente.
Pede a procedência do recurso e a revogação do decidido.
Em contra-alegações, veio o recorrido N..., S.A., sustentar o acerto da decisão recorrida. O recurso foi admitido como de apelação, com subida em separado e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II- Fundamentos de Facto:
A decisão da la instância teve como provada a seguinte factualidade:
1) Por decisão de 20.4.2015 foi nomeado Administrador da Insolvência o Sr. Dr. J....
2) Realizou-se assembleia de apreciação de relatório no dia 19.6.2015, no âmbito da qual foi
proposta a constituição de uma Comissão de Credores sendo os membros efectivos o
N..., SA, a Autoridade Tributária e Aduaneira e JLM....
3) Na mesma assembleia foi determinado o prosseguimento dos autos para liquidação.
4) Foram apreendidos para a massa insolvente 3 bens imóveis descritos no auto de
apreensão junto a fls. 3 do apenso C.
5) Da Acta número 4 da reunião da comissão de credores da sociedade R... -
Sociedade De Gestão Imobiliária, SA, consta:
No dia 07-07-2017 às 11:30H realizou - se a reunião da comissão de credores nas instalações do N..., Av. Infante D. Henrique, 343 •32 Piso, LISBOA, onde estiveram presentes, o Sr. Dr. L... através de teleconferência, a Sra. Dra. Y...; a Sra. Dra. Cristina Lousada Mandatária do N...; o Sr. Dr. Paulo Fonseca, representante do N... e o Dr. Manuel Manteigas, na qualidade de presidente da comissão de credores.
A reunião foi convocada pelo presidente da Comissão de credores para esclarecimento do estado da liquidação da massa insolvente R... e outros assuntos do interesse dos credores. Aberta a reunião, o presidente começou por Informar a comissão que o Sr. Administrador de insolvência, Sr. Dr. João Marina Gomes, lhe havia remetido um e-mail às 11:00H (meia hora antes) dando-lhe nota da sua impossibilidade de comparência, não obstante a confirmação inicial e consequente agendamento da presente reunião.
Ficando, assim, prejudicado o ponto 1 da ordem de trabalhos.
Entrando no ponto 2 da ordem de trabalhos, foi colocada á discussão da comissão a actividade do Sr. Administrador de insolvência (doravante AI); com efeito, declarou, é recorrente da sua parte, não apenas a dispensa de consulta prévia desta comissão para assuntos de relevante interesse para a massa, como, quando confrontado com as decisões tomadas, tarda em prestar esclarecimentos, não os prestando, de todo, noutros casos.
Assim, recordou o presidente, não obstante as várias insistências desta comissão (que remontavam a Maio de 2016) só por ocasião da última reunião de 27/02/17, o Sr. AI esclareceu do preço e comprador da fracção C; sem, para tanto, apresentar sequer qualquer justificação. Depois, quando no âmbito dessa reunião, de 27/02/2017, foi chamado a esclarecer do pagamento efectuado à leiloeira L..., no valor de €20.295,00, de novo, sem o conhecimento prévio, desta comissão, começou por esclarecer que dizia respeita à venda da fracção C; quando questionado da razão pela qual essa comissão foi suportada pela massa e não pelo 39 adquirente, corrigiu, esclarecendo que, afinai, a comissão dizia respeito à venda da fracção A; demonstrando, no entanto, não estar muito ciente da sua resposta.
Depois, quando interpelado pelo ora presidente, da razão do referido pagamento, uma vez que dizia respeito a uma compra efectuada nos termos do disposto no artigo 164°, n.°3 do CIRE, pelo credor hipotecário, respondeu que o pagamento foi efectuado porque para tanto pressionado pela leiloeira; sem questionar do seu fundamento; acrescentando, depois, que efectuou o pagamento, com a ressalva de vir a ser restituído, se questionado por esta comissão; obrigando-se, assim, a interpelar a leiloeira, com vista á restituição do referido valor à massa.
O que no entanto ainda não fez.
Propondo-se, assim, que seja solicitado ao tribunal que ordene ao Sr. AI a interpelação da leiloeira, para efeitos de reposição dos indevidamente pagos 620.295, 00.
Prosseguindo, recentemente, aos 09/06/2017 o Sr. AI viria a interpelar esta comissão, para autorizar do pagamento de uma taxa de justiça de 510, OOEur; sendo que, idêntico pedido não foi efectuado aquando do pagamento do valor - elevado - de 620.295, 00 - à L.... Mais contactou a instituição financeira NB, SA, alertando-a para a necessidade urgente de autorização - assinatura - do respectivo representante - então de férias - para movimentar a conta da massa - cfr. documento que se junta com o n.°1; mais uma vez, evidenciado, desnorte quanto ao processo, pois, como sabe, o referido membro não está associada à Indicada conta. Ainda assim, até à presente data, o Sr.AI ainda não esclareceu da indispensabilidade da referida despesa e também, da previsível despesa inerente à alegada contratação de um advogado para a massa, tanto mais que, aparentemente, o referido crédito não merece contestação; com efeito, o indicado crédito é conhecido do credor N..., SA, uma vez que interveio no processo executivo a que ali se alude; esclarecimento este que teria prestado ao Sr. AI, se este tivesse - como se impunha - consultado, previamente esta comissão.
E, nessa hipótese, da razão pela qual não optou pelo apoio judiciário e ainda, pela dispensa do pagamento da alegada taxa de justiça, atenta a situação de insolvência da Ré.
Acresce que, a documentação relativa á indicada acção de verificação ulterior de créditos, foi enviada incompleta; situação não corrigida, até ao momento, não obstante para tanto interpelado.
Donde que, por tudo o acima exposto, o presidente desta comissão, preocupado com o prejuízo que a actuação manifestamente negligente do Sr. AI possa estar a causar à massa insolvente e, por conseguinte aos credores, coloca a consideração desta comissão, a introdução de um novo ponto na ordem de trabalhos, qual seja, do parecer quanto à destituição do Sr. AI e sua substituição por outra pessoa.
Pediu a palavra a Sra. Dra. Y... para manifestar a sua total concordância com as preocupações do presidente desta comissão e consequentemente ser igualmente do parecer da conveniência da substituição do Sr. AI; tanto mais que, acrescentou, oportunamente, se opôs ao valor pelo qual veio a ser adjudicada a fracção A.
Seguidamente pediu, também, a palavra o Sr. Dr. L..., acompanhando, pelas mesmas razões, o parecer no sentido da destituição do Sr. AI e sua substituição por um novo AL
6) Em 30.10.2015 o Sr. Administrador da Insolvência juntou aos autos um Contrato de prestação de Serviços para alienação de activos, celebrado entre a massa insolvente de R... - Sociedade de Gestão Imobiliária, SA, e L..., SA, o qual se mostra a fls. 64/65 do apenso D, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, do qual resulta que a remuneração pela prestação de serviços contratada, salvo estipulação em contrário, é da responsabilidade dos adquirentes dos bens.
7) Em 24.2.2017 o Sr. Administrador da Insolvência fez juntar aos autos factura emitida pela L..., SA, à massa insolvente de R... - Sociedade de Gestão Imobiliária, SA, datada de 14.7.2016, com vencimento na mesma data, no valor de € 20.295,00 e recibo datado de 25.1.2017, no mesmo valor.
8) Por despacho proferido em 6.9.2017 foi o Sr. Administrador da Insolvência instado a esclarecer se obteve a prévia concordância da Comissão de credores para solicitar auxílio no desempenho das funções que lhe estão conferidas por lei, devendo juntar a respectiva deliberação.
9) Tal despacho, notificado em 11.9.2017, não obteve resposta até ao presente.
10) O Sr. Administrador da Insolvência, notificado para o efeito com cópia do requerimento apresentado pelo N..., SA, não se pronunciou nos termos e para os efeitos do art. 56° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

III- Fundamentos de Direito:
Como é sabido, são as conclusões que delimitam o âmbito do recurso. Por outro lado, não deve o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.
Compulsadas as conclusão supra transcritas, cumpre apreciar:
- se ocorre justa causa para destituição do apelante do cargo de Administrador de Insolvência (face ao pagamento da quantia de E 20.295,00 à sociedade leiloreira L..., S.A., como comissão de venda de um dos imóveis apreendidos, e face à falta de pedido de apoio judiciário em ação de verificação ulterior de créditos);
- se o despacho recorrido foi proferido sem a expressa audição do A.I..
A) Da audição prévia do A.I.:
Começamos, justamente, pela última questão suscitada no recurso quanto à alegada falta de audição prévia do A.I. nos termos do art. 56 do C.I.R.E..
Refere o apelante que o despacho recorrido foi proferido sem a sua audição expressa, sendo que o mesmo veio a pronunciar-se nos autos ainda antes de notificado do mencionado despacho. Contrapõe o apelado que o A.I. foi notificado para o efeito e não se pronunciou no prazo de 10 dias de que dispunha, nos termos dos arts. 149 do C.P.C. e 17 do C.I.R.E., vindo a fazê-lo apenas extemporaneamente, já após a prolação do despacho recorrido, denotando desconsideração pela Comissão de Credores e pelo próprio Tribunal.
Vejamos.
Dispõe o art. 56, n° 1, do C.I.R.E., que: O juiz pode, a todo o tempo, destituir o administrador da insolvência e substitui-lo por outro, se, ouvidos a comissão de credores, quando exista, o devedor e o próprio administrador da insolvência, fundadamente considerar existir justa causa.
Decorre da mera consulta destes autos, como acima referimos, que tendo o credor reclamante N..., S.A., junto ao processo, a pedido da Comissão de Credores, cópia da Ata n° 4 da reunião daquela Comissão de 7.7.2017 em que se suscitam várias questões relativas ao desempenho do cargo pelo referido J..., requerendo a notificação deste para repor, à massa, o valor de 6' 20.295, 00 (..), pago à L... e a apreciação da proposta da sua substituição, por despacho de 19.9.2017 foi determinada a notificação nos termos e para os efeitos do art. 56 do C.I.R.E. (fls. 49 deste apenso).
Entretanto, por ofício de 21.9.2017, foi o referido J..., na qualidade de Administrador da Insolvência, notificado para, querendo, se pronunciar sobre a destituição e substituição de Administrador da Insolvência (art. 56° n° 1 do GIRE). (fls. 50 deste apenso).
Os membros da Comissão de Credores vieram confirmar o parecer já emitido na reunião cuja Ata fora junta aos autos (cfr. fls. 59 a 61 verso deste apenso).
De resto, o tribunal a quo deu como assente tal matéria, considerando que o A.I. não se pronunciou nos termos e para os efeitos do art. 56 do C.I.R.E. (ponto 10 supra).
Quanto à destituição do A.I., a lei exige a audição prévia do devedor e do respetivo administrador da insolvência para além da audição da comissão de credores já prevista no anterior art. 137 do C.P.E.R.E.F. (correspondente ao atual art. 56 do C.I.R.E.), podendo ser dispensada a audição do devedor nos termos do art. 12 do C.I.R.E. para acautelar a celeridade do processo.
Como referem L. Carvalho Fernandes e João Labareda, os pareceres da comissão, do devedor e, por maioria de razão, do destituendo, não são vinculativos, constituindo fundamentalmente contributos para a boa ponderação do juiz. De facto, o Tribunal pode decidir num ou noutro sentido qualquer que seja a posição daquelas entidades, não deixando, todavia, de considerar essas posições na apreciação da justa causa da destituição.
No caso em análise, não há qualquer dúvida de que o A.I. foi expressamente notificado para se pronunciar nos termos do art. 56 do C.I.R.E..
Contudo, não o fez no prazo devido (que terminava em 6.10.2017), como lhe competia.
Com efeito, tendo sido notificado por oficio de 21.9.2017, o mesmo dispunha do prazo geral de 10 dias, para se pronunciar, por força do disposto nos arts. 149 do C.P.C. e 17 do C.I.R.E.. Segundo o próprio admite no recurso, veio a fazê-lo apenas já depois de proferida, em 17.10.2017, a decisão recorrida, mais exatamente em 20.10.2017 (cfr. fls. 36 a 38 deste apenso), sem invocação idónea de justo impedimento nos termos do art. 140 do C.P.C..
Ora, como é sabido, o decurso do prazo perentório extingue o direito de praticar o ato, salvo no caso de justo impedimento que não foi, no caso, devidamente invocado (cfr. arts. 139, n° 3, e 140 do C.P.C. de 2013).
Por conseguinte, é inteiramente irrelevante a resposta do A.I. que veio a ser apresentada no processo (em 20.10.2017) e que, aliás, não foi nem podia sequer ser considerada no despacho recorrido já proferido em 17.10.2017.
Em suma, não houve preterição do contraditório, porque o apelante foi previamente ouvido, nem desconsideração da resposta por si apresentada, porque esta foi claramente extemporânea, posterior à própria decisão sob recurso, não ocorrendo a nulidade processual a que alude o art. 195, n° 1, do C.P.C..
Improcede, neste tocante, o recurso.
B) Da justa causa de destituição:
Aqui chegados, o primeiro aspeto a salientar é que a factualidade tida por assente no despacho recorrido não se mostra validamente impugnada. Com efeito, nem o A.I. visado respondeu, como vimos, ao pedido de destituição formulado, nem no recurso reclama decisão diversa sobre cada um dos factos julgados provados, sendo certo que ao recorrente que impugne a matéria de facto caberá indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (aos quais deve aludir na motivação cio recurso e sintetizar nas conclusões), especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que, em seu entender, impunham decisão diversa quanto a cada um desses factos e propor, ainda, a decisão alternativa sobre cada um deles. A não observância de tais regras implicará a rejeição imediata do recurso.
Assim, e revendo os factos que constituíram suporte da decisão em análise, vejamos se estes se traduzem em justa causa de destituição do A.I..
Afirmou-se na decisão recorrida: (...) Ao Administrador da Insolvência compete exercer funções com a cooperação e sob a fiscalização da Comissão de Credores - cfr. art.55° n.°1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e ainda prestar-lhe e ao tribunal todas as informações necessárias sobre a administração e liquidação da massa insolvente.
Compete ainda ao Administrador da Insolvência a venda de todos os bens apreendidos para a massa insolvente - cfr. art.158° n.°1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, necessitando do consentimento da Comissão de credores ou da assembleia de credores para a prática de actos de especial relevo - cfr. art.161 °n. 01 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Por outro lado, o Administrador da Insolvência, no exercício das suas funções pode ser coadjuvado por técnicos ou outros auxiliares mediante prévia concordância da Comissão de Credores ou do Juiz, na falta daquela.
Verifico que o Sr. Administrador da Insolvência fez juntar aos autos um contrato por si subscrito em nome da massa insolvente relativo a serviços a prestar por uma leiloeira,
Ora, segundo alegou a Comissão de Credores (facto não contestado pelo Sr. Administrador da Insolvência), o mesmo não solicitou, nem obteve a concordância daquela (art.55° n.°3 do CIRE) para contratar qualquer auxiliar remunerado, tendo efectuado um pagamento que não era devido, nos termos do próprio acordo celebrado, que estipulava que a remuneração da leiloeira seria encargo do adquirente dos bens.
Ademais, o Sr. Administrador da Insolvência não prestou os solicitados esclarecimentos sobre tal pagamento, quer à Comissão de Credores (à qual não explicou o cabalmente fundamento de tal pagamento), quer ao Tribunal.
Acresce que tal será uma prática reiterada, conforme resulta da acta da Comissão de Credores supra referida, verificando-se noutras situações.
Verifica-se igualmente que o Sr. Administrador da Insolvência não diligencia pela defesa dos interesses da massa insolvente, como decorre do facto de não ter pedido apoio judiciário para contestar uma acção, antes solicitando autorização para pagar 6510,00 de taxa de justiça, factos estes também aduzidos pelos membros da Comissão de credores e não contrariados pelo Sr. Administrador da Insolvência.
Ora, a supra citada factualidade, reveste gravidade e inviabiliza a manutenção das funções do Sr. Administrador da Insolvência, pois demonstra falta de cuidado no exercício da sua função e assumpção de uma posição alheia aos interesses da massa insolvente, celebrando contratos em seu nome sem base legal e fazendo-a incorrer em despesas injustificadas, violando expressamente as normas legais que regem o exercício das suas funções.
Pelo exposto, ao abrigo do art. 56°, n°1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, destituo o Sr. Administrador da Insolvência do cargo para que foi nomeado.
Afirma o apelante que pagou a quantia de E 20.295,00 à sociedade leiloeira L..., S.A., como comissão de venda de um dos imóveis apreendidos, nas condições contratuais previstas e autorizadas pela Comissão de Credores.
Quanto às funções do administrador de insolvência e o seu exercício, dispõe o n° 1 do art. 55 do C.I.R.E., que aquele deve atuar com a cooperação e sob a fiscalização da comissão de credores se esta existir. Assim, no exercício das respetivas funções, o administrador de insolvência pode ser coadjuvado por técnicos ou outros auxiliares mediante prévia concordância da comissão de credores (n° 3 do art. 55), devendo ainda prestar a essa comissão e ao tribunal todas as informações necessárias sobre a administração e a liquidação da massa insolvente (n° 5 do art. 55) e ainda à assembleia de credores, se esta lho solicitar (art. 79 do C.I.R.E.).
Depende, por sua vez, do consentimento da comissão de credores a prática de atos jurídicos que assumam especial relevo para o processo de insolvência, devendo atender-se, na qualificação de um ato como de especial relevo, designadamente, aos riscos envolvidos e às suas repercussões sobre a tramitação ulterior do processo (art. 161, n° 1 e 2, do C.I.R.E.).
Tal significa que ao A.I. cumpre, nessas condições, obter a concordância prévia da comissão de credores (quando exista).
No caso, está assente que, em 30.10.2015, o A.I. juntou aos autos um Contrato de prestação de Serviços para alienação de activos , celebrado entre a massa insolvente de R...-Sociedade de Gestão Imobiliária, S.A., e L..., S.A., o qual consta de fls. 64/65 do apenso D, e que se encontra a fls. 32 a 34 deste apenso.
Dessa simples junção não resulta, a nosso ver, que o referido contrato tenha sido previamente aprovado pela Comissão de Credores e muito menos decorre que esta tenha autorizado, à partida, toda e qualquer venda de bens da massa.
Diga-se que o que está em causa, num primeiro momento, é precisamente o desrespeito do A.I. da obrigação de consulta prévia da Comissão de Credores quando tal se impunha.
De resto, também resultou provado que, por despacho de 6.9.2017, foi o A.I. instado a esclarecer se obteve a prévia concordância da Comissão de Credores para solicitar auxílio no desempenho das funções que lhe estão conferidas por lei, devendo juntar a respetiva deliberação, e, notificado para o efeito em 11.9.2017, o mesmo nada disse (pontos 8 e 9 supra).
Por outro lado, e contra o que defende o apelante sem justificação cabal, consta da cláusula Remuneração do aludido Contrato de prestação de Serviços para alienação de activos que 4. As PARTES convencionam que o pagamento da remuneração pela prestação de serviços ora contratados será, salvo estipulação expressa em contrário, da responsabilidade dos(s) adquirente(s) do(s) bem(ns), conforme estipulado nas condições de venda da L... (...). (sublinhado nosso)
Ou seja, tal como foi dado como assente no ponto 6 supra, terá ficado estabelecido que a remuneração seria da responsabilidade dos adquirentes dos bens.
Ora, decorre dos pontos 5 e 7 supra que o A.I. juntou aos autos uma fatura emitida pela L..., S.A., à massa insolvente de R..., S.A., no valor de E 20.295,00, supostamente respeitante ao pagamento de uma remuneração àquela leiloeira pela venda de um imóvel da massa. Para além do contrato referido, desconhece-se qualquer estipulação que justifique tal pagamento nem o apelante a invoca.
Acresce que, segundo consta da Ata da reunião da Comissão de Credores de 7.7.2017 reproduzida no ponto 5 supra que o apelante não impugna, o A.I. terá prestado explicações evasivas sobre tal pagamento, admitindo mesmo a sua restituição à massa por parte da leiloeira. Por conseguinte, de acordo com a matéria de facto assente, o A.I. não temi obtido a prévia concordância da Comissão de Credores sobre a contratação da leiloeira, como seria mister. e pagou a esta uma remuneração em prejuízo da massa e ao arrepio do que fora contratado. Finalmente, ainda de acordo com a dita Ata referida no ponto 5, tornara-se frequente na atuação do A.I. não apenas a dispensa de consulta prévia desta comissão para assuntos de relevante interesse para a massa, como, quando confrontado com as decisões tomadas, tarda em prestar esclarecimentos, não os prestando, de todo, noutros casos.
Está, sem dúvida, em causa a violação grave dos deveres previstos no art. 55 do C.I.R.E.. Afirmou-se, ainda, na decisão recorrida para sustentar a ordenada destituição: (...) Verifica-se igualmente que o Sr. Administrador da Insolvência não diligencia pela defesa dos interesses da massa insolvente, como decorre do facto de não ter pedido apoio judiciário para contestar uma acção, antes solicitando autorização para pagar é 510, 00 de taxa de justiça, factos estes também aduzidos pelos membros da Comissão de credores e não contrariados pelo Sr. Administrador da Insolvência. G).
Argumenta o apelante que não requereu apoio judiciário em ação de verificação ulterior de créditos, uma vez que entendeu que a devedora beneficiava da isenção de taxa de justiça e demais custas processuais, nos termos da al. u) do n° 1 do art. 4 do R.C.P., sendo indispensável pagá-la quando tal lhe foi ordenado no processo para não ver desentranhada a contestação, o que explicou nos autos.
Neste particular cremos não ser possível assacar qualquer responsabilidade ao A.I. como se fez na decisão recorrida.
Analisada a referida contestação da massa insolvente (a fls. 40 a 44 deste apenso), verificamos que, no final, o Advogado subscritor daquela peça processual refere: Não se juntam DUC e comprovativo de pagamento da taxa de justiça, uma vez que a Massa Insolvente está abrangida por isenção da taxa de justiça e demais custas processuais, nos termos da alínea u) do número 1 do artigo 4° do Regulamento de Custas Processuais na redacção da Lei 7/2012, de 13 de Fevereiro.
Trata-se, como é evidente, de uma questão de direito confiada, por definição, ao mandatário forense constituído para o efeito e que não cabe nas competências próprias do Al.
Não constitui responsabilidade do A.I. a estratégia processual escolhida pelo Advogado da massa insolvente nem a opção por uma outra solução jurídica que este adote.
Não se nos afigura possível assacar, por isso, nesta vertente, qualquer responsabilidade ao A.I.. No mais, em todo o caso, afigura-se-nos relevante e suficientemente grave o procedimento do A.I..
Na verdade, a conduta acima descrita, e manifestada até ainda aquando do cumprimento do art. 56 do C.I.R.E., evidencia desconhecimento dos deveres que lhe competem (art. 55), e desconsideração pelas entidades com as quais lhe cabe colaborar, como a Comissão de Credores e o próprio Tribunal, não realizando o mesmo A.I. as consultas prévias necessárias nem prestando, pontual e devidamente, as informações que lhe são solicitadas.
Acresce que, no caso, a falta de consulta prévia da comissão de credores para assuntos de relevante interesse para a massa e a falta ou atraso nas informações solicitadas ter-se-á tornado um procedimento recorrente do apelante.
Tal é demonstrativo de evidente falta de cuidado no exercício das funções e na defesa dos interesses da devedora e dos credores que, além do mais, vem comprometendo a relação de confiança entre a Comissão de Credores e o A.I., como a Ata da reunião desta entidade indicada no ponto 5 evidencia com clareza.
Sobre justa causa diz-nos Ana Prata: Quando, nos termos da lei ou de convenção, um contrato possa ser resolvido com justa causa, tal significa qualquer facto susceptível de pôr em risco a continuação da relação contratual ou a obtenção do fim contratual, tanto podendo consubstanciar-se numa conduta da contraparte como num facto alheio às partes; as mais das vezes, porém, a justa causa consiste num comportamento da outra parte, violador dos deveres contratuais, que torna intolerável e inexigível para o adimplente a manutenção da relação contratual. (...).
Trazida ao caso a mesma noção, que aqui não vemos motivo para desvalorizar não obstante o especial enquadramento da questão nos autos, é de concluir que a descrita violação, reiterada, dos deveres por parte do A.I. J... é suscetível de afetar o normal prosseguimento do processo e os interesses que o mesmo visa proteger que são, em última análise, os dos credores mas também de todos aqueles afetados com o seu desenrolar.
Nessa medida, a descrita atuação, enquanto violadora dos deveres que competem ao administrador da insolvência nos termos do C.I.R.E. e do Estatuto respetivo, torna inexigível a manutenção do mesmo no cargo para que foi nomeado, constituindo justa causa para a sua destituição.
Em suma, e ainda que por motivos não exatamente coincidentes, deve manter-se, sem necessidade de outras considerações, a decisão recorrida.

IV- Decisão:
Termos em que e face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Notifique.

Lisboa, 13-3-2018
Maria da Conceição Saavedra
Cristina Coelho
Luís Filipe Pires de Sousa

Sumário do Acordão (da exclusiva responsabilidade da relatora - art. 663, n° 7, do C.P.C.)

I- Não tendo o administrador da insolvência obtido a prévia concordância da Comissão de Credores sobre a contratação de uma leiloeira e tendo pago a esta uma remuneração em prejuízo da massa e ao arrepio do que fora contratado, violou com gravidade os deveres inerentes ao cargo;
II- Não tendo o mesmo, também noutras ocasiões, obtido consentimento da Comissão de Credores para a prática de atos jurídicos relevantes para o processo de insolvência, nem prestado a esta Comissão e ao Tribunal as informações que lhe foram solicitadas, é de concluir que agiu em desrespeito das obrigações devidas;
III- Tais condutas, sendo demonstrativas de evidente falta de cuidado no exercício das funções e na defesa dos interesses da devedora e dos credores, e comprometendo, além do mais, a relação de confiança entre a Comissão de Credores e o A.I., tomam inexigível a manutenção do mesmo no cargo para que foi nomeado, constituindo justa causa para a sua destituição.
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