Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - ACRL de 16-01-2018   Princípios da novidade e/ou da especialidade. Confusão ou erro.
A criação de uma marca tem que respeitar os princípios da novidade e/ou da especialidade, de modo a que não se possa confundir com outra que já exista e seja empregue em produto idêntico ou semelhante, a fim de assegurar a lealdade da concorrência e prevenir a indução em erro de consumidores quanto à proveniência do bem;
Para definir se estamos em presença de uma marca que destina a assinalar produtos afins, importa atender designadamente ao mercado relevante de cada um;
O risco de confusão ou erro verifica-se sempre que a semelhança dê origem a que um sinal possa ser tomado por outro, correndo risco de associação quando o público, em função dessa semelhança, considere que os produtos ou serviços a que aquele se destina têm a mesma proveniência ou que entre eles existe uma relação de proveniência.
Na avaliação desse risco, deve considerar-se que o consumidor não se defronta com as duas marcas em simultâneo (o confronto será entre a marca presente e a marca retida na memória) e que as semelhanças devem confrontar-se entre o conjunto de elementos que compõem as marcas em confronto;
Deve-se ainda atender-se ao padrão do consumidor médio do produtos em causa e à condição social e cultural do público a que destinam.
Proc. 373/16.3YHLSB.L1 1ª Secção
Desembargadores:  Ana Isabel Pessoa - Eurico Reis - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Tribunal da Relação

Processo n° 373/16.3YHLSB.L1 Recurso de Apelação
Recorrente: T..., Llc.
Recorrido: G..., SGPS, S.A. e C...
Sumário:
1. A criação de uma marca tem que respeitar os princípios da novidade e/ou da especialidade, de modo a que não se possa confundir com outra que já exista e seja empregue em produto idêntico ou semelhante, a fim de assegurar a lealdade da concorrência e prevenir a indução em erro de consumidores quanto à proveniência do bem;
II. Para definir se estamos em presença de uma marca que se destina a assinalar produtos afins, importa atender designadamente ao mercado relevante de cada um;
III. O risco de confusão ou erro verifica-se sempre que a semelhança dê origem a que um sinal possa ser tomado por outro, ocorrendo risco de associação quando o público, em função dessa semelhança, considere que os produtos ou serviços a que aquele se destina têm a mesma proveniência ou que entre eles existe uma relação de proveniência.
IV Na avaliação desse risco, deve considerar-se que o consumidor não se defronta com as duas marcas em simultâneo (o confronto será entre a marca presente e a marca retida na memória) e que as semelhanças devem confrontar-se entre o conjunto de elementos que compõem as marcas em confronto;
V. Deve-se ainda atender-se ao padrão do consumidor médio dos produtos em causa e à condição social e cultural do público a que se destinam.
(Sumário elaborado ao abrigo do disposto no artigo 663°, n° 7, do CPC).

Acordam na 1° Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

1. RELATÓRIO
T..., LLC, sociedade com sede em …, Estados Unidos da América, requereu, em 12 de Fevereiro de 2016, o registo da marca nacional n.° 560173 THE RITZ-CARLTON (verbal) para assinalar os seguintes serviços na classe 39 da classificação internacional de Nice (transportes, incluindo todas as formas de transporte, em particular os serviços de navios de cruzeiro; embalagem e armazenamento de mercadorias; organização de viagens; serviços de agências de viagens; serviços de navios de cruzeiro; serviços de organização de visitas, passeios e excursões; serviços de organização de férias e de cruzeiros, serviços de reserva de visitas, passeios e excursões; serviços de reserva de férias e de cruzeiros; organização de visitas turísticas; informações e assessoria relacionadas com todos os serviços atrás referidos).
Por despacho por subdelegação de competências do Vogal do Conselho Directivo do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), de 21 de Setembro de 2016, foi o registo da referida marca nacional n.° 560173 THE RITZ-CARLTON (sinal verbal), recusado, na sequência de reclamação apresentada pelas ora Recorridas G... SGPS, S.A. e C..., que invocaram, respetivamente os sinais anteriores P... e M....
Fundou-se tal decisão no entendimento de que se verificava uma forte semelhança gráfica e fonética entre os sinais em confronto, bem como risco de confusão, ou pelo menos, de associação entre eles, o que levou à conclusão de que a concessão do pedido apreciado poderia originar atos de concorrência desleal.
Inconformada com tal decisão, a ora Recorrente interpôs recurso judicial, sustentando, em suma, a inexistência de risco sério de confusão entre os sinais em causa, devendo o despacho recorrido ser revogado e concedido o registo da marca nacional n.° 560173 THE RITZ CARLTON.
Cumprido o disposto no artigo 40.° do Código da Propriedade Industrial, foi o processo administrativo remetido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial para apensação e procedeu-se à citação das contrainteressadas G..., SGPS, SA e C... Limited, nos termos do artigo 44° n°3 do Código da Propriedade Industrial.
Veio então o G..., SGPS, SA responder, defendendo a improcedência do recurso, alegando, em síntese, que a expressão CARLTON é fortemente distintiva, estando há mais de quarenta anos associada ao G... - que goza de reconhecimento e prestígio junto dos consumidores portugueses - constando dos nomes dos seus hotéis e que, no plano visual, fonético e conceptual existem semelhanças que fazem com facilidade prever que o consumidor médio venha a incorrer em situações de erro e engano, ou associação, concluindo que atenta a proximidade das marcas, o registo requerido é suscetível de propiciar atos de concorrência desleal.
Veio então a ser proferida decisão que, considerando existir risco de associação entre os sinais em confronto, julgou improcedente o recurso e manteve o despacho recorrido.

Uma vez mais inconformada com tal decisão, veio a Requerente dela interpor o competente recurso de apelação, apresentando as seguintes conclusões:
1. Nestes autos está em causa saber se a marca THE R… para identificar serviços turísticos da classe 39, constitui ou não a imitação da marca mista P…, registada na classe 42, e do nome de estabelecimento M..., entendendo a Recorrente que não ocorre imitação;
2. A sentença impugnada, apesar de começar por estabelecer que é o critério da ((impressão de conjunto)) que deve ser mais relevante para a apreciação e conclusão da existência ou inexistência de imitação de marca, afastou-o sem justificação e procedeu à dissecação analítica dos sinais em confronto acabando, erradamente e com grande dose de subjetividade e sem sustentação, por decidir pela existência de imitação de marca;
3. Analisados os sinais em confronto, não restam dúvidas que o critério da impressão de conjunto conduz a que a marca THE R... e a marca P... (mista) não se confundem facilmente entre si, incluindo com o nome M...;
4. A inclusão nos sinais em confronto das marcas PESTANA e RITZ cuja notoriedade e prestígio no mercado turístico em Portugal são evidentes, conduzem a que exista uma fácil distinção entre os sinais em cotejo e que os mesmos possuam verdadeira capacidade distintiva para os serviços que designam;
5. A inclusão nos sinais em confronto das marcas/nomes PESTANA e RITZ funciona como verdadeiro indicador da diferente origem empresarial de cada marca, facilmente percetível pelo público consumidor;
6. O público consumidor de serviços turísticos de luxo e com caráter de exclusividade prestados a elevado preço, é razoavelmente conhecedor do mercado onde se movimenta e não é facilmente induzido em erro ou confusão por uma mera semelhança entre sinais;
7. Da mesma forma, esse tipo de público, deste tipo de serviços, que não integra um público massificado, indiferenciado e acrítico perante as marcas e os serviços que lhe são propostos, não carece de realizar um exame atento ou confronto para realizar a distinção entre as marcas em confronto, pois está muito razoavelmente atento, conhece as marcas e é orientado pela evidente origem empresarial dos sinais em confronto;
8. Não existe concorrência desleal nem ela se torna possível ou viável pela mera existência da marca registando na ordem jurídica;
9. Em consequência não ocorre imitação de marca nestes autos porque não estão cumulativamente verificados todos os requisitos legais do conceito e imitação previstos no artigo 245° do CPI e não é aplicável o artigo 239° do CPI porque a marca registando possui a necessária capacidade distintiva prevista e exigida pelo artigo 222° do Código da Propriedade Industrial e não ocorre, nem é possível uma situação de concorrência desleal potenciada pela nova marca registada, não havendo, pois, violação dos artigos 239°, n.° 1, ai. e) e 317° do CPI.
Concluiu, pedindo que se revogue a sentença e se determine o registo na marca nacional n.° 560173 THE RITZ-CARLTON, como requerido.

A apelada G..., SGPS, S.A. contra-alegou, apresentando, por seu turno, as seguintes conclusões:
A. A douta sentença do 2.° Juízo do Tribunal da Propriedade Intelectual, de 20 de Abril de 2017, que manteve o despacho do INPI de concessão do registo da marca nacional n.° 560173 THE RITZ-CARLTON, não merece qualquer censura;
B. Cabe, no processo em causa, decidir se entre as marcas existe semelhança suscetível de induzir facilmente os consumidores em erro ou confusão de forma que estes não as possam distinguir senão depois de exame atento ou confronto, ou de causar risco de associação indevida entre os serviços oriundos de uma e outra entidade;
C. A marca da Apelante THE RITZ-CARLTON reproduz o elemento nuclear - CARLTON - da marca da Apelada, PESTANA CARLTON MADEIRA;
D. A expressão CARLTON é fortemente distintiva e está, há mais de 40 anos, associada ao Grupo da Apelada no que se refere aos serviços assinalados;
E. Tanto os consumidores como os meios de comunicação social referem-se a esse hotel apenas por CARLTON MADEIRA ou CARLTON HOTEL;
F. Ao reproduzir a expressão CARLTON, a marca requerida apresenta semelhanças verbais, fonéticas e conceptuais com a marca anterior da Apelada;
G. O facto de as marcas serem gráficas, fonéticas e conceptualmente semelhantes é susceptível de induzir os consumidores em erro ou confusão ou levá-los a, erroneamente, associarem as marcas e os serviços assinalados à mesma origem empresaria ou a pensar que entre a Apelante e a Apelada existe algum tipo de relação comercial;
H. Na verdade, alguns dos serviços assinalados pelas marcas em confronto são complementares e comercializados frequentemente em conjunto, de forma a satisfazer um conjunto maior e mais variado de necessidades do consumidor médio;
I. O reconhecimento e prestígio do G..., associado ao facto de o hotel CARLTON MADEIRA ser o pioneiro do Grupo e um dos mais emblemáticos do país, potenciará ainda mais o risco de confusão ou associação entre as marcas em confronto;
J. O facto de a marca nova conter a expressão RITZ não é suficiente para se concluir que os consumidores irão distinguir as marcas uma vez que não está demonstrado no processo que The Ritz-Carlton seja conhecido pelos consumidores portugueses nem que o nome Ritz, associado à Apelante, seja um nome de prestígio no mercado turístico em Portugal;
K. Acresce que, a decisão do INPI, de recusa do pedido de registo da Apelante, confirmada, e bem, pelo Tribunal de Primeira Instância, tem também como fundamento a susceptibilidade de confusão da marca requerida pela Apelante com o registo prioritário do nome de estabelecimento n.° 33293 M...;
L. Com efeito, a expressão CARLTON é o único elemento distintivo daquele nome de estabelecimento, uma vez que as expressões MADEIRA e HOTEL são expressões descritivas e genéricas, que indicam o local em que se situa e a actividade a que se destina o estabelecimento;
M. Verificando-se que a marca requerida pela Apelante, THE RITZ-CARLTON, reproduz totalmente o único elemento distintivo do nome de estabelecimento anterior, CARLTON;
N. Esta situação irá, certamente, criar situações de erro ou confusão para os consumidores, ou levá-los a associar a marca nova ao HOTEL CARLTON da Ilha da Madeira que já conhecem;
Terminou pedindo que se mantenha a decisão que recusou o registo da marca nacional n.° 560173 THE RITZ-CARLTON.
II. QUESTÕES A DECIDIR.
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635°, n° 4, e 639°, n° 1, do CPC, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, importa, no caso, apreciar e decidir se deve ou não ser admitido o registo da marca da Recorrente.

III. Fundamentação
III.1. Os factos
A decisão recorrida considerou assentes os seguintes factos com relevância para a decisão:
1. A T..., LLC requereu em 12.02.2016 o registo da marca nacional n.° 560173 THE RITZ CARLTON (sinal verbal) para assinalar, na classe 39 da classificação internacional de Nice, transportes, incluindo todas as formas de transporte, em particular os serviços de navios de cruzeiro; embalagem e armazenamento de mercadorias; organização de viagens; serviços de agências de viagens; serviços de navios de cruzeiro; serviços de organização de visitas, passeios e excursões; serviços de organização de férias e de cruzeiros, serviços de reserva de visitas, passeios e excursões; serviços de reserva de férias e de cruzeiros; organização de visitas turísticas; informações e assessoria relacionadas com todos os serviços atrás referidos;
2. A G..., SGPS, SA e a C…, Limited apresentaram reclamação contra o pedido de registo da referida marca;
3. Por despacho de 21.09.2016 da Directora da Direcção de Marcas e Patentes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial foi recusado o registo da referida marca, pelos fundamentos que constam do relatório de exame junto a fls. 1 a 3 do processo administrativo apenso, cujo teor integral aqui se dá por reproduzido;
4. A sociedade G..., SGPS, SA é titular do registo da marca nacional n.° 372797 , concedido por despacho de 12.07.2004, assinalando, na classe 43, serviços hoteleiros e alojamento temporário; serviços de reserva de hotelaria e de alojamento temporário; organização e fornecimento de alojamento para férias e reservas de alojamento; serviços de restauração, de snack-bar, de self-service, de cafetaria, de bar e de catering; serviços de fornecimento de alimentos e bebidas;
5. A referida marca apresenta a seguinte composição, sem
Pestana Carlton Madeira
reivindicação de cores:
6. A sociedade C... é titular do registo do nome de estabelecimento n.° 33293 M... (sinal verbal), concedido por despacho de 22.02.1991;

III.2. Fundamentação de direito.
O artigo 61°, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa estabelece o princípio da liberdade de iniciativa económica privada, nos termos do qual o exercício da atividade económica privada, e por isso, da atividade comercial, é livre, desde que respeite os limites impostos pela Constituição e pela lei.
Tal princípio pressupõe a existência de uma pluralidade de sujeitos económicos diferenciados que atuam em direção a um mercado - pois à liberdade de iniciativa de um, contrapõe-se a liberdade de iniciativa dos demais - e assim, uma multiplicidade indiscriminada de sujeitos económicos atuando no mercado - a concorrência.
O modelo económico de mercado que as regras da concorrência visam preservar é caracterizado por ser um mercado aberto, no qual as modificações da oferta e da procura se reflitam nos preços, a produção e a venda não sejam artificialmente limitadas e a liberdade de escolha dos fornecedores, compradores e consumidores não sejam postas em causa.
A liberdade que enforma as atuações dos vários agentes económicos não significa que as mesmas se processem de uma forma desordenada e se atropelem umas às outras.
A existência de uma pluralidade de agentes que convergem em relação a um mesmo mercado impõe a necessidade de ordenar essas atuações para que os mercados funcionem regularmente.
A propriedade industrial corresponde a essa necessidade de ordenar a liberdade de concorrência, que se processa essencialmente por duas formas:
- através da atribuição da faculdade de utilizar, de forma exclusiva ou não, certas realidades imateriais;
- pela imposição de determinados deveres no sentido de os vários sujeitos económicos que operam no mercado procederem honestamente.
A primeira das referidas formas abrange os direitos privativos da propriedade industrial.
A segunda refere-se à repressão da concorrência desleal.

Dispõe o artigo 224°, n.° 1 do Código da Propriedade Industrial aprovado pelo Dec. Lei n.° 36/2003, de 5 de Março (CPI) que o registo da marca confere ao seu titular o direito de propriedade e do exclusivo dela para os produtos e serviços a que esta se destina.
A marca constitui, pois, o sinal distintivo que permite identificar o produto ou serviço proposto ao consumidor - é o sinal adequado a distinguir os produtos e serviços de um dado empresário em face dos produtos e serviços dos demais.
A marca tem, assim:
- uma função distintiva, na medida em que distingue e garante que os produtos ou serviços se reportam a uma pessoa que assume em relação aos mesmos o ónus pelo seu uso não enganoso;
- uma função de garantia de qualidade dos produtos na medida em que faz referência dos produtos ou serviços a uma origem não enganosa;
- uma função publicitária, já que, em complemento da função distintiva, pode contribuir, por si mesma, para a promoção dos produtos ou serviços que assinala.
Ela pode, nos termos do disposto no artigo 222° do CPI, ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais suscetíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respetiva embalagem, entre outros.
Em matéria de composição das marcas vigora, pois, o princípio da liberdade.
Este princípio sofre, porém, limitações de vária ordem.
Dada a função que exerce de identificar o produto ou serviço por referência à sua origem, a marca tem de ser protegida por um direito privativo absoluto em benefício dessa origem. Por isso, a reprodução ou imitação, total ou parcial, da marca anteriormente registada é proibida, nos termos que melhor se explicitarão.
O regime jurídico das marcas enquanto direito de propriedade industrial, subsistindo estratificado em diversos níveis territoriais de proteção, encontra-se atualmente harmonizado a nível da União Europeia.
Os artigos 239° e 245° do CPI consagram o princípio da novidade ou especialidade da marca - a marca não pode ser idêntica nem semelhante a outra anteriormente registada para produtos iguais ou afins, devendo ser constituída por forma a não se confundir com outra anteriormente adotada e registada para os mesmos ou semelhantes produtos.
Da conjugação de tais preceitos resulta que deve ser recusado o registo da marca quando esta constitua imitação de uma outra, sendo requisitos dessa imitação:
i. que a marca imitada esteja registada com prioridade;
ii. que ambas as marcas se destinem a assinalar bens ou serviços idênticos ou afins;
iii. que entre elas exista uma semelhança (gráfica, fonética ou outra) que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão ou risco de associação, de forma que o consumidor as não possa distinguir senão após exame atento ou confronto.
Para que haja possibilidade de confusão sobre a origem empresarial dos produtos ou serviços, há que ter em atenção diversos fatores.
Assim, importa considerar a natureza e o tipo de necessidades que os produtos visam satisfazer e os circuitos de distribuição desses produtos ou serviços4 - os produtos ou serviços terão de situar-se no mesmo mercado relevante, isto é, tendo a mesma utilidade e fim, permitindo dessa forma, ainda que de forma ténue, uma relação de concorrência entre os agentes económicos que os ofereçam ao público.
Casos há, em que o risco de afinidade aumenta - são aqueles em que pode mediar uma relação de substituição, complementaridade, acessoriedade ou derivação entre os produtos ou serviços ou, mesmo, entre produtos e serviços.
Há risco de confusão sempre que a identidade ou semelhança possa dar origem a que um sinal seja tomado por outro e ainda sempre que o público considere que há identidade de proveniência entre os produtos ou serviços a que os sinais se destinam, ou que existe uma relação, que na realidade não se verifica, entre a proveniência desses produtos ou serviços. Fala-se então de risco de associação ou risco de confusão em sentido lato.
Na apreciação do risco de confusão entre os sinais em confronto, há que atender à estrutura dos mesmos, havendo que distinguir entre marcas nominativas, gráficas e mistas (sendo estas as que combinam elementos nominativos e gráficos.
Deve ter-se em consideração que o consumidor, em regra, não se depara com as duas marcas simultaneamente - a comparação que define a semelhança verifica-se entre um sinal e a memória que se possa ter de outro. Nessas circunstâncias, é a imagem de conjunto da marca que, normalmente, mais sensibiliza o consumidor.
Por isso, a imitação deve ser apreciada pela semelhança que resulta do conjunto de elementos que constituem as marcas em comparação, e não pelas diferenças que poderiam oferecer os diversos pormenores, considerados isolada e separadamente.
Também devem ser considerados irrelevantes no conjunto, as componentes genéricas ou descritivas, sendo que nas marcas complexas deve ser privilegiado o elemento dominante.
A suscetibilidade de confusão é a pedra de toque para aquilatar da novidade e especificidade da designação escolhida para certa marca, nome, ou logotipo tem em vista evitar a concorrência desleal.
O juízo de verificação deve ser formulado na perspetiva do público relevante - atuais e potenciais clientes, adquirentes ou utilizadores dos bens e serviços a que respeitam as marcas em confronto, que tanto pode consistir no público em geral, como ser um público constituído por profissionais e/ou especialistas no sector, devendo ainda atender-se ao território em que é protegida a marca prioritária.
O consumidor que releva no contexto do direito de marcas deve, pois, ser uma figura flexível e variável, em função da natureza, características e preços dos produtos diferenciados pelas marcas respetivas.
O público relevante presume-se normalmente informado e razoavelmente atento e circunspecto; porém, o grau de atenção pode variar em função do tipo bens ou serviços e do grau de conhecimento e experiência dos respetivos adquirentes, sendo que tenderá a ser mais baixo nos comportamentos de consumo quotidiano, mais alto quando estão em causa bens dispendiosos, tecnicamente sofisticados, perigosos, produtos farmacêuticos, serviços financeiros ou imobiliários, e nos casos de lealdade à marca.

Através do registo adquire o interessado o direito privativo da propriedade industrial, que tem por conteúdo a exploração económica exclusiva desse sinal, com vista a distinguir a proveniência empresarial de determinado produto ou serviço, conforme resulta dos preceitos citados.
Por outro lado, sendo o direito à marca um direito de exclusivo, pode o seu titular opor-se à sua utilização por terceiros - assim o estabelece expressamente o artigo 258° do CPI.
Do carácter exclusivo do direito à marca decorre também que um terceiro não poderá utilizar um sinal que constitua a marca de outrem em termos de lesar o correspondente direito, mesmo que esse sinal integre outro tipo de direito de propriedade industrial (v.g. logotipo).
Nesse sentido, o artigo 304°-I, determina que não podem fazer parte do logotipo os elementos constitutivos da marca protegida por outrem para os produtos idênticos ou afins aos que se fabricam ou vendam no estabelecimento a que se pretende dar o nome ou insígnia, ou para os serviços idênticos ou afins aos que nele são prestados.
Das violações aos direitos de propriedade industrial cuidam os artigos 316° e ss do CPI.
Desde logo, o próprio artigo 316° estabelece para a propriedade industrial as mesmas garantias estabelecidas legalmente para a propriedade em geral, sendo que o artigo 1303°, n.° 2 do Código Civil considera subsidiariamente aplicáveis à propriedade industrial as disposições desse Código, quando se harmonizem com a natureza desses direitos e não contrariem o regime para eles especialmente estabelecido.
Por seu turno os artigos 317° e seguintes do CPI definem atos de concorrência desleal e estabelecem as sanções para todo aquele que, com intenção de causar prejuízo a outrem ou de alcançar para si ou para terceiro, um benefício ilegítimo, praticar qualquer ato de concorrência contrário às normas e usos honestos.

De regresso ao caso dos autos, importa agora avaliar se a marca registando - THE RITZ CARLTON (nominativa)- constitui imitação dos sinais P... das ora Recorridas -(misto) e M... (nominativo).
Na decisão recorrida considerou-se fora de qualquer dúvida - e as partes também não as suscitam no recurso - de que se mostram verificados os pressupostos indicados nas ais. a) e b) do n.° 1 do artigo 245° do CPI - os sinais invocados pelas ora Recorridas mostram-se efetivamente registados previamente, e todos os sinais se destinam a assinalar produtos e serviços semelhantes e afins no âmbito da indústria do Turismo.
Resta, pois, ajuizar da verificação dos pressupostos previstos na ai. c) do preceito legal citado.
Em qualquer dos três sinais existe a expressão CARLTON - a par de outras expressões, no caso das marcas, e de outras expressões e sinais, no caso da denominação do estabelecimento - existindo, nessa justa medida, semelhança gráfica, visual e fonética.
Trata-se de vocábulo que, para além de servir para designar localidades e nomear pessoas, vem sendo, notoriamente, utilizado há muito, para designar unidades hoteleiras designadamente de luxo e prestígio. Na era da globalização, basta uma breve pesquisa pelas redes digitais para perceber rapidamente a existência de inúmeras instituições hoteleiras espalhadas pelo mundo, com a sua designação constituída, total ou parcialmente, por tal vocábulo, surgindo em algumas associada a diversos grupos hoteleiros.
Trata-se de fenómeno semelhante ao que vem sucedendo com outras expressões como Plaza ou Palace. Não é pois, possível afirmar que o elemento Carlton seja mais forte do que qualquer outro que compõe qualquer dos sinais em causa.
Por outro lado, gráfica e foneticamente, e no caso do designação do estabelecimento, ainda visualmente, todos os sinais se distinguem pelas expressões que os compõem e que não são comuns.
Assim sendo, afigura-se que a resposta ao problema que cumpre solucionar não pode deixar de passar pela análise das expressões em causa, no seu conjunto.
E assim sendo, afigura-se que no caso dos autos, na justa medida em que a marca registando é composta, além do citado vocábulo, pela expressão The Ritz, a que acresce um hífen, se mostra afastada a possibilidade de o consumidor do tipo de serviços em causa - viajante internacional, utilizando serviços e equipamentos de turismo de elevada qualidade, luxuosos e dispendiosos - não reconhecer a diferente origem dos mesmos. Tal expressão introduz uma nítida diferenciação acerca da origem comercial do prestador dos respetivos serviços.
Na verdade, e como se refere na decisão recorrida, a expressão PESTANA associada a equipamentos hoteleiros e de turismo é, de há muito, reconhecida nacional e até internacionalmente, pelo prestígio e a qualidade que caracterizam as unidades detidas e geridas pelo grupo assim designado.
E se assim é quanto à aludida expressão, dúvidas não podem validamente colocar-se de que a expressão THE RITZ é reconhecida nacional e internacionalmente, pelos consumidores dos serviços em causa, como uma referência a hotéis e serviços de hotelaria de luxo.
Trata-se, em nosso entender, de expressões que atingiram um tal nível de conhecimento entre os utilizadores dos serviços que prestam, que pode facilmente dizer-se que a simples justaposição com outras expressões, das mencionadas The Ritz ou Pestana, designadamente no contexto nacional, permite identificar com clareza a origem dos produtos e serviços oferecidos, designadamente quando associada a expressão que, como se referiu, tem uma utilização frequente na designação de instituições prestadoras de serviços em causa nos autos, como Carlton .
Conclui-se desta forma, não obstante o muito e devido respeito por entendimento diverso, que se mostram inverificados os pressupostos a que se refere a ai c) do artigo 245°, n.° 1 do CPI, pois que se afigura que a expressão The Ritz - confere capacidade distintiva ao sinal posterior destrinçando a diferente origem comercial dos serviços prestados pela detentora da respetiva marca, afastando assim o risco de confusão e, por consequência, a concorrência desleal por possibilidade de ocorrência de tal confusão.

IV. Decisão
Pelo exposto, acordam em julgar procedente a apelação e, consequentemente, em revogar a decisão recorrida e, em substituição, em conceder o registo da marca o registo da marca nacional n.° 560173 THE RITZ-CARLTON (verbal) para assinalar os seguintes serviços na classe 39 da classificação internacional de Nice (transportes, incluindo todas as formas de transporte, em particular os serviços de navios de cruzeiro; embalagem e armazenamento de mercadorias; organização de viagens; serviços de agências de viagens; serviços de navios de cruzeiro; serviços de organização de visitas, passeios e excursões; serviços de organização de férias e de cruzeiros, serviços de reserva de visitas, passeios e excursões; serviços de reserva de férias e de cruzeiros; organização de visitas turísticas; informações e assessoria relacionadas com todos os serviços atrás referidos).
Custas pelas Recorridas (art. 527.° do CPC). Registe e notifique.

Lisboa, 18 - 01 - 2018
(Ana Pessoa)
(Eurico José Manques dos Reis)
(Ana Maria Fernandes Grácio)
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