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 - ACRL de 16-01-2018   Créditos garantidos por penhor. Créditos laborais.
Os créditos garantidos por penhor devem graduar-se a frente dos créditos laborais quanto aos bens sobre os quais foram constituídos.
Proc. 24067/16.0T8SNT-A 7ª Secção
Desembargadores:  Carla Inês Câmara - Higina Castelo - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Processo nº 24067/16.0T8SNT-A-
Recurso de Apelação
Recorrente: N..., SA
Sumário:
Os créditos garantidos por penhor devem graduar-se à frente dos créditos laborais quanto aos bens sobre os quais foram constituídos.
Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
Nos presentes autos de reclamação de créditos foi proferida sentença que homologou a lista do Administrador da Insolvência e julgou:
«verificados todos os créditos dela constantes, excepto os créditos do credor N..., no montante de €123.752,07 que se reconhece como garantido por penhor sobre depósito bancário e penhores de seguros PPR/E.
b) Gradua os créditos, atenta a natureza dos bens apreendidos, nos seguintes termos:
Peio produto dos bens móveis apreendidos os créditos devem ser graduadas da seguinte forma:
- em primeiro lugar haverá que dar pagamento aos créditos garantidos/privilegiados dos trabalhadores;
- em segundo lugar ao crédito garantido sobre penhor, relativamente aos bens sobre que incide tal garantia;
- em terceiro lugar haverá que dar pagamento aos créditos comuns.»
Não se conformando com a decisão, dela apelou o N..., SA., formulando as seguintes conclusões:
1- A douta sentença recorrida reconheceu ao ora Recorrente, o crédito no montante total de €123.752,00 garantido por penhor sobre o depósito bancário do montante de €100.000,00 depositado na conta nº ...e direito de crédito ao reembolso do seguro PPR/E no montante de €23.757,07 celebrado com o B..., S.A..
II - O penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos, não suscetíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro - artigo 666º n.º 1 do Código Civil.
III- Por manifesto lapso, estamos em crer, a douta sentença recorrida, graduou em primeiro lugar, à frente do crédito do ora Recorrente, os créditos garantidos/privilegiados dos trabalhadores.
IV- Violando, assim, o disposto nos artigos 47. º nº 4 al. a), 174.º n.º 1 e 175º n.º1 do CIRE e artigos 666º, nº. 1, e 735. n.º 2, 2ª parte e 749.º n.º 1 do CC.
NESTES TERMOS,
Deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, a douta sentença recorrida ser substituída por outra que gradue os créditos do Novo Banco, S.A., à frente dos créditos dos trabalhadores, relativamente aos bens móveis sobre que incide o penhor, com todas as consequências legais.
Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, a questão submetida a recurso, delimitada pelas aludidas conclusões, é apenas a de aferir se o crédito do reclamante deverá ser graduado à frente do crédito dos trabalhadores, relativamente aos bens móveis sobre que incide o penhor.
Considerando a decisão posta em crise no recurso em apreço, importa analisar a questão trazida à apreciação deste Tribunal, considerando que:
O Administrador da Insolvência veio juntar as listas a que alude o artigo 129.º do CIRE.
• O credor N... veio impugnar parcialmente a lista de créditos, no que concerne ao não reconhecimento do seu crédito, no montante de € 123.752,07 como garantido por penhor sobre depósito bancário e penhores de seguros PPR/E.
• O Administrador de Insolvência não respondeu à impugnação no prazo referido no artigo 131º, n.º 3, do CIRE.
• A sentença recorrida julgou procedente aquela impugnação e reconheceu os créditos nos termos impugnados.
Apreciemos, então, se os créditos do Recorrente, garantidos por penhor sobre depósito bancário e sobre seguros PPR/E prevalecem sobre os créditos dos trabalhadores, como aquele pretende.
Nos termos do Artigo 47.º do CIRE, com a epígrafe «Conceito de credores da insolvência e classes de créditos sobre a insolvência»:
«1 - Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade e domicílio.
2 - Os créditos referidos no número anterior, bem como os que lhes sejam equiparados, e as dívidas que lhes correspondem, são neste Código denominados, respectivamente, créditos sobre a insolvência e dívidas da insolvência.
3 - São equiparados aos titulares de créditos sobre a insolvência à data da declaração da insolvência aqueles que mostrem tê-los adquirido no decorrer do processo.
4 - Para efeitos deste Código, os créditos sobre a insolvência são:
a) 'Garantidos' e 'privilegiados' os créditos que beneficiem, respectivamente, de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais, e de privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor dos bens objecto das garantias ou dos privilégios gerais, tendo em conta as eventuais onerações prevalecentes;
b) 'Subordinados' os créditos enumerados no artigo seguinte, excepto quando beneficiem de privilégios creditórios, gerais ou especiais, ou de hipotecas legais, que não se extingam por efeito da declaração de insolvência;
c) 'Comuns' os demais créditos.»
Por seu turno, nos termos preceituados pelo artigo 128.º do mesmo diploma, podem os credores proceder à reclamação dos seus créditos dentro do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência.
Apresentadas estas, havendo que proceder à graduação dos créditos, a mesma, nos
termos do artigo 140º, nº 2 do CIRE «(...) é geral para os bens da massa insolvente e é especial para os bens a que respeitem direitos reais de garantia e privilégios creditórios».
No caso temos, por um lado, crédito garantido por penhor sobre depósitos bancários e sobre seguros PPR/E e créditos de trabalhadores.
Dispõe o Artigo 666.º do CC que «1. O penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não susceptíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro.»
«Os privilégios mobiliários são gerais, se abrangem o valor de todos os bens móveis existentes no património do devedor à data da penhora ou de acto equivalente; são especiais, quando compreendem só o valor de determinados bens móveis» (artigo 735º, nº 2, CC).
O crédito do recorrente está, assim, garantido por privilégio mobiliário especial e, assim, beneficia da faculdade que a lei lhe confere, em atenção à causa do crédito, de ser pago com preferência a outros relativamente ao valor de determinados bens móveis, aqueles sobre que incide o penhor.
Por seu turno, nos termos do Artigo 333.º do Código do Trabalho, com a epígrafe
«Privilégios creditórios»:
«1 - Os créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação gozam dos seguintes privilégios creditórios:
a) Privilégio mobiliário geral;
b) Privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade.
2 - A graduação dos créditos faz-se pela ordem seguinte:
a) O crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes de crédito referido no n.° 1 do artigo 747.º do Código Civil;
b) O crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes de crédito referido no artigo 748.° do Código Civil e de crédito relativo a contribuição para a segurança social.»
Dispõe quanto a estes créditos laborais o Artigo 737.º do CC, nos seguintes termos:
«1. Gozam de privilégio geral sobre os móveis: (...)
d) Os créditos emergentes do contrato de trabalho, ou da violação ou cessação deste contrato, pertencentes ao trabalhador e relativos aos últimos seis meses.»
Temos, assim, por um lado créditos com privilégio mobiliário especial, o do Recorrente, por via do penhor; E créditos laborais, com privilégio mobiliário geral.
Ora, «1 - O privilégio geral não vale contra terceiros, titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente.», como preceitua o Artigo 749.º do CC.
Nesta medida, a preferência cabe ao penhor.
Assim, no concurso entre créditos laborais garantidos por privilégio mobiliário geral e créditos garantidos por penhor, que constituem créditos com privilégio mobiliário especial, estes preferem no pagamento por força do disposto nos artigos 666º e artigo 749º do CC.
«Na verdade é comummemte aceite que os privilégios mobiliários gerais não constituem verdadeiros direitos reais de garantia pois que não incidem sobre coisa certa e determinada, como é da natureza do direito real de garantia (de gozo, de aquisição ou de preferência) e, consequentemente, não conferem ao respectivo titular direito de sequela sobre os bens em que recaiam.
Assim, eles assumem-se como meros direitos de prioridade que apenas têm algo de parecido com a eficácia própria dos direitos reais na medida em que prevalecem contra os credores comuns na execução do património do devedor.
Numa outra perspectiva, pode dizer-se que enquanto uma garantia real constitui um direito subjectivo pois que concede autorização legal de aproveitamento de um bem para efeito de assegurar o cumprimento da obrigação, os privilégios gerais são um mero esquema de beneficiação do credor, em termos de responsabilidade patrimonial, não constituindo um direito subjectivo.
Destarte e, ao contrário do que sucede com o privilégios especiais, os quais, nos termos do art.750°do CC são susceptíveis de prevalecer sobre o direito de terceiro garantido por uma causa de preferência, os privilégios gerais não são, ex vi do art.749° C. Civ., oponíveis a outros direitos reais, como é o caso do penhor-neste sentido cfr. Acs. do STJ de 22.06.2005, •in dgsi.pt, p. 0581511 citando Menezes Cordeiro in Direito das Obrigações, pág. 498 e Orlando de Carvalho in Direitos das Coisas, 1977, pág. 220, 221 e 370; de 30.05.2006 p. 06A1449; de 08.06.2006, p. 068998; de 11.10.2007, p. 0783427; de 25.03.2009, p. 0882642 e de 10.12.2009, p.864/07.7TBMGR-l.C1.S1, no qual se cita vasta jurisprudência e doutrina.»
O crédito garantido por penhor, que incide sobre os bens empenhados e relativamente aos quais se verifica sequela, prevalece assim, relativamente ao pagamento por estes bens, sobre os créditos dos trabalhadores, com privilégios creditórios gerais, os quais não incidem sobre nenhum bem em particular, atribuindo apenas uma prioridade de pagamento em termos gerais.
Procede, consequentemente, a apelação.
DECISÃO
Em face do exposto, revoga-se a decisão recorrida, julgando-se procedente a apelação, em consequência do que a graduação se fará da seguinte forma:
a) 0 crédito reclamado pelo N..., SA, no valor de € 123.752,07, garantido por penhor sobre aqueles bens sobre que incide a garantia;
b) O crédito reclamado pelos trabalhadores;
c) Os créditos comuns.
Sem custas.
Lisboa, 16.01.2018
Carla Câmara;
Higina Castelo;
José António Capacete
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