Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Cível
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 - ACRL de 30-01-2018   Incidente de qualificação da insolvência. Parecer do AI.
No incidente de qualificação da insolvência, o parecer do AI é um elemento determinante na decisão do incidente, sendo a sua apresentação uma obrigação, funcional, daquele.
Atenta tal obrigatoriedade, nada obsta a que, não apresentando o AI o parecer, o juiz determine, expressamente, a sua apresentação, ao abrigo do disposto no art. 11º do CIRE.
Por maioria de razão, mesmo tardio, não pode o referido parecer deixar de ser ponderado.
Nos termos do n° 5 do art. 232º do CIRE, encerrado o processo de insolvência, nos casos em que tenha sido aberto incidente de qualificação da insolvência, este prossegue os seus termos como incidente limitado, ou seja, contínua (mantendo-se o já processado como incidente pleno), mas passa a ser tramitado nos termos previstos para o incidente limitado.
Enquanto no caso do n.º 2 do art. 186º do CIRE a verificação dos factos aí taxativamente previstos implica necessariamente a qualificação da insolvência como culposa, no caso do 3 apenas faz presumir a culpa grave dos administradores.
A noção de administrador acolhida na al. a) do n.º 1 do art. 6.º do CIRE corresponde, grosso modo, à de que “administradores são pessoas que têm a seu cargo a condução geral de um determinado património“, quer por estarem legal ou voluntariamente investidos no exercício da administração, quer porque a desempenham de facto, nomeadamente quando o fazem com carácter de permanência, mesmo que falte, para tanto, o apoio em determinação legal ou em acto voluntário do titular do património a gerir.
A inibição prevista na al. c) do n° 2 do art. 189° do CIRE não padece de inconstitucionalidade.
Proc. 1446/15.5T8LSB-C.L1 7ª Secção
Desembargadores:  Cristina Coelho - Luís Filipe Pires de Sousa - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Proc. n° 1446/15.5T8LSB-C.L1 - Apelação
Recorrente: BM...
Recorrido: OCP...,SA

Acordam na 7º Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
RELATÓRIO
Em 16.01.2015, AJ...Lda. veio apresentar-se à insolvência, tendo sido proferida sentença, em 25.03.2015, que declarou insolvente a requerente, designou o dia para realização da assembleia de apreciação do relatório, nada determinando quanto à abertura do incidente de qualificação da insolvência (fls. 95 e ss. do processo principal).
A Assembleia de apreciação do relatório foi iniciada no dia designado, mas por força de várias vicissitudes foi sucessivamente adiada, vindo a concluir-se no dia 4.05.2016, com a aprovação do relatório apresentado pelo AI (fls. 135, 328, 339 e 633 do processo principal).
Na referida data foi, ainda, ordenada a comunicação a que alude o n° 3 do art. 65° do CIRE , e a notificação dos credores para, querendo, se pronunciarem nos termos do n° 2 do art. 232° com vista ao encerramento por insuficiência da massa insolvente.
Em 19.05.2016, por apenso aos autos de insolvência veio a credora OCP,SA requerer a abertura do presente incidente pleno de qualificação da insolvência, pedindo, a final, que se qualifique a insolvência como culposa, identificando-se como pessoa afectada por essa qualificação BM..., e se condene este a indemnizar os credores da insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respectivo património.
Em 25.05.2016, foi proferido despacho a declarar aberto o incidente de qualificação e a ordenar as legais publicações e notificação do AI nos termos do disposto no n° 3 do art. 188° do CIRE.
Em 15.06.2016, foi proferido o seguinte despacho: Não foram apreendidos quaisquer bens para a massa insolvente porque apesar das diligências realizadas não se apurou a existência de bens de valor superior a €5.000,00. O Administrador da Insolvência pronunciou-se pelo encerramento do processo por insuficiência de bens e os credores não se opuseram - cfr. artigo 232°, n° 2 do CIRE. Pelo exposto, determino o encerramento do processo ao abrigo do disposto nos artigos 230°, 1. d) do CIRE, com os efeitos previstos no artigo 233°, n° 1, als. a) e b) e n° 2 do CIRE. Encerrado o processo de insolvência por insuficiência da massa, o incidente de qualificação da insolvência aberto prossegue os seus termos como incidente limitado - cfr. artigo 232°, n° 5 do CIRE. Notifique e publicite - artigo 230°, n° 2 do CIRE (fls. 636 do processo principal).
Em 20.06.2016, o SR.AI...veio requerer a abertura do apenso de qualificação da insolvência, juntando para o efeito o seu Relatório onde consta o seu parecer, juntando Relatório (artigo 188° CIRE), no qual se pronuncia no sentido da insolvência ser qualificada como culposa em virtude da presunção inilidível prevista no n° 2 do art. 186° do CIRE em que deverá ser qualificado como tal BM... (fls. 25/28).
Dada vista ao MP, em 27.06.2016, o mesmo pronunciou-se sufragando o parecer do SR.AI...(fls. 29/30).
Foi ordenada a notificação da devedora e a citação de BM..., que nada disseram.
Em 23.09.2016, o AI veio requerer que se profira despacho de encerramento dos autos por insuficiência da massa (fls. 652 do processo principal).
Em 4.10.2016, foi proferido o seguinte despacho: Não foram apreendidos quaisquer bens para a massa insolvente porque apesar das diligências realizadas não existem bens a apreender. O administrador da insolvência pronunciou-se pelo encerramento do processo por insuficiência de bens e os credores não se opuseram - cfr. artigo 232°, n° 2 do CIRE. Pelo exposto, determino o encerramento do processo ao abrigo do disposto nos artigos 230°, 1. d) do CIRE, com os efeitos previstos no artigo 233°, n° 1, als. a) e b) e n° 2 do CIRE. Notifique e publicite - artigo 230°, n° 2 do CIRE . Consigna-se que o incidente de qualificação prossegue como limitado, nos termos dos arts. 232°, n° 5 e 191° do CIRE. (fls. 654 do processo principal).
Foi proferido despacho a sanear o processo, a fixar o objecto do litígio e os temas da prova.
Procedeu-se a audiência de julgamento, na qual (na sessão do dia 17.01.2017 - fls.70-73):
- o mandatário da insolvente invocou a extemporaneidade do requerimento da OCP, de 19.05.2016, que deu início ao presente apenso, tendo em conta o disposto no art. 191, n° 1, al. a) do CIRE e a data em que foi proferida a sentença que declarou a insolvência da devedora, 25.03.2015, o que determina a nulidade de todo o processado; invocou, também, a extemporaneidade/intempestividade do parecer do AI de 20.06.2016, tendo em conta o disposto no referido artigo e a data em que foi proferido o despacho que determinou o prosseguimento do incidente como limitado, 4.10.2016, o que determina a nulidade de todo o processado.
- foi proferido o seguinte despacho: Sem prejuízo de posteriormente nos pronunciarmos quanto às demais nulidades agora arguidas, desde já, por manifestamente carecer de fundamento legal, se indefere a suscitada questão prévia da extemporaneidade da abertura do presente incidente, questão que se apreciou no despacho que declarou aberto o incidente datado de 25.5.2016. Efectivamente, como já se havia afirmado, em assembleia de apreciação do relatório, tendo esta ocorrido em várias sessões devido às contingências patentes nos autos, que obrigaram a prestação de vários esclarecimentos e até à substituição do Administrador da Insolvência nomeado, o prazo previsto no art. 188° do CIRE iniciou-se com a última sessão da assembleia que teve lugar no dia 4.05.2016. Deste modo o requerimento da credora que deu entrada em 19.05.2016 estava em tempo, sendo o parecer do Sr. Administrador da Insolvência apresentado na decorrência da abertura do incidente e nos termos e após ter sido notificado do disposto no art. 188°, n° 3 do CIRE. Pelo exposto, por carecer de fundamento legal indefere-se o requerido. Notifique.
Oportunamente foi proferida sentença que, nos termos do disposto nos arts. 186°, n° 1 e 2, alínea b) e 189° n°s 1 e 2 do CIRE, qualificou como culposa a insolvência de AJ… UNIPESSOAL Lda, e, em consequência: a) Declarou afectado pela qualificação BM...; b) Declarou BM... inibido, pelo período de dois anos, para o exercício do comércio, e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa; c) Condenou BM... a indemnizar os credores no montante dos créditos não satisfeitos nos autos, até às forças do respectivo património, sendo o valor da indemnização devido, de acordo com os créditos reconhecidos, de: - €15.144,84 à Caixa Económica Montepio Geral; - €2.091,59 ao Instituto da Segurança Social, I.P. Centro Distrital de Setúbal; - €5.973,11 à Fazenda Nacional por dívidas ao Estado, IRC,IRS, IVA; - €3.172 559,53, à OCP...,SA.
Não se conformando com esta decisão, apelou BM..., tendo no final das respectivas alegações formulado as seguintes conclusões, que se reproduzem:
1. Nos presentes autos de insolvência, apensão de qualificação de insolvência, foi requerida não apenas a qualificação da insolvência como culposa mas igualmente requerida a afectação do recorrente
II. Importando para tanto, sublinhar-se a nulidade da mesma
Atente-se que
III. O ora recorrente efectuou, em sede de audiência, requerimento ditado em acta, requerendo o conhecimento oficioso da extemporaneidade do requerimento que originou o presente apenso
IV. O requerimento apresentado pela credora OCP data de 19.05.2016
V. Dispõe o art.° 188° CIRE o prazo de 20 dias para abertura de tal incidente
VI. Tendo o mesmo declarado aberto a 27.05.2016, terminando o prazo de 20 dias a 16.06.2016
VII. O parecer do SR.AI...data de 20.06.2016, sendo manifestamente extemporâneo, importando para tanto, a caducidade do exercício de tal direito e
VIII. Consequentemente, o desentranhamento dos autos de tal requerimento,
IX. Obstando a que o mesmo possa sequer ser atendido em ulterior tramitação processual Ainda assim diga-se que
X. Foi declarado que o incidente da qualificação prosseguiria como limitado, nos termos do 232°, n°5 e 191°, CIRE, em conclusão datada de 04.10.2016
XI. Dispõe o n.° 1 do art.° 191° CIRE o prazo de 45 dias para o AI ou outro interessado, alegar o que tiver por conveniente, contados desde a data de encerramento referido no 232°, sendo quando aplicável, o prazo de 15 dias para apresentação do parecer do Sr. AI…
XII. A data de declaração de insolvência é de 23.03.2015, sendo que nestes termos, o prazo
para o Sr. AI, ou outro interessado, alegar o que tivesse por conveniente, terminaria a 07. 05.2015
XIII. O parecer do Exmo. SR.AI... data de 20.06.2016 e a alegação da credora OCP de
19.05.2016, importando a intempestividade de ambas as peças processuais
Mais acresce que
XIV. A data da decisão de encerramento a que alude o 232° CIRE é 04.10.2016 terminando o prazo de 45 dias a 18.11.2016, ergo
XV. São igualmente, assim, extemporâneos os supra mencionados requerimentos do SR.AI...e da credora OCP.
XVI. Por outro lado, não podem ser considerados validamente apresentados, porquanto inexiste qualquer acto processual, por parte de ambos, que determine que se daria por reproduzido o quanto teria sido já apresentado aos autos, dispondo o art. 191.° CIRE que o prazo para apresentação de quaisquer alegações tidas por convenientes, após decisão de encerramento é de 45 dias
XVII. Sendo forçosamente líquido, s.d.r., o entendimento que o presente incidente não pode ser processado posteriormente por manifesta falta de legitimidade e impulso processual.
XVIII. Quanto ao tudo alegado e requerido, em requerimento datado para a acta, indicou o Tribunal a quo que se pronunciaria em sede de sentença, o que em boa verdade, não se verificou, inexistindo qualquer pronúncia concernentes às excepções de intempestividade invocadas
XIX. Importando a nulidade da sentença, nos termos do art° 615°, n.° 1, al. d) CPC, como ensina o Prof. Castro Mendes (in Direito Processual Civil, Vol. III, pg. 308), uma sentença nula não contém tudo o que devia, ou contém mais do que devia visto
XX. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre as excepções invocadas, ditadas para a acta, por intempestividade, dos requerimentos apresentados, enformando o apenso em crise
XXI. Devendo o mesmo ser desentranhados dos autos, obstando à ulterior tramitação do presente incidente
Importa ainda conhecer que
XXII. Veio alegar o SR.AI... que a insolvente explorava o estabelecimento de farmácia FP..., declarada insolvente no processo 8356/12.6T2SNT, tendo o SR.AI... dos referidos autos, procedido à resolução em beneficio da massa insolvente dos contratos de trespasse, permitindo à aqui insolvente, a prossecução da sua actividade objecto social
XXIII. A resolução, equiparada nos seus efeitos jurídicos, à nulidade ou anulabilidade, é dotada de efeitos retroactivos de onde resulta que
XXIV. Em bom rigor, a razão de insolvência da sociedade devedora não pode ser imputada ao recorrente e para tanto, muito menos, ser o mesmo afectado na insolvência culposa como resulta da sentença
XXV. A sociedade insolvente foi constituída efectivamente em 05.09.2011, sendo o seu único accionista, e para tanto gerente único, NM…
XXVI. Inexistindo como se sabe a figura de Administrador na sociedade por quotas, e muito menos ser essa putativa figura concretizada no aqui recorrente
XXVII. Mais refere a douta sentença que Na verdade, perante a factualidade provada podemos mesmo concluir que a sociedade AJ…, Lde já nasceu insolvente e sem qualquer possibilidade de recuperação ora,
XXVIII. Se já nasceu insolvente, não poderia ser um terceiro a levar a sociedade a uma realidade já existente
XXIX. Ainda que se concebesse, sem conceder que pode apenas ser afectado pelo incidente, o gerente que tenha conduzido a sociedade à insolvência, tão pouco poderá este argumento colher frutos junto de tal afectação ao recorrente visto que
XXX. Sublinhe-se, o recorrente não é, nem tão pouco foi, gerente da sociedade, cfr. certidão junta aos autos,
XXXI. Tendo agido na qualidade de mandatário, por procuração, em representação da sociedade, dotada de personalidade jurídica, sendo os efeitos reproduzidos na esfera jurídica da mandante
XXXII. Não sendo outro entendimento possível, que não o da impossibilidade de imputação do art.° 186°, n.° 2, al. b) CIRE ao recorrente, excluindo a sua responsabilidade
XXXIII. Não obstante, não pode ser olvidado o facto do recorrente, pelo comportamento por si assumido, ser crente na solvabilidade e recuperação económica da mesma, já que
XXXIV. Ainda que não detivesse a exploração dos ditos estabelecimentos, cumpriu os compromissos assumidos, resultado de dívidas anteriores, nunca por si geradas
XXXV. Ainda assim, o douto Tribunal a quo deu como provado a resolução dos contratos, 8 dias após a assinatura destes, o que se estranha visto os mesmos nunca terem estado em vigor, ergo não existindo
XXXVI. Propugna-se porquanto, pela revogação da douta sentença no que a tanto concerne Ademais,
XXXVII. Entendeu o douto Tribunal a quo, o que se transcreve nos termos dos art.°s 186.°, n°1 e 2°, alínea b) e 189.° n°s 1 e 2 do Código Da Insolvência e Recuperação de Empresas, o tribunal qualifica como culposa a insolvência de AJ…, LDA. (...) e em consequência: a) Declara afectado pela qualificação BM...; b) Declara BM… inibido, pelo período de dois anos, para o exercício do comércio, e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa; (...)
XXXVIII. O que não poderá colher, num verdadeiro Estado de Direito, procedência
XXXIX. Ainda que concebendo, sem conceder, a responsabilidade do recorrente que o douto Tribunal a quo lhe quis imputar
Atente-se e sublinhe-se que
XL. A sentença de impedimento nos termos dos art.°s (...) e 189.° n.° 1 e 2 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (...) pelo período de dois anos, para o exercício do comércio, e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa; (...) é ferida de inconstitucionalidade por ofensa ao artigo 26.°, conjugado com o artigo 18.° da CRP, no segmento em que consagra o direito à capacidade civil
XLI. Na verdade, no mesmo sentido já tinha sido decidido «julgar inconstitucional a norma do artigo 189.°, n.° 2, alínea b), do mesmo diploma [Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas], por ofensa ao artigo 26.0, conjugado com o artigo 18.° da Constituição da República, no segmento em que consagra o direito à capacidade civil» no Acórdão 564/2007 do douto Tribunal Constitucional, e na mesma esteira o Acórdão 564/2007
XLII. Concordantes com este entendimento, vide Acórdãos n.°s 570/2008, 571/2008 e 584/2008 e bem assim, as decisões sumárias n.°s 267/2008, 323/2008, 376/2008, 417/2008 e 425/2008, todos do douto TC
XLIII. Acresce ainda a decisão sumária n.° 615/2007 TC, julgou inconstitucional a mesma norma «quando aplicada a administrador de sociedade comercial declarada insolvente».
XLIV. Sendo certo ainda que os Acórdãos n.°s 581/2008 e 582/2008, tal como as decisões sumárias n.°s 288/2008, 321/2008, 371/2008 e 421/2008 decidiram pela inconstitucionalidade desse mesmo preceito «na parte em que impõe que o juiz, na sentença, decrete a inabilitação do administrador da sociedade comercial declarada insolvente».
XLV. Aliás, tal como nos ensina o Professor Carvalho Fernandes, cfr. A qualificação da insolvência e a administração da massa insolvente pelo devedor, Themis, ed. esp., 2005, p. 97 «De facto, a inabilitação a que a insolvência pode conduzir só pode ser a correspondente ao instituto jurídico civilístico com essa designação, previsto nos artigos 152.° e seguintes do Código Civil Tratando-se nestes termos, de uma situação de incapacidade de agir negocialmente, traduzindo a inaptidão para, por acto exclusivo, praticar actos de disposição de bens entre vivos e todos os que, em atenção às circunstâncias de cada caso, forem especificados na sentença
Aliás, acresce
XLVI. Além do disposto no n.° 4 do artigo 26.° da CRP, as restrições à capacidade civil, incluindo a capacidade de agir, só são legítimas quando os seus motivos forem pertinentes e relevantes sob o ponto de vista da capacidade da pessoa, não podendo também a restrição servir de pena ou de efeito de pena, neste sentido Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4. ed., Coimbra, 2007, p. 465
XLVII. De facto, a sentença proferida, fundamentada na alínea b) do n.° 2 do artigo 189.° do CIRE e da qual se recorre, só pode ser entendida num alcance punitivo, traduzindo-se numa verdadeira pena para o alegado comportamento ilícito e culposo do sujeito atingido
XLVIII. O que não se pode aceitar, nem se aceita
XLIX. Porquanto atribuindo ao ora recorrente uma verdadeira capitis diminutio, perdendo a legitimidade para a livre gestão dos seus bens, mesmo os não apreendidos ou apreensíveis para os fins da execução, situação que se pode prolongar para além do encerramento do processo [artigo 233.°, n.° 1, alínea a)]
O que ainda que se concebesse, sem conceder,
L. Atendendo na sua globalidade, os efeitos da insolvência, in casu, a decisão de inibição para o exercício do comércio, não pode deixar de ser considerada inadequada e excessiva.
LI. Violando porquanto o Princípio da Proporcionalidade
Não bastasse todo o supra referido,
LII. Decretou o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.° 173/2009 a inconstitucionalidade material da mesma norma, com força obrigatória geral, cfr. decisão que se transcreve o Tribunal Constitucional acorda em declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do artigo 189.°, n.° 2, alínea b), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-lei 53/2004, de 18 de Março, por violação dos artigos 26.° e 18.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa, na medida em que impõe que o juiz, na sentença que qualifique a insolvência como culposa, decrete a inabilitação do administrador da sociedade comercial declarada insolvente
LIII. Devendo porquanto e para tanto, ser revogada a decisão proferida pelo douto Tribunal a quo.
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida.
O MP contra-alegou, propugnando pela manutenção da sentença recorrida.
OUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do recorrente (arts. 635°, n° 4 e 639°, n° 1 do CPC) as questões a decidir são:
a) da nulidade da sentença por omissão de pronúncia; da nulidade processual.
b) da errónea subsunção dos factos ao direito.
Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:
1 – AJ…, Lda, pessoa colectiva n° 509 890 148, com sede na Rua …, Seixal, Arrentela e Aldeia Paio Pires, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Almada sob o mesmo número, constituída em 05.09.2011, foi declarada insolvente por sentença de 25.03.2015, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Almada sob o mesmo número, foi declarada insolvente por sentença de 25.03.2015, transitada em julgado.
2 - Tem por objecto social a exploração de farmácia.
3 - A insolvente encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial desde 05.09.2011, constando como sócios MI…, Limited.
4 - A declaração de insolvência foi requerida pela sociedade em 16.02.2015 intervindo como procurador da sociedade BL… .
5- Não foram apreendidos quaisquer bens para a massa insolvente porquanto das diligências realizadas pelo Administrador de Insolvência não foram encontrados quaisquer bens tendo o processo sido encerrado por insuficiência da massa, decisão de 15.06.2016 publicitada em 08.08.2016.
6 - Foram reclamados e reconhecidos os seguintes créditos sobre a insolvência: -BM... - valor €15.000,00- natureza subordinado;
-CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL- Saldo em dívida da conta D.O. e juros
valor €15.144,84 - natureza comum;
-Instituto da Segurança Social, I.P. Centro Distrital de Setúbal- Contribuições devidas e juros - valor €2.091,59- natureza privilegiado;
-MINISTÉRIO PÚBLICO - Dívidas ao Estado, IRC, IRS, IVA, juros e custas - valor £5.973,11 - comum;
-OCP...,SA.- Fornecimento de produtos do seu comércio - valor €3.172 559,53 - €3.150 880,48 comum e €21.678,95 subordinado.
Total dos créditos: €3.210 768,97.
7 - Por documento escrito datado de 20 de Outubro de 2011, a Insolvente declarou celebrar com a sociedade IS…, CM...Lda. um contrato de cessão de exploração comercial do estabelecimento de Farmácia denominado Farmácia AD…, instalado no …, em Lisboa, com o Alvará n.°… - documento constante de fls. 182 a 204 cujo teor se dá por reproduzido;
8 - Mais declarou ser a cessão de exploração feita por cinco anos, tendo o seu início em 10 de Outubro de 2011 e o seu termo em 20 de Outubro de 2016 (Cláusula Quarta), e pagar a Insolvente à cedente o montante de € 125.000,00 (mais € 11.280,00 mensais) em contrapartida da atribuição do direito de preferência na futura venda do estabelecimento de Farmácia ADs (Cláusula oitava).
9 - Por documento escrito datado de 26 de Outubro de 2011, OCP…, S.A, AJ UNIPESSOAL Lda, IS…, CM…. Unipessoal, Lda., BM... e CS..., declaram celebrar um contrato denominado de pagamento de dívida e de fornecimento mediante o qual reconhecem ter IS, Unipessoal, Lda. perante a OCP…, SA a dívida no valor global de €1.296.516,58, a qual é assumida pela insolvente que solicitou o pagamento em prestações e solidariamente pelos quartos contraentes - documento de fls. 163 a 180 cujo teor se dá por reproduzido.
10 - Na mesma data OCP...,SA, AJ...Lda, IS, CM...Lda., declararam celebrar um contrato de penhor mercantil mediante o qual para garantia da referida dívida constituíram penhor sobre a farmácia (documento de fls. 205 a 216 cujo teor se dá por reproduzido).
11- No dia 20 de Outubro de 2011 deu entrada no Infarmed - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P., um pedido de averbamento de cessão de exploração da Farmácia AD... a favor da insolvente AJ…, no entanto, não foi efectuado o averbamento porque o pedido não se encontrava devidamente instruído, nem foi efectuado o devido pagamento de taxa.
12- Por documento escrito datado de 28 de Outubro de 2011, IS, CM...Lda. e a insolvente declararam acordar na Resolução do Contrato de Cessão de Exploração Comercial de Estabelecimento de Farmácia descrito em 7. e 8., declarando que o contrato de cessão não chegou a produzir qualquer efeito jurídico não tendo sido efectuado qualquer pagamento (documento de fls. 333 cujo teor se dá por reproduzido).
13 - Nesse acordo interveio, em representação da Insolvente e em representação da sociedade IS, CM...Lda; BM....
14 - Por documento escrito datado de 20 de Outubro de 2011, a Insolvente declarou celebrar com a sociedade Complexo Farmacêutico GJ, SA. um contrato de cessão de exploração comercial do estabelecimento de Farmácia denominado FI, instalado na Av. …, em Lisboa, com o Alvará n.° …- documento constante de fls. 293 a 299 cujo teor se dá por reproduzido
15 - Mais declarou ser a cessão de exploração feita por cinco anos, tendo o seu início em 10 de Outubro de 2011 e o seu termo em 20 de Outubro de 2016 (Cláusula Quarta), e pagar a Insolvente à cedente o montante de € 125.000,00 (mais € 11.280,00 mensais) em contrapartida da atribuição do direito de preferência na futura venda do estabelecimento da Farmácia I... (Cláusula oitava);
16 - No dia 20 de Outubro de 2011 deu entrada no Infarmed - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P., um pedido de averbamento de cessão de exploração da FI… a favor da insolvente AJ, no entanto, não foi efectuado o averbamento porque o pedido não se encontrava devidamente instruído, nem foi efectuado o devido pagamento de taxa.
17- A propriedade da FI encontra-se averbada a favor da sociedade Complexo Farmacéutico GJ, SA constando como seu administrador único BM...;
18- Por documento escrito datado de 28 de Outubro de 2011, Complexo Farmacêutico da GJ, SA e a insolvente declararam acordar na Resolução do Contrato de Cessão de Exploração Comercial de Estabelecimento de Farmácia descrito em 14 e 15., declarando que o contrato de cessão não chegou a produzir qualquer efeito jurídico não tendo sido efectuado qualquer pagamento (documento de fls. 334 cujo teor se dá por reproduzido);
19 - Por documento escrito datado de 20 de Outubro de 2011, a Insolvente declarou celebrar com a sociedade AG..., Lda. um contrato de cessão de exploração comercial do estabelecimento de Farmácia denominado FP..., instalado na Av. …, LJB, no Tagus Park - Parque de Ciência Tecnológica, em Barcarena, com o Alvará n.° … - documento constante de fls. 236 a 251 cujo teor se dá por reproduzido;
20 - Mais declarou ser a cessão de exploração feita por cinco anos, tendo o seu início em 10 de Outubro de 2011 e o seu termo em 20 de Outubro de 2016 (Cláusula Quarta), e pagar a Insolvente à cedente o montante de 125.000,00 (mais € 11.280,00 mensais) em contrapartida da atribuição do direito de preferência na futura venda do estabelecimento de Farmácia P...;
21 - No dia 20 de Outubro de 2011 deu entrada no Infarmed - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P., um pedido de averbamento de cessão de exploração da Farmácia P... a favor da insolvente AJ…, no entanto, não foi efectuado o averbamento porque o pedido não se encontrava devidamente instruído, nem foi efectuado o devido pagamento de taxa.
22- Por documento escrito datado de 28 de Outubro de 2011, AG..., Lda. e a insolvente declararam acordar na Resolução do Contrato de Cessão de Exploração Comercial de Estabelecimento de Farmácia descrito em 19 e 20, declarando que o contrato de cessão não chegou a produzir qualquer efeito jurídico não tendo sido efectuado qualquer pagamento (documento de fls. 335 cujo teor se dá por reproduzido).
23- Em todos documentos em que foi declarada a resolução, em representação de todas as partes interveio apenas BM....
24- Por documento datado de 31 de Dezembro de 2012, denominado aditamento ao contrato de pagamento de dívida e de fornecimento a insolvente AJ, Lda, Complexo Farmacêutico GJ, SA., BL...e CL..., todos representados por BL…, e a OCP Portugal, SA, declararam acordar em alterar os termos do pagamento da dívida à OCP, Portugal, SA - documento de fls.73 a 82 cujo teor se dá por reproduzido.
25- Por carta, datada de 25 de Fevereiro de 2014, BM... na qualidade de procurador da insolvente AJ, Lda, e de administrador da Complexo Farmacêutico GJ, SA, solicita à OCP Portugal, o pagamento em prestações dos valores constantes do extracto de movimentos propondo que o pagamento das prestações seja efectuado pela cessão pela AJ, Lda à OCP dos créditos mensais emergentes da comparticipação no preço dos medicamentos vendidos pela FI - documento de fls. 90 vs. a 96 cujo teor se dá por reproduzido.
26- Por carta, datada de 24 de Fevereiro de 2014, BM... na qualidade procurador da insolvente AJ, Lda, e de administrador da AG..., Lda., comunicou à F.., SA, que estas cederam à OCP...,SA para pagamento dos fornecimentos por esta efectuados à FP... (Tagus Park) a quantia mensal de €10.500,00 por um período de 15 meses e a quantia mensal de €7.500,00 a partir do 16° mês até instruções em contrário - documento de fls. 96 vs. a 99 cujo teor se dá por reproduzido.
27- Por carta, datada de 25 de Fevereiro de 2014, BM... na qualidade procurador da insolvente AJ, Lda, e de administrador da AG..., Lda., solicita à OCP Portugal, o pagamento em prestações dos valores constantes do extracto de movimentos propondo que o pagamento das prestações seja efectuado pela cessão pela AJ, Lda à OCP dos créditos mensais emergentes da comparticipação no preço dos medicamentos vendidos pela FP... (Tagus Park) - documento de fls.99 vs. a 106 cujo teor se dá por reproduzido;
28- Por força dos acordos descritos a AJ, Lda assumiu a obrigação de pagamento das dívidas anteriores de outras sociedades administradas por BM..., por fornecimentos às farmácias acima descritas.
29- A insolvente não chegou a explorar as farmácias objecto das referidas cessões.
31- Os acordos de cessão visaram o alargamento da linha crédito e manutenção do fornecimento das farmácias acima descritas pela OCP, Portugal, S.A.
32- Desde que foi constituída a AJ, Lda apenas teve como actividade a exploração do estabelecimento de farmácia designado FP... durante cerca de três ou quatro meses;
33- A Farmácia PE..., SA. foi declarada insolvente por sentença proferida em 31 de Maio de 2012, no processo n.° 8356/12.6T2SNT a correr termos na Sec. Comércio - J5 de Sintra da Comarca de Lisboa Oeste;
34- O Administrador de Insolvência da Farmácia PE..., SA., em 04 de Julho de 2012, procedeu à resolução em benefício da massa de um Contrato de Trespasse, datado de 05 de Janeiro de 2012, em que constam como contraentes a Farmácia PE...e a insolvente AJ…, e do contrato designado de Contrato Promessa de Trespasse, com Tradição e Autorização para Exploração de Estabelecimento Comercial de Farmácia, datado de 09 de Dezembro de 2011, em que também constam como contraentes a Farmácia PE...e a insolvente AJ…, ambos relativos ao estabelecimento de farmácia denominado de FP...;
35- Os fundamentos invocados para proceder à resolução dos referidos contratos foram:
1. O Contrato Definitivo é totalmente atípico, desequilibrado e claramente prejudicial para a insolvente, o que se reflecte desde logo, ao nível das obrigações principais assumidas pelas partes: (I) Por efeito da celebração do Contrato Definitivo, opera-se a transmissão imediata da propriedade da Farmácia a favor da AJ; (II) Em contrapartida, prevê-se que o preço estipulado entre as partes no valor de Eur. 2.312.720,23 seja pago nos termos seguintes: a) Valores pagos até à data do Contrato Definitivo constantes dos números 3 e 4 da Cláusula 3.a do Contrato Promessa (Cláusula 3.a n.° 2 do Contrato Definitivo); b) Eur. 76.000,00 na data do Contrato Definitivo (Cláusula 4.a, n.° 2 alínea a) do Contrato Definitivo); c) O remanescente através da entrega de valor igual a 4/prct. da facturação bruta mensal, sem IVA, da Farmácia (Cláusula 4.a, n.° 2, alínea b) do Contrato Definitivo); Em qualquer caso, estes pagamentos mensais não podem ser inferiores a Eur. 1.250,00, ainda que não sejam realizadas quaisquer vendas na Farmácia (Cláusula 4.a, n.° 3 do Contrato Definitivo).
36- Na declaração anual de IES a insolvente declarou no exercício do ano 2012 ter um activo de €241.721,21 e o passivo de €91.104,08; no exercício do ano 2013 ter um activo de €280.936,19 e o passivo de €137.710,74 (documentos de fls. 20 a 48 dos autos principais).
36- A contabilidade da insolvente estava entregue à empresa C..., Lda, sociedade por quotas, cujo objecto social compreende, nomeadamente, as actividades de registo das operações contabilísticas correntes, verificação e revisão de contas, preparação de declarações de rendimentos fiscais, consultadoria para negócios de gestão, bem como apoio prestado às empresas ou particulares, tem como sócio e gerente BM... -cfr. cópia de certidão de fls. 581 e 582.
37- A sociedade IS, CM...Lda. tem como gerente o BM... e tem como sócia única a Sociedade BM...,Lda. - certidão permanente constante dos autos.
38- A Sociedade BM...,Lda. tem como sócio-gerente BM... - certidão permanente.
39- A sociedade Complexo Farmacêutico GJ, SA. tem como accionista e administrador único BM... - certidão permanente.
40- A sociedade AG..., Lda. tem como gerente BM... e como sócio P...lda. - certidão permanente;
41- A sociedade P...lda. tem como sócio-gerente BM... - certidão permanente.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. Sustenta o apelante que a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, porquanto na sentença recorrida nada se disse quanto à invocada extemporaneidade do requerimento que deu origem ao presente apenso de qualificação de insolvência.
Dispõe o art. 615°, n° 1 do CPC que é nula a sentença quando: ... d) o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ... .
A nulidade referida está em correspondência directa com a primeira parte do n° 2 do artigo 608°, onde se impõe ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
A nulidade em causa resulta da infracção do referido dever (Alberto dos Reis, in CPC Anotado, Vol. V, pág. 142).
Na audiência de julgamento o mandatário da insolvente invocou a extemporaneidade do requerimento da credora OCP, de 19.05.2016, que deu início ao presente apenso, tendo em conta o disposto no art. 191, n° 1, al. a) e a data em que foi proferida a sentença que declarou a insolvência da devedora, 25.03.2015, ou o despacho que decretou o encerramento do processo, e invocou, também, a extemporaneidade/intempestividade do parecer do AI de 20.06.2016, tendo em conta o disposto no referido artigo e a data em que foi proferido o despacho em que determinou o prosseguimento do incidente como limitado, 4.10.2016, ambas as situações a determinar a nulidade de todo o processado.
Sobre tal requerimento foi proferido o seguinte despacho: Sem prejuízo de posteriormente nos pronunciarmos quanto às demais nulidades agora arguidas, desde já, por manifestamente carecer de fundamento legal, se indefere a suscitada questão prévia da extemporaneidade da abertura do presente incidente, questão que se apreciou no despacho que declarou aberto o incidente datado de 25.5.2016. Efectivamente, como já se havia afirmado, em assembleia de apreciação do relatório, tendo esta ocorrido em várias sessões devido às contingências patentes nos autos, que obrigaram a prestação de vários esclarecimentos e até à substituição do Administrador da Insolvência nomeado, o prazo previsto no art. 188° do CIRE iniciou-se com a última sessão da assembleia que teve lugar no dia 4.05.2016. Deste modo o requerimento da credora que deu entrada em 19.05.2016 estava em tempo, sendo o parecer do Sr. Administrador da Insolvência apresentado na decorrência da abertura do incidente e nos termos e após ter sido notificado do disposto no art. 188°, n° 3 do CIRE. Pelo exposto, por carecer de fundamento legal indefere-se o requerido. Notifique.
Na sentença recorrida, o tribunal recorrido nada disse quanto às demais nulidades arguidas em julgamento, e cujo conhecimento relegou para momento posterior.
Ocorre, pois, omissão de pronúncia sobre questão de que ao tribunal cumpria apreciar, sendo, nessa medida, nula a sentença recorrida, nos termos do artigo citado.
Dispondo os autos de todos os elementos necessários para conhecer das nulidades invocadas, que, aliás, são objecto da apelação, cumpre apreciar e decidir, nos termos do art. 665° do CPC, o que se passa a fazer.
2. AJ Unipessoal, Lda. foi declarada insolvente por sentença de 25.03.2015, devendo, pois, apreciarem-se as questões colocadas à luz do CIRE, antes das alterações nele introduzidas pelo DL. n° 79/2017, de 30.06.
Ao proferir sentença de declaração de insolvência, o juiz declara, na mesma, aberto o incidente de qualificação de insolvência, caso disponha de elementos que justifiquem a sua abertura (art. 36°, al. i).
De acordo com o disposto no n° 1 do art. 188°, Até 15 dias após a realização da assembleia de apreciação do relatório, o AI ou qualquer interessado pode alegar, fundamentadamente, por escrito, em requerimento autuado por apenso, o que tiver por conveniente para efeito de qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afectadas por tal qualificação, cabendo ao juiz conhecer dos factos alegados e, se o considerar oportuno, declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência, nos 10 dias subsequentes.
Nos termos do n° 3 do referido artigo, Declarado aberto o incidente, o administrador da insolvência, quando não tenha proposto a qualificação da insolvência como culposa nos termos do n° 1, apresenta, no prazo de 20 dias, se não for fixado prazo mais longo pelo juiz, parecer, devidamente fundamentado e documentado, sobre os factos relevantes, que termina com a formulação de uma proposta, identificando, se for caso disso, as pessoas que devem ser afectadas pela qualificação da insolvência como culposa.
O parecer e as alegações vão com vista ao MP para este se pronunciar (n° 4), seguindo-se a tramitação prevista nos n°s 5 a 8.
Com a L. 16/2012 de 20.4, o legislador alterou o regime respeitante ao incidente de qualificação da insolvência, que deixou de ser imperativamente aberto, para o ser mediante ponderação do juiz.
Como supra referido, na versão introduzida pela mencionada Lei, o incidente de qualificação da insolvência só é declarado aberto na sentença (mesmo no caso de aplicação do art. 39°), se o juiz dispuser de elementos que justifiquem tal abertura, podendo vir a ser aberto, posteriormente, nos termos do art. 188°.
No caso em apreço, o incidente não foi declarado aberto na sentença que decretou a insolvência, tendo a credora OCP Portugal Produtos Farmacêuticos vindo requerer a sua abertura, nos termos do n° 1 do art. 188°.
E fê-lo em tempo, como referiu o tribunal recorrido, uma vez que o fez (em 19.05.2016) até ao 15° dia posterior à realização da assembleia de apreciação do relatório (que se realizou no dia 4.05.2016).
Analisado o requerimento apresentado, o tribunal recorrido declarou aberto o incidente pleno de qualificação da insolvência, no dia 25.05.2016, que seguiu a sua tramitação, nomeadamente, com a notificação do AI para apresentar parecer nos termos do n° 3 do art. 188°, o que este fez.
Admitindo que o tenha feito fora de prazo, o que releva é a sua apresentação.
O parecer do administrador de insolvência é um elemento determinante na decisão do incidente de qualificação da insolvência, sendo certo, porém, que o juiz deve atender a todos os elementos constantes do processo, ainda que não referenciados pelo AI, pelo MP ou por qualquer interessado, tendo um papel activo na indagação da factualidade relevante para efeito de qualificação da insolvência, atento o princípio do inquisitório consagrado no art. 11°.
Se, nos termos do n° 1 do art. 188°, a apresentação de alegações é facultativa, já a emissão de parecer, declarado aberto o incidente, é uma obrigação, funcional, do administrador de insolvência.
Aliás, afigura-se-nos que, atenta tal obrigatoriedade, nada obsta a que, não apresentando o administrador da insolvência o parecer, o juiz determine, expressamente, a sua apresentação, ao abrigo do disposto no art. 11°, quer porque o mesmo é um elemento relevante na decisão do incidente 10, quer porque nenhum efeito cominatório se encontra imperativamente fixado na lei para a omissão de tal parecer .
Assim se entendendo (como se entende) por maioria de razão se entende, também, que, mesmo tardio, não poderá o referido parecer deixar de ser ponderado.
E não prevendo a lei qualquer consequência para o incumprimento do referido prazo, terá de se entender que o mesmo tem natureza meramente ordenadora ou disciplinadora, não tendo ocorrido qualquer preclusão de apresentação do parecer, nem qualquer ilegalidade que determinasse a sua desconsideração, como sustenta o apelante.
Por outro lado, também não lhe assiste razão quando sustenta que quer as alegações da credora, quer o parecer do AI são intempestivos, e os respectivos requerimentos extemporâneos, por força do disposto no art. 191°, tendo em conta o despacho que declarou que o incidente de qualificação prosseguiria como limitado, exigindo-se, no mínimo, que por parte daqueles tivesse havido um requerimento repristinando o quanto havia já sido oferecido nos autos.
Dispõe o n° 5 do art. 232° que Encerrado o processo de insolvência, nos casos em que tenha sido aberto incidente de qualificação da insolvência e se o mesmo ainda não estiver findo, este prossegue os seus termos como incidente limitado.
Prossegue os seus termos como incidente limitado, ou seja, contínua (mantendo-se o já processado como incidente pleno), mas passa a ser tramitado nos termos previstos para o incidente limitado.
E se é a própria lei a determinar que prossegue, carece em absoluto de sustentação qualquer interpretação no sentido de exigir ao credor que deu início ao mesmo, e/ou ao AI, que repristinem o quanto já havia sido oferecido no incidente.
Como explicam, de forma clara, Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE Anotado, 3a ed., pág. 835, O n° 5 ocupa-se dos efeitos do encerramento quanto ao incidente de qualificação da insolvência. Para boa compreensão do que nele se dispõe, importa ter presente, antes de mais, que no Capítulo em que esta norma se integra o Código só regula o encerramento do processo, quando este prossegue após a declaração de insolvência. Tem, assim, de se atender ao conteúdo da sentença declaratória da insolvência, segundo o art. 36°. Mas importa também, ter aqui presente que o incidente de qualificação da insolvência reveste duas modalidades: pleno ou limitado (cfr. arts. 188° e 191°). Ora, quando o processo vai prosseguir após a sentença que declara a insolvência, o juiz pode logo ou posteriormente, segundo o regime fixado nos arts. 36°, n° 1, al. i), e 188°, nela declarar aberto o incidente pleno de qualificação da insolvência. Em suma, verificando-se, no curso do processo, o seu encerramento por insuficiência da massa, duas hipóteses podem, então, ocorrer, em sede de incidente (pleno) de qualificação da insolvência: a) o incidente estar já terminado; b) o incidente estar ainda em curso. Na primeira hipótese, o encerramento não tem quaisquer efeitos sobre a tramitação da qualificação da insolvência. Na segunda, prevenida no preceito em anotação, o encerramento do processo não determina a cessação do incidente, mas a sua alteração quanto aos trâmites ainda não preenchidos. O incidente continua, pois, a correr, mas os trâmites em falta são os próprios do incidente limitado, segundo as especialidades do art. 191°, ... .
No caso, quando foi declarado encerrado o processo, já tinham sido apresentadas alegações e declarado aberto o incidente, não sendo caso de aplicar a parte inicial da al. a) do n° 1 do art. 191°.
Quanto à apresentação do parecer do AI, ou já teria decorrido o prazo para a sua apresentação, ou o mesmo estaria em curso, mas, atento o que supra se deixou dito, e a sua apresentação, a nova tramitação não tem consequências.
Carece, pois, de razão o apelante, tendo o incidente sido iniciado em prazo, por quem tinha legitimidade, o parecer deve ser atendido, e não carece o incidente de qualquer impulso processual da credora ou do AI após o despacho de encerramento do processo, improcedendo a apelação nesta parte.
3. Sustenta o apelante que a razão da insolvência da sociedade devedora não pode ser imputada ao recorrente, mas à resolução em benefício da massa, operada no processo em que foi declarada insolvente a sociedade FP... da Encarnação, SA, dos contratos de trespasse que permitiam à insolvente prosseguir a sua actividade objecto social.
Por outro lado, sustenta, o apelante não pode ser afectado na insolvência culposa, porquanto não era administrador, nem gerente da sociedade insolvente como referiu erradamente o tribunal recorrido, não deu origem à dívida, antes tendo procurado a solvabilidade daquela e a sua recuperação económica.
Apreciemos.
Escreveu-se na sentença recorrida, no que ora importa, que: Prevê o art. 186° n°2, alínea b) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que se considera sempre culposa, na modalidade de dolo ou culpa grave, a insolvência do devedor, que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham: «b) Criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros, causando, nomeadamente, a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com ele especialmente relacionadas; ... ». Com relevância para este efeito, apurou-se que a sociedade insolvente foi constituída em Setembro 2011 e BL...como seu administrador, em Outubro desse mesmo ano, celebrou três contratos de cessão de exploração da Farmácia AD..., da FI e da FP..., na posição de cessionária. Nessa qualidade assumiu a divida e negociou o pagamento da mesma em prestações com a OCP...,SA, divida essa que à data da reclamação de créditos ascendia ao valor global de é' 3.172 559, 53 (três milhões cento e setenta e dois mil quinhentos e cinquenta e nove euros e cinquenta e três cêntimos). Foi requerido ao Infarmed - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I. P., o averbamento ao Alvará das referidas cessões de exploração das Farmácias a favor da insolvente AJ, no entanto, não foi efectuado o averbamento porque o pedido não se encontrava devidamente instruído, nem foi efectuado o devido pagamento de taxa. Ao abrigo desta cessão foram celebrados com a OCP...,SA, em Fevereiro de 2014 aditamentos aos contratos de pagamento da dívida e negociado o pagamento da dívida pela Alegro Júpiter Unipessoal, Ld° através da cessão à OCP dos créditos mensais emergentes da comparticipação no preço dos medicamentos vendidos pela farmácia. No entanto, como se apurou e o próprio administrador admitiu, a insolvente nunca explorou nenhuma destas farmácias, nem teve qualquer activo ou outra actividade que lhe permitisse angariar meios para pagar as elevadas dividas que assumiu. A sua constituição visou unicamente a obtenção de mais crédito junto da fornecedora OCP, PORTUGAL, SA para que as farmácias pertencentes a sociedades administradas pelo mesmo gerente se mantivessem em actividade com o fornecimento de medicamentos pela credora. Aliás, o administrador da insolvente, assinou um documento datado 28.10.2011, oito dias após a assinatura dos contratos de cessão, onde afirma resolver os referidos contratos que não produziram quaisquer efeitos jurídicos não tendo sido efectuado qualquer pagamento, assumindo que os factos constantes dos mesmos não correspondem a realidade. Ainda assim continuou a negociar e assinar como sendo a insolvente a cessionária das farmácias objecto das cessões de exploração. Esta factualidade traduz evidentemente a celebração de negócios ruinosos para a insolvente, determinantes da sua situação de insolvência e em proveito das outras sociedades. Na verdade, perante a factualidade provada podemos mesmo concluir que a sociedade Alegro Júpiter, Ld° já nasceu insolvente e sem qualquer possibilidade de recuperação. A confusão existente entre as várias sociedades e o seu gerente propícia estas situações mas não podemos esquecer que cada sociedade tem personalidade jurídica distinta e tem responsabilidades perante os sócios e terceiros que são próprias, designadamente a de gerar rendimentos e meios para pagar as dívidas que assume, não podendo ser criada para servir os interesses de outras sociedades. É, assim, manifesta a verificação da previsão da alínea b) do n°2 do art. 186° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, sendo esta imputável ao requerido, por se situar no seu período de gestão, nada tendo sido apurado que permita excluir a sua responsabilidade que sempre assumiu como sendo o responsável pela administração. Como se explicita no Ac. STJ de 6/10/2011, proc. n° 46/07. «Estabelecendo, de seguida, em complemento da noção antes fixada, o seu n° 2, presunções inilidíveis, ou seja, presunções absolutas ou jure et de jure, não admitindo prova em contrário (cfr., ainda, art. 350. °, n° 2 do CC). Conduzindo, assim, necessariamente, os comportamentos dos administradores aí referidos - sem prejuízo de se dever atender às circunstâncias próprias da situação de insolvência do devedor - à qualificação da insolvência como culposa»- disponível em www dgsi.pt.. Pelo que verificados alguns dos factos do n.° 2 do artigo 186.° o juiz terá que decidir necessariamente no sentido da qualificação da insolvência como culposa pois que a lei institui presunção inelutável quer da existência de culpa grave, quer do nexo de causalidade desse comportamento para a criação ou agravamento da situação de insolvência, não admitindo a produção de prova em sentido contrário (vide Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito da insolvência, 2011, Almedina, p. 284).... Conclui-se, assim, que apenas se mostra verificada nos autos a situação prevista nas alínea b) do n° 2 do art. 186° do GIRE, imputável ao requerido BM..., atento que o mesmo, nos termos da lei, teve a responsabilidade de direito e de facto da administração no período relevante - cfr. arts. 71°, 72° e 80° do Código das Sociedades Comerciais..
Nenhuma censura nos merece o enquadramento jurídico dos factos feito pelo tribunal recorrido.
De acordo com o disposto no art. 185° a insolvência é qualificada como culposa ou fortuita, esclarecendo o artigo seguinte os casos em que deve ser qualificada como culposa.
Assim, começa o art. 186° por dar no n° 1 a noção geral de insolvência culposa, estatuindo que a insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência .
De seguida, o n° 2 indica os casos em que a insolvência é sempre considerada culposa em virtude da prática, pelos seus administradores, de certos actos, que o legislador considerou necessariamente desvantajosos para a empresa, como se refere no preâmbulo do DL. 53/2004, de 18.03, que aprovou o CIRE.
E no n° 3 consagra-se a presunção de existência de culpa grave nas situações referidas nas als. a) e b).
É marcadamente diferente, tendo consequências distintas, o estatuído no n° 2 e no n° 3 do mencionado preceito.
O n° 2 prevê situações que, a verificarem-se, impõem que se qualifique, necessariamente, a insolvência como culposa.
Verificando-se alguma ou algumas das situações previstas nas várias alíneas do n° 2, o julgador não tem a possibilidade de fazer qualquer juízo casuístico para efeitos de qualificação da insolvência, nomeadamente, não tem de apreciar se aquelas situações foram causa da insolvência ou a agravaram (o mencionado nexo causal).
Também ao insolvente ou ao administrador indicado pelo Administrador de Insolvência nos termos do art. 188°, n° 3, apenas assiste a possibilidade de demonstrar que o facto conducente à presunção da culpa não se verifica, e já não de ilidir a presunção que a lei tira da verificação de tal facto (que a insolvência é culposa).
Vem sendo entendido, na jurisprudência e na doutrina, que o n° 2 do art. 186° estabelece uma presunção iuris et de fure, insusceptível de ser ilidida.
Como se sumariou no Ac. da RL de 27.1 L2007, in CJ. Tomo V. pág. 104 e ss., no n° 2 do art. 186° do CIRE são descritas situações objectivas em que a lei impõe que, uma vez verificadas, a insolvência seja sempre considerada culposa (presunção iuris et de fure).
Mas como se referiu no Ac. do TC de 26.11.2008, publicado no DR, 2a Série, n° 9 de 14.01.2009, mais do que simples presunções inilidíveis, os factos índices referidos nas várias alíneas do preceito, consubstanciam verdadeiras situações típicas de insolvência culposa.
Verificada uma ou mais das referidas situações, o julgador, inexoravelmente, declara a insolvência como culposa
Já as situações previstas no n° 3 do mencionado preceito fazem presumir a culpa grave dos administradores da insolvente.
Em causa estão presunções juris tantum, ilidíveis mediante prova em contrário
Enquanto no caso do n° 2 a verificação dos factos aí, taxativamente, previstos implica necessariamente a qualificação da insolvência como culposa, no caso do n° 3 apenas faz presumir a culpa grave dos administradores.
Ainda que presumida a culpa grave dos administradores, tal não tem como consequência directa a qualificação da insolvência como culposa, uma vez que é necessário, ainda, que se demonstre a existência de um nexo de causalidade entre a conduta incumpridora e a situação de insolvência do devedor, ou seja, que foram as omissões previstas no n° 3 que provocaram a insolvência ou a agravaram.
Feito este enquadramento legal, aproximemos ao caso sub judice.
O tribunal recorrido concluiu que se mostrava verificada nos autos a situação prevista na al. b) do n° 2 do art. 186°, imputável ao requerido BM..., uma vez que o mesmo teve a responsabilidade de direito e de facto da administração no período relevante, e, em consequência, qualificou a insolvência como culposa, declarou afectado pela qualificação o referido BM..., declarou-o inibido por 2 anos, nos termos da al. c) do n° 2 do art. 189°, e condenou-o a indemnizar os credores do devedor, nos termos da al. e) do mesmo preceito legal.
Insurge-se o apelante contra o decidido, sustentando:
- a razão da insolvência da sociedade devedora não lhe pode ser imputada, mas à resolução em benefício da massa, operada no processo em que foi declarada insolvente a sociedade FP... da Encarnação, SA, dos contratos de trespasse que permitiam à insolvente prosseguir a sua actividade objecto social;
- não pode ser afectado na insolvência culposa, porquanto não era administrador, nem gerente da sociedade insolvente como referiu erradamente o tribunal recorrido, não deu origem à dívida, antes tendo procurado a solvabilidade daquela e a sua recuperação económica.
Como supra reproduzido, a insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.
Por outro lado, por força do disposto no n° 2 do art. 189°, na sentença que qualifica a insolvência como culposa, o juiz deve identificar as pessoas, nomeadamente administradores, de direito ou de facto, afectadas pela qualificação, fixando, sendo o caso, o respectivo grau de culpa (al. a), inibi-las para administrar patrimónios de terceiros (al. b), e/ou para o exercício do comércio ou de certos cargos sociais (al. c), determinar a perda de créditos sobre a insolvência ou massa insolvente que detenham e condenar na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos (al. d), e condená-las a indemnizar os credores do devedor no montante dos créditos não satisfeitos (al. e).
Para efeitos do CIRE, são considerados administradores aqueles a quem incumba a administração ou liquidação da entidade ou património em causa, designadamente os titulares do órgão social que para o efeito for competente (art. 6°, n° 1, al. a).
Pela sua clareza, e relevância (por sufragarmos inteiramente o referido), transcreve-se o que dizem Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE Anotado, 3 ed., págs. 99 a I01, em anotação ao referido art. 6°, não obstante a extensão: Tal como se verifica com o conceito de empresa adiantado no art. 5°, também aqui as noções de administradores e responsáveis legais, facultadas pelo preceito em anotação, apenas prevalecem para efeitos do CIRE. Não estão, por isso, em causa preocupações de rigor dogmático, mas antes objectivos de índole predominantemente pragmática. Exactamente porque formuladas para efeitos do Código, estas noções devem ser levadas em conta sempre que a lei se reporte às figuras em causa, com respeito a uma qualquer realidade envolvida num processo de insolvência. Sem o intuito de esgotar o leque de situações relevantes, referenciamos três domínios onde se manifesta o interesse dos conceitos. ... Um terceiro domínio, de enorme alcance, respeita aos efeitos da qualificação da insolvência, quer para se fixar o núcleo de pessoas cujo procedimento é apreciado, quer para, no caso de ser declarada culposa, delimitar quem deve ser atingido pelas consequências de tal qualificação C..). ... Pode dizer-se que, embora não seja ditada por intuitos científicos, a noção de administrador acolhida na al. a) corresponde, grosso modo, à que se projecta na communis opinio: administradores são pessoas que têm a seu cargo a condução geral de um determinado património. A este propósito, há duas notas a salientar. ... Por outro lado, é irrelevante, para o efeito, saber a quem cabe, em concreto, o poder de disposição, podendo ele coincidir ou não, total ou parcialmente, com a faculdade de gerir.... Normalmente, o exercício de administração cabe a quem esteja legal ou voluntariamente investido nas correspondentes funções. São essas as pessoas prioritariamente abarcadas na definição legal. Mas devem também considerar-se aqui envolvidos todos os que a desempenhem de facto, nomeadamente quando o fazem com carácter de permanência, mesmo que falte, para tanto, o apoio em determinação legal ou em acto voluntário do titular do património a gerir. Esta asserção é confirmada pelo cotejo com outros preceitos do Código, como acontece, nomeadamente, com os n°s 1 a 3 do art. 186°, já acima citado.
Ora, atenta a factualidade tida por provada nos pontos 24 a 30 da fundamentação de facto, não impugnada pelo apelante, dúvidas não subsistem que o apelante actuou como administrador, de facto, da insolvente, nos termos considerados para efeitos do CIRE, nomeadamente no período relevante (nos 3 anos anteriores ao início do processo de insolvência)
Como se pode comprovar da análise conjugada de toda a factualidade provada, e da análise da certidão permanente da insolvente junta a fls. 170 e ss., não obstante o apelante apenas tenha constado, no registo, como sócio da insolvente em Julho de 2014, desde o início da constituição da sociedade insolvente, e até à sua apresentação à insolvência, geriu o património desta, representando-a, negociando em seu nome, assumindo obrigações, exercendo, de facto, a gerência daquela, ainda que a coberto de procurações, quer assinando contratos, quer enviando cartas, conforme factos provados 9, 12, 18, 22, 24, 25, 26, e 27.
Carece, pois, de fundamento o apelante quando diz que não pode ser afectado na insolvência culposa, porquanto não era administrador, uma vez que o era, de facto.
E não se entende como sustenta que não deu origem à dívida, antes tendo procurado a solvabilidade daquela e a sua recuperação económica, face à factualidade assente nos pontos 28, 29 e 30 da fundamentação de facto, dos quais resulta que os negócios celebrados com a OCP, se revelaram ruinosos para a insolvente, e visaram beneficiar sociedades que, directa ou indirectamente, pertencem ao apelante (pontos 30 e 37 a 41 da fundamentação de facto).
Por último, cumpre referir que, da factualidade provada, nomeadamente da constante dos pontos 31 a 34, não se pode concluir que a razão da insolvência da sociedade devedora foi a resolução em benefício da massa, operada no processo em que foi declarada insolvente a sociedade FP... da Encarnação, SA, dos contratos de trespasse que permitiam à insolvente prosseguir a sua actividade objecto social, como sustenta o apelante.
Se os contratos a que alude o ponto 33 foram outorgados em 9.12.2011 e 5.1.2012, e se a insolvente apenas explorou a FP... durante cerca de 3 ou 4 meses, já antes da referida resolução em benefício da massa, ocorrida em 4.7.2012, a insolvente não estava a explorar a farmácia.
Não se podendo esquecer que os contratos referidos em 7, 12 e 14 teriam permitido à insolvente prosseguir a sua actividade objecto social, e, sem razão justificativa, foram resolvidos, 8 dias, apenas, depois de outorgados, não tendo, sequer, chegado a produzir quaisquer efeitos jurídicos.
Concluímos, pois, como o tribunal recorrido - a factualidade provada permite concluir pela verificação da situação prevista na al. b) do n° 2 do art. 186°, imputável ao requerido BM....
Improcede, também nesta parte, a apelação.
4. Por último, sustenta o apelante nas conclusões (embora nada refira nas alegações) que a sentença recorrida, ao decidir declarar o apelante inibido, pelo período de dois anos, para o exercício do comércio, e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, está ferida de inconstitucionalidade por ofensa ao art. 26°, conjugado com o art. 18° da CRP, no segmento em que consagra o direito à capacidade civil.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, o apelante labora em manifesto lapso, porquanto o tribunal recorrido, ao declarar o apelante inibido, pelo período de dois anos, para o exercício do comércio, e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, fê-lo ao abrigo do disposto na al. c) do n° 2 do art. 189°, e não da al. b) do mesmo preceito corno refere o apelante, que, aliás, foi objecto de alteração pela L. 16/2012, de 20.04, que teve em consideração o Ac. do TC n° 173/2009 , que a declarou inconstitucional na medida em que impõe que o juiz, na sentença que qualifique a insolvência como culposa, decrete a inabilitação do administrador da sociedade comercial considerada insolvente.
De facto, após as alterações introduzidas pela L. 16/2012, de 20.04, a al. b) deixou de prever que o juiz decrete a inabilitação das pessoas afectadas, para passar a prever que o juiz decrete a inibição das pessoas afectadas para administrarem patrimónios de terceiros, o que nada tem a ver com inibição para gestão do património pessoal do afectado mas, sim, para administrar o de terceiros.
Em todo o caso sempre se dirá que a inibição prevista na al. c) do n° 2 do art. 189° (que foi aplicada pelo tribunal recorrido) não padece de inconstitucionalidade nos termos alegados.
O instituto da inibição para o exercício do comércio não é uma novidade, pois já se encontrava consagrado no art. 22°, n° ldo Código de Falências de 1935, no art. 1158°, n° 1 do CPC de 1939 e até no art. 1191°, do CPC de 1961.
Jorge Duarte Pinheiro, em Efeitos Pessoais da Declaração de Insolvência, em Estudos em Memória do Professor Doutor José Dias, org. de Ruy de Albuquerque/António Menezes Cordeiro, entende que esta inibição não configura uma incapacidade em sentido técnico, antes se trata de uma incompatibilidade ou restrição à capacidade pela qualificação de insolvência como culposa.
Carvalho Fernandes e João Labareda, na ob. cit., pág. 695, referem que Da al. c) do n° 2 resulta, como outro efeito da insolvência culposa, a inibição das pessoas atingidas por essa qualificação para certas actividades. Desde logo, para o exercício do comércio. Para além disso, para ocuparem qualquer cargo de titular de órgãos de várias categorias de pessoas colectivas: sociedades comerciais ou civis, associações ou fundações privadas de actividade económica, empresa pública ou cooperativa. Revela-se aqui uma atitude de desconfiança quanto à actuação, na área económica, em relação a quem, pelo seu comportamento, com dolo ou culpa grave, de algum modo contribuiu para a insolvência.
Não se vislumbra, pois, que a inibição decretada viole qualquer preceito constitucional, nomeadamente os referidos pelo apelante - neste sentido se pronunciou o Ac. da RP de 15.06.2015, P. 2888/13.6TBVFR-E.Pl (Manuel Domingos Fernandes), em www.dg_si.pt
Em conclusão, improcede a apelação na totalidade, devendo manter-se a sentença recorrida. DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 2018.01.30
Cristina Coelho
Luís Filipe Pires de Sousa
Carla Câmara
SUMÁRIO (da responsabilidade da relatora):
1. No incidente de qualificação da insolvência, o parecer do AI é um elemento determinante na decisão do incidente, sendo a sua apresentação uma obrigação, funcional, daquele.
2. Atenta tal obrigatoriedade, nada obsta a que, não apresentando o AI o parecer, o juiz determine, expressamente, a sua apresentação, ao abrigo do disposto no art. 11 ° do GIRE.
3. Por maioria de razão, mesmo tardio, não pode o referido parecer deixar de ser ponderado.
4. Nos termos do n° 5 do art. 232° do CIRE, encerrado o processo de insolvência, nos casos em que tenha sido aberto incidente de qualificação da insolvência, este prossegue os seus termos como incidente limitado, ou seja, contínua (mantendo-se o já processado como incidente pleno), mas passa a ser tramitado nos termos previstos para o incidente limitado.
5. Enquanto no caso do n° 2 do art. 186° do GIRE a verificação dos factos aí, taxativamente, previstos implica necessariamente a qualificação da insolvência como culposa, no caso do n° 3 apenas faz presumir a culpa grave dos administradores.
6. A noção de administrador acolhida na al. a) do n° 1 do art. 6° do GIRE corresponde, grosso modo, à de que administradores são pessoas que têm a seu cargo a condução geral de um determinado património , quer por estarem legal ou voluntariamente investidos no exercício da administração, quer porque a desempenham de facto, nomeadamente quando o fazem com carácter de permanência, mesmo que falte, para tanto, o apoio em determinação legal ou em acto voluntário do titular do património a gerir.
7. A inibição prevista na al. c) do n° 2 do art. 189° do GIRE não padece de inconstitucionalidade.
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