Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - ACRL de 18-01-2018   Impugnação presumida da paternidade. Inseminação artificial.
Não é moralmente aceitável que uma mãe tenha, na constância do casamento procriado uma criança, aceite que o marido participasse do processo de gravidez, nascimento e primeiros meses de vida para depois; contra as expectativas que lhe criou de ter a qualidade de pai desta criança, vir invocar a falta de consentimento para a inseminação, com o objectivo de retirar à menor e ao R. o vínculo que ficou juridicamente estabelecido, com outra argumentação que não seja “falta de consentimento para aquele concreto acto de inseminação’’.
Proc. 2790/16.0T8VFX.L1 6ª Secção
Desembargadores:  Teresa Soares - Maria de Deus Correia - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Apelação 2790/16.0T8VFX.L1
Acordam na 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa
1. MJ…, casada, residente na Praceta… n.°6, 5.° D, Póvoa de Santa Iria, ao abrigo do disposto nos artigos 1839°, 1841°, e 1842°, todos do Código Civil, intentou acção declarativa de impugnação presumida da paternidade, com processo comum, contra JV…, residente na Rua C… - Sintra, pedindo que seja afastada a presunção de paternidade do réu e respectiva avoenga paterna relativamente à menor JC… e ordenar-se o cancelamento do registo de paternidade que ora se impugna e respectiva avoenga paterna e bem assim a eliminação do apelido Vidal, por não corresponder à verdade.
Para tanto, alega, em síntese, que se separou do réu em Março de 2015 e que em Maio de 2015 recorreu à técnica de PMA em Sevilha, da qual resultou o nascimento da sua filha em 29 de Janeiro de 2016. Fê-lo sem consentimento do réu.
2. Regularmente citado o Réu contestou a presente acção alegando, em síntese, que a acção não pode proceder uma vez que a inseminação artificial em causa foi por si consentida.
3. Foi nomeado curador à menor e procedeu-se à competente citação da ré J..., na pessoa do curador, não tendo sido apresentada contestação.
4. Realizado julgamento foi proferida sentença que decidiu a matéria de facto e julgou a acção improcedente.
5. Desta sentença recorre a A. alegando, com as conclusões que se seguem (limitando-nos à parte pertinente):
...
L) Foram fixados os Temas da Prova em audiência prévia. A qual não foi gravada. Nem justificada a sua falta.
M) O que nos termos do art. 591.° e 155.° do C.P.C. constitui nulidade processual.
N) único tema da prova fixado foi saber se a A. recorreu a inseminação artificial com recurso a banco de esperma sem consentimento do marido.
O) Em julgamento foi feita prova de muitos outros factos, que não derivam do Tema da Prova e a este são alheios.
P) O que constitui violação do princípio do contraditório e de justa composição do litígio que subjaz ao julgamento (art. 3.0, 6.°, 410.° e 596.° do C.P.C.) e da tutela jurisdicional (art. 20.° da C.R.P.).
Q) Com o que se mostra nula a fixação da matéria constante dos pontos 21 a 27 da matéria provada.
R) Da evolução história da lei da PMA resulta que à data da inseminação, só em Espanha podia ser esta feita por mulher casada e sem o consentimento do marido.
S) Os documentos juntos a fls., emitidos pela Clínica IVI Sevilha onde foi feito o processo de PMA de que viria a nascer a J... são claros e atestam plenamente o não consentimento do marido da mãe. Aqui R.
T) Os pontos 21 a 24 da matéria assente são nulos porque fora do objecto do Tema da Prova, e porque os testemunhos declarados relevantes S…,R…,E…,H…, desconheciam a realidade, opinam vagamente e em termos genéricos e, têm uma relação de dependência do R.
U) As testemunhas da A., que têm conhecimento directo dos factos, relatam a relação social que o R. tinha com a J..., que não se confunde com relação de parentalidade.
V) Ao invés, todas as testemunhas da A., incluindo a S…, que é comum, relatam a forma como se desenrolou o processo de reprodução que levou à fecundação - sem o consentimento do R.
W) As testemunhas N…,S…,AC… acompanharam a A. na ida a Espanha, por várias vezes, relatam a separação da A. com o R.
X) Foi dado por provado que quem pagou o processo de PMA foi a A.
Y) A menor J… não tem qualquer relação biológica com o R.
Z) Foi dado por provado que os documentos relativos ao recurso à inseminação artificial com sémen de dador levada a cabo pela autora em 2015 e do qual viria a nascer a J…, foram assinados pela A. (ponto 28 da matéria assente) e ainda que a autora declarou nessa altura que era uma mulher sem companheiro e que só ela prestava consentimento para tal procedimento (ponto 29 da matéria assente).
AA) Não haverá qualquer outra conclusão razoável, senão que o R. não deu o seu consentimento à inseminação de que viria a nascer a J…
BB) O consentimento informado é um conceito técnico (art. 14.° da Lei da PMA) que não admite outras formas de consentimento.
CC) A leitura que na aliás douta fundamentação da sentença recorrida é feita em relação ao consentimento é manifestamente idealista - Porque, não se pode perguntar em termos tão vagos que a testemunha só pode responder -que eu saiba.
DD) Nenhuma testemunha do R. disse eu sei que foi dado o consentimento pelo R. Nenhum documento foi junto aos autos com o consentimento.
EE) Há erro na apreciação da prova quando se infere que um documento emitido pela Clínica que todos aceitam ser o local onde foi feito o processo de PMA, com os respectivos carimbos e autenticações e não impugnado, não é suficiente para fazer prova deste facto.
FF) Os documentos de fls. 112 a 157 fazem prova plena dos factos neles relatados.
GG) Factos que são ainda sustentados pelas razões de ciência aduzidos por todas as testemunhas e pelo conhecimento comum que resulta das alterações legislativas feitas à lei da PMA.
HH) Assim, está cabalmente provado que o R. não prestou consentimento informado à inseminação que determinou o nascimento da J…
II) A sentença recorrida fez errada interpretação da prova produzida e por isso a matéria de facto dada por provada (21 a 27) e não provada (1 a 6), enferma de erro.
JJ) Assim, devem ser eliminados os pontos 21 a 24, 26 e 27 da matéria provada.
KK) Deve ser dado por provado que:
30. Apesar de ter informado o R. de que iria tentar mais uma vez o recurso à PMA, o R. recusou dar o seu consentimento.
31. O R. não consentiu no recurso à PMA em 2015, com sémen de dador levada a cabo pela A. e do qual nasceu a J….
LL) A curadora da menor MC… pediu ao Tribunal para prestar declarações de parte em julgamento (fls. ).
O que foi negado por despacho de 07/07/2017. Não fundamentado. Tal recurso constitui nulidade da decisão proferida (art. 466.° do C.P.C.). O que aqui se argui por ser denegação e Justiça (art. 466.°, 615.° do C.P.C. e art. 20.° da C.R.P.).
MM) A A. fez prova de que não foi prestado consentimento informado por parte do R. à inseminação artificial de que viria a nascer a J… - está por isso afastada a presunção de paternidade fixada no art. 20.° da Lei 32/2006.
NN) Ao ser violado o disposto nos arts. 20.°, 26.°, 36.° e 67.° da C.R.P., a aliás douta sentença recorrida enferma de inconstitucionalidade material que aqui também se alega.
00) Ao decidir em contrário foi violado o disposto nos arts. 342.° e 350.° do C.P.C.
PP) A sentença recorrida fez incorrecta apreciação da prova produzida e consequente matéria de facto assente, e violou o disposto nos arts. 6.°, 410.°, 466.°, 591.° n.°4 por remissão aso art. 155.°, 596.° e 615.° do C.P.C. e art. 20.°, 26.°, 36.° e 67.° da C.R.P.
QQ) Pelo que, revogando-se a decisão recorrida e em sua substituição proferido Acórdão que julgue procedente o pedido declarando-se afastada a paternidade do aqui R. quanto à menor JC…, ordenando-se o cancelamento da paternidade e avoenga paterna, assim como caducado o apelido Vidal da menor no competente assento de nascimento
6. Contra-alegou o R. pugnando pela manutenção do decidido e invocando abuso de direito por parte da A.
7. Nada obsta ao conhecimento do recurso.
8. A matéria de facto foi decidida em 1.a instância da seguinte forma:

A - OS FACTOS
Estão provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:
1- No dia 29 de Janeiro de 2016 nasceu JC….
2- A menor é filha da aqui A. MJ….
3- Do assento de nascimento de JC… consta como pai o então marido da mãe.
4- O assento de nascimento da menor foi feito com base nas declarações do pai.
5- JV…sofre de doença que determinou a sua esterilidade.
6- Desde que são casados (2/06/2012), A. e R. têm conhecimento da esterilidade.
7- Por isso em 2012 adoptaram uma criança – JL….
8- A A. nunca se conformou com o facto de não poder ter um filho biológico.
9- O casal fez duas tentativas de recurso a técnicas de procriação
medicamente assistidas (PMA), com recurso a esperma de dador.
10- Tais tentativas mostraram-se falíveis e daí não resultou qualquer gravidez.
11- Fruto de desentendimentos diversos, em Março de 2015 A. e R. separam-se de facto.
12- Nessa altura, a aqui A. decidiu recorrer a inseminação artificial com recurso a banco de esperma.
13- A A. em Maio de 2015, foi a Espanha, onde esta técnica de PMA é praticada e, engravidou de dador anónimo.
14- Na Clinica IVI Sevilla foi feito todo o procedimento para que a gravidez fosse conseguida.
15- E assim aconteceu.
16- No fim do verão de 2015 A. e R. retomaram a vida em comum.
17- E quando a A. foi para a maternidade, o R. acompanhou-a.
18- Ali mesmo na maternidade, foi o R. quem procedeu às declarações para registo da menor J….
19- Tendo indicado como pai a si próprio, JV….
20- A menor não tem nenhuma relação biológica com o aqui R.
21- O R. sempre considerou e tratou a menor como sua filha, quer em público quer em privado.
22- O R. acompanhou a gravidez e o nascimento da menor.
23- O R. esteve presente nas consultas médicas de acompanhamento da gravidez, nas ecografias e no momento do nascimento.
24- O R. foi a primeira pessoa a pegar na menor ao colo.
25- Foi o R. que comunicou à família e amigos o nascimento da J…
26- Durante os primeiros meses de vida da menor, o R. sempre foi um pai presente.
27- Durante esse período, o R. adormeceu a filha, pegou-lhe ao colo, teve-a no seu colo a dormir.
28- Os documentos relativos ao recurso à inseminação artificial com sémen de
dador levada a cabo pela autora em 2015 foram assinados apenas pela mesma.
29- A autora declarou nessa altura que era uma mulher sem companheiro e
que só ela prestava consentimento para tal procedimento.

Factos não provados:
Com relevância para a decisão da presente causa não resultaram provados os seguintes factos:
1- Apesar de ter informado o R. de que iria tentar mais uma vez o recurso à PMA, o R. recusou dar o seu consentimento.
2- Que o réu tenha estado com a menor J... apenas 5 ou 6 vezes e para visitas de cortesia.
3- Que tais visitas tenham sido de curta duração e que o R. não tenha mostrado qualquer apego afectivo à menor.
4- Que o réu não tenha consentido no recurso à PMA.
5- Que a menor não tenha qualquer relação afectiva com o R.
6- Que desde que nasceu a J... tenha sido exclusivamente tratada pela mãe e família materna.
7- Que o recurso à inseminação artificial, em 2015, com sémen de dador levada a cabo pela autora tenha sido com o conhecimento, o apoio e o consentimento do R.
8- Que o processo de inseminação tenha sido pago com rendimentos do casal.
9. O âmbito do recurso determina-se pelas conclusões dos recorrentes (639.° e 635.° do Novo CPC, aprovado pelo art.° 1° da Lei n° 41/2013 de 26/06 só abrangendo as questões que nelas se contêm, ainda que outras tenham sido afloradas nas alegações propriamente ditas, salvo tratando-se de questões que o Tribunal deva conhecer oficiosamente (artigo 608°, n.° 2, ex vi artigo 663.°, n.° 2).
Decorre do art.° 639.° a obrigação para o recorrente de condensar nas conclusões os concretos fundamentos por que pede a revogação, modificação ou anulação da decisão recorrida. As conclusões ,desempenham em relação ao recurso função equivalente à que desempenha o pedido em relação à petição inicial.
Os recursos não visam o exame da causa julgada em 1a Instância sem limites mas sim e apenas, como é entendido de forma unânime, a reapreciação da questão com os condicionalismos e pressupostos em que o foi, no Tribunal recorrido, no momento em que proferiu a decisão.
Como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal da 1.a instância, a não ser que se trate de questão sujeita a conhecimento oficioso.

9.1.Nulidades processuais
a) - Falta de gravação da audiência prévia
A gravação da audiência não é obrigatória nenhuma consequência processual a lei prevendo para tal falta -art.° 591.° n.°4
De qualquer modo, a nulidade deveria ter sido arguida/reclamada perante o tribunal a quo, no prazo legalmente previsto no art.° 199.° CPC, o que a recorrente não fez.
Das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se. Não tendo sido provocado um despacho sobre a questão, não cabe a este tribunal emitir outra pronúncia.
b) - Temas da prova
Defende a recorrente que os pontos 21 a 27 da matéria assente são nulos porque fora do objecto do Tema da Prova.
Parece depreender-se do alegado que apenas se poderia canalizar para os factos apurados os que fossem temas da prova.
Ora, enunciar os temas de prova significa fixar os pontos - no caso foi fixado um único ponto - que se julgam como essenciais para a solução do litígio.
Podemos ter factos concretos ou conclusões de facto e até de direito.
É óbvio que o apuramento dos factos não se pode nem deve restringir, por regra, aos temas da prova pois a decisão sobre a matéria de facto não se conforma com formulações conclusivas ou genéricas.
Antes se exige que o tribunal se pronuncie sobre os factos alegados pelas partes, essenciais para a decisão, bem como os instrumentais que possam resultar da discussão da causa e ainda os factos complementares ou concretizadores dos alegados que também possam resultar da discussão, como o impõe o princípio dispositivo consagrado no art.° 5.° do CPC com concretização, ao nível da sentença, no art.° 607.°. Ver, a título exemplificativo, o Ac.do STJ de 13/11/2014, in www.dgsi.pt, indicado pelo recorrido: Perante uma enunciação puramente conclusiva dos temas da prova, cabe ao juiz, na fase de julgamento, ao considerar provada ou não provada a concreta matéria de facto a que eles se reportam, de especificar e densificar tal factualidade concreta, fundamentando a sua decisão, não podendo limitar-se a considerar provada ou não provada a matéria, puramente conclusiva, que na fase de saneamento e condensação havia sido enunciada.
No caso, tratam-se de factos alegado pelo R na sua contestação com os quais pretendeu o mesmo infirmar a falta de consentimento alegada pela A na sua p.i.
Os factos foram apurados em face das provas que as partes tiveram a oportunidade, em devido tempo, de apresentar e de produzir em julgamento.
Não se alcança onde encontra a recorrente qualquer violação do princípio do contraditório e de justa composição do litígio que subjaz ao julgamento (art. 3.°, 6.°, 410.° e 596.° do C.P.C.) e da tutela jurisdicional (art. 20.° da C.R.P.).
De qualquer forma, o mais que se podia argumentar (dado que foram efectivamente alegados) era que se tratavam de factos irrelevantes para a decisão, mas nenhuma nulidade poderá advir por se apurarem factos que possam extravasar o cerne do litígio. Quanto muito serão inócuos.
Sem fundamento pois as invocadas nulidades.

9.2 - Pedido formulado em julgamento pela Curadora da menor MC…
A Curadora apresentou documento com vista a ser ouvida em julgamento (ao que consta das alegações das partes, desconhecendo-se o seu teor, por ter o mesmo ter sido mandado desentranhar -fls.269 processo físico).
Vem a recorrente, no âmbito do seu recurso, suscitar questões atinentes ao indeferimento desse requerimento, mas sem legitimidade, para tal, a nosso ver.
A Curadora e a recorrente são partes distintas nos autos. A A. age no seu interesse e em nome próprio. A Curadora em representação da menor.
Donde, era à Curadora que cabia actuar no processo em defesa dos interesses que considerasse ser da menor e não à recorrente actuar em representação a Curadora.
Assim, não tendo a Curadora apresentado recurso do despacho que indeferiu o seu pedido, não tem legitimidade a recorrente para vir incluir no recurso questão que apenas aquela diz respeito, pelo que de tal questão não se conhece.

9.3. Recurso de facto
Quando o recurso verse a decisão sobre a matéria de facto dispõe o art.° 640.° CPC, sob a epígrafe - Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto
1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea h) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
A parte que impugna a decisão proferida sobre matéria de facto tem, assim, um duplo ónus: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente qual a parcela ou segmento da decisão proferida que considera viciada por erro de julgamento; fundamentar, em termos concludentes, as razões por que discorda do decidido, indicando ou concretizando os meios probatórios (constantes de auto ou documento incorporado no processo ou de registo ou gravação nele realizada) que implicavam decisão diversa da tomada pelo tribunal, quanto aos pontos da matéria de facto impugnados - veja-se Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código do Processo Civil, Almedina; pág.465....
Na análise do recurso de facto importa, por um lado, atender a que a regra do nosso sistema de recurso é o da reponderação e não de reexame e que, por outro, vigora entre nós o princípio da livre convicção do julgador, mas essa aquisição de convicção tem que ser ponderada e fundamentada, como decorre do art.° 607° do CPC
Directamente conexionado com o poder de reapreciação, está o dever de fundamentação, reforçado pela reforma de 1995.
Diz-nos Lebre de Freitas, in ob.cit., p.281 que a fundamentação exerce, pois, a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo tribunal superior e de reforçar o auto-controle do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça inerente ao acto jurisdicional
O julgador tem liberdade para formar a sua convicção sobre os factos, mas o que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique «os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente» - Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2.a ed., pág.348.
Quanto aos poderes do tribunal da Relação, no âmbito da modificação da matéria de facto rege o art.662.° do CPC., onde se dispõe:
1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou, um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Como bem retrata o acordão da Relação do Porto 25/3 de 2010, 1058/08.OTACBR.C1, acessível na base de dados da dgsi:A prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade. Nessa tarefa, o juiz lança-se à procura do «realmente acontecido» conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objecto impõe à sua tentativa de o «agarrar». E, por isso, é que, nos casos em que as regras da experiência, a razoabilidade e a liberdade de apreciação da prova convencerem da verdade da acusação (Suscitando, a propósito, uma firme certeza do julgador, sem que concomitantemente subsista no espírito do tribunal uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto.), não há lugar à intervenção da contra face (de que a «face» é a «livre convicção») da intenção de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva que é o in dúbio pro reo (cuja pertinência «partiria da dúvida, suporia a dúvida e se destinaria a permitir uma decisão judicial que visse ameaçada a sua concretização por carência de uma firme certeza do julgador»).
A prova, o processo probatório traduz-se em verificar cada um dos enunciados factuais pertinentes para a apreciação e decisão da causa. Para o prosseguir, o tribunal está munido de urna racionalidade própria, em parte comum só a ela e que pode apelidar-se de razoável. A prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade: no trabalho de verificação dos enunciados factuais, a posição do investigador-juiz pode, de algum modo, assimilar-se à do historiador: tanto um como o outro, irremediavelmente situados num qualquer presente, procuram reconstituir algo que se passou antes e que não é reprodutível. Donde que não seja qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido, mas apenas a chamada dúvida razoável (a doubt for znhich reasons can be given)». Isto porque nos actos humanos nunca se dá uma certeza contra a qual não militem alguns motivos de dúvida. Assim, pedir uma certeza absoluta para orientar a actuação seria, por conseguinte, o mesmo que exigir o impossível e, em termos práticos, paralisar as decisões morais. A dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal.
Tendo em mente estas regras e auditada que foi a prova gravada, cabe aferir do acerto da decisão, no tocante aos pontos impugnados.

O julgador motivou a sua decisão de facto assim:
A convicção do Tribunal, relativamente aos factos provados fundou-se nos seguintes meios de prova:
Factos n° 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 17, 18, 19, 20, e 22:admitidos por acordo.
Factos n° 1 a 4: documento fls. 11.
Facto n° 5: documento de fls.
14.Facto n° 6: documento de fls. 13.Facto n° 7: documento de fls. 50. Facto n° 28: documentos de fls. 112 a 148.
Facto n° 29: documento de fls. 149 e 257.
Facto n° 16: no depoimento das testemunhas da autora NM…; SM…;AC…; RJ…; EB…, as quais demonstraram conhecimentos efectivos e concretos sobre este facto e fazendo relatos que, nesta parte, se revelaram credíveis, coerentes, objectivos, isentos e sem contradição, gerando ao Tribunal convicção, com segurança e objectividade, no sentido da efectiva verificação do mesmo.
Factos n° 21, 22, 23, 24, 25, 26, e 27: no depoimento da testemunha da autora e réu SM…; e testemunhas do réu RJ…; EB…; e HR…, que demonstraram conhecimentos efectivos e concretos sobre estes factos e fazendo relatos que, nesta parte, se revelaram credíveis, coerentes, objectivos, isentos e sem contradição, gerando ao Tribunal convicção, com segurança e objectividade, no sentido da efectiva verificação dos mesmos.
Quanto à decisão da matéria de facto dada como não provada, resulta da ausência de prova cabal e inequívoca em relação aos factos não provados.
Quanto ao facto não provado número quatro, que o réu não tenha consentido o recurso à PMA do qual nasceu a J..., cumpre referir o seguinte:
a) nenhuma testemunha ouvida pôde garantir ao Tribunal que o réu não tenha dado tal consentimento. A testemunha NM… disse que não sabia; a testemunha SL… disse também que não sabia; A testemunha MR… só sabia o que a autora lhe tinha dito;, e a testemunha AC… disse que não podia garantir que o réu não tenha dado o seu consentimento.
b) Dos documentos de fls. 112 a 148 e fls. 149 e 257 apenas resulta que tais documentos relativos à inseminação artificial com sémen de dador levada a cabo pela autora em 2015 foram assinados por si e que a mesma declarou que era uma mulher sem companheiro e que só ela prestava consentimento para tal procedimento. Ora, estes documentos só por si, sem qualquer outro elemento de prova que demonstre que tais declarações correspondem à verdade, não provam que o réu não tenha dado o seu consentimento para tal procedimento.
Finalmente cumpre referir que o depoimento da testemunha MR… não mereceu grande credibilidade uma vez que o mesmo para além de nada rigoroso e circunstanciado revelou enorme animosidade contra o réu. Na realidade, a testemunha para tentar demonstrar que o réu não gostava da menor J... chegou ao ponto de defender que a circunstância do réu pegar na menor ao colo e exibi-la aos amigos e dormir com ela no seu peito, perto de um telemóvel, era uma demonstração de falta de afecto.

Apreciando
Não julgamos ser de manter o decidido no tocante à questão do consentimento.
Auditada toda a prova testemunhal produzida e analisada a documentação junta aos autos cria-se uma convicção suficientemente firme de que o R. não deu o seu consentimento para este concreto acto de inseminação.
As testemunhas do R. nada puderam de relevante trazer aos autos no tocante a essa concreta manifestação de vontade.
As testemunhas da A. depuseram de forma que temos por séria, isenta e fidedigna; mesmo a mãe da A., embora tenha revelado manifesta animosidade contra o R., como salienta o julgador, não se evidencia que tal animosidade tenha inquinado a seriedade do seu depoimento, no tocante à questão que importava apurar - consentimento ou ausência dele.
É certo que as testemunhas não deram garantias como aponta o julgador, mas isso só revela a sua isenção.
Agora do conjunto dos factos outra conclusão não se pode tirar que não seja a falta de consentimento.
Desde logo impõe-se colocar a questão: se consentimento houvesse porque razão a A. iria a Espanha fazer o que podia fazer em Portugal, não se evidenciando qualquer outra razão que não seja a falta desse consentimento.
E estando casal desavindo e separado não é lógico, razoável nem credível que a A. tenha sequer pedido esse consentimento ao R.; não se vislumbra, dentro dum critério de normalidades das coisas, a possibilidade do marido dar consentimento para a inseminação, quando o casamento está em vias de se dissolver, se nada houver que aponte claramente em sentido diverso.
Não estando demonstrado sequer que a A. lhe tenha pedido o consentimento para o acto, temos para nós que a conclusão a alcançar do conjunto da prova produzida é que o R não deu o seu consentimento para a inseminação.
A ida da A. a Espanha e os moldes em que se desenrolou essa ida, relatada ao tribunal pelas testemunhas que a acompanharam, conjugado com o documento onde a A se identifica como pessoa sem companheiro leva-nos a alcançar a convicção, sem que dúvida razoável se coloque, sobre a falta de consentimento do R.
Pelo que passa para o elenco dos factos provados o facto não provado sob o ponto 4.
- O R não deu o seu consentimento para o recurso à PMA.
KK) Deve ser dado por provado que:
30. Apesar de ter informado o R. de que iria tentar mais uma vez o recurso à PMA, o R. recusou dar o seu consentimento.
31. O R. não consentiu no recurso à PMA em 2015, com sémen de dador levada a cabo pela A. e do qual nasceu a J....
No tocante ao facto 30. que a recorrente pretende ver provado já não se alcançou convicção nesse sentido; não há elementos de prova no sentido da A. ter solicitado o consentimento do R, nem é crível que o tenha feito.
31. Trata-se de uma formulação equivalente à já fixada acima.
Nestes termos procede apenas parcialmente o recurso de facto. 9.4.Recurso de Direito
Mas procedendo embora a pedida modificação da decisão de facto e tendo ficado provado a falta de consentimento do R., nem por isso a acção merecerá diferente sorte da obtida na decisão recorrida.
Não podemos deixar de concordar com o R. quando invoca a existência de abuso de direito por parte da A.
Sobre o tema permitimo-nos socorrer do que se pode ler no acórdão do STJ de 11/12 de 2012, proferido no proc. 116/07.2TBMCN.PI.S1, porque melhor não diriamos:

«Nos termos do disposto no art. 334° do CC É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Como ponderado no Ac. deste Supremo, de 25.05.99, de que foi relator o Ex. mo Cons. Fernandes Magalhães - COL/STJ - 2°/116 -, ...a concepção geral do abuso de direito postula a existência de limites indeterminados à actuação jurídica individual. Tais limites advêm de conceitos particulares como os de função, de bons costumes e de boa fé (...) O problema de base posto pelo abuso de direito reside na indeterminação dos conceitos que o informam e, designadamente, no de boa fé. Diz-se indeterminado o conceito que não permite uma comunicação clara e imediata quanto ao seu conteúdo. Por isso, o conceito indeterminado carece de um processo de concretização, tendente a possibilitar a sua aplicação em concreto (...) E sabe-se que a lei utiliza conceitos indeterminados como modo privilegiado de atribuir ao aplicador intérprete - maxime ao juiz – instrumentos capazes de promover, no caso concreto, uma busca mais apurada da justiça, como diz o Prof. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo 1, 1999, Almedina (...) De salientar também que assegurar expectativas e direccionar condutas são indubitavelmente funções primárias do direito (...) Ou seja: por um lado, assegurar desde logo a confiança fundada nas condutas comunicativas das pessoas responsáveis, fundada na própria credibilidade que estas condutas reivindicam, e, por outro lado, dirigir e coordenar dinamicamente a interacção social e criar instrumentos aptos a dirigir e coordenar essa interacção, por forma a alterar as probabilidades de certas condutas no futuro (...) E ambas as funções se relacionam com aquela paz jurídica que, ao lado da justiça, é R...ida como uma das expressões da própria ideia de direito (v. Prof. Baptista Machado, Obra Dispersa, Vol. 1, Scientia Jurídica, Braga, 1991, pags. 346).
Uma das modalidades que pode revestir o abuso de direito encontra guarida no instituto jurídico denominado venire contra factum proprium.
Esta vertente do abuso de direito inscreve-se no contexto da violação do princípio da confiança, que sucede quando o agente adopta uma conduta inconciliável com as expectativas adquiridas pela contraparte, em função do modo como antes actuara.
Dissertando sobre tal instituto, o Prof. ALMEIDA COSTA - que passamos a seguir de perto - ensina (R.L.J. - 129°/61) que de acordo com o entendimento mais recente e quase uniforme da dogmática, a relevância da chamada conduta contraditória supõe a conjugação dos vários pressupostos reclamados pela tutela da confiança. Entende-se que vedar, pura e simplesmente, a uma pessoa a prática de actos lícitos, embora opostos, redundaria numa teia de vinculações sistemáticas incompatível com o tráfico jurídico. Acrescentando que a concepção da tutela da confiança assenta no enunciado de um certo número de eventos ou circunstâncias que integram o chamado «facto jurídico da confiança» e que são: a situação objectiva de confiança (esta existe quando alguém pratica um acto - o «factum proprium» - que, em abstracto, é apto a determinar em outrem a expectativa de adopção, no futuro, de um comportamento coerente ou consequente com aquele primeiro e que, em concreto, efectivamente gera tal convicção, não surgindo, pois, tal situação se o «factum proprium» náo influenciar o destinatário, como sucede quando se demonstra que este, independentemente da conduta de outrem, teria agido do mesmo modo); o investimento da confiança (este corresponde às disposições ou mudanças na vida do destinatário do «factum proprium» que, não só evidenciam a expectativa nele criada, como revelam os danos que, irrefragavelmente, resultarão da falta de tutela eficaz para aquele - irreversibilidade do investimento, lhe chama a dogmática alemã); finalmente, entende-se que a confiança apenas se mostra digna de protecção jurídica se o destinatário se encontrar de boa fé em sentido subjectivo, ou seja, se houver agido na suposição de que o A. do «factum proprium» estava vinculado a adoptar a conduta prevista e se, ao formar tal convicção, tiver tomado todos os cuidados e precauções usuais no tráfico jurídico.
Por seu turno, também em sede de pressupostos deste instituto, observa Baptista Machado que a confiança digna de tutela tem de radicar em algo de objectivo: uma conduta de 15 alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura (in Obra Dispersa - Braga 1991, Vol. I/416). Para que a conduta em causa se possa considerar causal em relação à criação de confiança é preciso que ela, directa ou indirectamente, revele a intenção do agente de se considerar vinculado a determinada atitude no futuro (mesma obra). Logo, o conflito de interesses e a subsequente necessidade de tutela jurídica apenas surgem quando alguém, estando de boa fé, com base na situação de confiança criada pela contraparte, toma disposições ou organiza planos de vida de onde lhe resultarão danos se a sua legítima confiança vier a ser frustrada.
E, dentro da mesma temática, ensina o Prof. Menezes Leitão : Quanto à tutela da confiança, a sua protecção através do princípio da boa fé significa exigir-se no quadro de um sistema móvel um conjunto de pressupostos para que a confiança tenha tutela jurídica. Seriam assim exigíveis:
- Uma situação de confiança, traduzida numa boa fé subjectiva;
-- Uma justificação para essa confiança, consistente no facto de a confiança ser fundada em elementos razoáveis;
- -- Um investimento de confiança, consistente no facto de a destruição da situação de confiança gerar prejuízos graves para o confiante, em virtude de ele ter desenvolvido actividades jurídicas em virtude dessa situação;
- -- A imputação da situação de confiança criada a outrem, levando a que este possa ser considerado responsável pela situação.
Finalmente, na lição do Prof. Menezes Cordeirol, Venire contra factum proprium postula dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo. O primeiro - o factum proprium - é, porém, contrariado pelo segundo (...) No essencial, a concretização da confiança, ela própria concretização de um princípio mais vasto, prevê...: a actuação de um facto gerador de confiança, em termos que concitem interesse por parte da ordem jurídica; a adesão do confiante a esse facto; o assentar, por parte dele, de aspectos importantes da sua actividade posterior sobre a confiança gerada - um determinado investimento de confiança - de tal forma que a supressão do facto provoque uma iniquidade sem remédio. O factum proprium daria o critério de imputação da confiança gerada e das suas consequências (...) A articulação destes requisitos entre si não opera em termos cumulativos comuns: a falta de algum deles pode ser suprida pela intensidade especial que assumam os restantes. Neste domínio corno noutros, a concretização da boa fé impõe o abandono de subsunções conceptualísticas como modo de aplicar o Direito. E A proibição de venire contra factum proprium representa um modo de exprimir a reprovação por exercícios inadmissíveis de direitos e posições jurídicas. Perante comportamentos contraditórios, a ordem jurídica não visa a manutenção do status gerado pela primeira actuação, que o Direito não reconheceu, mas antes a protecção da pessoa que teve por boa, com justificação, a actuação em causa. O factum proprium impõe-se não como expressão da regra pacta sunt servanda, mas por exprimir, na sua continuidade, um factor acautelado pela concretização da boa fé.»
Descendo ao caso, cabe atentar que a A., pese embora se encontrasse separada de facto do R, ao tempo da inseminação da qual veio a resultar a gravidez aqui em referência, sempre com ele manteve contactos; que o dinheiro para o efeito, sendo embora da pertença da A, lhe foi entregue pelo R-marido a seu pedido, (pois que o haviam investido num negócio dele, segundo a mãe da A.); com poucos meses de gravidez, o casal voltou a juntar-se, o R. acompanhou a gravidez, o nascimento e os primeiros tempos de vida da menor e o registo da menor foi levado a cabo com base nas declarações do R., na qualidade de pai.
Antes desta inseminação já o casal tinha recorrido por duas vezes a este método, mas sem sucesso. Daqui temos por adquirido que o R. partilhava com a A. da vontade de procriar uma criança. Persistindo a A. na sua vontade de ser mãe, mas estando o casal em separação, é lógico e compreensível que a A. não tivesse diligenciado por pedir ao R o seu consentimento expresso para a inseminação; mas não estivesse o casal separado, naquela época, por certo a inseminação teria sido levada a cabo com o acordo expresso do R..
O comportamento posterior do R. não pode ser visto senão como uma ratificação desse mesmo processo. Ratificação pelo R e aceitação por parte da A/mãe, que quis que o R figurasse como pai da filha pois se assim não fosse não se teria reconciliado, teria mantido a situação de separação e não teria permitido que o R. participasse no processos de gravidez e de nascimento nem de registo da criança.
Não é moralmente aceitável que uma mãe tenha, na constância do casamento, procriado uma criança, aceite que o marido participasse do processo de gravidez, nascimento e primeiros meses de vida para depois; contra as expectativas que lhe criou de ter a qualidade de pai desta criança, vir invocar a falta de consentimento para a inseminação, com o objectivo de retirar à menor e ao R. o vínculo que ficou juridicamente estabelecido, com outra argumentação que não seja falta de consentimento para aquele concreto acto de inseminação.
Ao actuar como o faz agora está a A. a violar ostensivamente o princípio da confiança que conscientemente criou no R. ao permitir-lhe assumir a qualidade de pai da menor, em toda a sua plenitude; a A. apresenta-se a actuar em moldes manifestamente contrários à realidade que anteriormente deixou que fosse sedimentada.
Permitir que o pai ficasse sem esta qualidade, mas mais grave, permitir que a menor deixasse de ter este pai que também é o pai do seu irmão, para passar a não ter filiação paterna é uma situação chocante que não deve nem pode merecer a cobertura do direito, por configurar um uso abusivo do mesmo.
Portanto, mesmo provada a falta de consentimento do R. para o concreto acto de inseminação, que deu origem à vida da menor, sempre o direito que a A pretende aqui fazer valer não pode ser acolhido por configurar um exercício abusivo desse direito.

Pelo exposto, acorda-se em julgar-se a apelação parcialmente procedente, mas mantêm-se a decisão recorrida, no tocante à improcedência da acção, embora com diversa fundamentação.
Custas pela recorrente.
Lx, 2018/1/18
Teresa Soares
Maria de Deus Correia
Nuno Sampaio
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