Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Cível
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 - ACRL de 16-01-2018   Créditos reconhecidos e não reconhecidos. Discriminação de créditos. Graduação.
A despeito da ausência de impugnações, a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência padecia dum erro manifesto ao amalgamar na mesma categoria de créditos privilegiados os dotados de privilégio mobiliário geral e os que gozam de privilégio imobiliário especial e, portanto, não podia, sem mais, ser homologada pelo tribunal, por não permitir que os créditos reclamados e reconhecidos fossem graduados em conformidade com os dados que dessa lista constavam (cf. o nº 3 do art.130º do CIRE).
As incertezas e perplexidades resultantes da lista de credores reconhecidos apresentada pelo administrador da insolvência, quanto aos créditos da Fazenda Nacional, impunham que o tribunal “a quo” solicitasse ao administrador da insolvência os elementos necessários para se poder proceder à graduação dos créditos reconhecidos.
Impõe-se decretar a anulação do processado subsequente à apresentação da lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos a que alude o artigo 129° do CIRE oportunamente apresentada nos autos pelo Administrador da Insolvência (incluindo a sentença de verificação e graduação de créditos ora recorrida e determinar que o que o tribunal “a quo”, antes de proferir nova sentença, mande notificar o sr. Administrador da insolvência para apresentar uma nova lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos que discrimine, dentre os créditos reclamados pela Fazenda Nacional quais os que respeitam a IMI e os que se referem a IRS e IVA.
Proc. 1366/14.0TBPDL-L2 1ª Secção
Desembargadores:  Rui Vouga - Rosário Gonçalves - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Acordam na Secção Cível da Relação de Lisboa:
O MINISTÉRIO PÚBLICO, inconformado com a Sentença de verificação e graduação de créditos proferida em 27/05/2015 no Apenso da Insolvência em que figura como devedor LM…, interpôs recurso da referida Sentença, mas apenas na parte em que graduou os créditos da CGD e do BCP à frente dos créditos da Fazenda Nacional provenientes de IMI, relativamente ao produto da venda do prédio apreendido e inscrito na matriz predial sob o artº 2534 e descrito na CRP de Ponta Delgada sob o n° 1555 e na parte em que não graduou os créditos da Autoridade Tributária provenientes de IVA e IRS em primeiro lugar relativamente ao produto da venda dos móveis existentes na massa falida, tendo extraído das respectivas Alegações as seguintes conclusões:
«O objecto do recurso restringe-se aos créditos reclamados pela Autoridade Tributária e qualificados como no valor de 9.325,36 euros e que não foram graduados no devido lugar;
Na sentença de graduação de créditos o Tribunal graduou os estes créditos, relativamente ao produto da venda do imóvel descrito sob o n.° 1555 (matriz predial sob o art.° 2534), apenas em 4° lugar a seguir ao crédito reclamado pela CGD e ao crédito reclamado pelo BCP;
Onde constam créditos de IMI sobre o prédio apreendido e inscrito na matriz predial sob o art.° 2534, descrito na CRP de PDL sob o n.° 1555;
Tais créditos relativos a IMI gozam de privilégio imobiliário especial sobre o referido imóvel e mantém-se relativamente aos que foram vencidos nos 12 meses que antecederam a instauração do processo de insolvência créditos, e deverão ser graduados em primeiro lugar, à frente dos créditos garantidos por hipoteca, no que toca ao referido imóvel uma vez que preferem à hipoteca (art.° 751° e 744° do CC, e 122° do CIMI e art.° 47° e 97°, a contrário, do CIRE), e que ascendem a 1.637,13 euros;
Por outro lado também o IVA reclamado como privilegiado no valor de 7.688,23 euros n° art.° 4° da referida reclamação de créditos, por se ter constituído nos últimos 12 meses que antecederam a instauração da acção, e os créditos de IRS no valor de 209,52 euros, deverão ser graduados como privilegiados relativamente ao produto da venda dos bens móveis, uma vez que gozam de privilégio mobiliário geral sobre os móveis que compõe a massa insolvente nos termos do disposto nos art.° 736°, 734 do CC e art.°s 47° e 97° a contrário, do CIRE.
Por conseguinte este créditos de IMI devem ser graduados à frente dos créditos da C.G.D e,
E também os créditos privilegiados de IVA e de IRS devem ser graduados em primeiro lugar relativamente ao produto da venda dos bens móveis que compõe a massa falida;
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida na parte em que não graduam os créditos privilegiados da Autoridade Tributária nos termos referidos, substituindo-se por outra que gradue os referidos créditos no lugar devido.»
Não foram apresentadas contra-alegações (nem pelo Insolvente, nem por qualquer credor reclamante).
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
O OBJECTO DO RECURSO
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639°, n° 1, do C.P.C. de 2013) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem .
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635°, n° 3, do C.P.C. de 2013), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n° 4 do mesmo art. 635°).
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas - e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5°, n° 3, do C.P.C. de 2013) - de todas as questões suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608°, n° 2, do C.P.C. de 2013, ex vi do art. 663°, n° 2, do mesmo diploma).
No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO (em representação da Fazenda Nacional) ora Apelante que o objecto da presente Apelação está circunscrito às seguintes questões:
a) Se a sentença recorrida, ao graduar os créditos da C.G.D e do BCP SA, à frente dos créditos da Autoridade Tributária relativos a IMI, no que toca ao produto da venda do prédio apreendido e inscrito na matriz predial sob o art.° 2534, descrito na CRP de PDL sob o n.° 1555, enferma de erro de julgamento, por ter violado o disposto nos art.°s 751° e 744° do Código Civil, e no art. 122° do CIMI e nos art.°s 47° e 97°, a contrario, do CIRE;
b) Se a sentença recorrida violou os art.°s 736°, 734 do Código Civil e os art.°s 47° e 97° a contrário, do CIRE, ao não graduar como privilegiados, relativamente ao produto da venda dos bens móveis que integram a massa falida, os créditos reclamados relativos a IVA (no valor de 7.688,23 euros) e a IRS (no valor de 209,52 euros).
MATÉRIA DE FACTO
Mostram-se provados os seguintes factos, com relevãncia para a apreciação do mérito do presente recurso:
1) Na lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos a que alude o art. 129° do CIRE oportunamente apresentada nos autos pelo Administrador da insolvência, constavam como reconhecidos créditos da Fazenda Nacional no montante total de € 41.626,75 (€ 39.074,89 de capital + € 2.551,86 de juros), dos quais € 9.325,36 foram classificados como privilegiados (privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário especial) e € 32.301,39 foram classificados como comuns;
2) A lista referida em 1) não discriminava, entre os créditos da Fazenda Nacional reconhecidos como privilegiados, no montante de € 9.325,36, que parte respeitava a IMI e que parte dizia respeito a IRS e IVA.
3) Nos 10 dias subsequentes ao termo do prazo fixado no n° 1 do artigo 129° do CIRE, nenhum interessado impugnou a lista de credores reconhecidos aludida em 1), nos termos do art. 130° do CIRE.
4) A sentença ora recorrida tem o seguinte teor decisório:
«Pelo exposto,
a) Julgo reconhecidos e verificados:
- os créditos discriminados a fls. 9 a 11 pelo administrador da insolvência.
b) Graduo os créditos reconhecidos e verificados, para serem pagos pela seguinte forma:
- quanto ao imóvel correspondente ao prédio urbano descrito sob o n.° 1555 da freguesia de S. Vicente Ferreira. concelho de Ponta Delgada
1.º O crédito reclamado pela CGD, S.A., no montante global de 187.965,16€;
2.° O crédito reclamado pelo Banco Comercial Português, S.A., no montante global de 266.511,74€;
4.° O crédito reclamado pela Autoridade Tributária, no montante de 9.325,36€;
5.° O crédito reclamado pelo Instituto da Segurança Social dos Açores no montante global de 6.660,00€;
6.° - Todos os demais créditos comuns, em pé de igualdade e rateadamente.
As custas do processo de insolvência, bem como as despesas a que se referem as alas a) a d) do n.° 1 do art.° 51.° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, saem precípuas do produto da massa insolvente (art.°s 46.°, 47.°, 51.0, n.° 1, al.a a), 172.°, n.° 1, e 304.° do referido diploma legal).

Custas a cargo da massa insolvente.»
O MÉRITO DA APELAÇÃO
1) Se a sentença recorrida, ao graduar os créditos da C.G.D e do BCP SA, à frente dos créditos da Autoridade Tributária relativos a IMI, no que toca ao produto da venda do prédio apreendido e inscrito na matriz predial sob o art.° 2534, descrito na CRP de PDL sob o n.° 1555, enferma de erro de julgamento, por ter violado o disposto nos art.°s 751° e 744° do Código Civil, e no art. 122° do CIMI e nos art.°s 47° e 97°, a contrário, do CIRE
O M°P° impugna a sentença de verificação e graduação de créditos, no segmento em que esta graduou os créditos da CGD e do BCP à frente dos créditos da Fazenda Nacional provenientes de IMI, relativamente ao produto da venda do prédio apreendido e inscrito na matriz predial sob o art° 2534 e descrito na CRP de Ponta Delgada sob o n° 1555, sustentando que dos créditos reconhecidos à Autoridade Tributária como privilegiados no valor de 9.325,36 euros, constam créditos de IMI sobre o prédio apreendido e inscrito na matriz predial sob o art.° 2534, descrito na CRP de PDL sob o n.° 1555 - como se pode constatar da certidão das Finanças remetida ao Sr.° Administrador da Insolvência aquando da reclamação dos créditos do Estado, e do anexo referente à identificação do prédio sobre o qual incidiu o IMI (que também foi remetido ao Sr. Administrador de Insolvência em aditamento à reclamação) e também da descrição dos bens apreendidos e que se encontra junto ao relatório efectuado nos termos do disposto no art.° 155° do CIRE. Segundo o ora Apelante, esses créditos relativos a IMI (que gozariam de privilégio imobiliário especial) ascendem a 1.637,13 euros.
Quid juris ?
Independentemente do que constava (ou não) da certidão das Finanças remetida ao Sr.° Administrador da Insolvência aquando da apresentação da reclamação dos créditos do Estado e do anexo referente à identificação do prédio sobre o qual incidia o IMI e ainda da descrição dos bens apreendidos junta ao relatório elaborado nos termos do art. 155° do CIRE, o certo é que nem na lista definitiva de créditos reconhecidos e não reconhecidos a que alude o art. 129° do CIRE, nem no requerimento/reclamação do M.° P.° se indica qual o montante dos créditos da Autoridade Tributária relativo ao IMI, sendo certo que só esse goza de privilégio imobiliário especial (se constituído nos últimos 12 meses anteriores à sentença de insolvência).
Ou seja, os créditos classificados como privilegiados (amalgamando na mesma categoria os dotados de privilégio mobiliário geral e os que gozam de privilégio imobiliário) na lista definitiva apresentada pelo Administrador da Insolvência, no montante de 9 325,36€, incluíam, além dos relativos ao IMI, os respeitantes ao IVA e a IRS, estes últimos seguramente não garantidos por qualquer privilégio imobiliário especial.
O que significa que a matéria de facto de que dispunha o julgador a quo, no momento da prolação da sentença de verificação e graduação de créditos, designadamente a lista definitiva de credores reconhecidos e não reconhecidos prevista no art. 129° do CIRE, não se mostrava suficiente para se determinar o valor do crédito da Fazenda Nacional relativo a IMI.
Consequentemente, perante a matéria factual à sua disposição, o tribunal a quo nunca poderia ter procedido à graduação do mesmo crédito à frente dos créditos da CGD e do BCP.
Assim sendo, a despeito da ausência de impugnações, a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência padecia dum erro manifesto (ao amalgamar na mesma categoria de créditos privilegiados os dotados de privilégio mobiliário geral e os que gozam de privilégio imobiliário especial) e, portanto, não podia, sem mais, ser homologada pelo tribunal, por não permitir que os créditos reclamados e reconhecidos fossem graduados em conformidade com os dados que dessa lista constavam (cf. o n° 3 do art. 130° do CIRE).
De sorte que as incertezas e perplexidades resultantes da lista de credores reconhecidos apresentada pelo administrador da insolvência, quanto aos créditos da Fazenda Nacional, impunham que o tribunal a quo solicitasse ao administrador da insolvência os elementos necessários para se poder proceder à graduação dos créditos reconhecidos.
Consequentemente, impõe-se decretar a anulação do processado subsequente à apresentação da lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos a que alude o art. 129° do CIRE oportunamente apresentada nos autos pelo Administrador da insolvência (incluindo a sentença de verificação e graduação de créditos ora recorrida) e determinar que o tribunal a quo, antes de proferir nova sentença, mande notificar o sr. Administrador da insolvência para apresentar uma nova lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos que discrimine, dentre os créditos reclamados pela Fazenda Nacional, quais os que respeitam a IMI e os que se referem a IRS e IVA.
A procedência parcial da Apelação, no que respeita a esta 1a questão, prejudica, obviamente, a apreciação daqueloutra questão suscitada pelo Apelante em 2° lugar (Se a sentença recorrida violou os art.°s 736°, 734 do Código Civil e os art.°s 47° e 97° a contrário, do CIRE, ao não graduar como privilegiados, relativamente ao produto da venda dos bens móveis que integram a massa falida, os créditos reclamados relativos a IVA (no valor de 7.688,23 euros) e a IRS (no valor de 209,52 euros).
DECISÃO
Acordam os juízes desta Relação em conceder parcial provimento ao recurso, decretando a anulação do processado subsequente à apresentação da lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos a que alude o art. 129° do CIRE oportunamente apresentada nos autos pelo Administrador da insolvência (incluindo a sentença de verificação e graduação de créditos ora recorrida) e determinando que o tribunal a quo, antes de proferir nova sentença, mande notificar o sr. Administrador da insolvência para apresentar uma nova lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos que discrimine, dentre os créditos reclamados pela Fazenda Nacional, quais os que respeitam a IMI e os que se referem a IRS e a IVA.
Custas da Apelação a cargo da parte vencida a final.
Lisboa, 16 de janeiro de 2018
Rui Vouga
Rosário Gonçalves
José Augusto Ramos
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