Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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 - ACRL de 06-12-2017   Alteração substancial e não substancial dos factos.
I – A acusação (ou a pronúncia, tendo havido instrução) define e delimita o objecto do processo, fixando o thema decidendum, sendo o elemento estruturante de definição desse objecto, não podendo o Tribunal promovê-lo para além dos limites daquela, nem condenar para além dos limites, o que constituiu uma consequência da estrutura acusatória do processo penal.
II- No entanto, a lei admite geralmente que o Tribunal atenda a factos ou circunstâncias que não foram objecto da acusação, desde que daí não resulte insuportavelmente afectada a defesa.
III – Assim e quando os factos novos não tenham como feito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, mas que sejam relevantes para a decisão, a alteração deverá ser considerada não substancial e o seu conhecimento pressupõe, o recurso ao mecanismo previsto no artigo 358º, n.º 1, do C.P.P.
IV – Ou seja, para que se verifique uma alteração substancial, ou não substancial dos factos constantes da acusação ou da pronúncia é necessário que tais factos se acrescentem ou se substituam, ou pelo contrário, se excluam alguns deles.
V – O Tribunal pode alterar a qualificação jurídica dos factos, desde que dê cumprimento ao dever de comunicação prévia previsto no artigo 358º, n.º 3, do C.P.P., facultando a oportunidade de exercício da defesa, inteiramente conforme à constituição e à Lei.
Proc. 459/15.1PILRS.L1 5ª Secção
Desembargadores:  Jorge Gonçalves - Maria José Machado - -
Sumário elaborado por Margarida Fernandes
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RECURSO N. ° 459/15.1PILRS L1
Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação:
I - Relatório
1. No processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.° 459/15.1PILRS, procedeu-se ao julgamento do arguido V..., melhor identificado nos autos, pela imputada prática de factos susceptíveis de integrarem a autoria de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 145°, n.°1, alínea a), 143° e 132°, n.°1, alínea e) e i), do Código Penal, na pessoa de C..., em concurso real com um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelo artigo 132°, n.° 1 e 2, alínea e), do Código Penal, na pessoa de C..., e com um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelo artigo 132°, n.° 1 e 2, alíneas b) e e), do Código Penal, na pessoa de R..., e com um crime de detenção de arma proibida previsto e punido pelo artigo 86°, n.° 1, alínea c) e n.° 2 do Regime Jurídico das Armas e suas Munições.
C... deduziu pedido de indemnização cível contra o arguido, pedindo a sua condenação no pagamento de € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais. R... também deduziu pedido de indemnização cível contra o arguido, pedindo a sua condenação no pagamento de € 3.500,00 a título de danos não patrimoniais.
Foi comunicada a alteração da qualificação jurídica dos factos, nos termos do artigo 358.°, n.° 1 e n.° 3 do Código de Processo Penal, considerando-se que os mesmos são susceptíveis de preencherem um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 145°, n.°1, alínea a), 143° e 132°, n.°1, alínea e) e i), do Código Penal, na pessoa de C..., em concurso real com um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 132°, n.° 1 e 2, alínea e), 22°, 23°, 73°, do Código Penal e ainda 86°, n.° 3, do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, na pessoa de C..., e com um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelo artigo 132°, n.° 1 e 2, alínea b) e e), 22°, 23°, 73°, do Código Penal, e ainda 86°, n.° 3, do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, na pessoa de R..., e com um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86°, n.° 1, alínea c) e n.° 2, do Regime Jurídico das Armas e suas Munições.
Realizado o julgamento, foi proferido acórdão que decidiu nos seguintes termos:
«Pelo exposto, o Tribunal Colectivo julga a acusação parcialmente procedente, por provada e, em consequência:
a) Absolve o arguido V... da prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 132°, n.° 1 e 2, alínea e), 22°, 23°, 73° do Código Penal e ainda 86°, n.° 3 do Regime Jurídico das Armas e suas Munições na pessoa de C....
b) condena o arguido V...:
- como autor de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo artigo 145°, n.°1, alínea a), 143° e 132°, n.°2, alínea i) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão.
- como autor de um crime de homicídio simples, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 131°, 22°, 23°, 73° do Código Penal e ainda 86°, n.° 3 do Regime Jurídico das Armas e suas Munições na pessoa de C... na pena de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão.
- como autor de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 132°, n.° 1 e 2, alínea b), 22°, 23°, 73° do Código Penal e ainda 86°, n.° 3 do Regime Jurídico das Armas e suas Munições na pessoa de R... na pena de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão.
- como autor de um crime de detenção de arma proibida previsto e punido pelo artigo 86°, n.° 1, alínea c) e n.° 2 do Regime Jurídico das Almas e suas Munições na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão.
- Em cúmulo jurídico, pela prática dos quatro crimes referidos, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
c) Condeno o demandado, V..., a pagar ao demandante, C..., a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de € 4.063,30 (quatro mil e sessenta e três Euros e trinta cêntimos) e à demandante, R..., a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de € 3.500,00 (três mil e quinhentos Euros).
(..)»
2. O arguido interpôs recurso do acórdão condenatório, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
1. O Arguido é inocente e irá demonstrá-lo sendo o acórdão de que se recorre, um enorme erro de julgamento, cavalgando uma errada apreciação dos factos. Afirmação que se escreve, sempre com o muito e devido respeito por opinião diversa, mas que com a qual se não concorda.
2. Nulidade do despacho que comunicou a alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação ao arguido e ainda do despacho que indeferiu a produção de prova
3. O arguido em tempo respondeu ao despacho que lhe comunicou a alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação, arguindo a sua nulidade e ainda assim, por mera cautela de patrocínio requerendo que fosse produzida nova prova, porquanto se entende ser um direito que ao mesmo assistia face à comunicação que lhe foi efetuada.
4. Todavia, o tribunal a quo, assim não entendeu, ou seja, não entendeu que existisse qualquer nulidade no seu despacho de comunicação de alteração da qualificação jurídica, nem tão pouco atendeu a que fosse produzida nova prova.
5. Ora este facto, impossibilitou de todo a defesa do arguido na sua plenitude e por isso, gera nulidade insanável que desde já se argui.
6. Mais, este facto por si só, impossibilitará que o recurso seja apreciado na sua totalidade, pois, sempre os autos terão que regressar ao tribunal a quo para que seja produzida a prova requerida pelo arguido, para que este se possa defender em toda a sua plenitude sob pena de nulidade insanável de todo o processado, o que se requer.
7. Isto porque, conforme foi dito pelo arguido, este não concorda com a referida alteração, isto porque, se não existiu nenhum facto diferente daquele que consta da acusação, então, quem tinha o dominas do processo, entendeu acusar pelos factos constantes da douta acusação com a qualificação jurídica que bem entendeu.
8. E não existiu da parte do Ministério Público, ao longo de todo o julgamento, ou mesmo após o terminar da produção de prova, qualquer requerimento nesse sentido, encontrando-se por isso, o tribunal vinculado ao objeto do processo.
9. Assim, e porque a comunicação efetuada, agrava os crimes pelos quais o arguido vinha acusado, o mesmo opôs-se a que a mesma assim produzisse os seus efeitos, pois, no seu humilde entender, estamos perante uma alteração da qualificação jurídica, logo, uma alteração substancial da qualificação jurídica, uma vez que a moldura penal agora é bem superior.
10. Deste modo, os artigos 358°, 361° e 371° do Código de Processo Penal são inconstitucionais na interpretação feita pelo Tribunal, por violação do disposto no artigo 32° da Constituição da República Portuguesa, ao permitir a reabertura da audiência, para fins que não os descritos no artigo 371° do Código de Processo Penal, depois de ao arguido ter sido permitido prestar as últimas declarações e este o ter feito ao abrigo do disposto no artigo 361° do Código de Processo Penal.
11. A completa ausência de fundamentação demonstra uma clara e notória postergação dos direitos do Arguido que assim vê claramente esbatidas as suas hipóteses de defesa, constituindo portanto uma claríssima violação do artigo 61°, n°1 e 97.° do Código de Processo Penal, bem como do artigo 205° da Constituição da Republica.
12. Ao negar-se ao arguido a realização do contraditório, ou pelo menos ao torná-la de per si totalmente irrelevante, contribuindo outrossim para a violação do princípio da plenitude das garantias de defesa do arguido, o Tribunal a quo colocou ambas as partes numa posição de desigualdade, em desfavor daquele, denegando assim a Justiça que lhe cumpria realizar.
13. O direito de defesa do arguido é um direito constitucionalmente garantido, e que não pode ser, de modo algum, denegado pelo Tribunal.
14. A alteração dos factos, quer seja substancial quer seja não substancial, traduz-se sempre numa alteração do objeto inicial do processo definido ou delimitado pelo teor da acusação (pública ou particular). Com efeito, o nosso processo penal tem natureza/estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento subordinada ao princípio do contraditório - n° 5, do artigo 32°, da CRP/76. O que significa que o objeto do processo a discutir e a apreciar pelo tribunal, ou dito de outro modo, os factos em apreciação e o seu enquadramento jurídico, estão delimitados pelo teor da acusação.
15. Trata-se de uma postergação total dos direitos de defesa do arguido e isso tem obrigatoriamente que gerar nulidade insanável e que deve originar a nulidade do acórdão proferido nos autos, e ordenada a remessa destes para que seja produzida toda a prova requerida pelo arguido (art.°s 426.°-A e 40.°, al. C), ambos do CPP).
16. Em forma de síntese, pode dizer-se que a comunicação feita pelo tribunal ao arguido, da alteração não substancial dos factos, não observou o legalmente exigido quanto à sua fundamentação, que no caso se traduz na explicitação ou concretização dos factos e meios de prova indiciários - Esta individualização ou concretização dos meios de prova justifica-se essencialmente quando são produzidas várias provas e possam surgir dúvidas ou dificuldades para o arguido em estabelecer a correspondência entre tais provas produzidas e os novos factos indiciados, dificultando ou impossibilitando a sua defesa de modo eficaz -, nos termos supra referidos, única forma e meio de salvaguardar ao arguido os direitos consignados no artigo 61°, n° 1, alínea c) e 358°, n° 1, ambos do CPP e 32°, n°s 1 e 5, da CRP/76, violador, pois, dos direitos de defesa e do princípio do contraditório, nulidades que desde já se arguem.
17. Nesta medida, pode desde já afirmar-se e concluir-se que se a condenação do arguido porquanto tem por base factos que não integravam a acusação, tal facto constitui nulidade prevista no artigo 379°, n° 1, alínea b), do CPP, pois ocorreu fora do caso e condições do artigo 358°, do mesmo diploma, nulidade essa que desde já se volta a arguir e pretende ver decretada com as legais consequências.
18. Entendeu o tribunal que a comunicação efetuada ao arguido da qualificação jurídica, configura uma alteração não substancial.
19. Diverge-se do entendimento do Tribunal, pois, as alterações comunicadas não se tratam de meras alterações da qualificação jurídica, ou seja,
20. Trata-se efetivamente, na opinião da defesa de alterações substanciais e que deveriam ter sido comunicadas ao abrigo do disposto no art.° 359.°, do CPP.
21. O arguido não concordou nem concorda com as alterações substanciais efetuadas e ainda assim requereu que fosse produzida prova suplementar.
22. Desta forma, o arguido em estrito cumprimento do princípio do contraditório, não prescindiu que fosse produzida nova prova.
23. Assim, o despacho comunicou a alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação ao arguido e ainda do despacho que indeferiu a produção de prova são ambos nulos, porquanto afrontam com os direitos de defesa do arguido, e ainda o seu direito ao contraditório, pelo que, estas nulidades deverão ser decretadas e consequentemente existir uma de duas soluções, ou seja: Caso se entenda como o arguido entende, que as comunicações efetuadas devem integrar o art.° 359.°, n.° 1, do CPP, deverá o arguido ser absolvido desse crime e consequentemente seguir o processo os seus trâmites normais por esse novo crime como é de direito; ou então, caso se entenda que a alteração comunicada preenche e deve integrar o art.° 358.°, então, o acórdão proferido deve ser considerado nulo, e consequentemente ordenada a sua remessa para reabertura da audiência com a produção de prova requerida pelo arguido o que se requer.
24. Afirma o recorrente, e disso tem profunda convicção, que, a decisão recorrida, lida e relida a fundamentação de facto e consequente motivação da fundamentação, resulta evidente que a fundamentação não cumpre a exigência legal e constitucional, de traduzir rigorosamente, cotejando prova a prova, todas e não somente uma, de onde se firmam os factos assentes e em que provas se funda essa convicção.
25. No que à fundamentação diz respeito, então essa é praticamente omissa.
26. Uma simples referência a um ou outro depoimento para dar tudo como provado, ficando sem se perceber porque motivo assim decidiu o tribunal e qual o seu raciocínio lógico para chegar às conclusões que chegou.
27. Em suma, e salvo o devido respeito pela decisão tomada e por opinião diversa, o que se refere sem conceder, por dever de respeito e de patrocínio, a fundamentação é magra e pouco cuidada, e, além disso não é ponderada nem criteriosa.
28. Posto isto, a decisão aqui recorrida, ao assim decidir, fundamentando deficientemente a decisão tomada, além de entrar em contradição, tal equivale a falta de fundamentação e, por isso, redunda em Nulidade.
29. É assim Nula a decisão por manifesta falta de fundamentação e por omissão de pronúncia.
30. Nulidades que se deixam arguidas e se querem ver declaradas. Como é de Lei, tendo sido violados, nesta parte, os artigos 127.°,374.°, n.° 2, do CPP. Sendo Nula a decisão nos termos do artigo 379.°, n .° 1, alíneas a e c e n.° 2, do CPP.
31. É ainda Nula a decisão por violação grosseira, do princípio in dúbio pro reo, e não somente por falta de fundamentação.
32. Aliás, ambas as nulidades resultam de um mesmo facto: firmar o convencimento com base em prova que não é nem nunca pode ser dada como suficientemente esclarecedora e fora de qualquer dúvida e aquando existe prova, não cotejada, que aponta em sentido diametralmente oposto e convencimento esse que, de todo, não foi fundamentado na forma e modo imposto pela lei processual penal.
33. O arguido prestou declarações e negou os factos. As afirmações e a palavra do arguido, só por ter essa qualidade no processo não podem deixar de ter o mesmo valor que a dos demandantes.
34. Mal andou o Tribunal a quo, ao assim decidir, tendo sido violado, entre outros, o artigo 127.°, bem como o artigo 374.°, todos do CPP. Sendo Nula a decisão nos termos do artigo 379.0, n .° 1, alíneas a e c do CPP.
35. Sendo aliás inconstitucional o entendimento, rectius, interpretação dado pela decisão recorrida ao artigo 127.° do CPP, segundo a qual, a livre apreciação de prova permite afirmar um facto como provado, sem que prova material ou pessoal diretamente apreciada e clara e fundadamente esclarecida tenham existido, a não ser parte do que dizem os demandantes (que nem tudo a decisão aproveitou, faltando saber porque acreditou numa parte e noutra não, daí a deficiente fundamentação, que acarretam as Nulidades já arguidas).
36. A interpretação do artigo 127.°, do CPP, feita pela decisão aqui posta em crise, não respeitou este princípio legal, de acordo com o disposto na Constituição da Republica, sendo por isso inconstitucional, por violação do artigo 32.°, n.° 2 da CRP. Inconstitucionalidade que desde já se arguiu, prevenindo a possibilidade de recurso ao Tribunal Constitucional, caso assim se não venha a entender, o que se refere, sem conceder e por dever de patrocínio.
37. O recorrente, aqui arguido, não tem dúvidas de que a decisão só poderia ter sido a absolvição por ausência de qualquer comportamento ilícito da sua parte, o que é por demais evidente nos presentes autos. Mas, no mínimo, deveria ter ficado firmado haver dúvidas em face de contradição de versões dos demandantes e do arguido. Porque a palavra dos demandantes que estão concertados entre si não pode valer mais do que a do arguido! A isso se opõe o artigo 32.° n.° 2 da CRP e as regras da experiência.
38. Além das Nulidades invocadas, o arguido foi condenado com fundamento em errónea apreciação da prova. E por isso mesmo a prova deverá ser objeto de reapreciação, sendo certo que entende o recorrente que não precisará o Tribunal, ad quem, de recorrer ao princípio da imediação, posto que, as provas são inúmeras e todas elas apontam em sentido diametralmente oposto ao que chegou o Tribunal a quo e levará à absolvição do arguido, que é e está inocente, posto que nenhum crime cometeu.
39. Prova que se requer a sua reapreciação, o que deverá ser feito, no seguimento do disposto na lei processual penal.
40. Contudo, salvo o muito e devido respeito, e no seguimento da motivação acima expendida e que fundamenta a alegação dos vícios de Nulidade, foi erradamente dado como assente que o arguido cometeu os crimes de ofensa à integridade física qualificada; de homicídio simples, na forma tentada e de homicídio qualificado na forma tentada, quando existem provas contrárias.
41. Ora, no entendimento do arguido, os factos dados por assentes, posto que a prova não aponta, validamente, nesse sentido.
42. Existe, salvo o muito e devido respeito, além da alegada falta de fundamentação e contradição entre a fundamentação e a motivação, insuficiência da prova para a condenação; errada apreciação da prova e violação do princípio in dubio pm mo, atento que toda a prova aponta em sentido diverso.
43. O princípio da livre apreciação da prova (art.° 127.° do CPP) encontra limite na prova concreta que somente pode ser apreciada segundo as regras da experiência e valorada numa direção e não em direções díspares e tem de ter como limite a dúvida razoável que sempre se deve ter na ausência de suporte probatório claro.
44. Existiu, por isso, flagrante contradição e, como supra se disse e a nosso ver, violação do princípio in dúbio pró reo.
45. Foram dados como assentes factos sobre os quais nenhuma prova se produziu, isto é, não se pode imputar os factos ao arguido, quando nenhuma prova desses factos existe, a não ser as palavras não claras dos demandantes, as quais foram tudo menos credíveis, e uma versão não coincidente das testemunhas da acusação. Ou seja, nenhuma prova há nos autos, direta ou indireta que possa justificar a prova dada como assente, de que o arguido tenha agredido o demandante C... e que tenha tido qualquer intenção de matar os demandantes.
46. Por tudo isto se entende que a prova fixada não deveria ter sido a que foi e o arguido não deveria ser punido, porque não cometeu os ora referidos crimes.
47. É preciso muito mais para além do que fundamentou a decisão recorrida.
48. Existiu erro notório na apreciação da prova e o arguido deveria ter sido absolvido integralmente.
49. A prova que contraria a decisão proferida nos autos é a testemunhal e os documentos ali juntos.
50. É manifestamente insuficiente o que resulta dos autos e do julgamento para levar à condenação da arguido pelos crime de que foi condenado, e muito menos na medida em que o foi.
51. No caso sub judice, o acórdão recorrido, ao formar como formou o livre convencimento do juiz, traduziu-se como uma autêntica limitação ao livre convencimento ou persuasão racional, porquanto a livre convicção do juiz, não pode ir ao ponto de desfavorecer o arguido (Art.°, 61°, n°1, alínea c) conjugado com o Art.° 343°, n°1, ambos do CPP), ferindo o princípio do in dúbio pro reu.
52. Pelo que, também por isso a sentença que ora se recorre deve ser declarada nula, como aliás se disse acima e aqui se reitera, que são inconstitucionais tais normas quando interpretadas no seguinte sentido:
53. Ao formar o livre convencimento, o juiz, não se encontra limitado ao livre convencimento ou persuasão racional, porquanto a livre convicção do juiz, pode ir ao ponto de desfavorecer o arguido (Art.°, 61°, n°1, alínea c) conjugado com o Art.° 343°, n°1, ambos do CPP), ferindo o princípio do in dúbio pro reu.
54. Tal interpretação viola ainda o art.° 6° da Convenção para a proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais com as modificações introduzidas pelo Protocolo n° 11 acompanhada do Protocolo adicional e dos Protocolos nos 4, 6, 7 e 13, e os artigos 32°, n.° 2 e 18.°, n.° 1, ambos da C.R.P.
55. Inconstitucionalidade que já igualmente se arguiu e se reitera.
56. Assim, a violação do princípio in dúbio pro reo, traduz uma NULIDADE absoluta, e inconstitucionalidade, que vão assim arguidas com as legais consequências e prevenindo recurso de constitucionalidade, tudo como já acima se sindicou em sede de arguição de outras Nulidades, mas aqui e neste passo da motivação se reitera.
57. Tendo o presente recurso como objeto a reapreciação da matéria de facto, nos termos do artigo 412.°, n.° 3 do CPP.
58. Junta infra o Recorrente parte da transcrição dos depoimentos das testemunhas e, considerando os vícios invocados, desde já se invoca que as provas que implicam diversa decisão em matéria de facto, são todas as que se encontram gravadas que devem ser renovadas e integralmente reproduzidas com julgamento público no Tribunal.
59. De forma a concluir-se, como o faz o recorrente que a prova documental e testemunhal iliba completamente o arguido de ter cometido qualquer crime e muito menos os crimes de que foi condenado.
60. Requerendo-se integral renovação desta prova!
61. Cumprindo o disposto no referido normativo, doravante vai-se enunciar ponto a ponto, de forma expressa, relativamente ao arguido, os factos que foram erradamente dados como provados e constantes na motivação de facto dada como assente, bem como se explicita detalhadamente o que deveria ter sido dado por provado, nesta sede, indicando, passo a passo as provas que fundamentam esta arguição.
62. Da Matéria de facto Provada (ponto A da Fundamentação):
63. Ponto 3: Deve ser extirpado deste ponto o segmento ..mantém-se conflituoso, sendo que essa conflituosidade se estende a C..., atual companheiro de R....
Não pode ser dado por provado porque uma situação pontual que tenha ocorrido entre o arguido e o C..., não pode ser entendida como uma continuidade de conflito, portanto o que se terá tratado de uma situação pontual, não pode ser vista como uma continuidade, daí que a expressão mantém-se conflituoso, significaria que existia um conflito contínuo e isso não ficou provado. Este ponto 2 deve, por isso passar a ficar desta forma:
64. Ponto 3: Entre o arguido e C... existiu uma situação de conflito entre os dois no passado e R... não aceita que o arguido tenha a guarda do filho de ambos.
As provas que apontam neste sentido e não no sentido firmado pelo Tribunal, são: As declarações dos demandantes C... e R..., que foram precisamente nesse sentido, assim bem como as declarações do arguido.
65. Ponto 4. Deve ser extirpado deste ponto o segmento telefonou e substituído por enviou mensagem.
As provas que apontam neste sentido e não no sentido firmado pelo Tribunal, são:
As declarações da própria demandante R..., que foram precisamente nesse sentido, e com isso foi confrontada aquando a sua inquirição pelo próprio tribunal.
66. Ponto 5. Este ponto, deve pura e simplesmente desaparecer da matéria de facto assente, por ausência de qualquer prova que o sustente.
Não há qualquer indício ou prova que o arguido ao se aperceber que R... havia chegado acompanhada de C... decidiu tirar satisfações do mesmo, incluindo fisicamente tendo-se munido de uma soqueira em alumínio para potenciar as lesões, e isto resulta das seguintes provas:
Das declarações do próprio arguido, e da razoabilidade dos acontecimentos, pois, se é verdade que o arguido tinha em sua casa uma arma de fogo, então, se o mesmo assim que se apercebeu que a demandante R... vinha acompanhada, então porque motivo não pegou de imediato na referida arma de fogo e efetuou disparos na direção de ambos? Porque motivo se dirigia aos demandantes, com um miúdo em cada mão, para agredir o C...? Este facto não cabe nas regras da experiência comum, pois, se o arguido tinha algum plano, com as deficiências físicas que tem (falta de uma perna), o mais longe que alguma vez poderia ir em confronto fisico com o demandante C..., reformado da GNR e com treino militar, era conseguir eventualmente dar um primeiro soco, mas que até esse seria de muito difícil execução, conforme aliás resulta das próprias declarações do demandante C... e de seguida ser efetivamente imobilizado e ele próprio agredido. Não teria qualquer sucesso esse tipo de situação.
E a prova que nos leva neste sentido, são precisamente as declarações dos demandantes e do próprio arguido.
67. Ponto 6. Deve ser extirpado deste ponto o segmento e disse-lhe em tom agressivo: sai do carro para conversarmos e substituído por e disse-lhe em tom calmo: Oh C... vem cá fora que eu quero falar contigo.
As provas que apontam neste sentido e não no sentido firmado pelo Tribunal, são: As declarações do próprio demandante C....
68. Ponto 7. Deve ser extirpado deste ponto o segmento o arguido desferiu-lhe um golpe com a soqueira que portava, ao que C... reagiu, imobilizando-o e substituído por imediatamente agrediu o arguido com uma soqueira que portava, levando o arguido ao solo e imobilizando-o.
As provas que apontam neste sentido e não no sentido firmado pelo Tribunal, são:
As declarações do próprio arguido, da testemunha R... e essencialmente da testemunha D....
69. Ponto 9. Este ponto não pode ser dado como assente, porque nunca foi intenção do arguido vingar-se, mas sim face às agressões que acabara de ser vítima assustar os demandantes e fazer com que os mesmos se fossem embora.
Assim, este ponto deve ser reformulado e passar a ter a seguinte redação: Após o fazer, e desejando assustar R... e C..., o arguido deslocou-se ao interior da sua residência, pegou numa pistola de marca CZ 75 Kadet, calibre .22, com o n.° de série AP 3690, dirigiu-se a uma das janelas do 1.° andar e efetuou um disparo para o ar, quando estes já se encaminhavam para o carro.
As provas que apontam neste sentido e não no sentido firmado pelo Tribunal, são:
As declarações do próprio arguido, da testemunha R... e essencialmente da testemunha D....
70. Ponto 10. Porque nunca existiu qualquer intenção do arguido em atingir os demandantes neste ponto deve por e simplesmente ser excluída a expressão Apenas por motivo alheio à sua vontade mo arguido não os atingiu, contudo, um dos disparos, devendo este ponto passar a ser o seguinte: O disparo efetuado pelo arguido atingiu o veículo pertença de R....
As provas que apontam neste sentido e não no sentido firmado pelo Tribunal, são:
As declarações do próprio arguido, da testemunha R... e essencialmente da testemunha D....
71. Ponto 11: Deve ser extirpado deste ponto o segmento não tinha licença e substituído por tinha licença caducada.
As provas que apontam neste sentido e não no sentido firmado pelo Tribunal, são:
As declarações do próprio arguido e ainda a cópia da licença caducada, junta pelo arguido no decurso da audiência de discussão e julgamento, que foi admitida a sua junção pelo tribunal e se encontra junta aos autos.
72. Ponto 12. Neste ponto, face ao que se defende dever ser o ponto 7, ou seja, que era o demandante C... quem era possuidor da soqueira, deve ser retirado puro e simplesmente deste ponto a expressão soqueira, uma vez que o resto resulta das regras da experiência comum. As provas que apontam para esta conclusão, são as mesmas referidas para o ponto 7, que apontam no sentido de que o demandante C... era o detentor da soqueira e não o arguido.
73. Ponto 13. Este ponto deve também ele face à prova produzida, sofrer alterações, ou seja, deve passar a contar do mesmo que o arguido tinha a licença caducada ao invés de não tinha licença, isto tudo com base na mesma prova indicada para o ponto 11.
74. Ponto 14. Face a toda a prova produzida e às alterações supra referidas aos pontos que antecedem o presente, deve este simplesmente ser completamente extirpado, sendo que a prova que sustenta esta afirmação é toda a que foi referida para provar os pontos antecedentes.
75. Ponto 15. Face a toda a prova produzida e às alterações supra referidas aos pontos que antecedem o presente, deve este simplesmente ser completamente extirpado, sendo que a prova que sustenta esta afirmação é toda a que foi referida para provar os pontos antecedentes.
76. Ponto 17. Face a toda a prova produzida e às alterações supra referidas aos pontos que antecedem o presente, deve este simplesmente ser completamente extirpado, porquanto diz respeito apenas ao elemento subjetivo do crime e não se provando os elementos objetivos do crime este também não se logrou provar, sendo que a prova que sustenta esta afirmação é toda a que foi referida para provar os pontos antecedentes.
77. Ponto 19. Este ponto deve ser completamente substituído pelo seguinte: Após a situação descrita em 6) e 7), o demandante foi atingido com vários socos no rosto e na cabeça pela testemunha D....
As provas que apontam neste sentido e não no sentido firmado pelo Tribunal, são:
As declarações do próprio arguido, dos Demandantes R... e C... e da testemunha Domingos Bouco.
78. Ponto 20. Neste ponto deve ser substituído a expressão arguido por a testemunha D....
As provas que apontam neste sentido e não no sentido firmado pelo Tribunal, são precisamente as mesmas que provam o facto anterior, ou seja:
As declarações do próprio arguido, dos Demandantes R... e C... e da testemunha Domingos Bouco.
79. Pontos 22; 23; 25; 26 e 27, por total ausência de prova, devem ser completamente extirpados, sendo que a prova que sustenta esta afirmação é toda a que foi referida para provar os pontos antecedentes.
80. São estas as correções que se requer ver feitas na matéria de facto assente, estando as provas já indicadas a cada ponto e não se trata de segmentos de prova, mas dos depoimentos vistos um a um, in totuum. Pois somente assim se fica com a verdadeira dimensão do erro gritante na apreciação da prova e se chega à mesma conclusão do arguido/recorrente.
81. Prova que está gravada e para a qual se remete, integralmente, juntando-se a transcrição dos depoimentos, bem como se remete para a prova documental constante nos autos e que se pretende ver toda reanalisada.
82. Ainda assim, e por forma a corroborar a defesa do arguido, as provas indicadas e que implicam alteração da matéria de factos, são entre outras as declarações dos demandantes e das testemunhas que se transcreveu na motivação supra.
83. As provas que impõem decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal a qua, nos pontos indicados, são as que acima se indicou expressamente, mas repetem-se: São os documentos constantes nos autos e os depoimentos dos próprios demandantes, do arguido e das testemunhas ouvidas no julgamento.
84. Prova esta que, cumprindo-se os requisitos legais, se pretende ver integralmente renovada, única forma de se verificar o erro judiciário cometido.
85. E são os depoimentos como um todo e a prova documental nos autos, que devem ser reapreciados e não parte deles, porque somente ouvindo todos os depoimentos, é que se pode verificar que não há prova que permita dar como assente o que se deu e permite verificar a inexistência de qualquer prova contra o arguido. Devendo haver renovação integral da prova.
86. Fixando-se a matéria assente como requerido e a matéria não assente, na parte impugnada, de igual modo.
87. Foram violadas entre outras, as normas do artigo 127.° e artigo 374.°, n.° 2, ; 64 e 357.°, do Código de Processo Penal; os artigos 143.°, n.° 1; 145.° n.° 1, a e 2 e 132.°, n.° 2, m, sendo Nula a sentença, nos termos do artigo 379.° do CPP.
88. Ao não atender ao princípio in dúbio pró reo, o Tribunal a quo violou os artigos 18.0; 25.°, n° 1; 26.°; 32.°, n.° 8; 34.°, n.° 3; e o artigo 204.° da Constituição da República.
89. Assim sendo, a matéria de facto que tem de se considerar assente, depois de corrigidos os vícios de que enferma e acima vão coligidos, deve levar a concluir pela inexistência de prova de cometimento de algum crime pelo arguido recorrente, decretando-se a sua absolvição integral.
90. RECURSO DE DIREITO
91. Considerando o que se disse sobre os pontos de facto que se sindicaram acima, como é evidente, sendo corrigida a decisão no sentido propugnado pelo recorrente, obviamente, este terá de ser absolvido integralmente do crime pelo qual foi acusado.
92. Nem outra pode ser, a nosso ver, a conclusão sob pena do erro e inerente injustiça se manter, no que se não acredita e se refere sem conceder e por dever de patrocínio.
93. Contudo e ainda que assim se não considere, no que se não acredita e se refere sem conceder, sempre se diga que o arguido, agiu no pleno exercício de funções e nunca exorbitou das mesmas, inexistindo qualquer ilicitude no seu comportamento.
94. E, nessa medida, nunca se pode considerar ter havido conduta especialmente censurável do arguido, logo, a haver crime, o que se não concede, sempre o mesmo seria na sua forma simples e nunca na forma qualificada.
95. É que as circunstâncias qualificativas que constam do artigo 132.° n.° 2 do CP, são meramente exemplificativas e é preciso que, em cada caso, a conduta do agente do crime revele especial censurabilidade e perversidade, o que se atinge em sede de apreciação da culpa, para se chegar à qualificação.
96. Foram violados as disposição legais já citadas supra e para as quais se remete, nomeadamente as normas do artigo 127.° e artigo 374.°, n.° 2, do Código de Processo Penal; os artigos 64 e 357.° do mesmo CPP; os artigos 32.°; 33.°; 48.°; 50:°; 71 e 72.°, 143.°, n.° 1, 145.°, n.° 1 e 132.°, n.° 2 m todos do Código Penal, sendo Nula a sentença, nos termos do artigo 379.° do CPP.
97. Ao não atender ao princípio in dúbio pró reo, o Tribunal a quo violou os artigos 18.0; 25.°, n° 1; 26.°; 32.°, n.° 8; 34.°, n.° 3; e o artigo 204.° da Constituição da República. DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
98. Da fundamentação expendida pelo tribunal, relativamente aos pedidos de indemnização civil, o tribunal a quo, não explicitou a forma como chegou à conclusão que chegou, em condenar o demandante nas quantias que condenou.
99. Não foi feita uma única referência a qualquer meio de prova, de onde o tribunal a quo retirou
100. O tribunal a quo, para além de invocar a legislação civil aplicável ao caso, nada mais acrescentou, pelo que, por falta de total fundamento legal, deve o arguido/demandado, ser absolvido dos pedidos de indemnização civil formulados nos autos e dos quais foi condenado.
101. Por mera cautela de patrocínio, porquanto estamos convictos da absolvição do arguido, sempre se dirá que,
Dos crimes de homicídio qualificado na forma tentada
102. Mesmo que se desse por assente toda a matéria factual dada como provada no acórdão recorrido, o que não se concorda, pois a matéria de facto assente com todo o respeito por opinião diversa, sempre deverá ser a que supra se referiu, no que aos crimes de homicídio qualificado na forma tentada diz respeito, por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá ainda o seguinte:
103. Vejamos se encontram preenchidos os elementos do tipo, quer objetiva ou subjetivamente.
104. Com todo o respeito por opinião diversa, entendemos que não.
105. E entendemos que não, porquanto, se fosse intenção do arguido matar os demandantes, conforme se faz querer no acórdão recorrido, então, sempre se diria, que o mesmo teria desistido de o fazer, pois, o que é certo, e deve ser dado como assente, pois existe prova documental e material nesse sentido nos autos, é que, o ao arguido foi apreendida a arma de fogo utilizada, e no carregador que se encontrava na mesma, estavam ainda seis munições devidamente municiadas e em bom estado de conservação e prontas a usar.
106. Ora se o arguido pretendesse matar os demandantes, tendo então ainda mais seis munições para o fazer, sempre o mesmo teria tido essa oportunidade de pelo menos tentar mais seis vezes atirar na direção dos demandantes o que não fez.
107. Desta forma, caso se desse por assente a matéria factual dada como provada no acórdão recorrido, então, sempre se teria que ter em linha de conta, que o arguido desistiu dos seus intentos, conforme dispõe o art.° 24.° do CP.
108. Foi assim violado o disposto no art.° 24.° do CP.
109. No entanto, e dentro da tese defendida por nós, não existiu qualquer crime de homicídio na forma tentada por parte do arguido, mas tão-somente, uma atitude por parte do arguido intimidatória para com os demandantes ao efetuar o disparo para o ar, no sentido de que os mesmos dali se ausentassem e não mais ali regressassem.
110. Nunca foi intenção do arguido matar fosse quem fosse,
111. Aliás, se o arguido tivesse essa intenção, então, nada o teria impedido de ter levado a arma de fogo consigo no momento em que foi ao encontro dos demandantes e aí sim efetuar os ditos disparos com intenção de matar.
112. O que na realidade aconteceu, foi um ato irrefletido por parte do arguido, que ao se ver ser agredido pelo demandante C... na porta de sua casa, perdeu a cabeça e foi à janela efetuar um disparo pata o ar, como forma de o intimidar a ele e à demandante.
113. Por outro lado, a agravação do crime de homicídio qualificado, na forma tentada, pelo regime jurídico das armas e suas munições, nos termos do art.° 86.°, n.°, deste regime, sempre se dirá, que este não tem aplicação no caso concreto.
114. E não tem aplicação, porquanto, o crime de homicídio qualificado na forma tentada, em causa nos autos, já é qualificado por ser cometido com arma de fogo.
115. E ao qualificar-se ainda pelo regime jurídico das armas e suas munições, podemos afirmar que estaríamos perante uma dupla qualificação que o legislador não pretendeu, pois o crime em si, já é qualificado por ser cometido com arma de fogo, senão, assumiria apenas a sua forma mais simples.
116. Assim, foi violado o disposto no art.° 86.°, n.° 3, do regime jurídico das armas e suas munições, porquanto esta disposição legal não tem aplicação no caso concreto.
117. Do crime de ofensas à integridade física qualificada
118. No que a este crime diz respeito, sempre se dirá, que se não concorda com a qualificação a ele atribuída, e aliás nesse sentido também tem vindo a jurisprudência dos tribunais superiores.
119. Para além de que se entende, que face aquela que foi a prova produzida, ou melhor à ausência de prova produzida no sentido de que o arguido agrediu o demandante C..., pois, face às matéria de facto que supra se impugnou, estamos em crer que a mesma será alterada para como na realidade os factos ocorreram, e nesse sentido o arguido irá ser, sem margem para dúvidas absolvido deste crime.
120. Mas, se ainda assim não se entender, sempre o crime deveria revestir a forma simples, porquanto não se encontram preenchidos objetiva e subjetivamente os elementos do tipo para que este seja qualificado.
121. Mais, da prova produzida, não se alcança que a soqueira fosse propriedade do arguido Vasco, muito pelo contrário.
122. Do crime de detenção de arma proibida
123. O tribunal condenou o arguido pelo crime de detenção de arma proibida, no entanto, atento os documentos juntos aos autos, licença de uso e porte de arma para a categoria da arma que lhe foi apreendida, sempre o tribunal a quo, deveria se ter pronunciado sobre a questão de saber se a estes factos deveria ser aplicada uma contraordenação uma vez que o arguido detinha a arma com a licença caducada e sem efetuar as respetivas comunicações conforme a lei assim impõe, o que, configura contraordenação e não ilícito criminal.
124. Daí que, a omissão do tribunal a quo, configura nulidade insanável o que desde já se argui.
125. É excessiva a medida da pena concretamente fixada ao arguido.
126. Resulta do disposto nos artigos 40° e 71° do C.P., que o fundamento legitimador da aplicação de uma pena é a prevenção, geral especial ou individual, está já positiva ou negativa, porque, por um lado, ressocializadora, por outro também ainda dissuasora - tudo relativamente ao delinquente - funcionando a culpa, simultaneamente, como seu pressuposto e limite máximo.
127. Analisando os critérios legais, poderíamos resumir toda a problemática da escolha e medida da pena na escolha da pena (art. 70°), em que o agente deve ser apreciado como a pessoa que é e na fixação do quantum da pena (art. 71°), sendo que o agente deve ser apreciado por aquilo que fez.
128. Dispõe o Art.° 40° do C. Penal que: 1. A aplicação da pena ... visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. 2. Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
129. O art.° 71°, n°1 (denotando não ter sido adaptado à nova redação do art.° 40° com a qual importa harmonizá-lo) estabelece um critério geral segundo o qual a medida da pena deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Critério que é precisado depois no n°2: na determinação da pena há que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele.
130. Reconduzindo-se os fatores concretos a ter em conta, definidos nas várias alíneas do citado n° 2, a três grupos ou núcleos fundamentais: fatores relativos à execução do facto {alíneas a), b) e c)); fatores relativos à personalidade do agente {alíneas d) e f) }; e fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior a facto {alínea e)}.
131. A determinação da medida concreta das penas aplicadas aos arguidos ora recorrentes e da respectiva pena aplicada, não se encontra devidamente fundamentada pela sentença recorrida nos critérios definidos nos artigos 40° e 71° do CP, assim bem como dos art °s 72.°, n.° 2, al. c) e 73.° também do CP.
132. Foram assim violados os art.°s 40.°, 71.°, 72.° e 73.° do CP.
133. A culpa tem uma função que não é a de modelar previamente ou de justificar a pena numa perspetiva de retribuição, mas a de «antagonista por excelência da prevenção», em intervenção de irredutível contraposição à lógica do utilitarismo preventivo, razão pela qual se pugna pela aplicação de uma pena substancialmente inferior e mais justa ao caso concreto.
134. Por maiores que sejam as necessidades de prevenção que ao caso se possa reclamar, a pena a aplicar está intrinsecamente limitada pela medida da culpa,
135. Discorda-se, pois, da medida concreta da pena, porquanto esta extravasa largamente a medida da culpa das ora recorrentes, bem como as particulares exigências de prevenção especial e, mesmo, geral - violando, por isso, o disposto nos arts. 40.° n.° 1 e 2 e 70.° n.° 1, ambos do CP.
136. Afigurando-se assim que as penas são excessivas, inadequadas, desproporcionadas e desprovidas de qualquer finalidade ressocializadora, antes visando, salvo melhor opinião, finalidades primacialmente retributivas, mesmo aí excedendo-as, e, como tal, gravemente violadoras do princípio da culpa e da razoabilidade.
137. A conduta dos arguidos, anterior e posterior à prática dos factos deveria ter sido levada em linha de conta na sua plenitude, o que não sucedeu, pois apenas as razões de ciência negativa foram tidas em consideração, sem nunca se valor as de dimensão positiva.
138. Incumbia ao tribunal recorrido não se limitar a ter em conta os antecedentes criminais, assim bem como deveria ter considerado as características humanas de cada um dos arguidos, as circunstâncias em que os factos ocorreram, e valorá-las positivamente, encontrando, na determinação da pena unitária a aplicar aos recorrentes um ponto de equilíbrio entre as exigências de prevenção, a gravidade dos factos e a personalidade dos agentes.
139. Pelo que, as pena em concreto são desajustada à culpa do arguido aqui recorrente, quer individualmente, quer no cúmulo resultante destas.
140. Sendo que, pelas razões e fundamentos supra elencados, sempre a pena do arguido aqui recorrente se deveria ter situado dentro dos seus valores mínimos, ou seja, numa pena de prisão em cúmulo juridico, próximo dos 5 anos, suspensa na sua execução, o que se requer.
141. Foram violados as disposição legais já citadas supra e para as quais se remete, nomeadamente as normas do artigo 127.° e artigo 374.°, n.° 2, do Código de Processo Penal; os artigos 64 e 357.° do mesmo CPP; os artigos 32.°; 33.°; 48.°; 50:°; 71 e 72.°, 143.°, n.° 1, 145.°, n.° 1 e 132.°, n.° 2 m todos do Código Penal, sendo Nula a sentença, nos termos do artigo 379.° do CPP.
142. Ao não atender ao princípio in dúbio pró reo, o Tribunal a quo violou os artigos 18.0; 25.°, n° 1; 26.°; 32.°, n.° 8; 34.0, n.° 3; e o artigo 204.° da Constituição da República.
Nestes termos e demais de Direito que V.a s Exas. Doutamente suprirão, requer-se a V.as Ex.as qu revoguem o acórdão recorrido pelos motivos de facto e de direito supra invocados.
Assim decidindo, V.a Ex.as farão, com a conhecida sapiência e riquíssima experiência, a costumada Justiça!
3. O Ministério Público junto da 1 instância apresentou resposta, no sentido de que o acórdão recorrido não merece censura, concluindo (transcrição): 1a
Recorre o arguido V... do Acórdão do Tribunal Colectivo da comarca de Lisboa Norte - Juízo de Grande Instância Criminal de Loures, de 16.01.2017, que o condenou nos seguintes termos:
b) condena o arguido V...:
- como autor de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo artigo 145°, n.°1, alínea a), 143° e 132°, n.°2, alínea i) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão.
- como autor de um crime de homicídio simples, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 131°, 22°, 23°, 73° do Código Penal e ainda 86°, n.° 3 do Regime Jurídico das Armas e suas Munições na pessoa de C... na pena de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão.
- como autor de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 132°, n.° 1 e 2, alínea b), 22°, 23°, 73° do Código Penal e ainda 86°, n.° 3 do Regime Jurídico das Armas e suas Munições na pessoa de R... na pena de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão.
- como autor de um crime de detenção de arma proibida previsto e punido pelo artigo 86°, n.° 1, alínea c) e n.° 2 do Regime Jurídico das Armas e suas Munições na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão.
- Em cúmulo jurídico, pela prática dos quatro crimes referidos, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
c) Condeno o demandado, V..., a pagar ao demandante, C..., a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de € 4.063,30 (quatro mil e sessenta e três Euros e trinta cêntimos) e à demandante, R..., a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de € 3.500,00 (três mil c quinhentos Euros).
2a
Pretende o arguido V... que seja concedido provimento ao recurso, e revogado o acórdão que o condenou pugnando pela sua total absolvição, formulando extensas conclusões que aqui não se dão por reproduzidas
3a
Dividindo-se a análise das mesmas nos seguintes termos:
I- Conclusões 2 a 23 - Nulidade do despacho que comunicou a alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação ao arguido e ainda do despacho que indeferiu a produção de prova - violação do art° 379° n° 1 alínea b), 358° e 359° todos do CPP
II- Conclusões 24 a 34 - Omissão da fundamentação do acórdão e consequente nulidade do mesmo, e violação do principio in dúbio pro reu - violação do disposto no art° 127°, 374° n° 2 e art° 379° n° 1 alíneas a) e c) e n° 2 do CPP.
III- Conclusões 35 a 41 -Violação do princípio de livre apreciação da prova - art° 127° do CPP
IV- Conclusões 42 a 56 Falta de fundamentação e contradição entre a fundamentação e a motivação, insuficiência da prova para a condenação; errada apreciação da prova e violação do principio in dúbio pro reo e consequente nulidade do acórdão - art° 127° do CPP
V- Conclusões 57 a 89 - Recurso da matéria de facto, nos termos do art° 412° n° 3 do CPP, tendo sido violadas entre outras as normas do art° 127° e art° 374° n° 2, 64 e 357° do CPP; os artigos 143° n° 1, 145° n° 1 alínea a) e n° 2 e 132 n° 1 alínea m), sendo nula a sentença nos termos do art° 379° do CPP e ainda nesta parte e também, violação do principio in dúbio pro reo - art° 18° , 25° n° 1, 26° , 32° n° 8, 24° n° 3 e o art° 204° da Constituição da República Portuguesa
VI- Conclusões 90 a 97 - Recurso de direito - violação do disposto no art° 127° e art° 374° n° 2 do CPP , os artigos 64° e 357° do mesmo CPP, os artigos 32°, 33° , 48°, 50°, 71° e 72° , 143° n° 1 , 145° n° 1 e 132° n° 2 alínea m) todos do Código Penal, sendo nula a sentença nos termos do art° 379° do Código Penal , sendo nula a sentença , nos termos do art° 379° do CPP e mais uma vez ao não atender ao principio in dúbio pro reo o Tribunal a quo violou os artigos 18°, 25° n° 1 , 26°, 32° n° 8, 34° n° 3 e o art° 204° da Constituição da República
VII- Conclusões 98 a 100 - Falta de fundamento da condenação no pedido cível
VIII- Conclusões 101 a 116 - Do não preenchimento do crime de homicídio qualificado em termos objectivos e subjectivos
IX- Conclusões 117 a 121 - Do não preenchimento do tipo de ilícito de ofensas à integridade física simples, quanto mais do ilícito de ofensa à integridade física qualificada
X- Conclusões 122 a 124 - Do não preenchimento do crime de detenção de arma proibida
XI- Conclusões 125 a 139 e 141 a 145 - Da medida da pena, por considerar a mesma excessiva, tendo sido violados os seguintes preceitos legais: art° 40° e 71° do CP , bem como do art° 72° n° 2 alínea c) e 73° , do CP e art° 127° e art° 374° n° 2 do CPP, os artigos 64° e 357° do mesmo CPP, os artigos 32°, 33°, 48°, 50°, 71° e 72°, 143° n° 1 , 145° n° 1 e 132° n° 2 alínea m), todos do Código Penal, sendo nula a sentença nos termos do art° 379° do CPP, bem como entende por violado o principio in dúbio pro reu, o Tribunal a quo violou desta forma os artigos 18°, 25° n° 1 , 26° , 32° n° 8 , 34° n° 3 e o artigo 204° da Constituição da República
XII- Conclusão 140 - Da suspensão da medida da pena
4a
O arguido vem arguir a nulidade do despacho que comunicou a alteração da qualificação jurídica dos factos, bem como do despacho que indeferiu a produção de prova.
5a
Em primeiro lugar o despacho de alteração da qualificação jurídica não tinha que ser fundamentado com factos, retirando-se essa fundamentação da fundamentação do próprio acórdão.
6a
E neste sentido, decidiu ainda o Acórdão da Relação de Coimbra de 14.01.2015 - proferido no processo 72/11.2GDSRT.C1- disponível in www. dgsi.pt, perfilhando-se o entendimento ali enunciado:
(...)IV - Os factos provados e não provados que devem constar da fundamentação da sentença são todos os factos constantes da acusação e da contestação, os factos não substanciais que tenham resultado da discussão da causa e os factos substanciais resultantes da discussão da causa e aceites nos termos do artigo 359 do CPP.
V - Através da fundamentação da matéria de facto da sentença há-de ser possível perceber como é que, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, se formou a convicção do tribunal. (...)(sublinhado e negrito nossos) .
7a
Extrai-se desta decisão que não pode proceder a pretensão do recorrente na medida em que se extrai do acórdão recorrido e da sua motivação que os factos que constavam na acusação pública e que foram dados como provados integravam para além dos enunciados pelo MP o tipo previsto no n° 3 do art° 86° da Lei das Armas.
8a
V-A agravação do n° 3 do art° 86° da Lei das Armas (Lei n° 5/2006, de 23/02, alterada pela Lei 17/2009 de 6/05), encontrando fundamento num maior grau de ilicitude, tem sempre lugar se o crime for cometido com arma, só afastada nos casos em que o uso ou porte de arma seja elemento do respectivo tipo de crime ou dê lugar, por outra via, a uma agravação mais elevada.
9a
Doutamente andou o Tribunal quando lançou mão da alteração da qualificação jurídica dos factos, não implicando os mesmos como já ficou aqui exposto uma alteração substancial dos factos nos termos do art° 359°, mas tão-somente uma alteração nos termos do art° 358° n° 1 e n° 3 do CPP.
10a
O arguido como sua defesa apresentou prova testemunhal e o requerimento constante dos autos, no qual se insurgia contra o decidido, afirmando que se o MP nada tinha requerido até ao encerramento da audiência, não podia o Tribunal recorrido alterar a qualificação jurídica, posto que o objecto do processo se mostrava fixado com a acusação.
11a
O objecto do processo não foi alterado - os factos imputados ao arguido são os mesmos, mas integram como bem se atentou na decisão, dispositivo legal em causa.
12ª
Não foram violados quaisquer preceitos legais e constitucionais, nem padece o acórdão proferido de qualquer omissão ou falta de fundamentação, mostrando-se clara na factualidade provada e não provada e na fundamentação da convicção do Tribunal a alteração da qualificação jurídica efectuada pelo Tribunal.
13ª
O arguido alega que o acórdão recorrido padece do vício de falta de fundamentação do acórdão, e lido o acórdão proferido afigura-se-nos que o mesmo não padece de qualquer vício de falta de fundamentação, nem se mostra ferido de qualquer nulidade.
14ª
O entendimento do STJ, em acórdão de 17.11.1999, in CJ-III-200, também referido na op. cit , a fls. 724 foi o seguinte: sobre o cumprimento deste preceito (entenda-se art° 374° do CPP) encontra-se sedimentado: trata-se da exposição tanto quanto possível completa, mas concisa dos motivos de facto e indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, sem necessidade de esgotar todas as induções ou critérios de valoração das provas e contraprovas, mas permitindo verificar que a decisão seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, não sendo ilógica, arbitrária, contraditória ou violadora das regras de experiência comum.
15ª
Ora é em sentido oposto ao decidido pelo STJ que o arguido pretendia que o Tribunal tivesse decidido. A fundamentação de um acórdão não se pode qualificar como magra... A fundamentação de um acórdão tem de ser tanto quanto possível completa, mas concisa.
16a
Tal verifica-se da leitura do acórdão recorrido, pelo que nesta parte se entende que o recurso do arguido não merece provimento, encontrando-se a decisão a quo fundamentada de facto e de direito de forma concisa, contendo todos os elementos necessários à decisão, tal qual ela foi proferida.
17a
Alega ainda o recorrido que foi violado o princípio do in dúbio pro reu que deveria ter sido aplicado na decisão.
18a
Também aqui entendemos que não lhe assiste qualquer razão e perfilhando o entendimento vertido pelo STJ somos a transcrever o decidido em 12-03-2009, atesto em que foi analisada a matéria vertente e se decidiu que:
(...) III- O princípio do in dubio pro reo constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa; como tal, é um princípio que tem a ver com a questão de facto, não tendo aplicação no caso de alguma dúvida assaltar o espírito do juiz acerca da matéria de direito.
IV- Este princípio tem implicações exclusivamente quanto à apreciação da matéria de facto, quer seja nos pressupostos do preenchimento do tipo de crime, quer seja nos factos demonstrativos da existência de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.
V- Não existindo um ónus de prova que recaia sobre os intervenientes processuais e devendo o tribunal investigar autonomamente a verdade, deverá este não desfavorecer o arguido sempre que não logre a prova do facto; isto porque o princípio in dubio pro reo, uma das vertentes que o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 32.°, n.° 2, 1.a parte, da CRP) contempla, impõe uma orientação vinculativa dirigida ao juiz no caso da persistência de uma dúvida sobre os factos: em tal situação, o tribunal tem de decidir pro reo.
VI- Daqui se retira que a sua preterição exige que o julgador tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido. Já o saber se, perante a prova produzida, o tribunal deveria ter ficado em estado de dúvida é uma questão de facto que não cabe num recurso restrito à matéria de direito, mesmo que de revista alargada.
VII - A apreciação pelo STJ da eventual violação do princípio in dubio pro reo encontra-se dependente de critério idêntico ao que se aplica ao conhecimento dos vícios da matéria de facto: há-de ser pela mera análise da decisão que se deve concluir pela violação deste princípio, ou seja, quando, seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção, se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção.
19a
Retira-se deste atesto do STJ que para que o princípio do in dubio pro reo tenha aplicação efectiva, a dúvida que assola o julgador e que terá que o determinar a decidir a favor do arguido, resulta da matéria de facto dada como provada.
20a
E o arguido, só através da sua interpretação da prova produzida é que entende que essa dúvida existe.
21a
O arguido não demostra que se tivesse que decidir a seu favor absolvendo-o com base na análise concatenada na prova produzida, isto porque para o arguido no julgamento apenas ele, a sua companheira, o Joaquim Reboucho e algumas das declarações da testemunha Ricardo mereceram credibilidade. E a sua versão dos factos merece a mesma credibilidade que a dos ofendidos, pelo que o Tribunal decidiu no sentido diametralmente oposto àquilo que pretendia: que era ser absolvido e que a final foi condenado.
22a
O arguido não podia demonstrar que existiu a dúvida no espirito do julgador, porque, de facto, ela não existiu.
23ª
O que acontece, neste caso, tal como quando entende por violado o estatuído no art° 127° do CPP, o que o recorrente pretende fazer é substituir-se ao julgador, fazendo passar a sua convicção e a possibilidade de existência daquela dúvida. Mas era ao Tribunal a quo que competia analisar e apreciar a prova e decidir de acordo com a respectiva convicção...Ora, no acórdão ora recorrido não transparece qualquer dúvida, nem sobre os factos nem sobre a respectiva autoria e consequente imputação.
24a
E não pode o arguido vir invocar uma pretensa violação do princípio in dúbio pro reo quando na verdade é a livre convicção do colectivo de Juízes que pretende atacar, substituindo-se à mesma.
25a
Neste sentido doutamente decidiu essa Veneranda Relação em acórdão datado de 14-12-2010, proferido no processo 518/08.7PLLSB.L1-5 sendo relator o Exm° Desembargador Neto de Moura, e do qual transcrevemos, porque perfilhamos na integra o decidido qual o sentido do principio in dúbio pro reo de forma clara, concisa e assaz esclarecedora:
I - O princípio in dubio pro reo não é mais que uma regra de decisão: produzida a prova e efectuada a sua valoração, quando o resultado do processo probatório seja uma dúvida, uma dúvida razoável e insuperável sobre a realidade dos factos, ou seja, subsistindo no espírito do julgador uma dúvida positiva e invencível sobre a verificação, ou não, de determinado facto, o juiz deve decidir a favor do arguido, dando como não provado o facto que lhe é desfavorável.
(...)
III - Não se trata porém de dúvidas que o recorrente entende que o tribunal recorrido não teve e devia ter tido, pois o in dubio... não se aplica quando o tribunal não tem dúvidas. Ou seja, o princípio in dúbio pro reo não serve para controlar as dúvidas do recorrente sobre a matéria de facto, mas antes o procedimento do tribunal quando teve dúvidas sobre a matéria de facto. (negrito e sublinhado nossos)
26a
O arguido alega que a decisão proferida violou para além de todos os preceitos já enunciados e analisados, o princípio da livre apreciação da prova.
27ª
Não podemos deixar de referir e porque tal se vem extraindo das alegações de recurso apresentadas pelo arguido que o mesmo de forma alguma aceita ter sido condenado, e nem que o colectivo de Juízes tivesse presenciado os factos alguma explicação a seu favor o mesmo apresentaria, pelo que essa sua justificação sempre seria suficiente para criar no espirito do julgador uma dúvida que levaria à sua absolvição. Sim, porque essa sua explicação nunca deixaria de ter um valor absoluto, assim como o tem a sua negação dos factos e a justificação que apresenta para a ocorrência que o levou a ser julgado, terá de levar à sua absolvição.
28a
O que o arguido pretende com esta sua alegação é invocar a existência de um erro de julgamento da prova produzida em sede de audiência concatenada com toda a prova constante dos autos.
29a
Conforme já supra referimos, no caso de recurso por erro de julgamento baseado na apreciação das declarações dos diversos intervenientes, que é um fundamento muito frequente, o Tribunal superior não pode sindicar as convicções do Tribunal a quo, no que respeita ao extracto da oralidade que se contem na decisão, justamente porque lhe falta a necessária imediação. Deste modo, a decisão judicial não sendo absurda, acaba quase sempre por se firmar na ordem jurídica.
30a
Ora, confrontando o alegado pelo arguido com o extracto doutrinário de interpretação sobre o art° 127° do CPP acabado de citar forçoso se mostra concluir que não incorreu o Tribunal colectivo ao decidir como decidiu em qualquer erro de apreciação na matéria de facto.
31a
Aliás é patente da leitura do acórdão que o arguido é que pretendeu em julgamento lançar mão de uma justificação para a aproximação à viatura dos ofendidos: que ia referir quais os trabalhos de casa que o menor seu filho tinha para fazer, numa data em que as actividades lectivas tinham cessado - finais do mês de Junho.
32a
Muito atento esteve o Tribunal aos depoimentos prestados, e procedendo à audição dos mesmos, não se extraem outras conclusões que aquelas que se mostram vertidas na fundamentação, na apreciação critica da prova que esteve na base da factualidade dada como provada e não provada.
33a
O Tribunal Constitucional, face à complexidade do tema da livre apreciação da prova já se pronunciou e no sentido de esclarecer em que termo este princípio pode ser colocado em causa e se alegar a sua violação, no acórdão proferido em 24.03.2004, com o n° 198/2004, publicado in DR de 2.06.2004:
a censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é , na valoração da prova: tal censura terá de assentar na violação de qualquer um dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão.
34a
Nesta parte referente às conclusões 42 a 56, dispensamo-nos de reproduzir o que já por nós foi referido em sede da alegada nulidade do acórdão, errada apreciação da prova e violação do princípio in dúbio pro reo, bem como de falta de fundamentação da decisão, voltando a referir que da análise do acórdão recorrido e da prova produzida em julgamento, não resulta que a mesma padeça de qualquer um destes vícios.
35a
Alega o recorrente neste trecho das conclusões que se verifica no acórdão recorrido contradição entre a fundamentação e a motivação existentes no mesmo. A fundamentação e a motivação da matéria de facto são antes de mais a mesma coisa. Não se percebe como a fundamentação pode estar em contradição com a motivação.
36a
Não existindo claramente uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, na medida em que se extrai da leitura da fundamentação qual o sentido da decisão que absolveu e condenou o arguido pela prática dos crimes que vinha indiciado na acusação.
37a
A contradição insanável da fundamentação é um vício endógeno da sentença e encontra-se previsto no art° 410° n° 2 alinea b) do CPP. Contudo e como doutamente refere Fernando Gama Lobo, in op. cit., página 830, (...) em nenhuma circunstância se deve confundir contradição na fundamentação, com contradição entre ela e a decisão. São vícios algo distintos, embora a sua essência se encontre na fundamentação. O primeiro diz respeito à fundamentação da sentença em si, o segundo à sua relação com a decisão e só com a decisão. Une-os a circunstância comum de terem de assentar em contradições, que resultam do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. Quaisquer outras contradições, que estritamente, não se contenham na fundamentação ou entre esta e a decisão, não preenchem este vício. Igualmente não deve confundir-se este erro, que assenta em meras contradições, tendo como referência a fundamentação da sentença com o problema da falta de fundamentação (e exame critico da prova) a que alude o art° 374° n° 2 do CPP .
(...)
Basicamente, a fundamentação de uma sentença, destina-se ao esclarecimento dos processos racionais que conduziram à avaliação dos meios de prova e permitir a todos os interessados uma análise crítica do percurso mental e permitir a todos os interessados uma análise crítica do percurso mental do julgador que determinou as suas convicções.
38a
Não se descortina, até pelo que ficou expendido acerca do disposto no art° 374° do CPP que o acórdão recorrido padeça de qualquer falta de fundamentação, ou sequer que exista qualquer contradição na mesma com a com a decisão proferida.
O acórdão mostra-se amplamente fundamentado e motivado, não se encontrando viciado com qualquer contradição em si mesmo nem com qualquer contradição entre a fundamentação e motivação do acórdão.
39a
Lido e relido o acórdão na parte em que se lê Justificação da convicção do Tribunal, resulta de forma clara e concisa em que provas assentou a convicção do Tribunal, fundamentando-se quais as provas que conduziram à factualidade provada discriminada por números, bem como os documentos constantes nos autos que conduziram à prova.
40a
Insurge-se o arguido contra a matéria de facto dada como provada, pelo que na motivação apresentada e nas conclusões enuncia quais os pontos que considera erroneamente provados, quais as provas que impunham decisão diferente da decidida e ainda qual a factualidade que deveria ter sido dada como assente.
41a
E pese embora o arguido tenha cuidado de cumprir os requisitos legais na impugnação da matéria de facto, o que aqui se louva, o certo é que ouvida toda a prova, não se nos afigura que pudesse ter sido outra a decisão que não a que foi proferida pelo Tribunal a quo.
42a
Efectivamente o arguido quando refere quais os factos que não deveriam ter sido dados como provados, quais os que deveriam ter sido dados como provados e em que prova fundamenta essa sua convicção, facilmente e da prova produzida em audiência se constata que é isso mesmo: a sua convicção.
43a
Na motivação de recurso o arguido transcreve as partes dos depoimentos que lhe interessam e que vão de encontro à sua convicção, não transcrevendo as perguntas formuladas pelo Tribunal e omitindo algumas das respostas que foram sendo dadas.
44a
Do depoimento da ofendida e demandante R... o arguido transcreve o que entende e pretende que esse Venerando Tribunal revogue a matéria de facto como ela se encontra fixada no acórdão recorrido porque na versão do arguido o que deveria ter sido fundamento para a fixação da factualidade era a sua versão dos factos, do seu familiar D... e em determinadas partes, da testemunha Ricardo.
45a
Afigura-se-nos assim que o arguido pretende com o presente recurso que essa Veneranda Relação perfilhe a SUA convicção dos factos, a sua versão dos mesmos.
46a
O que o recorrente está a pôr em crise é o princípio da livre apreciação da prova. O princípio da livre apreciação da prova está consagrado no art. 127.° do C.P.P. e aí, se diz que «... a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente», obviamente sem prejuízo dos critérios gerais que atribuem á prova, valor probatório especifico ou hierárquico ou a proíbam.
47a
Em termos gerais, o Tribunal ad quem, não pode sindicar a valoração das provas comuns, sobretudo as testemunhais, feitas pelo tribunal, em termos de o criticar por ter dado prevalência a uma em detrimento de outra. A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência, visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto.
48a
E na formação da convicção do julgador entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova - seja áudio, seja mesmo vídeo - por mais fiel que ela seja das incidências concretas da audiência.
49a
Na formação da convicção do juiz não intervêm apenas factores racionalmente demonstráveis, referindo-se a relevância que têm para a formação da convicção do julgador «elementos intraduzíveis e subtis», tais como «a mímica e todo o aspecto exterior do depoente» que vão agitando o espírito de quem julga «existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos interiorizados ou valorizados por quem os presencia e que jamais poderiam ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores» (v. Castro Mendes, Direito Processual Civil, 1980, vol. III, pág. 211 e 271)
50a
No acórdão a motivação expendida para além do que ficou provado em sede de prova testemunhal e documental, quais as regras de experiência comum que tiveram de ser aplicadas pelo Colectivo de Juízes que formaram a sua convicção contra as expectativas do arguido Vasco, que acima de tudo pretende a sua absolvição, num caso em que nenhuma dúvida existiu no espirito dos julgadores do processo para que se equacionasse sequer a aplicação do princípio in dúbio pro reo.
51ª
Não é aceitável de acordo com os princípios que regem o processo penal, bem como no âmbito do processo de formação da convicção do Tribunal ter em conta as versões testemunhais de forma atomística e isolada e sempre, mas sempre fazendo prevalecer a versão do arguido ainda que a mesma como foi referido não mereça credibilidade, quer no confronto com os demais elementos de prova quer pela aplicação e pela invocação das regras de experiência comum.
52a
O recorrente, que impugna de forma deficiente o julgamento da matéria de facto, tendo por base a prova gravada, acaba por sustentar a sua discordância com o julgamento, de modo global, com invocação de nulidade - por alegada inexistência de exame critico da prova que, como vimos, não ocorre - e da contradição entre a fundamentação de facto e a decisão, ou na violação dos princípios probatórios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo, mas sem que explique como é que chega a tais conclusões.
53a
O arguido entende assim e na sequência da factualidade que no seu entender deve ser dada como provada que a conduta por si assumida naquele dia foi outra, que foi ele a vítima de C..., e que nestes termos a sua conduta não integra os ilícitos penais de ofensa à integridade física qualificada, de homicídio simples e de homicídio qualificado (mediante o recurso a uma arma de fogo e praticado sobre a sua ex-cônjuge) na forma tentada e de um crime de detenção de arma proibida.
54ª
E entende no ponto 93. das suas conclusões que o arguido agiu no pleno exercício de funções e nunca exorbitou das mesmas , inexistindo qualquer ilicitude no seu comportamento.
55a
Permitimo-nos nós perguntar: quais funções é que o arguido V... estava a exercer no dia dos factos? A de um pai que tendo que entregar o filho à mãe lhe manda um sms / ou telefona (para o caso tanto faz, comunicou com a mesma) para ela ir buscar o menino, se encontra a exercer funções de quê? De pai? que leva a criança numa mão e uma soqueira na outra mão disfarçada dentro do bolso ?
56a
Não descortinamos nem da decisão nem da motivação de recurso em que exercício de funções se encontrava o arguido que excluísse a ilicitude da sua conduta...
57ª
Mas como consideramos que a factualidade assente no acórdão é a única que face à prova produzida poderia ter sido considerada provada, somos a discordar em absoluto com o que o arguido refere.
58ª
Evidentemente qua sua conduta integrou a prática dos crimes pelos quais foi acusado e tal mostra-se doutamente analisado no acórdão recorrido.
59ª
O acórdão recorrido decidiu nesta parte, aliás como se constata, decidiu no todo, douta e acertadamente e de forma clara e concisa, que não nos dispensámos de transcrever.
60a
Evidentemente que se formos a atentar na matéria de facto que o arguido pretende ver como provada que não poderá efectuar-se esta subsunção jurídica mas mostrando-se acertada como EFECTIVAMENTE ESTÁ, a matéria provada no acórdão recorrido não poderia ser outra a decisão quanto ao enquadramento jurídico para além daquela que se mostra vertida no acórdão.
61a
Não merece assim qualquer reparo o enquadramento jurídico efectuado em todos os ilícitos pelos quais o arguido se encontra condenado, na medida em que não se concede que se altere a matéria de facto que foi dada como assente na decisão condenatória.
62a
O arguido entende que o pedido cível em que o arguido foi condenado não se mostra devidamente fundamentado.
63a
Da leitura da decisão proferida resulta a fundamentação da decisão, até da parte em que remete para a fundamentação da parte criminal da decisão agora recorrida.
64a
Não merece qualquer reparo a decisão proferida em matéria cível, a não ser que o arguido quisesse exigir que fosse efectuada uma dissertação em matéria cível, o que não se pretende com a fundamentação de uma decisão que como já se referiu, entende o STJ que deve ser concisa e precisa.
65a
Não deveria ter sido reproduzida em sede de decisão cível o que já tinha sido fundamentado em sede de decisão da factualidade provada e de preenchimento dos ilícitos criminais pelos quais foi condenado.
66a
Foram devidamente ponderados e decididos os montantes arbitrados aos demandantes C... e R..., não tendo merecido provimento o peticionado pelos mesmos.
67a
Sustenta o arguido que foi excessiva a medida da pena em que foi condenado e que também aqui não cuidou o Tribunal recorrido de fundamentar a aplicação das penas parcelares e da pena única de 5 anos e 6 meses.
68ª
Do exposto no acórdão na determinação da medida da pena e da escolha da mesma não resulta que a mesma se mostre excessiva.
69a
O arguido V... actou revelando uma ilicitude média quanto aos crimes de ofensa à integridade física qualificada e crime de homicídio simples e de homicídio qualificado na forma tentada, tendo agido com uma ilicitude acentuada na prática do crime de detenção de arma proibida.
70a
Foi ponderado, tal como a lei obriga o grau de ilicitude e culpa como algo elevada quanto aos crimes em causa, não se conhecendo ao arguido a prática de outros ilícitos posteriores aos factos. Foi realçado no acórdão recorrido que os quatro crimes foram cometidos em momentos muito próximos, animados de uma mesma exaltação e falta de comedimento.
71a
Ora, sopesando todos os elementos objectivos e subjectivos considerados pelo Acórdão recorrido, consideramos que a pena encontrada para punir a conduta do arguido se mostra equilibrada, justa, proporcional e razoável e não deixa ficar comprometida a crença da comunidade na validade das normas incriminadoras violadas.
72a
Por isso que, sendo justa e equilibrada na determinação da medida concreta das penas parcelares e também na concretização da pena única, aplicada ao concurso de crimes, não mereça a decisão recorrida as críticas que o recorrente lhe dirige, devendo manter-se.
73a
Quanto à eventual suspensão da execução da pena, como pretende o recorrente, também claudicam os seus argumentos.
74a
Desde logo porque em face da pena aplicada ao mesmo não é sequer equacionável a aplicação do instituto da suspensão da execução da pena nos termos prescritos no art. 50.° do Código Penal, na redacção da Lei n.° 59/2007, de 4 de Setembro, como se sustenta na decisão recorrida.
O douto acórdão recorrido não nos merece qualquer censura, pois bem ajuizou da prova produzida em audiência, fazendo correcta qualificação dos factos e aplicando correctamente a pena.
Não padece de qualquer nulidade, nem violou qualquer preceito do Código de Processo Penal ou do Código Penal, ou sequer da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
4. Subiram os autos a este Tribunal da Relação, onde o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se reporta o artigo 416.° do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), apôs o seu visto.
5. Cumprido o disposto no artigo 417.°, n.°2, do C.P.P., procedeu-se a exame preliminar, após o que, colhidos os vistos, os autos foram à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.°, n.°3, do mesmo diploma.
II - Fundamentação
1. Dispõe o artigo 412.°, n.° 1, do C.P.P., que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. II1, 2.a ed. 2000, p. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.a ed., 2007, p. 103; entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196).
Atentas as conclusões apresentadas - a que se censura a excessiva extensão, não consentânea com os objectivos atinentes à formulação de conclusões, como igualmente se censura a extensão das conclusões da resposta do Ministério Público -, as questões a apreciar são:
- Nulidade do despacho que comunicou a alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação, e ainda do despacho que indeferiu a produção de prova - violação dos artigos 379.°, n.° 1, alínea b), 358.° e 359.°, todos do C.P.P.
- Nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação e omissão de pronúncia - artigo 379.°, n.°1, alíneas a) e c), do C.P.P.
- Impugnação da decisão de facto - violação do princípio de livre apreciação da prova e in dubio pro reo; contradição entre a fundamentação e a motivação, erro notório na apreciação da prova; insuficiência da prova para a condenação; erro de julgamento da matéria de facto.
- Violação dos artigos 127.°, 374.° n° 2, 64.° e 357.° do C.P.P; dos artigos 32.°, 33.0, 48.°, 50.°, 71.°, 72.°, 143.° n.° 1, 145.°, n.° 1, alínea a) e n.° 2 e 132 n.° 1, alínea m); violação do princípio in dubio pro reo - artigos 18.°, 25.° n.° 1, 26.°, 32.°, n.° 8, 24.°, n.° 3 e 204.°, da Constituição da República Portuguesa
- Falta de fundamento da condenação no pedido cível
- Do não preenchimento do crime de homicídio qualificado em termos objectivos e subjectivos
- Do não preenchimento do tipo de ilícito de ofensas à integridade física simples, quanto mais do ilícito de ofensa à integridade fisica qualificada
- Do não preenchimento do crime de detenção de arma proibida
- Determinação das penas
2. Do acórdão recorrido
2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1 - O arguido viveu em união de facto com R... e estão separados desde Setembro de 2012.
2 - O arguido e R... são pais de Marco Martins, nascido em 2007, que se encontra a cargo do pai, visitando a mãe quinzenalmente.
3 - Não obstante, o relacionamento entre ambos mantém-se conflituoso, sendo que essa conflituosidade se estende a C..., actual companheiro de R....
4 - No dia 23 de Junho de 2015 o arguido telefonou a R... para que fosse buscar o filho, o que esta fez pelas 19h, indo, acompanhada de C..., à casa do arguido, sita na Rua Salvação, 18, Santa Iria da Azoia.
5 - Ao aperceber-se de que R... vinha acompanhada de C..., o arguido logo decidiu tirar satisfações do mesmo, incluindo fisicamente, razão pela qual se muniu de uma soqueira em alumínio, que bem sabia potenciar a gravidade das lesões, e saiu de casa dirigindo-se a C....
6 - O arguido dirigiu-se a C..., que se encontrava dentro da viatura em que se fizera locomover até ao local, e disse-lhe, em tom agressivo: sai do carro para conversarmos.
7 - Logo que C... saiu da viatura, o arguido desferiu-lhe um golpe com a soqueira que portava, ao que C... reagiu, imobilizando-o.
8 - O arguido foi então ajudado pelo seu tio, D..., e logrou soltar-se.
9 - Após o fazer, e desejando vingar-se de R... e C..., o arguido deslocou-se ao interior da sua residência, pegou numa pistola de marca CZ 75 Kadet, calibre.22, com o n° de serie AP 3690, dirigiu-se a uma das janelas do 1 ° andar e efectuou dois disparos na direcção de ambos, quando estes já se encaminhavam para o carro.
10 - Apenas por motivo alheio à sua vontade o arguido não os atingiu, contudo um dos disparos atingiu o veículo pertença de R....
11 - O arguido havia adquirido a arma a um individuo de nome Jorge Barrento e não tinha licença de uso e porte de arma, nem a mesma se encontrava manifestada ou registada.
12 - O arguido quis adquirir e ter consigo a pistola e soqueira acima referidos, conhecendo as suas características e estando ciente de que os mesmos usados contra outrem são adequados a causar lesões físicas e a morte e, não obstante, quis e deteve-os.
13 - Quis ainda deter a pistola bem sabendo que não tinha licença para o efeito, nem a arma se encontrava registada a seu favor.
14 - O arguido agiu do modo descrito com o propósito não só de molestar fisicamente R... e C..., bem como de tirar-lhes a vida.
15 - Bem sabendo que actuava de modo e em condições adequadas a causar-lhes a morte, o que só não ocorreu por motivo externo à sua vontade.
16 - Bem sabia ainda o arguido que R... era sua ex-companheira e mãe do seu filho.
17 - Agiu livre, voluntaria e deliberadamente, ciente do caracter ilícito da sua conduta.
Mais se provou que:
18 - Do Certificado de Registo Criminal do arguido nada consta.
19 - Na situação referida em 6) e 7) C... conseguiu reagir, embora tenha sido atingido com vários socos e pontapés pelo arguido, e imobilizou-o.
20 - Ao atuar daquela forma, o arguido quis causar danos físicos em C..., o que logrou conseguir, uma vez que este ficou molestado, tendo necessidade de recorrer às urgências do Hospital de Vila Franca de Xira, onde, após realização de alguns exames médicos, se verificou que, em consequência da actuação do arguido, resultaram os seguintes danos:
Traumatismo craniano sem perda de conhecimento com escoriação na hemiface esquerda e hematomas couro cabeludo referindo cefaleias.
O estudo enviado comporta cortes no plano axial aproximadamente desde o buraco magno até à convexidade, sem contraste, e cortes dirigidos ao maciço facial, com reformatações no plano coronal e sagital; imagens registadas em janela adequada para tecidos moles e detalhe ósseo.
Nota: artefactos de movimento.
21 - Em consequência de tais danos físicos, C... sofreu bastantes dores em todo o corpo e, principalmente, na cabeça, local onde foi mais atingido pelos socos do arguido.
22 - Para além daqueles danos físicos, o ofendido temeu pela sua vida e da sua mulher, passando a viver com medo do que o arguido possa ainda vir a perpetrar quer quanto a si quer quanto a sua esposa, receando que o arguido, de forma traiçoeira, os volte a agredir ou a acabar com as suas vidas.
23 - Tal receio deixa-o nervoso e em estado de ansiedade, tanto mais que o ora ofendido é uma pessoa educada, respeitadora e respeitado no meio social em que vive, nunca tendo, até aquela data, sido alvo de qualquer humilhação, como aquela que sofreu nesse dia, por parte de quem quer que fosse.
24 - C... despendeu € 63,30 respeitante à divida hospitalar gerada pela assistência médica supra descrita, reclamada pelo Hospital de Vila Franca de Xira.
25 - R... sentiu a sua vida ameaçada quando o ora arguido disparou a arma na sua direção, pensando, naquele momento, que as suas vidas iam acabar ali mesmo, e, mais grave ainda, na presença do próprio filho da ora ofendida e do arguido, com 8 anos de idade.
26 - Ainda hoje, quando a situação vivida lhe vem à memória ou necessita de a reavivar, R... sente-se muito angustiada, muito nervosa e em estado de ansiedade.
27 - R... receia que o arguido possa novamente atentar contra a sua vida ou do seu marido.
28 - Do relatório social do arguido consta o seguinte:
I - Dados relevantes do processo de socialização
O arguido é o mais novo de dois filhos de um casal em que o pai, empregado fabril, era o elemento que contribuía para o sustento da família. A mãe era doméstica e assegurava as necessidades educativas dos filhos, sendo descrita corno uma figura parental afetiva e cuidadora. O pai, entretanto falecido, recorria a um registo mais funcional, mas com transmissão de valores e regras consonantes com a adequação social.
Com pouca motivação para o processo de ensino aprendizagem, V... abandonou a escola após conclusão do sétimo ano de escolaridade com treze anos. Nesta idade começou a trabalhar como aprendiz numa oficina de serralharia, área onde se manteve até aos dezasseis anos, altura em que passou a se dedicar ao ramo dos transportes (entrega e recolha de correio) em várias empresas.
Aquando do cumprimento do serviço militar obrigatório o arguido foi vítima de um acidente de viação que originou uma fratura no braço e a amputação de uma perna, tendo desde então uma prótese. Por este motivo ficou durante três anos inativo profissionalmente, tendo-lhe sido atribuída uma reforma das forças armadas.
Posteriormente manteve-se a trabalhar no mesmo ramo por conta própria, sendo gerente da empresa Foco Expresso, Transportes a qual se dedica à entrega e recolha de correio e de volumes.
No campo afetivo casou com cerca de vinte anos, união conjugal que veio a terminar passados oito anos, na sequência do arguido ter encetado um relacionamento com R... no decurso do casamento. Desta forma, o divórcio não decorreu de forma pacífica e a relação entre o ex-casal ficou fragilizada e os contactos que mantiveram posteriormente surgem baseados na educação da filha de ambos que conta atualmente dezoito anos. No contacto com a ex-mulher Isabel Marques foi-nos transmitido que não descurando a mágoa que sente inerente à forma como terminou o casamento, o arguido sempre exerceu de forma positiva o seu papel marital e paternal e mesmo após o divórcio sempre a ajudou economicamente.
II - Condições sociais e pessoais
O arguido e R... conheceram-se no ano de 2005 e após um ano de namoro passaram a viver em união de facto. Desta união nasceu no ano de 2007 o filho Marco Martins. Do que nos foi transmitido pelo arguido a relação numa fase inicial decorreu de forma normativa e positiva, situação que se veio a alterar, segundo o arguido, por ter sido vítima de desvie de dinheiro e de traição. Por este motivo no ano de 2012 pôs termo ao relacionamento e pese embora o filho tenha ficado um mês com a mãe, na sequência desta não conseguir dar resposta às necessidades do menor, V... ficou após decisão do Tribunal ficou com a guarda do filho. Tal situação não terá sido bem aceite pela mãe, sendo por este motivo que emergiram todos os conflitos entre ambos. De salientar que dado que esta informação foi somente baseada com recurso ao que ao arguido transmitiu, não nos tendo sido possível contactar R..., pelo que os aspetos relacionados à dinâmica entre o casal não foram devidamente aferidos.
De acordo com o arguido enquanto viveu em união de facto com R... deslocavam-se com frequência para o Brasil, país de origem desta, onde se encontravam a construir uma moradia a fim de aí num futuro puderem viver. V... como era o único elemento ativo profissionalmente considera que, em muito, R... se relacionou consigo por uma motivação económica, porquanto refere que já beneficiou de uma situação muito confortável a este nível.
Presentemente o menor que continua entregue aos cuidados do arguido, permanecendo de quinze em quinze dias os fins-de-semana com a mãe, sendo a entrega da criança efetuada através do órgão de polícia da zona.
V... vive desde há cerca de três anos em união de facto com a atual companheira, cujo relacionamento foi descrito por ambos os elementos do casal como positivo.
O arguido reside com a mãe numa habitação que é pertença da mesma, sendo assim o seu agregado constituído pela companheira, pela filha de dezoito anos, pelo filho de nove anos e pelo enteado de cinco anos. Mencionou que a habitação beneficia de conforto para todos estes elementos, não nos tendo sido assinaladas dificuldades na interação relacional entre os mesmos. A filha de dezoito anos foi viver com o pai há cerca de um ano, situação que ocorreu pelo facto de a mãe ter começado a sentir dificuldades em conter determinados comportamentos inerentes à idade.
V... menciona que a sua atividade profissional na empresa da qual é proprietário vem sofrendo um decréscimo de rendimentos, não tendo mencionado quanto aufere, porquanto diz que os montantes são variáveis e como tem a sua limitação de saúde está isento de declarar tal valor na declaração de rendimentos. Com efeito, a declaração de IRS que efetua contempla os 336€ da reforma das forças armadas que lhe foi atribuída. A companheira que também contribui para as despesas é funcionária pública e aufere mensalmente cerca de 700€. V... não assinalou dificuldades económicas, ainda que não seja de excluir que detém muitas despesas, nomeadamente com a gestão da educação dos filhos. Relativamente ao filho de nove anos ficou acordado em Tribunal que R... lhe pagaria uma pensão de alimentos no valor de 50€ mensais.
Dadas as acentuadas limitações fisicas que apresenta (e.g. dificuldades de locomoção), o arguido refere que as suas rotinas diárias surgem em torno do domínio profissional e familiar, ocupando os tempos livres maioritariamente em casa.
Estamos perante um indivíduo cujos valores morais e pro sociais lhe foram incutidos e que consequentemente utiliza um discurso que vai de encontro a estes constructos. Foi descrito pelas fontes como uma pessoa que apresenta sentimentos de empatia, capacidade de planificação das suas atitudes e comportamentos ponderados.
M - Impacto da situação jurídico-penal
De acordo com o arguido as circunstâncias que deram origem ao presente processo surgem devido ao facto de R... ter ficado revoltada por a guarda do filho lhe ter sido atribuída. Refere ainda que foi vítima do ofendido, atual companheiro de R..., e que o mesmo já lhe partiu duas próteses da sua perna, mencionando que fez queixa policial de tais situações.
Dado que não se revê na acusação e se posiciona como vítima da presente situação, não apresenta sentido crítico perante o ocorrido. Com efeito, V... menciona que, dadas as suas limitações físicas as quais são visíveis, sente receio do ofendido. Relativamente à posse de arma menciona que é detentor de licença de uso e porte de arma, não apresentando sentido crítico perante o uso indevido da mesma.
Em termos profissionais o presente processo em virtude de trabalhar por conta própria não acarretou consequências a este nível.
Desde a instauração do processo não voltaram a ocorrer situações de conflitos entre os elementos, tanto mais que não existe interação física entre ambos, sendo a entrega do filho efetuada através da polícia criminal da zona. Desta forma, ainda que se assista a uma cessação de comportamentos como os que deram origem à atual situação jurídico-penal, os pontos de discórdia mantêm-se.
IV - Conclusão
Dos dados que dispomos terá sido sem especiais dificuldades que se processou o desenvolvimento do arguido, porquanto não se registam problemáticas de relevância quer no domínio afetivo quer no domínio material. Com pouca motivação para o processo escolar, cedo investiu na vertente profissional, beneficiando de estabilidade neste domínio da sua vida. Na sequência de ter sido vítima de um acidente de viação aquando dos seus vinte anos que implicou uma limitação física, com todas as consequências negativas que daí advêm para a sua vida, ainda que sem efeitos negativos nos seus desempenhos sociais.
O seu primeiro casamento veio a fracassar na sequência de ter encetado relacionamento com a ofendida, dinâmica conjugal que veio a terminar na sequência de ter estabelecido um relacionamento com R.... Esta união veio a revelar-se disfuncional e culminou na separação do casal e atribuição da guarda do filho menor ao pai, situação que veio a gerar conflitos entre o casal. Ainda que não tenham voltado a ocorrer situações como as que deram origem ao presente processo, tudo indica que os pontos de discórdia e a incapacidade em manter uma relação de cordialidade baseada no bem-estar do filho mantém-se, o que, no caso em análise, representa um fator de risco.
Presentemente, V... beneficia de enquadramento familiar, sendo de revelar como positivo o seu investimento na sua condição parental, quer no filho mais novo quer na filha mais velha. Não apresenta ainda um modo de vida que configura uma trajetória criminal.
Face ao exposto, somos de parecer que, embora não se reveja na acusação, tem condições para o cumprimento de uma medida de execução na comunidade, ainda que não careça de intervenção desta DGRSP.
2.2. Quanto a factos não provados ficou consignado no acórdão recorrido (transcrição):
Da discussão da causa não resultaram provados os seguintes factos com relevância para a decisão da mesma:
a) O arguido sempre evidenciou ciúmes em relação a R... e contactou-a após a cessação da relação para a reatar.
b) O arguido tentou desferir um golpe com a soqueira que portava em C....
c) O arguido agiu por razões vãs.
2.3. O tribunal recorrido fundamentou a sua convicção nos seguintes termos (transcrição):
A convicção do Tribunal, quanto à matéria da acusação tida por provada, teve por base a prova produzida em audiência, globalmente considerada, nomeadamente, as declarações do arguido, conjugadas com as declarações dos demandantes cíveis, R... e C... e os depoimentos das testemunhas R... e J....
Assim e mais concretamente, considerou o Tribunal provados os factos sob os números 1, 2 e 3, tendo em conta a conjugação das declarações do arguido com as declarações de R..., em que ambos confirmaram a relação existente entre ambos, a existência do filho comum, bem como a situação de conflito entre ambos. Tal situação foi ainda corroborada pelas declarações do demandante C....
Os factos sob os números 4 a 8, 9,10,19, 21 a 23 e 25 a 27 foram considerados provados tendo em conta as declarações dos demandantes R... e C..., os quais depuseram de forma clara, segura, algo emocionada, mas sempre lógica e coerente, depersi e entre si, descrevendo a existência do telefonema para que R... se dirigisse ao local, que aí chegada, acompanhada de C..., o arguido saiu de casa, aproximou-se do veículo onde se encontrava C... sempre com uma mão no bolso e pediu-lhe para sair do veículo e quando este abriu a porta começou a bater-lhe com a soqueira, que trazia na mão oculta no bolso. A ajuda de D..., tio do arguido, que permitiu que este se levantasse e se dirigisse à casa, de onde disparou os 2 tiros contra os mesmos, quando estes já se dirigiam para o carro. O arguido, em sede de julgamento, negou esta versão dos factos, referindo que levava o filho numa mão e outro menor na outra mão, pelo que não tinha possibilidade de levar a soqueira, a qual era da pertença de C..., tendo sido este a utilizá-la. Mais referiu que apenas se aproximou do veículo automóvel para explicar à mãe do menor, R..., quais os trabalhos de casa que este tinha a fazer. Ora, a versão do arguido é desmentida pela própria dinâmica dos acontecimentos, pois não se compreende que C... e R... o atacassem quando obtinham o que queriam, que era levar o menor Marco Martins com os mesmos. É ainda desmentida num outro facto, tendo em conta o dia dos factos, 23 de Junho, o ano escolar já havia acabado, pelo que o menor não podia ter trabalhos de casa. Isso mesmo é até confirmado no auto de participação de fls. 157, em que V... está na escola no dia 26 de Junho, 3 dias depois, para ver as pautas finais do filho, o que não seria possível caso ainda houvesse aulas com trabalhos de casa em curso. É ainda confirmada a versão de C... e R... pelo teor de fls. 250, na qual são medicamente confirmadas lesões na cara de C..., o que é compatível com a sua explicação dos factos e incompatível com a versão contada pelo arguido que diz não ter atingido C..., sendo apenas agredido por este. Mas ainda se realça ainda que o arguido, em sede de primeiro interrogatório judicial, admitiu ter disparado dois tiros, referindo contudo que apenas tal fez para intimidar R... e C....
Do confronto das duas versões, quanto a esta parte dos factos, o tribunal ficou convencido que a descrição dos factos feita por R... e C... é a mais próxima da verdade, prevalecendo esta na convicção do Tribunal e sendo, por este acreditada.
Depois do envolvimento físico entre C... e V..., chegou a testemunha D..., tio do arguido que, vendo-o envolvido numa luta com C..., pretendeu tirá-lo da mesma. Nesta parte, todos os depoimentos e declarações coincidem, pois R..., C..., V... e D... confirmam que este desferiu alguns golpes em C... para que este largasse o sobrinho, o que conseguiu.
Neste momento, vendo-se liberto de C..., V... dirigiu-se a casa, pegou na arma, conforme consta da acusação, o que o mesmo admite.
Neste ponto, no depoimento de D... e nas declarações do arguido em sede de julgamento, quando este se preparava para dar um tiro da janela/varandim do seu quarto, D... agarrou-o fazendo com que o tiro baixasse e atingisse o carro de R..., insistindo ambos que apenas um tiro foi disparado. Tal versão dos factos é contrariada pelas declarações do próprio arguido, em sede de primeiro interrogatório, em que o mesmo admite ter disparado dois tiros, para intimidar diz o mesmo, mas dois tiros. Quanto à existência de mais de um tiro, na direcção de R... e C..., são unânimes as declarações dos mesmos, conjugadas com o facto de um dos tiros ter atingido o veículo de R..., que se encontrava no mesmo alinhamento onde estes se encontravam. Nunca um tiro de intimidação, que sempre seria para cima, para haver a certeza de que mais ninguém era atingido, poderia atingir o veículo de R... no local onde este se encontrava, próximo do cruzamento, no fim da rua perpendicular à casa do arguido, de onde este disparou. Nem a versão de que o tio do arguido, ao puxá-lo, baixou-lhe a mão é compatível com a trajectória do tiro.
Assim, tendo em conta a trajectória da bala recuperada, dúvidas não restam ao Tribunal de que o arguido dirigiu os dois tiros que disparou na direcção dos corpos de R... e C..., tentando atingi-los e até tirar-lhes a vida, conforme decorre da acusação.
Foi ainda relevante o depoimento da testemunha R..., pessoa que ia a passar no seu veículo automóvel e que, vendo a confusão, decidiu ajudar. O seu depoimento foi claro, seguro e espontâneo, convencendo o Tribunal de que falava a verdade e sendo, por isso, acreditado. No seu depoimento a testemunha referiu ter ouvido os tiros enquanto procurava pelo telemóvel para chamar a policia, confirmando que um deles atingiu o seu veículo, o que se mostra comprovado também a fls. 97 e 97-v.
O facto sob o n.° 11 foi considerado provado da conjugação das declarações do arguido com o depoimento da testemunha J..., pessoa que vendeu a arma de fogo ao arguido. Considerando-se a posse da soqueira pelo arguido demonstrada pelo depoimento de C... e R..., conforme supra referido. Neste ponto, o depoimento referido foi claro, seguro, espontâneo, sendo por isso acreditado, sendo corroborado pelas declarações do arguido, que admitiu ter comprado a arma de fogo, admitindo ainda não ter a devida licença de uso e porte da mesma. Foram ainda relevantes o auto de apreensão das armas de fls. 35 e 36 (arma de fogo e soqueira), o auto de exame e avaliação das mesmas de fls. 37 a 39, as fotos de fls. 46 a 48, bem como o relatório pericial de fls. 115 a 119 que atesta o bom estado de funcionamento da arma de fogo apreendida. Teve-se também em conta a informação de fls. 68, a qual confirma que o arguido não é titular de licença de porte de arma e que a arma apreendida estava manifestada em nome da testemunha José Barrento.
Os factos sob os pontos 12 a 17, respeitantes aos elementos subjectivos, foram demonstrados tendo em conta a conjugação de toda a prova produzida e já referida. Ou seja, o Tribunal ficou convencido que o arguido sabia que não poderia deter a arma, tal como detinha, o que este próprio admitiu. Mais admitiu que sabia não poder bater em C... e nem disparar contra o mesmo e contra R.... Negou tê-lo feito, mas de toda a prova produzida, ficou convencido o Tribunal que o arguido praticou os factos tal como descritos na acusação, querendo faze-lo e com perfeito conhecimento da proibição de tais condutas e da punibilidade criminal dos mesmos.
No que concerne à ausência de antecedentes criminais do arguido (correspondente ao facto sob o n.° 18) teve-se em conta o Certificado do Registo Criminal junto aos autos a fls. 305, datado de 31 de Outubro de 2016.
O facto sob o n.° 20 foi considerado provado tendo em conta o teor de fls. 250 conjugado com as declarações de C... e R....
O facto sob o n.° 24 foi provado com base no teor dos documentos de fls. 251 e 252.
Os factos sob o número 28, respeitantes às condições sócio económicas do arguido, foram considerados provados com base no teor do relatório social junto aos autos de fls. 354 a 359.
O facto sob a alínea a) dos factos não provados foi assim considerado, por não se ter feito qualquer prova quanto ao mesmo. O facto sob a alínea b) foi considerado não provado pois foi demonstrado que o arguido efectivamente atingiu o ofendido e não se limitou a tentar. O facto sob a alínea c) foi considerado não provado pois não ficou demonstrado qualquer motivo e logo, não foi possível aferir se o mesmo era vão.
Os depoimentos das testemunhas D..., tio do arguido, e A..., actual companheira do arguido, não foram considerados credíveis pelo Tribunal e foram desvalorizados, porquanto não foram lógicos e coerentes de per si. Nomeadamente, no que concerne à testemunha D..., o mesmo não explica porque é que o sobrinho não escapou enquanto C... foi buscar o pau, sendo certo que garantiu que R... nada fazia, mas depois de estar a agarrar C..., já o sobrinho conseguiu escapar. Também Andreia Godinho garante que o filho do arguido estaria a fazer trabalhos de casa, o que, pelas razões supra expostas, era impossível, pois as aulas já tinham acabado. Mais disse não se ter apercebido se tinham sido disparados 2 tiros, o que tendo em conta que estava no R/C do local onde foram disparados, seria impossível não se ter apercebido do número de tiros disparados.

3. Apreciando
Passamos, agora, a apreciar as questões colocadas no recurso, seguindo uma ordem de precedência lógica que atende ao efeito do conhecimento de umas em relação
às outras.
3.1. Invoca o recorrente a nulidade do despacho que comunicou a alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação, e ainda do despacho que indeferiu a produção de prova suplementar, por alegada violação dos artigos 379.°, n.° 1, alínea b), 358.° e 359.°, todos do C.P.P.
O que resulta das prolixas conclusões apresentadas e da extensa e repetitiva motivação que aquelas deveriam sintetizar, é que o recorrente começou por arguir a nulidade do despacho que lhe comunicou a alteração da qualificação jurídica e, alegando mera cautela de patrocínio, requereu que fosse produzida prova testemunhal,
o que não foi atendido pelo tribunal recorrido e terá gerado, no entender do recorrente, uma nulidade insanável.
Diz o recorrente que se tratou de uma alteração substancial da qualificação jurídica e que a comunicação da alteração não substancial dos factos deve ser fundamentada, o que não aconteceu, in casu, entendendo o recorrente que deveria o tribunal a quo ter concretizado em que provas se baseou para chegar a tal conclusão,
o que não foi feito.
Mais alega que o tribunal, ao reabrir a audiência de discussão e julgamento, com base na necessidade de alteração substancial e não substancial dos factos, violou o direito de defesa do recorrente, gerando uma nulidade insanável, e bem assim que o tribunal deveria ter individualizado ou concretizado os meus de prova que sustentavam a alteração.
Esta a síntese do que o recorrente alega nas primeiras 23 páginas do recurso, com correspondência nas conclusões 2 a 23.
O recorrente revela grandes equívocos na sua alegação, e bem assim desfasamento, quer em relação à realidade do processo, quer em relação ao regime legal, de que faz uma interpretação manifestamente desajustada.
Vejamos.
Contra o ora recorrente foi deduzida acusação pela imputada prática de factos susceptíveis de integrarem, de acordo com a acusação, a autoria de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 145.°, n.°1, alínea a), 143.° e 132.°, n.°1, alínea e) e i), do Código Penal, na pessoa de C..., em concurso real: com
um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelo artigo 132.°, n.° 1 e 2, alínea e), do Código Penal, na pessoa de C...; com um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelo artigo 132.°, n.° 1 e 2, alíneas b) e e), do Código Penal, na pessoa de R...; com um crime de detenção de arma proibida previsto e punido pelo artigo 86.°, n.° 1, alínea c) e n.° 2, do Regime Jurídico das Armas e suas Munições (cfr. fls. 220 a 226).
Na sessão da audiência de julgamento de 28 de Novembro de 2016, após alegações orais e do cumprimento do disposto no artigo 361.° do C.P.P. - oportunidade do arguido dizer algo mais em sua defesa -, foi designado o dia 19 de Dezembro, pelas 14 horas, para a leitura do acórdão (cfr. fls. 368-369).
No dia 19 de Dezembro, regressado o tribunal à sala, a Mm.a Juíza Presidente proferiu o seguinte despacho (cfr. fls. 370-371):
O Tribunal comunica, nos termos do art. 358..0, n.°1 e n.°3 do Código de Processo Penal a alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação, tendo em conta que os mesmos consubstanciam tal como constam da acusação um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo art. 145.°, n.°1, alínea a), 143.° e 132.°, n.°1, alínea e) e i), do Código Penal, na pessoa de C..., sendo que quanto a este efeito comunica-se e, no caso dos crimes de homicídio qualificado na forma tentada, quer num, quer no outro, além do artigo que está indicado na acusação, art. 132.°, n.°1 e 2, al. e) no caso do crime tentado na pessoa de C... e 132.° n.°1 e 2, al. b) e e) do Código Penal na pessoa de Susana Pereira, acresce a ambos estas qualificações o art. 22.°, 23.° e 73.° do Código Penal e ainda o artigo 86.°, n.°3 do Regime Jurídico das Armas e sua Munições que constitui uma agravação destes dois crime e o crime de detenção de arma proibida nos termos que vem acusado.
Dada a palavra ao Ministério Público e à mandatária do arguido, o primeiro disse nada ter a requerer e a segunda requereu o prazo de dez dias para preparação de defesa (cfr. fls. 371).
O prazo foi concedido, designando-se para a continuação da audiência o dia 16 de Janeiro de 2017, pelas 14 horas.
No dia 21 de Dezembro (cfr. fls. 374 e seguintes), a mandatária do arguido enviou ao tribunal requerimento em que alega que a alteração comunicada consiste numa alteração substancial da qualificação jurídica; que o tribunal está vinculado ao objecto do processo e que deveria ter concretizado as provas em que se baseou para chegar à alteração; que os artigos 358.°, 361.° e 371.° do C.P.P. são inconstitucionais na interpretação feita pelo tribunal, por violação do disposto no artigo 32.° da C.R.P., ao permitir a reabertura da audiência, para fins que não os descritos no artigo 371.°, depois de ao arguido ter sido permitido prestar as últimas declarações e este o ter feito ao abrigo do disposto no artigo 361.° do C.P.P.
No mesmo requerimento - argumentando em termos que veio a repetir no presente recurso -, diz-se que o despacho que procede à alteração não substancial dos factos tem que ser fundamentado, sendo, no caso, completamente omisso quanto à especificação dos factos, fundamentação do juízo de nexo de causalidade entre os factos e o arguido, com total ausência de referência a meios probatórios e fundamentação lógica e congruente no que diz respeito ao percurso feito pelo Tribunal para dar como provados os novos factos comunicados.
Mais adiante, diz:
(...) o despacho limita-se a dizer que os factos são precisamente os mesmos que vinham na acusação, não indicando qualquer facto novo, e sem explicitar a sua razão de ciência e dedução lógica, na qual os assenta e dá como provados.
E deveriam ser estes ou aqueles que o tribunal deveria ter transmitido ao arguido para, com base neles, se pronunciar e exercer no seu pleno a sua defesa.
Tal omissão de factos ou melhor de prova concreta em que se fundamenta, com certeza que inquina de invalidade a decisão. Pois o arguido apenas se pode defender de factos de que tenha efetivo conhecimento, os da acusação e os que lhe forem comunicados, ou seja, os novos factos ou nova prova surgidos da discussão da causa.
(...)
Logo, não se fundamentando o despacho que ora se impugna, em qualquer novo facto, então o mesmo não faz qualquer sentido, pois se os factos continuam os mesmos, por que razão assim não decidiu o tribunal quando recebeu a referida acusação?
E noutro passo:
Diverge-se do entendimento do Tribunal, pois as alterações comunicadas não se tratam de meras alterações da qualificação jurídica, ou seja
Trata-se efetivamente, na opinião da defesa de alterações substanciais e que deveriam ter sido comunicadas ao abrigo do disposto no art. 359, do CPP.
Finalmente, por mera cautela de patrocínio, foi requerida a produção de nova prova testemunhal.
O tribunal, por decisão de 12 de Janeiro de 2017, decidiu não haver lugar à produção de prova testemunhal, pois estava apenas em causa uma alteração da qualificação jurídica dos factos, indeferindo o requerido quanto a nulidades e prova suplementar.
No dia 16 de Janeiro de 2017, procedeu-se à leitura pública do acórdão ora recorrido.
3.1.1. De acordo como princípio acusatório, a acusação define e fixa o objecto do processo, exigindo-se uma necessária correlação entre a acusação e a decisão. Essa correlação traduz-se na exigência de que, definido o objecto do processo, o tribunal não possa, como regra, atender a factos que não foram objecto da acusação, estando, por conseguinte, limitada a sua actividade cognitiva e decisória, o que constitui a chamada vinculação temática do tribunal. Depois de fixado na acusação, o objecto do processo deve manter-se o mesmo até ao trânsito em julgado da sentença - é o chamado princípio da identidade.
A observância destes princípios constitui uma exigência da salvaguarda de um efectivo direito de defesa do arguido. Compreende-se que, se ao tribunal fosse permitido modificar o objecto do processo e conhecer para além dele, o arguido poderia ser confrontado com novos factos e novas incriminações que não tomara em conta aquando da preparação da sua defesa, não sendo de exigir ao arguido - que se presume inocente - que antecipe e preveja todas as imputações possíveis, independentemente da concreta acusação que contra si foi deduzida.
Quer isto dizer que a acusação (ou a pronúncia, tendo havido instrução) define e delimita o objecto do processo, fixando o thema decidendum, sendo o elemento estruturante de definição desse objecto, não podendo o tribunal promovê-lo para além dos limites daquela, nem condenar para além desses limites, o que constitui uma consequência da estrutura acusatória do processo penal.
No entanto, como refere Germano Marques da Silva, por razões de economia processual, mas também no próprio interesse da paz do arguido, a lei admite geralmente que o tribunal atenda a factos ou circunstâncias que não foram objecto da acusação, desde que daí não resulte insuportavelmente afectada a defesa, enquanto o núcleo essencial da acusação se mantém o mesmo (Curso de Processo Penal, Lisboa, Verbo, III, 2.a edição, p. 273).
O processo penal não é um processo acusatório puro e o legislador não deixou o juiz na completa dependência dos sujeitos processuais relativamente ao esclarecimento dos factos. Ao processo penal estão subjacentes preocupações de justiça que impõem uma mais completa indagação da verdade permitindo que a versão dos factos construída no processo e a realidade se aproximem.
O que aponta para a necessidade de ser encontrado um ponto de equilíbrio que resolva a tensão entre princípios aparentemente em litígio, remetendo-nos para a magna questão da definição do objecto do processo e das condições em que a conformação dos factos constantes da acusação pode ser alterada.
O C.P.P. distingue, no âmbito da alteração dos factos, as situações em que a alteração é substancial daquelas em que não é substancial.
O artigo 1.0, n.° 1, alínea f), define alteração substancial dos factos como aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
As disposições fundamentais a considerar, na fase do julgamento, no tocante a esta matéria, são os artigos 358° e 359.° do C.P.P.
Quando os factos novos não tenham como efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, mas sejam relevantes para a decisão, a alteração deverá ser considerada não substancial e o seu conhecimento pressupõe, por isso, o recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.°, n.°1, do C.P.P.
Para que se verifique uma alteração, substancial ou não substancial dos factos, é necessário que se verifique uma modificação dos factos constantes da acusação ou da pronúncia, ou seja, é necessário que aos factos constantes da acusação ou da pronúncia outros se acrescentem ou substituam, ou, pelo contrário, se excluam alguns
deles (cfr. entre muitos, o acórdão do S.T.J., de 17.09.2009, proc. 169/07.3GCBNV.S1, disponível em www.dgsi.pt, como todos os arestos que venham a ser citados sem diversa indicação).
O instituto da alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia visa assegurar as garantias de defesa ao arguido, para que este não venha a ser julgado e condenado por factos diferentes daqueles por que foi acusado ou pronunciado, por factos que lhe não foram dados a conhecer oportunamente, ou seja, venha a ser censurado jurídico-penalmente com violação do princípio do acusatório.
É manifesto que o tribunal a quo, na comunicação efectuada em 19 de Dezembro de 2016, não comunicou qualquer modificação dos factos constantes da acusação, tendo, até, realçado, que os factos da acusação se mantinham inalterados, limitando-se a comunicar uma alteração da sua qualificação jurídica, ou seja, a qualificar de maneira diversa, sem os modificar, os factos descritos na acusação.
Essa alteração consistiu em aditar a referência aos artigos 22.°, 23.° e 73.°, atinentes à tentativa, à imputação dos crimes de homicídio qualificado na forma tentada, e no aditamento do artigo 86.°, n.°3, do Regime Jurídico das Armas e Munições, aprovado pela Lei n.° 5/2006, de 23 de Fevereiro, que determina uma agravação de um terço nos limites mínimo e máximo das penas aplicáveis a crimes cometidos com arma.
A comunicação da alteração da qualificação jurídica dos factos não se fundamentou em diferente apreciação da prova, ou na modificação da base factual, antes decidindo perante o próprio texto da acusação, sendo incontroverso que o tribunal pode alterar a qualificação jurídica dos factos, desde que dê cumprimento ao dever de comunicação prévia previsto no artigo 358.°, n.°3, do C.P.P. A alteração da qualificação jurídica pode, mesmo, verificar-se na Relação ou no S.T.J. (já que este último, por força da sua competência como tribunal de revista, conhece de direito), facto que o arguido/recorrente parece desconhecer.
Por conseguinte, o discurso do recorrente sobre uma alteração substancial da qualificação jurídica, que depois passa a ser tratada como alteração não substancial dos factos, para, finalmente, se concluir que se trata, na opinião da defesa de alterações substanciais e que deveriam ter sido comunicadas ao abrigo do disposto no art. 359, do CPP, é, além de extremamente confuso, de todo desconforme à realidade dos autos e à lei.
Conforme se afirmou no acórdão desta Relação de Lisboa, de 07/09/2010, proferido no processo 1511/04.PBSXL.L1-5, referindo-se à alteração dos factos e ao sentido do artigo 358.°, n.°1, do C.P.P., a expressão «no decurso da audiência» abrange todo o período que vai da respectiva abertura até à leitura da sentença. Só com tal leitura é que fica precludida a possibilidade de o tribunal proceder à alteração dos factos nos termos dos artigos 358.° e 359.°, do C.P.P. Quer isto dizer que a comunicação da alteração dos factos pode ser efectuada após o encerramento da produção de prova e antes da prolação da sentença, desde que seja concedida ao arguido a oportunidade, entretanto, para se pronunciar e exercer o seu direito de defesa.
No caso, como já se viu, não houve qualquer alteração dos factos, mas apenas a comunicação de uma alteração da qualificação jurídica, efectuada antes da prolação do acórdão e tendo-se permitido o exercício do contraditório, que o arguido, a nosso ver, desaproveitou ao requerer nos termos supra sintetizados.
Mas a que fundamentação de facto se refere o recorrente, se a comunicação refere-se, apenas, à qualificação jurídica dos factos que constavam da acusação? Que razão de ciência teria de ser apresentada? Que nexo casual e que meios probatórios teria o tribunal de mencionar se não estavam em causa nem factos, nem provas, mas apenas a qualificação jurídica dos factos, que o tribunal faz livremente, desde que cumprido o dever de prévia comunicação?
Confessamos que, lendo a motivação do recurso, temos, por vezes, a sensação de que, em certos segmentos, não se refere aos presentes autos.
O tribunal comunicou, apenas, uma alteração da qualificação jurídica, naturalmente por ter entendido de forma diferente do acusador. Como se diz no acórdão do S.T.J. de 17.09.2009 (supra citado), este despacho não requer praticamente fundamentação para além da discordância apontada - discordância que radica no entendimento expresso de que os factos acusados integram outra ou outras disposições legais. Não é preciso mais nada para ficarem cumpridas as exigências de fundamentação, resultando líquida para os sujeitos processuais a razão da alteração, de modo a poderem pronunciar-se como entenderem adequado quanto à subsunção jurídica comunicada.
O recorrente é que na oposição à alteração não diz nada em relação à qualificação jurídica comunicada pelo tribunal, enveredando por uma argumentação que não adere, minimamente, à realidade processual dos autos - com citação de acórdãos e longas explanações que não têm qualquer aplicação ao caso em apreço -, parecendo ignorar que, cumprida a exigência de prévia comunicação para que possa ser exercido o direito de defesa, não só o tribunal de 1.a instância, mas até o tribunal de recurso, podem alterar a qualificação jurídica dos factos constante da acusação ou da pronúncia.
Estando em causa, como já dissemos, na referida alteração, apenas o aditamento dos artigos 22.°, 23.° e 73.°, atinentes à tentativa, à imputação pelos crimes de homicídio qualificado na forma tentada, e o aditamento do artigo 86.°, n.°3, do Regime Jurídico das Armas e Munições, aprovado pela Lei n.° 5/2006, de 23 de Fevereiro, relativo à agravação desses crimes, ocorre perguntar: que pretendia provar o arguido com a produção de prova testemunhal suplementar? Será que pretendia inquirir as testemunhas sobre Direito, para que debatessem se os factos da acusação - que se mantiveram inalterados - integravam ou não os preceitos legais indicados na comunicação? Iriam as testemunhas alegar sobre matéria de Direito? O arguido/recorrente não apresentou qualquer justificação para a pretensão de produção de prova suplementar - e não se vislumbra que justificação poderia, in casu, ser apresentada.
E a que nulidade insanável se refere o arguido/recorrente, sabido que as nulidades estão sujeitas ao princípio da tipicidade, fixando a lei o seu numerus clausus?
Do exposto decorre que os artigos 358.°, 361.° e 371.° do C.P.P. não foram interpretados pelo tribunal a quo no sentido mencionado pelo recorrente, sendo que a interpretação de que, antes da prolação da sentença, mas após a produção de prova, o tribunal pode comunicar uma alteração da qualificação jurídica dos factos da acusação, no estrito cumprimento do disposto no artigo 358.°, n.°3, do C.P.P., facultando a oportunidade de exercício da defesa, é inteiramente conforme à C.R.P. e à lei - o que, a nosso ver, não admite qualquer controvérsia, inexistindo a invocada inconstitucionalidade.
Podemos até considerar normal que assim seja: que a questão da qualificação jurídica surja no decurso da deliberação dos juízes que compõem o tribunal colectivo que julga a causa em Ia instância, ou seja, após o encerramento da produção de prova, o que determinará que se comunique a alteração da qualificação aos sujeitos processuais, dando-se prazo ao arguido para a sua defesa.
Os direitos de defesa do arguido/recorrente, em geral, e em especial, o contraditório, não foram minimamente afectados.
Em suma: não se vislumbra qualquer nulidade, sanável ou insanável, que afecte o despacho que comunicou a alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação, e bem assim do despacho que indeferiu a produção de prova suplementar, por alegada, mas manifestamente não comprovada, violação dos artigos 379.°, n.° 1, alínea b), 358.° e 359.°, ou quaisquer outros, do C.P.P.
3.2. Passamos, agora, a apreciar as restantes questões colocadas no recurso, continuando a seguir uma ordem de precedência lógica que atende ao efeito do conhecimento de umas em relação às outras.
Na apreciação do thema decidendi proposto pelo recurso, impõe a lógica que, em primeiro lugar, se dilucide a questão da invocada nulidade por falta de fundamentação e omissão de pronúncia - artigo 379.°, n.°1, alíneas a) e c), do C.P.P.-, porquanto, se por procedente for havida, essa conclusão determinará a dispensabilidade de apreciar as demais.
3.2.1. Alega o recorrente que o acórdão recorrido enferma de falta de fundamentação /fundamentação insuficiente e omissão de pronúncia.
Dispõe o artigo 205.°, n.°1, da Constituição da República, que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
O artigo 97.°, n.°5, do C.P.P., prescreve, em relação aos actos decisórios em geral, que «são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão».
O acto da sentença, nos termos do disposto no artigo 374.°, do C.P.P., exige uma fundamentação especial.
A exigência de fundamentação das sentenças constitui um elemento essencial do Estado de Direito Democrático. Como refere Germano Marques da Silva, a fundamentação é imposta pelos sistemas democráticos tendo em vista diversas finalidades. Permite a sindicância da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decisora a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando por isso como meio de autodisciplina (Curso de Processo Penal, III, 2.`` edição, Verbo, p. 294).
A fundamentação constitui, por conseguinte, um factor de transparência da justiça, explicitando, de forma que se pretende clara, os processos intelectuais que conduziram à decisão e permitindo, consequentemente, uma maior fiscalização das decisões judiciais por parte da colectividade, constituindo entendimento dominante do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) que o direito a um processo equitativo pressupõe a exigência de motivação das decisões judiciais (cfr. Irineu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direito do Homem, 3.a edição, Coimbra Editora, p. 137).
De harmonia com o disposto no artigo 374.°, n.°2, do C.P.P., ao relatório da sentença segue-se a fundamentação que consta da «enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».
Por sua vez, estabelece o artigo 379.°, n.°1, alínea a), do C.P.P., que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no n.°2 e na alínea b) do n.°3 do referido artigo 374.°.
A enumeração dos factos provados e não provados reporta-se, a nosso ver, a todos os factos submetidos à apreciação do tribunal e sobre os quais a decisão terá de incidir, isto é, os constantes da acusação ou da pronúncia, do pedido de indemnização civil, da contestação penal e da contestação civil, quer sejam substanciais, quer circunstanciais ou instrumentais com relevo para a decisão. Acrescerá, sendo caso disso, o dever de se pronunciar quanto aos factos que resultem da discussão da causa e sejam relevantes para a decisão, no respeito do princípio da vinculação temática e sem prejuízo do regime aplicável à alteração dos factos.
A exigência de enumeração dos factos provados implica uma descrição especificada dos factos que como tal se consideram, em rigor um a um, ainda que não necessariamente subordinada a números.
Quanto à enumeração dos factos não provados - factos que o sejam realmente, com relevância para a decisão -, importa, a nosso ver, que não reste qualquer dúvida de que o tribunal efectivamente os apreciou, de que o tribunal indagou e se pronunciou sobre cada um dos factos relevantes, pelo que a expressão genérica «não se provaram quaisquer outros factos» só dará cumprimento à exigência de enumeração dos factos não provados, imposta pelo n.°2 do artigo 374.°, se resultaram provados todos os factos da acusação, da contestação penal, do pedido civil e da contestação do pedido civil.
No caso vertente, do acórdão recorrido consta a indicação pormenorizada dos factos provados e não provados.
Exige-se, ainda, uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto (que, naturalmente, hão-se ser seleccionados de entre os factos provados e não provados) e de direito, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
O exame crítico da provas situa-se nos limites propostos, entre outros, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional 680/98, de 2 de Dezembro de 1998, D.R., 2° Série, de 5 de Março de 1999, que julgou inconstitucional a norma do n.°2 do artigo 374.° do C.P.P. de 1987, na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1.a instância, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal, por violação do dever de fundamentação das decisões dos tribunais previsto no n.°1 do artigo 205.° da Constituição, bem como, quando conjugado com a norma das alíneas b) e c) do n.°2 do artigo 410.° do mesmo Código, por violação do direito ao recurso consagrado no n.°1 do artigo 32.°, também da Constituição.
Não basta, por conseguinte, indicar os meios de prova utilizados, tornando-se necessário explicitar o processo de formação da convicção do tribunal, a partir desses meios de prova, com apelo às regras de experiência e aos critérios lógicos e racionais que conduziram a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido.
Só assim será possível comprovar se foi seguido um processo lógico e racional na apreciação da prova ou se esta se fundou num subjectivismo incomunicável que abre as portas ao arbítrio.
A fundamentação, na parte que respeita à indicação e exame crítico das provas, não tem de ser uma espécie de assentada em que o tribunal reproduza os depoimentos das testemunhas inquiridas, ainda que de forma sintética. O exame crítico deve ser aferido com critérios de razoabilidade, não indo ao ponto de exigir uma explanação fastidiosa, com escalpelização descritiva de todas as provas produzidas, o que transformaria o processo oral em escrito, pois o que importa é explicitar o porquê da decisão tomada relativamente aos factos, de modo a permitir aos destinatários da decisão e ao tribunal superior uma avaliação do processo lógico-mental que serviu de base ao respectivo conteúdo (cfr., sobre esta matéria, o Acórdão do STJ, de 26 de Março de 2008, Processo: 07P4833, www.dsgi.pt; também com interesse, Sérgio Poças, Da sentença penal - Fundamentação de facto, Revista Julgar, n.°3, p. 21 e segs.).
Por vezes - como é, salvo melhor opinião, o caso do presente recurso - confrontamo-nos com um entendimento equivocado do que é a falta ou insuficiência de fundamentação, no que concerne ao exame crítico das provas.
O que se exige em termos de fundamentação da decisão de facto é que o tribunal explicite as razões da sua convicção, de forma que possam ser compreendidas, e não que logre convencer todos da sua razão, pois à convicção do juiz sempre se contrapõem as convicções divergentes de outros sujeitos processuais.
A nulidade, resultante da falta ou insuficiência da fundamentação quanto à indicação e exame crítico das provas, só ocorre quando não existir esse exame crítico e não também quando forem incorrectas ou passíveis de censura as conclusões a que o tribunal a quo chegou, posto que, percebidas as razões do julgador, podem os sujeitos processuais, com recurso, quando tal for necessário, ao registo da prova, argumentar para que o tribunal de recurso altere a matéria de facto fixada, mas aqui já se está em sede de impugnação da matéria de facto e não de nulidade da sentença.
Como é compreensível, perante as provas cada pessoa formará a sua convicção, pelo que não devemos confundir ausência ou deficiência de fundamentação com uma fundamentação que não convença o arguido quanto às razões de convicção apresentadas pelo tribunal. O que importa é que o julgador dê a conhecer, de forma clara e no quadro do que é razoável exigir, as razões da sua convicção, identificando o porquê da decisão de facto e o raciocínio seguido pelo tribunal na articulação dos meios de prova disponíveis que serviu de suporte a tal decisão.
No caso, o arguido-recorrente confunde os dois planos, além de que pretende utilizar a análise da prova produzida como argumento para sustentar a falta ou deficiência de fundamentação da decisão de facto, o que, mais uma vez, denota um grave equívoco, pois o vício de nulidade invocado tem de ser aferido face ao teor da decisão e não por confronto com a prova produzida, matéria que pertence à impugnação ampla da decisão de facto, com reapreciação da prova produzida.
É, por isso, totalmente desprovido de razão de ser que o arguido/recorrente, a propósito da alegada nulidade do acórdão recorrido, faça apelo à prova produzida e à convicção que, no seu entender, o tribunal deveria ter formado a partir dessa prova.
Corroborando a sensação, já aludida, de que a motivação do recurso, em certos segmentos, não se refere aos presentes autos, temos a afirmação, a fls. 29, de que sentença anterior mandava ponderar e criteriosamente esclarecer do porquê de entender diversamente do que anterior Tribunal entendeu sobre os mesmos factos e com a mesma prova (?).
A que sentença anterior se refere o arguido/recorrente?
No caso em análise, o tribunal recorrido começa pela declaração genérica de que formou a sua convicção com base na prova produzida em audiência, globalmente considerada, nomeadamente, as declarações do arguido, conjugadas com as declarações dos demandantes cíveis, R... e C... e os depoimentos das testemunhas R... e J....
Relativamente aos pontos de facto 1, 2 e 3, diz a motivação que o tribunal se baseou na conjugação das declarações do arguido com as declarações de R..., em que ambos confirmaram a relação existente entre ambos, a existência do filho comum, bem como a situação de conflito entre ambos. Tal situação foi ainda corroborada pelas declarações do demandante C....
Quanto aos pontos de facto 4 a 8, 9, 10, 19, 21 a 23 e 25 a 27, o tribunal a quo afirma que relevaram as declarações dos demandantes, R... e
C..., os quais depuseram de forma clara, segura, algo emocionada, mas sempre lógica e coerente, de per si e entre si, descrevendo a existência do telefonema para que R... se dirigisse ao local, que aí chegada, acompanhada de C..., o arguido saiu de casa, aproximou-se do veículo onde se encontrava C... sempre com uma mão no bolso e pediu-lhe para sair do veículo e quando este abriu a porta começou a
bater-lhe com a soqueira, que trazia na mão oculta no bolso. A ajuda de D..., tio do arguido, que permitiu que este se levantasse e se dirigisse à casa, de onde disparou os 2 tiros contra os mesmos, quando estes já se dirigiam para o carro.
Esta a versão dos demandantes que, como já se disse, no entendimento do tribunal a quo depuseram de forma clara, segura, sempre lógica e coerente.
Em contraposição, diz-se na motivação da decisão de facto que o arguido negou esta versão dos factos, referindo desde logo que levava o filho numa mão e outro menor na outra mão, pelo que não tinha possibilidade de levar a soqueira, a qual era da pertença de C..., tendo sido este a utilizá-la. Mais referiu que apenas se aproximou do veículo automóvel para explicar à mãe do menor, R..., quais os trabalhos de casa que este tinha a fazer.
Explica o tribunal que esta versão é desmentida pela própria dinâmica dos acontecimentos, pois não se compreende que C... e R... o atacassem quando obtinham o que queriam, que era levar o menor Marco Marfins com os mesmos. É ainda desmentida num outro facto, tendo em conta o dia dos factos, 23 de Junho, o ano escolar já havia acabado, pelo que o menor não podia ter trabalhos de casa. Isso mesmo é até confirmado no auto de participação de fls. 157, em que V... está na escola no dia 26 de Junho, 3 dias depois, para ver as pautas furais do filho, o que não seria possível caso ainda houvesse aulas com trabalhos de casa em curso. É ainda confirmada a versão de C... e R... pelo teor de fls. 250, na qual são medicamente confirmadas lesões na cara de C..., o que é compatível com a sua explicação dos factos e incompatível com a versão contada pelo arguido que diz não ter atingido C..., sendo apenas agredido por este.
Quer isto dizer que o tribunal explicita a razão por que não conferiu credibilidade à versão apresentada pelo arguido e, pelo contrário, credibilizou a versão dos demandantes.
Continua a motivação da decisão de facto, mencionando que depois do envolvimento físico entre C... e V..., chegou a testemunha D..., tio do arguido que, vendo-o envolvido numa luta com C..., pretendeu tirá-lo da mesma, assinalando que, nesta parte, todos os
depoimentos e declarações coincidem, pois R..., C..., V... e D... confirmam que este desferiu alguns golpes em C... para que este largasse o sobrinho, o que conseguiu.
Neste momento, vendo-se liberto de C..., V... dirigiu-se a casa, pegou na arma, conforme consta da acusação, o que o mesmo admite, assinalando o tribunal a quo que o arguido, em sede de primeiro interrogatório judicial, admitiu ter disparado dois tiros, referindo contudo que apenas tal fez para intimidar R... e C....
Chegados a este ponto, referem-se o depoimento de D... e as declarações do arguido em sede de julgamento, no sentido de que quando este se preparava para dar um tiro da janela/varandim do seu quarto, D... agarrou-o
fazendo com que o tiro baixasse e atingisse o carro de R..., insistindo ambos que apenas um tiro foi disparado. Explica o tribunal recorrido que tal versão dos factos foi contrariada pelas declarações do próprio arguido, em sede de primeiro interrogatório, em que o mesmo admite ter disparado dois tiros, para intimidar diz o mesmo, mas dois tiros. Quanto à existência de mais de um tiro, na direcção de R... e C..., são unânimes as declarações dos mesmos, conjugadas com o facto de um dos tiros ter atingido o veículo de R..., que se encontrava no mesmo alinhamento onde estes se encontravam.
Relativamente ao número de disparos efectuados e à intencionalidade que lhes presidiu, a motivação realça que nunca um tiro de intimidação, que sempre seria para cima, para haver a certeza de que mais ninguém era atingido, poderia atingir o veículo de Ricardo Henriques no local onde este se encontrava, próximo do cruzamento, no fim da rua perpendicular à casa do arguido, de onde este disparou. Nem a versão de que o tio do arguido, ao puxá-lo, baixou-lhe a mão é compatível com a trajectória do tiro e que, tendo em conta a trajectória da bala recuperada, dúvidas não restam ao Tribunal de que o arguido dirigiu os dois tiros que disparou na direcção dos corpos de R... e C..., tentando atingi-los e até tirar-lhes a vida, conforme decorre da acusação, tendo sido ainda relevante o depoimento da testemunha R..., pessoa que ia a passar no seu veículo automóvel e que, vendo a confusão, decidiu ajudar. O seu depoimento foi claro, seguro e espontâneo, convencendo o Tribunal de que falava a verdade e sendo, por isso, acreditado. No seu depoimento a testemunha referiu ter ouvido os tiros enquanto procurava pelo telemóvel para chamar a policia, confirmando que um deles atingiu o seu veículo, o que se mostra comprovado também a fls. 97 e 97-v.
Relativamente ao ponto de facto provado n.° 11, mencionam-se as declarações do arguido em conjugação com o depoimento da testemunha J..., pessoa que vendeu a arma de fogo ao arguido e, quanto à posse da soqueira, atendeu-se aos depoimentos de C... e R..., salientando-se que o arguido admitiu ter comprado a arma de fogo e ainda não ter a devida licença, tendo sido ainda relevantes o auto de apreensão das armas de fls. 35 e 36 (arma de fogo e soqueira), o auto de exame e avaliação das mesmas de fls. 37 a 39, as fotos de fls. 46 a 48, bem como o relatório pericial de fls. 115 a 119 que atesta o bom estado de funcionamento da arma de fogo apreendida. Teve-se também em conta a informação de fls. 68, a qual confirma que o arguido não é titular de licença de porte de arma e que a arma apreendida estava manifestada em nome da testemunha José Barrento.
No que toca aos elementos subjectivos - pontos 12 a 17 -, diz-se que foram demonstrados tendo em conta a conjugação de toda a prova produzida e já referida. Ou seja, o Tribunal ficou convencido que o arguido sabia que não poderia deter a arma, tal como detinha, o que este próprio admitiu. Mais admitiu que sabia não poder bater em C... e nem disparar contra o mesmo e contra R.... Negou tê-lo feito, mas de toda a prova produzida, ficou convencido o Tribunal que o arguido praticou os factos tal como descritos na acusação, querendo fazê-lo e com perfeito conhecimento da proibição de tais condutas e da punibilidade criminal dos mesmos.
No fundo, o que se infere da motivação é que o tribunal, nesta parte, teve em vista que o dolo, em qualquer das suas modalidades, é sempre um facto da vida interior do agente, um facto subjectivo, não directamente apreensível por terceiro, pelo que a sua demonstração probatória, sobretudo, quando não existe confissão, não pode ser feita directamente, designadamente, através de prova testemunhal. Nestes casos, a prova tem que ser feita por inferência isto é, terá que resultar da conjugação da prova de factos objectivos - em particular, dos que integram o tipo objectivo de ilícito - com as regras de normalidade e da experiência comum.
Ora, quanto aos disparos, já a motivação havia sublinhado, como se disse, com relevo para o tipo subjectivo, que nunca um tiro de intimidação, que sempre seria para cima, para haver a certeza de que mais ninguém era atingido, poderia atingir o veículo de R... no local onde este se encontrava, próximo do cruzamento, no fim da rua perpendicular à casa do arguido, de onde este disparou. Nem a versão de que o tio do arguido, ao puxá-lo, baixou-lhe a mão é compatível com a trajectória do tiro e que, tendo em conta a trajectória da bala recuperada, dúvidas não restam ao Tribunal de que o arguido dirigiu os dois tiros que disparou na direcção dos corpos de R... e C..., tentando atingi-los e até tirar-lhes a vida, conforme decorre da acusação.
Também quando aos demais factos provados o tribunal a quo dá conta da prova pessoal, pericial e documental que esteve na base da sua convicção, o mesmo fazendo quanto à factualidade dada como não provada, em termos que permitem alcançar, com facilidade, as razões que presidiram à sua convicção, explicando o porquê da falta de credibilidade atribuída aos depoimentos das testemunhas D..., tio do arguido, e A..., actual companheira do arguido, porquanto não foram lógicos e coerentes deper, detendo-se em aspectos do seu conteúdo que contribuíram para os descredibilizar.
Quer isto dizer que o tribunal a quo, ainda que o pudesse fazer de forma mais exaustiva, não deixou de explicitar as razões da sua convicção, pois para além de indicar concretamente as provas consideradas, referenciando declarações, depoimentos, a prova pericial e a prova documental, o acórdão deteve-se no seu exame crítico, expondo as razões pelas quais, com base nas provas, o tribunal formou a sua convicção relativamente à factualidade provada e não provada. A partir dessa exposição, podemos identificar o porquê da decisão de facto e o raciocínio lógico-dedutivo seguido pelo tribunal recorrido na articulação dos meios de prova disponíveis que serviu de suporte a tal decisão.
Como é evidente, o arguido-recorrente pode dissentir do julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal a quo, por sustentar que a prova deveria ter sido valorada de modo diverso - matéria também susceptível de ser sindicada por via de recurso -, mas carece de razão quando pretende que o acórdão recorrido não se mostra fundamentado, designadamente no que concerne à decisão sobre a matéria de facto, pois, como se viu supra, não devemos confundir ausência ou deficiência de fundamentação com uma fundamentação que não logre convencer o arguido quanto às razões de convicção apresentadas pelo tribunal.
Finalmente, também as razões de direito que servem para fundamentar a decisão (na apreciação dos factos considerados assentes à luz do direito vigente) devem ser especificadas na fundamentação, o que, no caso, acontece.
Assim, tendo sido respeitadas as exigências do artigo 374.°, n.°2, do C.P.P., conclui-se que o acórdão recorrido não enferma da nulidade prevista no artigo 379.°, n.°1, alínea a), do mesmo diploma.
Alega o recorrente, a este propósito, que o acórdão recorrido também enferma de omissão de pronúncia.
Nos termos do artigo 379.°, n.°1, al. c), do C.P.P., é nula a sentença: Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
É pacífico na jurisprudência que a nulidade de sentença por omissão de pronúncia refere-se a questões e não a razões ou argumentos invocados pela parte ou pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista (cfr., entre outros, os acórdãos do S.T.J., de 9-3-2006, proc. n.° 06P461, e de 16-09-2008, proc. n.° 08P2491).
Já o Prof. Alberto dos Reis ensinava, a propósito da nulidade de sentença por omissão de pronúncia, que São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão. - Código de Processo Civil anotado, vol. V, pág. 143.
O arguido/recorrente não identifica, a nosso ver, nenhuma questão que, devendo ser apreciada, o tribunal recorrido tenha deixado por apreciar, sendo a alegação da omissão de pronúncia desprovida de qualquer fundamento.
3.2.2. Segue-se, na motivação, numa exposição que, salvo o devido respeito, não percorre a mais adequada sequência lógica, a alegação de que o acórdão recorrido violou os princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo e, só mais adiante, o recurso sobre a matéria de facto.
Temos, assim:
Conclusões 35 a 41 - Violação do princípio de livre apreciação da prova - artigo 127.° do C.P.P.
Conclusões 42 a 56 - Falta de fundamentação e contradição entre a fundamentação e a motivação, insuficiência da prova para a condenação; errada apreciação da prova e violação do princípio in dubio pro reo e consequente nulidade do acórdão - artigo 127.° do CPP
Conclusões 57 a 89 - Recurso da matéria de facto, com invocação dos artigos 412.°, n.° 3, do C.P.P., e ainda dos artigos 127.°, 374.° n.° 2, 64.°, e 357.° e 379.° do C.P.P.; dos artigos 143.°, n.° 1, 145.°, n.° 1, alínea a) e n.° 2 e 132.° n.° 1 alínea m), do Código Penal; violação do princípio in dubio pro reo - artigos 18.°, 25.°, n.°1, 26.°, 32.° n.° 8, 24.° n.° 3 e 204.° da Constituição da República Portuguesa
A mera indicação deste elenco de disposições legais e questões é elucidativa da forma confusa, prolixa, repetitiva e desordenada como o recurso se mostra apresentado.
Essencialmente, temos a invocação do erro de julgamento de facto e, a esse propósito, a alegada violação do princípio de livre apreciação da prova e in dubio pro reo; contradição entre a fundamentação e a motivação, erro notório na apreciação da prova e insuficiência da prova para a condenação.
Vejamos.
1. Dispõe o artigo 428.°, n.° 1, do C.P.P., que os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito.
A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.°, n.°2, do C.P.P., no que se convencionou chamar de revista alargada; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.°, n.°3, 4 e 6, do mesmo diploma.
No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do n.° 2 do referido artigo 410.°, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 16. a ed., p. 873; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol.
III, 2a ed., p. 339; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6 ed., 2007, pp. 77 e ss.; Maria João Antunes, RPCC, Janeiro-Março de 1994, p. 121).
No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.°s 3 e 4 do artigo 412.° do C.P. Penal.
Quer isto dizer que enquanto os vícios previstos no artigo 410.°, n.°2, são vícios da decisão, evidenciados pelo próprio texto, por si ou em conjugação com as regras da experiência comum, na impugnação ampla temos a alegação de erros de julgamento por invocação de provas produzidas e erroneamente apreciadas pelo tribunal recorrido, que imponham diversa apreciação. Neste caso, o recorrente pretende que o tribunal de recurso se debruce não apenas sobre o texto da decisão recorrida, mas sobre a prova produzida em 1.a instância, alegadamente mal apreciada.
Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos
concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, os acórdãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, de 3 de Julho de 2008, Processo 08P1312, de 29 de Outubro de 2008, Processo 07P1016 e de 20 de Novembro de 2008, Processo 08P3269, in www.dgsi.pt., como todos os que venham a ser indicados sem outra indicação).
Precisamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, impõe-se a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecendo o artigo 412.°, n.°3, do C.P. Penal:
«3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.»
A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados.
A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.a instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410.°, n.°2, do C.P.P. e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artigo 430.° do C.P.P.).
Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação (não basta a simples remissão para a totalidade de um ou vários depoimentos), pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.° 4 e 6 do artigo 412.° do C.P.P.), salientando-se que o S.T.J, no seu acórdão N.° 3/2012, publicado no Diário da República, 1.a série, N.° 77, de 18 de abril de 2012, fixou jurisprudência no seguinte sentido:
«Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.°, n.° 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações».
Assim, o ónus processual de indicação das provas que impõem decisão diversa da recorrida, previsto na alínea b), do n.° 3, do artigo 412.°, do C.P.P., apresenta uma configuração alternativa, conforme a acta da audiência de julgamento contenha ou não a referência do início e do termo de cada declaração gravada, nos seguintes termos:
- se a acta contiver essa referência, a indicação das concretas passagens em que se funda a impugnação faz-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.° 2 do artigo 364.° (n.° 4 do artigo 412.° do C.P.P.);
- se a acta não contiver essa referência, basta a identificação e transcrição nas motivações de recurso das ditas passagens/excertos dos meios de prova oral gravados (acórdão da Relação de Évora, de 28/05/2013, processo 94/08.OGGODM.E1).
Na reapreciação da prova importa articular os poderes de conhecimento do tribunal de recurso com os princípios relativos à produção e à valoração da prova no tribunal de 1.a instância, especialmente com o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.° do C.P.P., princípio que vale também para o tribunal de recurso. Essa articulação há-de necessariamente ter em conta que as condições de que beneficia a 1.a instância - em particular, a oralidade e a imediação - para avaliar os depoimentos prestados, no contexto de toda a prova produzida, se não verificam (pelo menos em toda a extensão) quando o tribunal de recurso vai julgar.
Traduzindo-se a livre apreciação das provas numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, a falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, a não vivência do julgamento, sede do contraditório, com privação da possibilidade de intervir na produção da prova pessoal, serão, por assim dizer, limites epistemológicos a que a Relação deverá atender na sua apreciação, ainda que não barreiras intransponíveis a que faça a ponderação, em concreto e autónoma, das provas identificadas pelo recorrente, que pode conduzir à conclusão de que tais elementos de prova impõem um juízo diverso do da decisão recorrida.
2. Resulta do recurso que se pretende sindicar a apreciação da prova, através da impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto, pois o recorrente socorre-se da prova produzida para firmar a sua discordância quanto à matéria de facto provada.
Simultaneamente, também estarão em causa os vícios do artigo 410.°, n.°2, do C.P.P. - fala-se em contradição entre a fundamentação e a motivação e erro notório na apreciação da prova.
Analisemos, primeiramente, estes vícios, que são, aliás, de conhecimento oficioso.
Estabelece o artigo 410.°, n.° 2 do C.P.P. que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova.
Trata-se de vícios da decisão sobre a matéria de facto - vícios da decisão e não de julgamento, não confundíveis nem com o erro na aplicação do direito aos factos, nem com a errada apreciação e valoração das provas ou a insuficiência destas para a decisão de facto proferida -, que têm a ver com a perfeição formal da decisão da matéria de facto e cuja verificação terá de ser evidenciada pelo próprio texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, sem possibilidade de apelo a outros elementos que lhe sejam estranhos, mesmo que constem do processo, sendo os referidos vícios intrínsecos à decisão como peça autónoma.
Verifica-se o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410.°, n.° 2, alínea a), quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal, podendo fazê-lo, não investigou toda a matéria de facto relevante, acarretando a normal consequência de uma decisão de direito viciada por falta de suficiente base factual, ou seja, os factos dados como provados não permitem, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do julgador. Dito de outra forma, este vício ocorre quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito e quando não foi investigada toda a matéria de facto contida no objecto do processo e com relevo para a decisão, cujo apuramento conduziria à solução legal (cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos ..., 6.a ed., 2007, p. 69; Acórdão da Relação de Lisboa, de 11.11.2009, processo 346/08.OECLSB.L1-3, em http://www.dgsi.pt).
Como já se assinalou, não se deve confundir este vício decisório com a errada subsunção dos factos (devida e totalmente apurados) ao direito, o que consubstancia um caso de erro de julgamento, nem, por outro lado, tal vício se reconduz à discordância sobre a factualidade que o tribunal, apreciando a prova com base nas regras da experiência e a sua livre convicção, nos termos do artigo 127.° do C.P.P., entendeu dar como provada.
Quanto à contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, vício previsto no artigo 410.°, n.° 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Ocorrerá, por exemplo, quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação da convicção conduz a uma decisão sobre a matéria de facto provada e não provada contrária àquela que foi tomada - e assim é porque, como já se disse, todos os vícios elencados no artigo 410.°, n.° 2, do C.P.P., reportam-se à decisão de facto e consubstanciam anomalias decisórias, ao nível da elaboração da sentença, circunscritas à matéria de facto (cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, ob. cit., pp. 71 a 73).
Finalmente, o vício do erro notório na apreciação da prova, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.°, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se apercebe de que o tribunal, na análise da prova, violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, verificando-se, igualmente, este vício quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das leges artis. O requisito da notoriedade afere-se, como se referiu, pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, ao homem médio - ou, talvez melhor dito (se partirmos de um critério menos restritivo, na senda do entendimento do Conselheiro José de Sousa Brito, na declaração de voto no Acórdão n.° 322/93, in www.tribunalconstitucional.pt, ou do entendimento do Acórdão do S.T.J. de 30 de Janeiro de 2002, Proc. n.° 3264/01 - 3.a Secção, sumariado em SASTJ), ao juiz normal, dotado da cultura e experiência que são supostas existir em quem exerce a função de julgar, desde que seja segura a verificação da sua existência -, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente, consistindo, basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, ob. cit., p. 74; Acórdão da R. do Porto de 12/11/2003, Processo 0342994, em http://www.dgsi.pt).
Analisado o acórdão recorrido, os factos provados são suficientes para suportar a decisão de direito a que se chegou, nas suas diversas vertentes; visionando toda a matéria factual, não se verifica qualquer inconciliabilidade na fundamentação ou entre esta e a decisão; também não se patenteia a existência de erro notório na apreciação da prova, na definição que deixamos supra exposta.
Não se percebe o que pretende o recorrente afirmar ao dizer que a fundamentação (de facto) está em contradição com a motivação, sendo certo que não vislumbramos a existência de qualquer contradição na fundamentação.
Do que se conclui que do texto da sentença recorrida, por si só ou conjugado com os ditames da experiência comum - enquanto critérios generalizantes e tipificados, assentes na experiência, de inferência factual, simples índices corrigíveis, critérios que definem conexões de relevância orientando caminhos de investigação e oferecendo probabilidades conclusivas (cfr. Castanheira Neves, Sumários de Processo Penal, 1968, Coimbra, p. 45) -, não resulta a verificação de qualquer dos apontados vícios decisórios.
3. Resultando do recurso que se pretende sindicar a apreciação da prova, através da impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto, procedeu-se à audição da prova gravada indicada, confrontando-a com a prova documental e pericial, e bem assim com a motivação da decisão de facto exposta no acórdão recorrido.
Quando referimos a prova gravada indicada, reportamo-nos às declarações e depoimentos que o recorrente selecionou e até transcreveu no recurso, pois a tal impõe a observância do ónus de especificação que recai sobre o recorrente.
Ainda que a Relação possa ouvir outros segmentos que não tenham sido indicados, a pretensão de que fosse, por assim dizer, repetido o julgamento na Relação, com audição integral da prova gravada e sem que ao recorrente coubesse proceder às indicações especificadoras, é destituída de qualquer base legal.
Daí ser censurável que o recorrente, argumentando a propósito de cada um dos pontos de facto que decidiu impugnar, diga, a dado momento, que remete integralmente para a prova gravada, e bem assim que diga pretender a integral renovação desta prova, questão já abordada em sede de exame preliminar e que denota desconformidade relativamente ao que é o recurso sobre a matéria de facto e ao significado legal e preciso de renovação da prova.
Não se compreende que num recurso tão extenso, o recorrente, para além de uma remissão genérica para a totalidade da prova gravada, que é inadmissível, se limite a indicar, concretamente, escassos segmentos de declarações e depoimentos em sustentação da sua tese, bastando-se com a pretensão de fazer prevalecer a sua própria convicção sobre a convicção que o tribunal recorrido firmou com base no princípio da livre apreciação da prova que lhe assiste.
Na audição da prova pessoal indicada - que se complementou com audição da restante, por opção do tribunal -, teve-se sempre em vista que, como realçou o S.T.J., em acórdão de 12 de Junho de 2008 (Processo:07P4375), a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações, que sintetizam o que se disse supra:
- a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam;
- a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o contacto com a prova pessoal ao que consta das gravações;
- a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso;
- a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2.a instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1 instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b) do n.°3 do citado artigo 412.° - também neste sentido o ac. da Relação de Lisboa, de 10.10.2007, proc. 8428/2007-3].
Como se diz no acórdão da Relação de Évora, de 1 de Abril de 2008 (processo n.° 360/08-1.'):
«Impor decisão diversa da recorrida não significa admitir uma decisão diversa da recorrida. Tem um alcance muito mais exigente, muito mais impositivo, no sentido de que não basta contrapor à convicção do julgador uma outra convicção diferente, ainda que também possível, para provocar uma modificação na decisão de facto. E necessário que o recorrente desenvolva um quadro argumentativo que demonstre, através da análise das provas por si especificadas, que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados, é impossível ou desprovida de razoabilidade. E iscai ivocantente este o sentido da referida expressão, que consubstancia um ónus imposto ao recorrente.»
Assim, ouvida a gravação da prova, importa cotejá-la com a motivação da decisão de facto e verificar se as provas indicadas pelo recorrente (e agora reapreciadas) impõem decisão diversa da proferida pela 1.a instância.
O recorrente selecionou segmentos das declarações prestadas pelos demandantes, das suas próprias declarações e do depoimento prestado pela testemunha D....
Há que recordar que na tarefa de apreciação da prova, é manifesta a diferença entre a 1.a instância e o tribunal de recurso, beneficiando aquela da imediação e da oralidade e estando este limitado à prova documental e pericial e ao registo de declarações e depoimentos.
A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como «a relação de proximidade comunicaste entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão» (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1984, Volume I, p. 232), confere ao julgador em 1.a instância meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe. É essencialmente a esse julgador que compete apreciar a credibilidade das declarações e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reacções humanas, atendendo a uma vasta multiplicidade de factores: as razões de ciência, a espontaneidade, a
linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc. As razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem desse juízo de valoração realizado pelo juiz de 1.a instância, com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum.
Quer isto dizer que a atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações, tem por base uma valoração do julgador que, enquanto fundada na imediação e na oralidade (e nessa medida), o tribunal de recurso, em rigor, só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum (cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 21 de Abril de 2004, Processo: 0314013, www.dgsi.pt).
Tal não significa que o tribunal superior não deva analisar os depoimentos prestados e ajuizar sobre a sua verosimilhança e plausibilidade.
Como assinalou o S.T.J., em Acórdão de 19 de Dezembro de 2007 (Processo 07P4203, www.dgsi.pt), o facto de o tribunal recorrido ter submetido a sua actuação à regra da livre convicção e nos limites propostos por aqueles princípios não contende com a possibilidade de o Tribunal da Relação se pronunciar sobre a verosimilhança do relato de uma testemunha ou perito e demais meios e para apreciar a emergência da prova directa ou indiciária e de aí controlar o raciocínio indutivo pois que estaremos perante uma questão de verosimilhança ou plausibilidade das conclusões contidas na sentença.
Por outro lado, a credibilidade em concreto de cada meio de prova tem subjacente a aplicação de máximas da experiência comum que informam a opção do julgador. E estas podem, e devem, ser escrutinadas.
Conclui o S.T.J., no referido Acórdão de 19 de Dezembro de 2007:
«Pode-se, assim, concluir que o recurso em matéria de facto não pressupõe, uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento da decisão recorrida, mas apenas, em plano diverso, uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os «pontos de facto» que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base, para tanto, da avaliação das provas que, na perspectiva do recorrente, imponham decisão diversa» da recorrida (...)
Porém tal sindicância deverá ter sempre uma visão global da fundamentação sobre a prova produzida de forma a poder acompanhar todo o processo dedutivo seguido pela decisão recorrida em relação aos factos concretamente impugnados. Não se pode, nem deve substituir, a compreensão e análise do conjunto da prova produzida sobre um determinado ponto de facto pela visão parcial e segmentada eventualmente oferecida por um dos sujeitos processuais.»
Por via da prova pessoal - declarações e depoimentos -, que o tribunal ouviu através do respectivo registo informático, não se conclui que o juízo formulado pelo tribunal da 1.a instância seja desprovido de razoabilidade e que houvesse que decidir de forma diversa.
E a existência de versões divergentes não significa que o tribunal tivesse de ficar, forçosamente, numa situação de dúvida insolúvel e que não lhe fosse legítimo, no quadro da livre apreciação da prova, dentro de parâmetros de racionalidade e experiência comum, determinar como os factos se passaram.
Foi o que aconteceu no caso vertente.
O arguido, inicialmente, exerceu o direito de não falar sobre os factos imputados.
Mais tarde, depois de prestadas declarações pelos demandantes civis e dos depoimentos das testemunhas R..., Rodrigo Carreira, D..., José Manuel Barrento, Pedro Cruz Santos e Fernando Serra, decidiu o arguido prestar declarações.
Em suma, disse o arguido que vinha a sofrer, por parte da demandante, R..., com quem tem um filho em comum (Marco), diversas ofensas à sua actual companheira, ameaças e queixas de violência doméstica. Desde o dia em que se separou da demandante nunca esta cumpriu as suas obrigações em relação ao filho, não contribuindo para despesas, indo buscar o filho sem ser o dia dela e entregando-o quando queria e como queria. Por sua vez, referindo-se ao demandante, C..., disse que já tinha havido um confronto com este, na escola do Marco, em que o demandante bateu-me e muito, o que deu origem a um processo.
Assim, em função das palavras do próprio recorrente, fica por explicar a razão de pretender a alteração do ponto de facto provado n.°3, no sentido de que o conflito ocorrido no dia dos factos da acusação foi uma situação pontual, quando a versão que apresentou em audiência de julgamento foi, precisamente, no sentido de que já havia
uma relação conflituosa anterior, em que, nas suas palavras, o demandante o teria agredido fisicamente na escola frequentada pelo pequeno Marco.
Disse o arguido que na ocasião dos factos, saiu de casa com os miúdos, um em cada mão, referindo-se ao filho que tem em comum com a demandante e ao filho da sua actual companheira. Quando se dirigiu à viatura automóvel da demandante, para entregar o filho (que iria ficar com a mãe), o Sr. C... sai do carro e diz-me assim: «se não entregas o miúdo a bem, entregas a mab>. Quando o demandante saiu do carro, tinha uma soqueira, agarrei-me ao braço dele e foi aí que eu caí e ele ficou em cima de mim. O tio do arguido veio em seu socorro, para os separar, tirou-o de cima de mim e a D. R... também atacou o meu tio. Segundo o arguido, quando fugiu para casa estavam ambos os demandantes a atacar o seu tio. Quando eu fui para casa foi quando ele pegou no barrote de madeira para dar no meu tio. Interpelado para explicar como podia ver tal situação enquanto se afastava em direcção a sua casa e estava de costas para o local onde se estavam a passar os factos, disse que viu essa situação a partir da sua janela. Acrescentou: Fiz o que não devia ter feito. Dei um tiro para o ar. Procurando precisar um pouco mais a sequência, disse que viu o pau (o tal barrote), foi buscar a arma ao fundo da gaveta do roupeiro, que estava com o respectivo carregador. O tio apareceu e disse-lhe não faças isso, não desgraces a sua vida. Referiu só ter dado um tiro, tendo apontado para o ar. O tio puxou-o e, quando veio para trás, a arma baixou no momento do disparo. Interpelado quando ao facto de ter declarado anteriormente, em sede de 1.° interrogatório, que tinha efectuado dois disparos, reiterou que só disparou uma vez e que, quando puxou a culatra, saiu uma bala não disparada que caiu no solo. O objectivo do disparo era intimidatório. Pratica há cerca de 15 anos tiro ao alvo, com arma semelhante à utilizada nos factos descritos. Tinha a arma de fogo há cerca de 2 meses, com o intuito de a comprar, tinha começado a tratar da licença, nunca a tinha utilizado antes e sabia que não podia ter a arma em casa. No que toca à soqueira, disse que tinha pegado nela e que a levou para casa, colocando-a no parapeito, o que fez não sabe o porquê, pois foi instintivo. Referiu não ter batido em ninguém. Interpelado sobre que razão teria o demandante para lhe dizer «se não entregas o miúdo a bem, entregas a mal» e o atacar, quando o arguido se dispunha a entregar o filho à mãe, respondeu que o amor é novo e quer impressionar.
A demandante civil declarou que manteve uma relação com o arguido, de que nasceu um filho comum, de seu nome Marco, que vive com pai desde 2013. Descreveu um relacionamento difícil com o arguido, que lhe dificulta o acesso ao Marco, sendo que, na altura dos factos, já não via o filho há dois meses. No dia dos factos, em ordem a ela poder estar com o filho, houve primeiramente uma ligação de voz e depois troca de mensagens escritas a combinarem a ida dela para ir buscar o filho a casa do arguido.
Logo aqui se alcança, por um lado, a irrelevância da pretendida eliminação do segmento telefonou, a substituir por enviou mensagem, no ponto de facto n.° 4, alegadamente com base nas declarações da demandante civil, pois não só não se vislumbra o alcance que o recorrente pretende conferir a essa proposta e inócua substituição, como as declarações da demandante foram no sentido de que existiu ligação de voz e também troca de mensagens escritas - passou mensagens de telemóvel - e não apenas destas.
Disse a demandante que sempre ia buscar o filho sozinha, mas que naquele dia pediu ao marido, o demandante C..., que fosse com ela, pois tinha medo do arguido. Relatou, a esse propósito, a existência de uma situação de conflito anterior, na escola do Marco, em que o demandante tivera de imobilizar o arguido para este não a agredir, numa ocasião em que o arguido a quis impedir de levar o filho. A demandante foi quem conduziu o veículo, estacionou alguns metros mais adiante da casa do arguido - disse 50/60 metros -, saiu do carro e ficou à espera na rua, como costuma fazer. Surgiu vindo de casa o arguido, com a mão direita no bolso e dando a mão esquerda ao Marco que, por sua vez, trazia pela mão uma outra criança mais pequena, que a demandante imagina ser filho da companheira do arguido. A demandante não chegou, nessa altura, a aproximar-se do filho, pois o arguido recuou o menino para trás, ele segurou o menino para trás, tendo a demandante mencionado que, noutras ocasiões, o arguido já lhe chegou a arrancar o menino dos braços. O arguido viu, então, a carro da demandante, apercebendo-se de que estava uma pessoa dentro. Dirigiu-se ao veículo, onde o demandante se encontrava no lugar do pendura,
e a demandante Quando ela ia para entrar no carro, já o arguido estava a chamar pelo demandante civil, do lado do pendura, dizendo-lhe vem aqui fora para conversar um pouco. Segundo a demandante, quando C... abriu a porta, o arguido já veio de soco, ficando as crianças em desespero com a situação, no que foi um filme de terror. O arguido atingiu o demandante no rosto e na lateral do peito, tendo caído entre o banco e a porta quando o demandante o segurou pelos braços, conseguindo imobilizá-lo. O arguido tinha um negócio preto na mão, não sei o que é aquilo, não sei o nome daquilo, era um negócio de metal e tinha uma faixa preta. A demandante estava muito nervosa e foi acudir ao filho e segurá-lo. As pessoas vieram, incluindo a companheira do arguido, o tio dele e alguns vizinhos. O tio veio para agredir nós dois e a dada altura pegou numa pedra desse tamanho para atirar. Na descrição da demandante, o demandante C... estava enrolado com o arguido, no chão, imobilizando-o, e o tio deste correu e começou aos murros no demandante: em vez de separar, ajudou a dar murros no C.... Em certo momento, o arguido correu até casa dele - o arguido está habituado à sua prótese, fazendo a sua vida normal. A avó e a companheira do arguido levaram as crianças, que estavam em pânico. Quando estavam indo para o carro (referindo-se a ela e a C...) - deram uns dez passos para o carro - ele mandou dois ou três tiros para a gente; os tiros vieram para nós, ela sentiu a bala a passar; todo o mundo correu. Um tiro pegou no carro que estava próximo de um senhor. O tiro veio um logo a seguir ao outro e uma bala passou por trás da declarante. Disse também a declarante que viu ele lá em cima, na varanda do 1.° andar - referindo-se ao arguido - e teve a certeza absoluta de que os tiros vinham dele, esclarecendo que a janela fica de frente para os carros.
Referindo-se às declarações dos demandantes civis, a motivação da decisão de facto refere que depuseram de forma clara, segura, algo emocionada, mas sempre lógica e coerente, de per si e entre si.
Concretamente no que concerne à declarante R..., a audição da gravação dá conta do registo emocionado das suas declarações. A sua oralidade, em português do Brasil, revela algumas limitações discursivas, que não facilitaram a tarefa do tribunal, pois nem sempre a demandante parece compreender exactamente o que lhe é perguntado. Evidenciaram-se, também, os condicionamentos decorrentes da imediação e da oralidade que caracterizam o julgamento em 1.a instância e de que a Relação não dispõe, por exemplo, quando a demandante foi questionada sobre a distância a que se encontrava do local onde estava o arguido, na altura dos disparos. A demandante indicou 100 metros, para logo a seguir, com referência às dimensões da sala de audiências, dizer que 100 metros é mais ou menos de aqui até ali, o que tornou clara a sua incapacidade de, em termos de metros, saber indicar as distâncias aproximadas, confirmando-se a sua afirmação de que esse negócio de distância não percebo bem. Foi, então, convidada a dar as suas explicações com recurso a um desenho que passou a esboçar, de modo a explicitar onde tinha estacionado o seu veículo e as distâncias existentes, até que finalmente lhe foram exibidas fotografias da reportagem fotográfica efectuada pelas autoridades policiais para que, com base nas mesmas, fornecesse os seus esclarecimentos. Nestes passos, há muito que não é retratado numa gravação áudio, não dispondo o tribunal de recurso, naturalmente, de todas as ferramentas de que goza a 1.a instância.
A demandante foi confrontada com o depoimento prestado em inquérito, perante a PJ, conforme ficou exarado na acta, tendo explicado algumas discrepâncias com a afirmação de que também não posso lembrar de tudo assim, tendo recordado que, quando o tio do arguido agredia o seu marido, ela foi em socorro deste, tentando puxar o tio do arguido agarrando-o pela camisa, que acabou por se rasgar.
O demandante, C..., prestou declarações mais circunstanciadas e com maior serenidade, essencialmente coincidentes com as declarações da demandante R.... Disse o demandante ter ficado no carro, do lado do pendura, enquanto a demandante foi buscar o filho. O arguido aproximou-se, mão direita no bolso e o filho Marco pela mão esquerda, que, por sua vez, trazia outra criança pela mão. O demandante tinha o vidro da janela aberta, o arguido aproximou-se e disse-lhe que saísse que ele queria falar com o demandante. Assim que o demandante abriu a porta do carro - estava o arguido à face da esquina da porta -, o arguido deu-lhe um soco que acertou-lhe na face, de raspão. O demandante agarrou-o e rolaram no chão. O demandante viu que o arguido tinha uma coisa enfiada nos dedos. Nesta situação, o demandante sentiu que outra pessoa estava em cima dele a dar-lhe murros e pontapés, que veio a saber tratar-se do tio do arguido. Dei um puxão e tentei safar-me dos dois. E aí o outro senhor agarrou numa pedra e eu agarrei num pão, para me defender, e disse «larga a pedra», se me dás com a pedra dou-te com o pau. Mais disse que nisto, o arguido desapareceu dali, calculando o demandante que andaram mais ou menos 3 ou 4 minutos enrolados. Entretanto, também tinha chegado um senhor com um carro que estacionou mesmo à frente da rua. As coisas já estavam mais calmas e já estavam a virar costas para ir embora, quando vieram os tiros lá de cima, mencionando o demandante que saltaram areias para cima de mim, procurando ilustrar a proximidade da passagem de uma bala.
O demandante mencionou não ter dado qualquer murro ao arguido, tendo-lhe, apenas, segurado os braços para o imobilizar. Disse também ter telefonado a chamar a polícia, mas que o informaram que já tinham sido chamados. Quando a polícia chegou e perguntou quem tinha a arma e quem tinha dado os tiros, o arguido e mãe dele disseram que tinha sido o demandante, mas apareceu nessa altura um indivíduo que disse que o respectivo carro tinha sido atingido a tiro e que quem tinha disparado foi o arguido a partir de janela da casa. Na ocasião, o demandante disse à polícia que tinha sido atingido por qualquer coisa de metal que o arguido tinha enfiado nos punhos, tendo sido apreendida ao arguido uma soqueira. A PJ, no local, procedeu a diversas medições.
O demandante referiu que houve dois disparos: o que atingiu o carro da testemunha e outro que bateu ao pé de si.
O demandante esclareceu que tinha havido situações anteriores de conflito com o arguido, relatando que como o Marco lhes dissera (a ele e à mãe) que o pai lhe dava vinho, chegaram a levar a criança ao hospital e que, certa vez, na escola, o arguido não deixava sair a criança com a mãe, houve insultos e o arguido deu-lhe (ao demandante) um murro, tendo sido imobilizado e dominado pelo demandante para não prosseguir com as agressões, o que deu origem a outro processo.
A testemunha R... disse que, quando passava pelo local, pareceu-lhe ver um senhor de idade a ser agredido por duas pessoas. Sentiu-se na obrigação de ajudar. Parou o carro ligeiramente à frente do local dos desacatos, saiu do carro, vi que os senhores estavam a discutir, estavam em vias de facto, vi que um deles tinha uma soqueira e isso foi motivo suficiente pata me manter à distância. Disse a testemunha que as três pessoas envolvidas eram três homens e que veio a saber que o mais idoso era tio do arguido e que, quanto à impressão inicial que desencadeou a sua paragem - de que seria um senhor de idade a ser agredido por duas pessoas -, apercebeu-se de que as coisas não seriam bem assim. Entretanto, dirigi-me ao carro, enfim, enquanto estava à procura do telemóvel no carro (...) quando ouço um disparo, penso que houve um 2.° disparo também, e ouviu um projéctil a bater na viatura. Pôs o carro a trabalhar e afastou-se para uma zona mais resguardada e chamou a polícia. O tiro que atingiu o seu veículo foi na zona traseira, lateral, do para-choques direito. Na altura dos disparos, a testemunha estava a cerca de 10/20 metros à frente do local onde estavam as pessoas, no seu veículo, no lugar do condutor. Apercebeu-se de que o arguido estava num 1.° andar, na varanda, onde não se lembra de ter visto mais alguém, e o instinto disse-lhe que aquela pessoa estava a disparar, não tendo qualquer dúvida de que a pessoa que viu na varanda era a mesma que vira na altercação - o arguido.
A testemunha referiu que as três pessoas envolvidas eram três homens e que veio a saber que o mais idoso era tio do arguido; recorda-se da presença de senhoras e de uma com pronúncia brasileira que parecia desesperada; a testemunha nem conseguia perceber quem agredia e quem se defendia, não se recordando se algum dos três homens ou todos estavam no chão; todas as pessoas estavam com um estado emocional alterado; um indivíduo que tinha visto com a soqueira era o arguido, embora não tenha ideia de o ver a agredir alguém.
Também esta testemunha foi confrontada com as fotografias juntas aos autos.
Finalmente, a testemunha D..., tio do arguido, relatou que saiu do trabalho e foi a casa da sua cunhada, mãe do arguido. O arguido saiu do portão com as duas crianças, uma em cada mão, atravessando a rua e dirigindo-se a um veículo. A demandante estava encostada ao carro dela, do lado do condutor. Quando entrou no pátio, ouviu os miúdos aos gritos Ó pai! Ó pai!, olhou para a rua e já não vi o meu sobrinho. Corri para o carro e vi o Sr. C... em cima do meu sobrinho. O arguido, por sua vez, estava a agarrar o Sr. C.... A testemunha agarrou o demandante civil e puxou-o para trás e quando puxei o Sr. C... para trás ele deixou cair um objecto em metal. Entrou em confronto com o demandante, com a D. R... também a bater-me. Entretanto, o arguido tinha-se libertado e foi-se embora, ficando a testemunha com o demandante que, a dada altura, foi para uma vedação e pegou num barrote. A testemunha foi para casa, apercebeu-se de que o arguido tinha ido para o 1.° andar, onde reside (o arguido, entenda-se), e já o viu com a arma na mão, encostado a um móvel. Correu em direcção do arguido, dizendo-lhe não desgraces a tua vida, não faças um disparate, agarrou-lhe o braço direito - o que tinha a arma - e puxei-o para trás, mas quando eu o puxei para trás, ele fez um disparo. A testemunha acalmou o arguido para não fazer nenhuma desgraça.
Questionado como sabia que o objecto metálico tinha sido deixado cair pelo demandante e não pelo arguido, já que a testemunha agarrou o demandante pelas costas e não podia saber quem tinha o objecto em causa, a testemunha não deu uma explicação convincente, dizendo que o tal objecto ficou no chão e que nunca o viu, sabendo que seria de metal pelo barulho que fez ao cair no chão e que a polícia é que terá dito que havia uma soqueira.
A motivação da decisão de facto assinalou que os depoimentos das testemunhas D..., tio do arguido, e A..., actual companheira do arguido (a cuja audição também se procedeu), não foram considerados
credíveis pelo Tribunal e foram desvalorizados, porquanto não foram lógicos e coerentes de per si. Nomeadamente, no que concerne à testemunha D..., o mesmo não explica porque é que o sobrinho não escapou enquanto C... foi buscar o pau, sendo certo que garantiu que R... nada fazia, mas depois de estar a agarrar C..., já o sobrinho conseguiu escapar. Também Andreia Godinho garante que o filho do arguido estaria a fazer trabalhos de casa, o que, pelas razões supra expostas, era impossível, pois as aulas já tinham acabado. Mais disse não se ter apercebido se tinham sido disparados 2 tiros, o que tendo em conta que estava no R/C do local onde foram disparados, seria impossível não se ter apercebido do número de tiros disparados.

Posto isto, no que concerne a soqueira, há que dizer que os demandantes afirmam que estava na posse do arguido. A demandante, R..., disse que o arguido tinha um negócio preto na mão, não sei o que é aquilo, não sei o nome daquilo, era um negócio de metal e tinha uma faixa preta, enquanto o demandante, C..., declarou que que o arguido tinha uma coisa enfiada nos dedos, e bem assim que, chegada a polícia, o declarante informou os agentes de que tinha sido atingido por qualquer coisa de metal que o arguido tinha enfiado nos punhos, tendo sido apreendida ao arguido uma soqueira.
A testemunha R... disse que saiu do carro, vi que os senhores estavam a discutir, estavam em vias de facto, vi que um deles tinha uma soqueira e isso foi motivo suficiente pata me manter à distância, tendo mencionado, sem margem para dúvida, que quem tinha o soqueira era o arguido. É certo que esta testemunha disse não se recordar de ver o arguido agredir alguém, mas não é menos certo que começou por afirmar que estavam a discutir, estavam em vias de facto, admitindo não se recordar se alguém estava caído no chão e nem conseguir perceber quem agredia e quem se defendia. Ou seja, o que diz sobre o arguido, no sentido de não se recordar de o ver agredir alguém, aplica-se a qualquer dos presentes, pois não sabe já dizer quem agredia e quem se defendia, apesar de haver um confronto (a testemunha disse que estavam em vias de facto).
Finalmente, os autos de notícia e de apreensão dão conta de que ao arguido foi apreendida a soqueira, consignando o primeiro que C... indicou que o arguido usava uma soqueira metálica e que o agente policial a recolheu do arguido que a entregou, para além de, como faz notar o acórdão recorrido, estarem medicamente confirmadas lesões na cara do demandante C..., o que é compatível com a sua explicação dos factos e incompatível com a versão contada pelo arguido que diz não ter atingido C..., sendo apenas agredido por este.
Já o depoimento de D... suscitou reservas ao tribunal recorrido, que subscrevemos. A testemunha afirma que agarrou o demandante civil e puxou-o para trás e quando puxei o Sr. C... para trás ele deixou cair um objecto em metal.
Questionado como sabia que o objecto metálico tinha sido deixado cair pelo demandante e não pelo arguido, já que a testemunha agarrou o demandante pelas costas e não podia saber quem tinha o objecto em causa - se o demandante, se o seu sobrinho-, a testemunha não deu qualquer explicação convincente, dizendo que o tal objecto ficou no chão e que nunca o viu, sabendo que seria de metal pelo barulho que fez ao cair no chão e que a polícia é que terá dito que havia uma soqueira. O que se infere é que a testemunha, na posição em que estava, não podia saber quem deixou cair a soqueira, tendo desvirtuado a realidade em defesa do arguido.
Não vislumbramos, pois, qualquer razão para questionar o juízo que o tribunal de 1.a instância, apreciando livremente a prova, fez sobre a questão, e em geral sobre a credibilidade relativa de declarações e depoimentos.
No que concerne ao nó górdio do presente caso - os disparos e a intencionalidade que lhes presidiu -, os demandantes coincidem em afirmar que foi efectuado mais do que um disparo. A demandante disse, referindo-se aos disparos, que veio um logo a seguir ao outro, sentindo um projéctil passar por trás de si, e o demandante chega a dizer que saltaram areias para cima de mim, procurando ilustrar a proximidade da passagem de uma bala em relação ao seu corpo. O demandante, C..., referiu, sem hesitações, que houve dois disparos: o que atingiu o carro da testemunha e outro que bateu ao pé de si.
Também a testemunha R... ouviu dois disparos (...) quando ouço um disparo, penso que houve um 2.° disparo também, e ouviu um projéctil a bater na viatura.
E o arguido foi questionado sobre a circunstância de ter afirmado antes que havia efectuado dois disparos, para o que não apresentou uma explicação que se possa considerar convincente, para mais tendo experiência com armas.
Como já se realçou, as declarações prestadas por C... e R... são essencialmente coincidentes e, pese embora se reconheçam as limitações de expressão oral desta, não identificamos razão para questionar a credibilidade que o tribunal recorrido lhes reconheceu.
Os autos dão conta da existência de uma perfuração/impacto detectada na lateral direita do para-choques traseiro do veículo da testemunha R..., dando conta a motivação de facto que tal viatura se encontrava próximo do
cruzamento, no fim da rua perpendicular à casa do arguido, no mesmo alinhamento onde os demandantes na altura se encontravam.
A testemunha D... referiu, como já se mencionou, ter agarrado o arguido por trás, mas quando eu o puxei para trás, ele fez um disparo. Por sua vez, o arguido afirmou ter apontado para o ar, o tio puxou-o e, quando veio para trás, a arma baixou no momento do disparo.
Como já se disse, o tribunal deu como provada a existência de dois disparos e não há razões para discordar de tal convicção, pese embora só tenha sido possível localizar uma cápsula deflagrada.
Por um lado, não é verosímil que a testemunha D... não ouvisse um primeiro disparo; por outro, se a testemunha pelas costas agarrasse o arguido, seria mais provável que o tiro subisse do que descesse, sendo que também a versão de que o tio do arguido, ao puxá-lo, baixou-lhe a mão, não é compatível com a trajectória do tiro. Se analisarmos a reportagem fotográfica de fls. 97 e 97 v., traçando uma linha recta entre o local de onde foram efectuados os disparos e a viatura que veio a ser atingida por um deles, facilmente se comprova que, como assinala o acórdão recorrido, a trajectória do projéctil que atingiu o veículo automóvel da testemunha R... passa pelos demandantes, alicerçando a conclusão de que esse disparo e o outro que foi dado como comprovado foram, efectivamente, direccionados para eles.
Acresce que a testemunha R... viu o arguido na janela, onde não se lembra de ter visto mais alguém, e o instinto disse-lhe que aquela pessoa estava a disparar, que foi dali que veio o tiro que atingiu a sua viatura.
Afigura-se-nos, por conseguinte, que a trajectória dos disparos - a demandante sentiu um projéctil passar por trás de si e o demandante disse que saltaram areias para cima de mim e que um tiro bateu ao pé de si, sendo que o veículo atingido estava no mesmo alinhamento onde os demandantes na altura se encontravam -, não deixa dúvidas de que o arguido quis atingir os demandantes, conforme entendeu o tribunal recorrido. Como se refere na motivação, nunca um tiro de intimidação, que sempre seria
para cima, para haver a certeza de que mais ninguém era atingido, poderia atingir o veículo de R... no local onde este se encontrava, próximo do cruzamento, no fim da rua perpendicular à casa do arguido, de onde este disparou. Nem a versão de que o tio do arguido, ao puxá-lo, baixou-lhe a mão é compatível com a trajectória do tiro e que, tendo em conta a trajectória da bala recuperada, dúvidas não restam ao Tribunal de que o arguido dirigiu os dois tiros que disparou na direcção dos corpos de R... e C..., tentando atingi-los e até tirar-lhes a vida, conforme decorre da acusação.
Não vislumbramos, por conseguinte, razão para censurar o juízo probatório efectuado pelo tribunal recorrido, concretamente em relação aos pontos de factos provados 3, 4, 5, 6, 7, 9, 10, 12, 13, 14, 15, 17, 19, 20, 22, 23, 25, 26 e 27, que o arguido/recorrente impugna, remetendo, como se disse, integralmente para a prova gravada, sendo que a audição das declarações e depoimentos acima referidos não permite concluir que tais provas imponham decisão diversa da recorrida.
Quanto ao ponto de facto n.°11, pretende o recorrente a sua alteração, com base nos documentos de fls. 334 e 335, no sentido da substituição de não tinha licença por tinha licença caducada.
Também neste ponto o arguido não tem razão: o que o ponto de facto provado n.°11 afirma é que, relativamente à arma de fogo que lhe foi apreendida, o arguido não tinha licença para a deter (e, efectivamente, não tinha licença válida), nem a mesma se encontrava manifestada ou registada a seu favor.
E assim acontecia: o arguido não tinha autorização da PSP para adquirir ou deter aquela arma e a mesma não estava manifestada pu registada, sendo certo que, nos termos do artigo 86.°, n.°2, da Lei das Armas, a detenção de arma não registada ou manifestada, quando obrigatório, constitui, para efeitos do número anterior desse artigo, ou seja, do preenchimento do tipo de crime, detenção de arma fora das condições legais. Não se trata, pois, de uma mera questão de licença de uso e porte de arma caducada, mas de uma arma de fogo não manifestada ou registada a seu favor.
Não há, pois, que alterar o ponto de facto em apreço.
Em sede de apreciação da prova rege o princípio da livre apreciação, expressamente consagrado no artigo 127.° do C.P.P.
Este princípio impõe que a apreciação da prova se faça segundo as regras da experiência comum e em obediência à lógica.
Na tarefa de valoração da prova e de reconstituição dos factos, tendo em vista alcançar a verdade - não a verdade absoluta e ontológica, mas uma verdade histórico-prática e processualmente válida -, o julgador não está sujeito a uma contabilidade das provas. E não será a circunstância, normal nas lides judiciais, de se contraporem, pela prova pessoal (declarações e testemunhos), versões contraditórias, a impor que o julgador seja conduzido, irremediavelmente, a uma situação de dúvida insuperável.
A função do julgador não é a de encontrar o máximo denominador comum entre os depoimentos prestados e não lhe é imposto ter de aceitar ou recusar cada um deles na globalidade, cumprindo-lhe antes a missão, certamente difícil, de dilucidar, em cada um deles, o que lhe merece ou não crédito e em que termos. E contrapondo-se versões diferentes, tal não significa que o tribunal tivesse de ficar, forçosamente, numa situação de dúvida insolúvel e que não lhe fosse legítimo, no quadro da livre apreciação da prova, dentro de parâmetros de racionalidade e experiência comum, determinar como os factos se passaram.
Tal entendimento não comporta qualquer interpretação do artigo 127.° do C.P.P., ou de qualquer outro, que seja inconstitucional.
Ouvida a gravação das declarações e depoimentos (e não perdendo de vista que o princípio da livre apreciação da prova também se aplica ao tribunal de 2.a instância), entendemos que, por via da prova pessoal documentada, conjugada com a prova pericial e documental, não se conclui que o tribunal recorrido tenha apreciado arbitrariamente a prova e que houvesse que decidir de forma diversa.
Invoca o recorrente o princípio in dubio pro reo, que decorre do princípio da presunção de inocência do arguido, com assento no artigo 32.°, n.° 2, da Constituição da República, dando resposta ao problema da dúvida sobre o facto [e não sobre a interpretação da norma] e impondo ao julgador que o non liquet da prova seja sempre resolvido a favor do arguido.
Ensina, sobre a matéria, o Prof. Figueiredo Dias:
«À luz do princípio da investigação bem se compreende, efectivamente, que todos os factos relevantes para a decisão (quer respeitem ao facto criminoso, quer à pena) que, apesar de toda a prova recolhida, não possam ser subtraídos à dúvida razoável do tribunal, também não possam considerar-se como provados. E se, por outro lado, aquele mesmo princípio obriga em último termo o tribunal a reunir as provas necessárias à decisão, logo se compreende que a falta delas não possa, de modo algum, desfavorecer a posição do arguido: um non liquet na questão da prova - não permitindo nunca ao juiz, como se sabe, que omita a decisão (...) - tem de ser sempre valorado a favor do arguido. É com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dubio pro reo» (Direito Processual Penal, reimpressão, 1984 p. 213).
O estado de dúvida (insanável, razoável e objectivável) - valorado a favor do arguido por não ter sido ilidida a presunção da sua inocência - pressupõe que, produzida a prova, o tribunal, e só o tribunal, tenha ficado na incerteza quanto à verificação ou não, de factos relevantes para a decisão. Como diz Cristina Líbano Monteiro: «O universo fáctico - de acordo com o pro reo - passa a compor-se de dois hemisférios que receberão tratamento distinto no momento da emissão do juízo: o dos factos favoráveis ao arguido e o dos factos que lhe são desfavoráveis. Diz o princípio que os primeiros devem dar-se como provados desde que certos ou duvidosos, ao passo que para a prova dos segundos se exige a certeza.» (Perigosidade de Inimputáveis e «In Dubio Pro Reo», pág. 53).
Como se pode ler no Ac. do STJ, de 10/01/2008, Proc. n.° 07P4198, disponível em www.dgsi.pt, «a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade»: «no trabalho de verificação dos enunciados factuais, a posição do investigador - juiz pode, de algum modo, assimilar-se à do historiador: tanto um como o outro, irremediavelmente situados num qualquer presente, procuram reconstituir algo que se passou antes e que não é reprodutível». Donde que «não seja qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido», mas apenas a chamada dúvida razoável (a doubt for which reasons can be given). Pois que «nos actos humanos nunca se dá uma certeza contra a qual não militem alguns motivos de dúvida». «Pedir uma certeza absoluta para orientar a actuação seria, por conseguinte, o mesmo que exigir o impossível e, em termos práticos, paralisar as decisões morais». Enfim, «a dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo tem de
ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal» (ibidem).
Pois bem: percorrendo-se o acórdão recorrido, deste não resulta que tenha ficado instalada no espírito dos julgadores em 1.a instância, muito pelo contrário, a mais pequena incerteza quanto a qualquer um dos factos que na decisão consideraram provados, ou seja, não se alcança que o tribunal colectivo a quo tenha valorado contra o arguido qualquer estado de dúvida sobre a existência dos factos, do mesmo modo que também não se infere que o tribunal recorrido, que não teve dúvidas, as devesse forçosamente ter, em face do que decorre do próprio acórdão e da prova reapreciada.
Não se verificou, por conseguinte, qualquer violação dos princípios da presunção de inocência e in dubio.
A indicação, amalgamada, a propósito do recurso da matéria de facto, das disposições dos 127.°, 374.° n.° 2, 64.°, e 357.° e 379.° do C.P.P.; dos artigos 143.°, n.° 1, 145.°, n.° 1, alínea a) e n.° 2 e 132.° n.° 1 alínea m), do Código Penal; e dos artigos 18.°, 25.°, n.°1, 26.°, 32.° n.° 8, 24.° n.° 3 e 204.° da Constituição da República Portuguesa, é, a nosso ver, desprovida de qualquer fundamento.
Diz o recorrente que a interpretação segundo a qual Ao formar o livre convencimento, o juiz, não se encontra limitado ao livre convencimento ou persuasão racional, porquanto a livre convicção do juiz, pode ir ao ponto de desfavorecer o arguido (Art.°, 61°, n°1, alínea c) conjugado com o Art.° 343°, n°1, ambos do CPP), ferindo o princípio do in dúbio pra reu é inconstitucional e viola ainda o art.° 6° da Convenção para a proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais com as modificações introduzidas pelo Protocolo n° 11 acompanhada do Protocolo adicional e dos Protocolos nos 4, 6, 7 e 13, e os artigos 32°, n.° 2 e 18.°, n.° 1, ambos da C.R.P.
A este respeito basta dizer que a interpretação normativa indicada pelo arguido/recorrente não serviu de ratio decidendi ao tribunal recorrido, como não serve de ratio decidendi a esta Relação, pelo que a invocação da referida inconstitucionalidade carece, em absoluto, de razão de ser.
Face ao exposto, nos limites da reapreciação da prova, não vislumbramos quaisquer razões para divergir do juízo formulado pelo tribunal recorrido em sede de decisão de facto, pelo que, inexistindo vícios de conhecimento oficioso, deve manter-se a factualidade provada e não provada.
3.2.3. Na parte que refere como respeitante ao recurso de direito, o recorrente, seguindo a linha repetitiva e pouco curial, em termos lógicos, já antes mencionada, volta a mencionar, uma vez mais, a nulidade da sentença, a violação do artigo 127.° e do princípio in dubio, questões que não merecem mais do que já se explanou supra.
Ilustrando o desacerto do que se alega, que mais uma vez inculca a impressão de que, em certos segmentos, o recurso não se reporta ao caso em apreço, temos a conclusão n.° 93 em que se diz que o arguido agiu no pleno exercício de funções e nunca exorbitou das mesmas, inexistindo qualquer ilicitude no seu comportamento.
Ocorre perguntar que funções é que o arguido estava a exercer no dia dos factos, das quais não exorbitou?
Não se descortina, nem da decisão, nem da motivação de recurso, em que exercício de funções se encontrava o arguido que excluísse a ilicitude da sua conduta.
O que está em causa, a nosso ver, é que o arguido/recorrente pugna pela alteração da factualidade provada e, com base nessa pretendida alteração, entende, pura e simplesmente, não ter cometido os crimes imputados e dever ser absolvido.
Porém, não devendo alcançar o seu desiderato, facilmente se conclui que o recurso terá de claudicar em tudo o que estaria dependente da pretendida, mas não obtida, alteração da decisão de facto.
Veja-se o que o arguido/recorrente diz a propósito dos crimes de homicídio (um é qualificado) na forma tentada, totalmente dependente da sua própria avaliação da prova, e bem assim a menção a uma pretensa desistência, prevista no artigo 24.° do Código Penal, para a qual não se vê qualquer fundamento, de tão evidente a falta de verificação dos pressupostos do instituto invocado.
Realmente, o artigo 24.° do Código Penal prevê a não punibilidade da tentativa, por desistência activa do agente. No caso da tentativa acabada (2.a hipótese prevista no n.° 1), só o impedimento da consumação por parte do agente o isenta de punição, para o que é necessário que ele desenvolva urna conduta própria e espontânea, embora
eventualmente com a colaboração de terceiros, a seu pedido, que seja idónea a evitar a consumação material do crime, e que esta efectivamente ocorra. No caso da tentativa inacabada (1.a hipótese prevista no n.°1), exige-se que o agente omita (deixe de realizar) os demais actos de execução necessários à consumação material do crime.
Temos como manifesto que o aludido preceito legal não tem qualquer pertinência para o caso em apreço.
Lê-se no acórdão recorrido:
«Do crime de ofensas à integridade fisica qualificada
Dispõe o artigo 143° do Código Penal que: Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
O artigo 145°, n.°1 do Código Penal dispõe que: Se as ofensas à integridade fisica forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido:
a) Com pena de prisão até quatro anos no caso do artigo 143.°.
São susceptíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade as circunstâncias previstas no n.° 2 do artigo 132° do Código Penal, entre elas, o facto de ser determinado por avidez, pelo prazer de causar danos fisicos em terceiros ou de causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil e utilizar veneno ou qualquer outro meio insidioso.
A conduta que preenche objectivamente este tipo de ilícito, tal como vem acusado, basta-se com um qualquer contacto praticado de forma que revele especial censurabilidade ou perversidade e que provoque dor, desconforto ou incómodo, com intenção de causar tal, sendo irrelevante a necessidade de intervenção de um médico no sentido da cura, e sendo indiferente se houve doença prolongada no tempo. O facto de haver doença prolongada no tempo ou intervenção médica para a cura, a existirem, agravam a ilicitude e a culpa, mas não são essenciais ao preenchimento do tipo.
O arguido V... aproximou-se do veículo automóvel onde se encontrava C... com a mão no bolso e o filho na outra mão e após lhe pedir que saísse do veículo, desferiu-lhe vários murros com a mão que levava oculta no bolso, revelando então que tinha uma soqueira. Com tal conduta o arguido provocou em C... traumatismo craniano sem perda de conhecimento com escoriação na hemiface esquerda e hematomas couro cabeludo.
O arguido sabia que tal acção causaria dor e sofrimento em C... e quis atingir tal objectivo, agiu, pois, com dolo directo na prática dos actos descritos.
Ao agir da forma descrita, quando podia e devia ter agido de outro modo, tendo consciência de que o seu comportamento era proibido e punido por lei, a conduta do arguido é-lhe ético-juridicamente censurável.
Será esta conduta susceptível de revelar especial censurabilidade?
O arguido levou um objecto com uma parte em metal, encaixado na mão, vulgarmente conhecido como soqueira, de modo a exponenciar as lesões a provocar. Não se demonstrou a razão de ser do ataque do arguido a C..., o que não equivale a dizer que tal motivo seja fútil (neste sentido o acórdão do de 21 de Abril de 2009, processo n.° 214/04.4GAVFX.L-5, disponível em www.dgsi.pt).
As suas atitudes revelam, assim, a especial censurabilidade prevista no artigo 132°, n.°2 alínea i) do Código Penal, preenchendo assim o tipo objectivo de crime de ofensa à integridade física qualificada, pois o arguido utilizou um objecto na mão, de forma disfarçada, o que consubstancia um meio insidioso de provocar lesões em C.... Não se considera, contudo, preenchida a alínea e) do artigo 132°, n.°2 do Código Penal, pois conforme supra referido, não se demonstrou o motivo da agressão, não sendo, por isso possível concluir que o mesmo é fútil.
Inexistem factos susceptíveis de integrarem causas de exclusão da culpa ou da ilicitude, pelo que o arguido deve ser condenado pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificada previsto e punido pelos artigos 143°, 145°, n.° 1, alínea a) por referência ao artigo 132°, n.° 2, alínea i), todos do Código Penal, tal como vem acusado, não se considerando preenchida a previsão da alínea e) deste último artigo.
Dos crimes de homicídio qualificados na forma tentada
Nos termos do artigo 131° do Código Penal, comete o crime de homicídio quem matar outra pessoa. Quando a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente incorre na prática do crime de homicídio qualificado (artigo 132°), ou seja, numa forma agravada do homicídio previsto no artigo 131°.
Quanto às circunstâncias que o legislador considerou aptas a revelarem essa especial censurabilidade ou perversidade, há que atender ao n° 2 do artigo 132° daquele código, onde se preveem exemplos-padrão de circunstâncias relativas à vítima (alíneas b), c) e 1)), ao agressor (alíneas a) e m)), ao modo de execução do crime (alíneas d), h), i) e j)), e à motivação do agente (alíneas e), f) e g))), que, interagindo com a cláusula geral extensiva do n° 1 do mesmo artigo, permitem estabelecer a qualificação.
Como se escreve no Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, página 24 e seguintes, mesmo onde está em causa a forma de cometimento do crime, não é esse maior desvalor da conduta o determinante da agravação, antes ele é mediado sempre por um mais acentuado desvalor da atitude: a especial censurabilidade ou perversidade do agente, é dizer, o especial tipo de culpa do homicídio agravado. (página 27).
No artigo 22° do Código Penal estabelece-se que Há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que ele chegue a consumar-se, estabelecendo-se no n° 2 do mesmo artigo serem actos de execução, além dos que preencham um elemento constitutivo de um tipo de crime e dos que segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies anteriores, os que forem idóneos a produzir o resultado típico.
No caso, e em face dos factos provados, o arguido disparou dois tiros na direcção de C... e R..., sabendo que os mesmos poderiam causar a morte de cada um deles, caso os atingisse em órgãos vitais, ou seja, praticou actos idóneos a produzirem o resultado típico do homicídio nas duas pessoas visadas, pois o tiro que atinja uma pessoa é idóneo a causar-lhe a morte.
Mais se considera que a expressão decidiu cometer apenas exclui a negligência, sendo compatível com qualquer tipo de dolo, em particular, o eventual previsto no n° 3 do artigo 14° do Código Penal.
Não tem o Tribunal qualquer dúvida que o arguido quis disparar os tiros e que o quis fazer na direcção dos corpos de R... e C..., pelo que se considera que o mesmo decidiu cometer os crimes em causa, de homicídio das pessoas referidas, ou, pelo menos, conformou-se com a possibilidade desse resultado se verificar, caso os atingisse.
Assim, resta apurar se os crimes foram cometidos em circunstâncias que agravam de forma relevante a culpa do arguido e se verifica um acentuado desvalor da acção, tendo presente que basta o preenchimento de um só dos tipos orientadores do n° 2 do artigo 132° do Código Penal, para concretizar o critério generalizador do n° 1 desse normativo e volver um homicídio (tentado) em homicídio (tentado) qualificado.
No caso de R..., a mesma é ex-mulher do arguido e é mãe do seu filho. O filho do arguido estava nas imediações e assistiu à parte inicial da discussão. O arguido pretendeu atingi-la na sequência da sua relação anterior, por causa do conflito que permanece, na sequência desse mesmo relacionamento e da existência do filho comum, pelo que neste caso se conclui pelo preenchimento da qualificativa prevista na alínea b) do referido n° 2 do artigo 132° do Código Penal. Quanto ao motivo fútil e ao preenchimento da alínea e) do referido artigo 132°, n.°2, do Código Penal, pelas razões supra expostas, quanto ao crime de ofensas à integridade física, considera-se tal alínea não preenchida. Tal crime foi cometido com recurso a uma arma de fogo, pelo que a esta qualificativa acresce a agravação prevista no artigo 86°, n.° 3 do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, conforme a alteração da qualificação comunicada.
Já no que concerne ao crime cometido contra C..., o mesmo não revela a especial censurabilidade referida, porquanto nenhum dos exemplos padrões se mostra preenchido. Tal como dissemos na ocasião anterior, não se demonstrou a razão de ser do ataque do arguido a C..., o que não equivale a dizer que tal motivo seja fútil (neste sentido o acórdão do de 21 de Abril de 2009, processo n.° 214/04.4GAVFX.L-5, disponível em www.dgsi.pt).
Tal crime foi cometido com recurso a uma arma de fogo, pelo que a esta qualificativa acresce a agravação prevista no artigo 86°, n.° 3 do Regime Jurídico das Armas e suas Munições.
Sabia o arguido que não poderia atentar contra a vida de R... e C.... Cometeu o crime de homicídio qualificado, na forma tentada na pessoa de R... e Pereira e o crime de homicídio simples na forma tentada na pessoa de C...
Não existem factos, nos autos, susceptíveis de integrarem causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, pelo que o arguido deverá ser condenado pelos crimes em causa.
Do crime de detenção de arma proibida
Comete o crime de detenção de arma proibida:
1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo:
c) Arma das classes B, BI, C e D, espingarda ou carabina facilmente desmontável em componentes de reduzida dimensão com vista à sua dissimulação, espingarda não modificada de cano de alma lisa inferior a 46 cm, arma de fogo dissimulada sob a forma de outro objecto, ou arma de fogo transformada ou modificada, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias;
d) Arma da classe E, arma branca dissimulada sob a forma de outro objecto, faca de abertura automática, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, estrela de lançar, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.° 7 artigo 3.°, armas lançadoras de gases, bastão, bastão extensível, bastão eléctrico, armas eléctricas não constantes da alínea b) do n.° 7 do artigo 3.°, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, silenciador, partes essenciais da arma de fogo, munições, bem como munições com os respectivos projécteis expansivos, perfurantes, explosivos ou incendiários, é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias.
Mais dispõe o artigo 3°do Regime Jurídico das Armas e suas Munições que:
2 - São armas, munições e acessórios da classe A:
g) Quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão;
3 - São armas da classe B as armas de fogo curtas de repetição ou semiautomáticas. O artigo 5° dispõe que:
1 - As armas da classe B são adquiridas mediante declaração de compra e venda ou doação, carecendo de prévia autorização concedida pelo director nacional da PSP.
Resulta da matéria dada como provada que, no dia 23 de Junho de 2015, o arguido guardava no interior da sua residência, uma arma de fogo, do tipo pistola de marca CZ 75 Kadet, calibre.22, com o n° de serie AP 3690. O arguido não tinha autorização da PSP para adquirir ou deter aquela arma. O arguido detinha ainda, nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar uma soqueira.
Ou seja, encontram-se preenchidos os elementos objectivos do tipo de crime previsto na alínea c) e d) do n.° 1 do artigo 86° do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, de que o arguido vem acusado, pois o mesmo detinha uma arma de fogo, do tipo pistola, de marca CZ 75 Kadet, calibre.22 e uma soqueira, a qual é um objecto construído com o fim exclusivo de ser um objecto de agressão.
Sabia o arguido da proibição de deter tais objectos, sem licença para a mesma. Cometeu, como tal, o crime de detenção de arma proibida por que vinha acusado.
Não existem factos, nos autos, susceptíveis de integrarem causas de exclusão da ilicitude ou da culpa.»
Não identificamos qualquer razão para divergir do entendimento explanado pelo tribunal recorrido.
Evidentemente, se a matéria de facto provada e não provada fosse alterada nos termos propostos pelo arguido/recorrente, não poderia manter-se a subsunção jurídica efectuada pelo tribunal a quo, mas devendo manter-se a decisão de facto, não poderia ser outra a decisão quanto ao enquadramento jurídico para além da que se mostra vertida no acórdão recorrido.
Alega o arguido/recorrente que a agravação do crime de homicídio qualificado na forma tentada, em função do regime jurídico das armas e suas munições, não tem aplicação, porquanto o crime de homicídio já é qualificado por ser cometido com arma de fogo, o que constituiria uma dupla qualificação.
O arguido/recorrente carece, uma vez mais, de razão.
Em primeiro lugar, a qualificação do homicídio na forma tentada fez-se ao abrigo do artigo 132.°, n.°1 e 2, al. b), do Código Penal: Praticar o facto contra cônjuge, ex-cônjuge, pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação, ou contra progenitor de descendente comum em 1.° grau.
Não foi, pois, a utilização de arma o fundamento da qualificação, face ao artigo 132.° do Código Penal, caso em que também a tentativa relativa ao demandante C... teria sido de homicídio qualificado (e não foi como tal considerado pelo tribunal recorrido, como bem sabe o recorrente).
Em segundo lugar, é o seguinte o texto do n.° 3 do artigo 86.°, da Lei n.° 5/2006, de 23 de Fevereiro:
«As penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravados de um terço nos seus limites mínimo e máximo, exceto se o porte ou uso de arma for elemento do respetivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma».
E, em complemento, estabelece-se no n.° 4:
«Para os efeitos previstos no número anterior, considera-se que o crime é cometido com arma quando qualquer comparticipante traga, no momento do crime, arma aparente ou oculta prevista nas alíneas a) a d) do n.° 1, mesmo que se encontre autorizado ou dentro das condições legais ou prescrições da autoridade competente».
Como se diz no n.° 3, a agravação aí prevista só não terá lugar quando «o porte ou uso de arma for elemento do respectivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma».
O uso ou porte de arma não é elemento do crime de homicídio, cujo tipo legal fundamental é o previsto no artigo 131.° do Código Penal. Pode ser um factor de agravação, mas só o será se, para além de preencher um dos exemplos-padrão «meio particularmente perigoso» ou «prática de um crime de perigo comum» da alínea h) do n.° 2 do artigo 132°, revelar «especial censurabilidade ou perversidade». Enquanto a agravação do n.° 3 do artigo 86.°, encontrando fundamento num maior grau de ilicitude, tem sempre lugar se o crime for cometido com arma, a do artigo 132.° só operará se o uso de arma ocorrer em circunstâncias reveladoras de uma especial maior culpa. Além, para haver agravação, basta o uso de arma no cometimento do crime; aqui não.
O n.° 3 do artigo 86° só afasta a agravação nele prevista nos casos em que o uso ou porte de arma seja elemento do respectivo tipo de crime ou dê lugar, por outra via, a uma agravação mais elevada, não sendo arredada ante a mera possibilidade de haver outra agravação, mas apenas se for de accionar, efectivamente essa outra agravação (cfr. acórdão da Relação do Porto, de 07 de Maio de 2014, processo 1586/12.2JAPRT.P 1).
No caso em apreço, o uso de arma não é elemento do crime de homicídio, como se disse, e, no caso, não levou esse uso ao preenchimento do tipo qualificado do artigo 132.° (cfr., neste sentido, entre outros, os acórdãos do S.T.J., de 31/03/2011, proc. 361/10.3GBLLE, ede de 30/10/2013, processo 40/11.4JAAVR.C2.Sl).
Não há, assim, qualquer fundamento para afastar a agravação daquele artigo 86.°, n.° 3, pelo que o tribunal recorrido bem agiu ao agravar o crime de homicídio qualificado na forma tentada, pelo qual condenou o arguido.
Também em relação ao crime de ofensa à integridade física qualificada se subscreve a posição do tribunal recorrido, acima transcrita, sendo de assinalar que, também nesta parte, o recurso parte do pressuposto da alteração da matéria de facto provada em termos que lhe fossem favoráveis para sustentar a sua pretensão.
Finalmente, quanto ao crime de detenção de arma proibida, uma vez mais o recorrente passa por cima da detenção da soqueira, além de que, quanto à arma de fogo que lhe foi apreendida, como já se sublinhou, nos termos do artigo 86.°, n.°2, da Lei das Armas e Munições, a detenção de arma não registada ou manifestada, quando obrigatório, constitui, para efeitos do número anterior desse artigo, ou seja, do preenchimento do tipo de crime, detenção de arma fora das condições legais. Não se trata, pois, de uma mera questão de licença de uso e porte de arma caducada, mas de uma arma de fogo não manifestada ou registada a seu favor.
Não se verifica, pois, sobre esta matéria, qualquer nulidade insanável por omissão do tribunal, como de forma confusa alega o recorrente, esquecido de que nulidades insanáveis são apenas as como tal tipificadas na lei. No caso, não há nulidade e muito menos insanável.
3.2.4. Invoca o arguido/recorrente a falta de fundamento da condenação no pedido cível (conclusões 98 a 100).
Lê-se no acórdão recorrido:
«E) DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
Cumpre agora apreciar os pedidos de indemnização civil formulados pelos demandantes, C... e R....
C... deduziu pedido de indemnização cível contra o arguido pedindo a sua condenação no pagamento de € 5.000,00 a título de danos patrimoniais e não patrimoniais e R... também deduziu pedido de indemnização cível contra o arguido pedindo a sua condenação no pagamento de € 3.500,00 a título de danos não patrimoniais.
Nos termos do artigo 483° do Código Civil: Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
Para que se verifique a obrigação de indemnizar nos termos primordialmente invocados, é necessário que se verifiquem todos os pressupostos essenciais da responsabilidade civil por factos ilícitos, previstos no artigo 483° n.° 1 do Código Civil:
a) a verificação de um facto voluntário do agente;
b) a ilicitude desse facto;
c) a culpa (nexo de imputação subjectiva do facto ao lesante);
d) que da violação do direito subjectivo ou da lei derive um dano;
e) o nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e os danos verificados.
Quanto aos três primeiros pressupostos da responsabilidade civil, os mesmos foram já discutidos em sede de responsabilidade criminal e encontram-se verificados, pelo que cumpre apenas discutir e aferir os últimos dois pressupostos enunciados.
No que se refere a danos não patrimoniais, determina o n.° 1 do artigo 496° do Código Civil, que devem ser atendidos os danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.
O arguido atentou contra a vida dos demandantes, tendo ainda provocado lesões em C..., quando lhe desferiu os murros com a soqueira, o que terá certamente causado as dores inerentes. Ficou ainda demonstrado que os demandantes ficaram assustados, com receio que o arguido voltasse a atentar contra as suas vidas.
O sofrimento sentido pelos demandantes são danos dignos de tutela do direito, pelo transtorno que representam. E o arguido é responsável por estes danos, por resultarem dos seus actos ilícitos, conforme disposto no artigo 483° do Código Civil, devendo compensar os ofendidos por tais danos.
Determina o artigo 496°, n.° 3 do Código Civil que o montante da indemnização por danos não patrimoniais deve ser fixado equitativamente pelo Tribunal. Dos critérios a que o Tribunal deve atender nesta fixação, não é alheio a situação económica do lesante e do lesado, a gravidade da conduta e a gravidade da lesão material associada, se a houver. São estes os parâmetros a utilizar para a determinação da referida compensação por danos não patrimoniais.
Entende o Tribunal ser excessivo o montante de € 5.000,00 para compensação de danos não patrimoniais originados pelo crime de ofensas à integridade física qualificado em concurso com o crime de homicídio simples, na sua forma atentada praticados pelo arguido, em relação ao demandante C..., pois não foram causados danos que provocassem dias de incapacidade ou doença, embora se realce mais uma vez a gravidade da actuação do arguido e o susto sofrido pelo ofendido.
Tal não é desmerecimento da dor e sofrimento do ofendido C..., que o Tribunal acha atendíveis e dignos de compensação, mas é um reajustar de perspectiva da lesão e do sofrimento sentido pelo ofendido em relação à conduta do arguido.
A situação económica do arguido é razoável, pois além da pensão de reforma que aufere, tem um negócio próprio. A conduta tem uma gravidade algo elevada.
Tudo ponderado, entende o Tribunal equitativo fixar a compensação, por danos não patrimoniais ao ofendido C... no valor global de € 4.000,00, a cargo do arguido, pela prática dos dois crimes de que foi vítima.
No que concerne aos danos sofridos por R..., acentua-se que a mesma foi companheira do arguido, para com quem este tinha um dever especial de respeito e contenção, o que desatendeu, atendendo contra a sua vida. Pelas demais razões já expostas, entende este Tribunal equitativo fixar a compensação, por danos não patrimoniais à ofendida R... Lopes no valor global de € 3.500,00, a cargo do arguido.
O arguido é ainda responsável pelos danos patrimoniais que resultam do seu acto ilícito, conforme disposto no artigo 483° do Código Civil, o que, no caso concreto corresponde ao valor dos tratamentos pagos por C..., na sequência das agressões físicas por este e que se considerou demonstrado nos autos no valor de € 63,30.
Deve pois, o arguido reconstituir a situação que haveria se não houvesse a lesão, no caso vertente, tal implica indemnizar C... pelo valor dos tratamentos por este suportado e demonstrado, ou seja, € 63,30, nos termos do artigo 562° do Código Civil.
Assim, os pedidos civis formulados são de proceder nos valores referidos, improcedendo o demais.»
Como o recorrente mais não faz do que afirmar que falta à decisão recorrida fundamentação e ser, pelo contrário, manifesto, face à transcrição efectuada, que o tribunal fundamentou a sua decisão, sendo que os danos sofridos resultam da prova pericial e das declarações prestadas pelos demandantes civis, conjugadas com a experiência da vida, que nos ensina que, factos como aqueles que estão em causa, são geradores de dor, temor, medo e angústia, conclui-se que, também nesta parte, falta razão ao recorrente.
Como bem refere o Ministério Público na sua resposta, não tinha de ser reproduzido em sede de decisão cível o que já tinha sido fundamentado em sede de decisão da factualidade provada e de preenchimento dos ilícitos criminais pelos quais foi o arguido/demandado condenado, tendo sido devidamente ponderados e decididos os montantes arbitrados aos demandantes.
3.2.5. Finalmente, a propósito da medida da determinação da pena, volta o recorrente a invocar, nas conclusões, um rol extenso de pretensas violações normativas, por vezes repetindo o que já anteriormente invocado, a saber: dos artigos 40.°, 71.°, 72.° n.° 2 alínea c) e 73.°, do CP e artigos 127.°, 374.° n.° 2 do CPP, os artigos 64.° e 357.° do mesmo CPP, os artigos 32.°, 33.0, 48.°, 50.°, 71.° e 72.°, 143.° n.° 1, 145.° n.° 1 e 132.° n.° 2, alínea m), todos do Código Penal, novamente o artigo 379° do CPP, bem como, uma vez mais, o princípio in dubio pro reo e os artigos 18.°, 25.° n.° 1, 26.°, 32.° n.° 8, 34.° n.° 3 e o artigo 204.° da Constituição da República (Conclusões 125 a 142).
Dispensamo-nos de reafirmar o que já dissemos, por muito que o arguido/recorrente vá repetindo, uma e outra vez, a nosso ver sem o melhor critério, a menção aos mesmos artigos e aos mesmos preceitos pretensamente violados, seja qual for a questão que, em cada momento, esteja em apreço.
Perguntamo-nos, por exemplo, que relação terá a alínea m) do n.° 2 do artigo 132.° do Código Penal, referente ao crime de homicídio praticado por funcionário com grave abuso de autoridade, com o caso dos autos? Certo é que, no entender do recorrente, também essa disposição foi violada (?).
Lê-se no acórdão recorrido, quanto à determinação da pena:
«E) DA ESCOLHA E MEDIDA DA PENA
Estando o comportamento do arguido devidamente enquadrado, importa agora graduar, dentro da moldura abstracta da pena que ao crime compete, a pena concreta.
A primeira consideração a fazer na escolha da medida da pena deve ser a da sua finalidade. O artigo 40° n.° 1 do Código Penal, dispõe que a aplicação das penas .... visa a protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade.
O crime de ofensas à integridade física qualificado previsto nos artigos 145°, n.°1, alínea a), 143° e 132°, n.°2, alínea i) do Código Penal é punido com pena de prisão até 4 anos.
O crime de homicídio qualificado, na forma tentada, agravado previsto pelos artigos 131°, 132°, n.° 1 e 2, alínea b) e 22°, 23° e 73°, todos do Código Penal e artigo 86°, n.°3 do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, é punido com pena de prisão de 3 anos, 2 meses e 13 dias a 16 anos e 8 meses (seguindo o entendimento de Jorge de Figueiredo Dias in DIREITO PENAL, POR'I'LFG ur5. AS CONSEQUÈNCIAS JURIDICAS DO CRIME, Coimbra Editora, Setembro de 2005, página 208 e de Maria Joào Antunes, expresso em CONSEQUENCIAS JURIDICAS DO CRIME, Coimbra Editora, Setembro 2013, página 40, fizemos funcionar primeiro as circunstâncias agravantes, ou seja, a agravação prevista no artigo 86°, n.° 3 do Regime Jurídico das Armas e Suas Munições, e só após esta agravação, a atenuação especial prevista para a tentativa, nos termos conjugados do artigo 23° e 73° do Código Penal).
O crime de homicídio, na forma tentada, agravado previsto pelos artigos 131° e 22°, 23° e 73°, todos do Código Penal e artigo 86°, n.°3 do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, é punido com pena de prisão de 2 anos, 1 mês e 18 dias a 14 anos, 2 meses e 20 dias (seguindo o entendimento já referido, fazendo funcionar primeiro a agravação da utilização da arma e só depois a atenuação prevista para o crime tentado.
O crime de detenção de arma proibida previsto no artigo 86°, n.°1, alínea c) do Regime Jurídico das Armas e Suas Munições é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.
Dispõe o artigo 70° do mesmo Código que: Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Da conjugação destes dois preceitos se extrai que, quando a pena de multa seja suficiente para alcançar a protecção dos bens jurídicos postos em causa com a prática do crime e a reintegração do agente na sociedade, deve ser esta a pena a aplicar.
No caso vertente, além do crime de detenção de arma proibida, que admite a aplicação de uma pena de multa, o arguido, com a sua actuação, cometeu outros três crimes, os quais não admitem a aplicação de pena de multa. No caso do crime de detenção de arma proibida, o arguido detinha uma arma de fogo, uma soqueira e munições, sendo certo que as usou para cometimento de outros crimes, o que toma a sua actuação muito mais gravosa, mesmo quanto ao crime de detenção de arma, pelo que apesar de o arguido não ter antecedentes criminais, não se afigura ao Tribunal suficiente a aplicação de uma pena de multa para atingir as finalidades das penas quanto a este crime, sendo de aplicar uma pena de prisão também quanto a este.
A ilicitude da conduta do arguido, no que concerne ao crime de ofensa à integridade física qualificada é média, pois tendo usado o meio insidioso que já qualifica o crime em si, não utilizou outras forças ou objectos para potenciar as lesões. Quanto ao desvalor do resultado também não causou lesões que demandassem dias de doença ou com incapacidade para o trabalho, pelo que se considera que este é também médio. Tudo ponderado, quanto a este crime, entende o Tribunal ser adequado a aplicação de uma pena de 1 ano de prisão.
O crime de homicídio qualificado, agravado pelo uso da arma, na sua forma tentada, bem como o crime de homicídio simples, agravado pelo uso da arma, na sua forma tentada, apresentam uma ilicitude média, pois apesar da utilização da arma, que potenciaria a existência de danos colaterais (que se verificaram no veículo de R...), tal circunstância já foi considerada na agravação do crime, pelo que não é relevante na medida da pena concreta dentro da moldura penal assim encontrada.
Releva-se a inexistência de danos pessoais decorrentes destes factos, mas realça-se a presença, ainda que não visual, do filho do arguido e de R..., que presenciou o início do conflito e que estaria ainda por perto, dentro da casa do arguido ou da sua mãe, no momento em que este dispara os tiros na direcção de R... e C....
Tudo ponderado entende o Tribunal adequado a aplicação de uma pena de 4 anos e 10 meses de prisão pelo crime de homicídio qualificado, agravado pelo uso da arma, na sua forma tentada e de 3 anos e 8 meses de prisão pelo crime de homicídio simples, agravado pelo uso da arma, na sua forma tentada.
O crime de detenção de arma proibida foi praticado com ilicitude acentuada, pois o arguido além de deter a arma, por tempo indeterminado, mas já por algum tempo, detinha ainda as munições adequadas à sua utilização, o que se veio a verificar e ainda a soqueira, a qual também utilizou. Assim, entende o Tribunal ser adequado, quanto a este crime, a aplicação de uma pena de 2 anos e 3 meses de prisão.
Nos termos do artigo 77°, n.° 1 do Código Penal, o arguido que tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena.
Há a considerar que o grau de ilicitude e culpa é algo elevada quanto aos crimes em causa, não se conhece a prática de outros ilícitos posteriores ao facto, pelo arguido.
Realça-se que os quatro crimes foram cometidos em momentos muito próximos e animados de uma mesma exaltação e falta de comedimento.
Assim, nos termos do artigo 77°, n.° 2 do Código Penal, atento os limites aí determinados, (entre 4 anos e 10 meses e 11 anos e 9 meses), entende o Tribunal ser de aplicar a pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.»
A determinação da pena envolve diversos tipos de operações, sendo de assinalar que, nos termos do artigo 40.° do Código Penal, as finalidades das penas reconduzem-se à protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente na sociedade (prevenção especial).
O juiz começa por determinar a moldura penal abstracta e, dentro dessa moldura, determina depois a medida concreta da pena que vai aplicar, para finalmente escolher a espécie da pena que efectivamente deve ser cumprida, tendo em vista as penas de substituição que a lei prevê.
No caso concreto, as molduras legais aplicáveis são as indicadas no acórdão recorrido, sendo que, só em situações excepcionais e por força de circunstâncias que atenuassem acentuadamente a culpa, a ilicitude ou a necessidade da pena, que não se verificam no caso em apreço, seria legítimo lançar mão ao instituto da atenuação especial, enquanto válvula de segurança do sistema.
Nos termos do disposto no artigo 70.° do Código Penal, o tribunal, perante a previsão abstracta de uma pena compósita alternativa, deve dar preferência à multa sempre que formule um juízo positivo sobre a sua adequação e suficiência face às finalidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial de socialização, preterindo-a a favor da prisão na hipótese inversa. Neste momento do procedimento de determinação da pena, o único critério a atender é o da prevenção.
No caso em análise, o tribunal a quo, no que concerne ao crime de detenção de arma proibida - que contempla uma pena compósita alternativa -, justificou, de forma adequada, o porquê de entender que, em relação a tal crime, não se afigurar suficiente a aplicação de uma pena de multa para atingir as finalidades das penas, sendo de aplicar uma pena de prisão também quanto a este.
Dentro de cada moldura legal, estabelece o artigo 71.°, n.°1, do Código Penal, que a determinação da medida da pena é feita «em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». O n.°2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena, dispondo o n.°3 que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, o que encontra concretização adjectiva no artigo 375.°, n.°1, do C.P.P., ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.
Em termos doutrinais tem-se defendido que as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, tanto quanto possível, na reinserção do agente na comunidade e que, neste quadro conceptual, o processo de determinação da pena concreta seguirá a seguinte metodologia: a partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma sub-moldura para o caso concreto, que terá como limite superior a medida óptima de tutela de bens jurídicos e das expectativas comunitárias e, como limite inferior, o quantum abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar. Dentro dessa moldura de prevenção actuarão, de seguida, as considerações extraídas das exigências de prevenção especial de socialização. Quanto à culpa, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a estabelecer (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pp. 227 e segs.).
Na mesma linha, Anabela Miranda Rodrigues, no seu texto O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena (Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.°2, Abril-Junho de 2002, pp. 181 e 182), apresenta três proposições, em jeito de conclusões, da seguinte forma sintética:
«Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas.»
Como refere o S.T.J., em Acórdão de 17 de Abril de 2008, «as circunstâncias e os critérios do artigo 71.° do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente» (proc. 08P571, disponível em www.dgsi.pt; também relativamente à questão da determinação da medida da pena, cfr., entre outros, o Acórdão do S.T.J. de 9 de Março do 2006, in CJSTJ, tomo I, pp. 212 e ss., e o Acórdão do S.T.J., de 29 de Maio de 2008, proc. 08P1145, em www.dgsi.pt).
Volvendo ao caso concreto em apreciação, o tribunal apreciou com critério os diversos factores de determinação das penas, como resulta, com clareza, do supra transcrito, no contexto do binómio formado pela culpa e pela prevenção, fixando com equilíbrio e sem qualquer exagero punitivo cada uma das penas parcelares, e bem assim a pena conjunta, que fundamentou adequadamente face ao artigo 77.° do Código Penal, sublinhando que os crimes em causa foram cometidos em momentos muito próximos e animados de uma mesma exaltação e falta de comedimento. Tal determinou a fixação da pena conjunta, resultante do cúmulo jurídico, com manifesta moderação, apenas oito meses acima do limite mínimo da moldura respectiva.
A invocação de uma alegada falta de fundamentação das penas parcelares e da pena conjunta não tem razão de ser.
Sopesando todos os elementos, verifica-se que cada pena parcelar foi determinada com justeza e equilíbrio e que também a pena conjunta se mostra equilibrada, não merecendo qualquer censura.
Face à pena de 5 anos e 6 meses de prisão, não há lugar, por obstáculo legal, à aplicação da suspensão da execução da prisão.

Conclui-se que acórdão recorrido não merece censura, não enfermando de qualquer vício ou nulidade, nem tendo violado qualquer preceito do C.P.P., do Código Penal, ou sequer da Constituição da República Portuguesa, pelo que o recurso não merece provimento, devendo ser confirmado o acórdão recorrido.
3.3. Uma vez que o arguido decaiu totalmente no recurso que interpôs, é responsável pelo pagamento da taxa de justiça e dos encargos a que a sua actividade deu lugar (artigos 513.° e 514.° do C.P.P., na redacção da Lei n.° 34/2008, de 26 de Fevereiro, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais - R.C.P.).
Tendo em conta a complexidade do processo, julga-se adequado fixar essa taxa em 5 UC (dentro dos limites da Tabela III a que se refere o artigo 8.°, n.°9, do R.C.P.).

III - Dispositivo
Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido V....
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC. Lisboa, 6 de Dezembro de 2017
(o presente acórdão, integrado por de cento e três páginas com os versos em branco, foi elaborado e integralmente revisto pelo relator, seu primeiro signatário - artigo 94 °, n.°2, do C.P.P.)
Lisboa, 6 de Dezembro de 2017
Jorge Gonçalves
Maria José Machado
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