Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - ACRL de 15-11-2017   Promoção do Processo pelo Ministério Público.
A falta de promoção do processo pelo Ministério Público tem que se aferir por relação a crimes que são subsumíveis os factos de que há noticia.
Proc. 77/13.9TELSB-B.L1 3ª Secção
Desembargadores:  Maria Elisa Marques - Adelina Oliveira - -
Sumário elaborado por Margarida Fernandes
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Processo 77/13.9TELSB-B.L1
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa:
I - RELATÓRIO
1. No âmbito dos autos de Instrução a correr termos no Tribunal Central de Instrução Criminal, registados sob o n° supra referido foi proferida decisão instrutória que decidiu declarar a nulidade do despacho final proferido em inquérito e de todos os actos subsequentes, por falta de promoção do Ministério Público em relação a crime de natureza pública, objecto de queixa sobre a qual não houve pronúncia, com a consequente remessa do processo ao Ministério Público para os fins tidos por convenientes.
2. Inconformado com a referida decisão instrutória, dela veio o MP interpor o presente recurso, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões:
1 Por decisão judicial proferida na fase de instrução criminal, em 03/04/2017, o Mm°. Juiz de Instrução Criminal declarou a nulidade do despacho de encerramento do inquérito deduzido nos autos, ao abrigo do disposto no art. 119° n°1 al. b) do C.Proc.Penal por entender, em síntese:
- Que o Ministério Público não tomou posição quanto aos indícios do alegado crime de abuso de confiança perpetrado pelo arguido R... denunciado nos autos e referido pelo Ministério Público no primeiro despacho que proferiu nos autos (em 02/05/2013), ali referindo que existem indícios de uma retirada injustificada de fundos das sociedades T... e P... por parte do arguido R..., para a esfera patrimonial deste e que esses indícios são susceptíveis de configurarem um crime de abuso de confiança p.p. pelo art. 205° n° 1 e 4 al. b) do C.P.
- Que contrariamente ao referido pelo Ministério Público nos presentes autos não estão em causa apenas ilícitos de natureza fiscal e branqueamento de capitais perpetrados entre 2012 e 2013 pelos arguidos acusados, mas, também, um crime de abuso de confiança alegadamente cometido pelo arguido R... quanto às transferências de fundos da T... para as suas contas pessoais e da arguida A....
- Que a factualidade objectiva em apreço nos presentes autos é a mesma que se encontra em investigação no Nuipc n°6134/15.8 TDLSB e só poderá configurar uma das duas situações, ou estaremos perante transferências realizadas a título de vencimentos e adiantamentos de lucros não declarados (fraude fiscal), ou perante uma apropriação de quantias monetárias por parte dos administradores (abuso de confiança). O mesmo dado objectivo não pode configurar as duas situações, tanto o mais que isso conduziria a uma a uma contradição de julgados e a uma violação do princípio ne bis in idem. (...)
- Deste modo, no inquérito n°6134/15.8 TDLSB, não poderá, ser proferida outra decisão que não seja uma decisão de absolvição da instância por força do art. 576° n°2 do CPC ex vi art. 4° do CPP.
- Pelo que conclui que o Ministério Público (...)não se pronunciou sobre o destino do inquérito relativamente ao crime de abuso de confiança nem sobre os factos trazidos ao seu conhecimento pela T..., factos esses que, em certa medida, já eram do conhecimento do titular da acção penal desde 02-5-2013, (fls. 48 ss) ou seja, o Ministério Publico não se pronunciou sobre o desfecho do inquérito quanto àqueles ilícitos.(...).
- Tal omissão de pronúncia consubstancia a nulidade insanável prevista no art. 119° al. b) do C.Proc.Penal, a qual declarou.
- O Mm° Juiz de Instrução Criminal considerou que tal nulidade afecta todos os efeitos do acto processual de encerramento de inquérito, bem como os trâmites subsequentes dele dependentes e em consequência ordenou a remessa dos autos ao Ministério Público para retomar o procedimento nos termos em que entender adequados.
2. Discordamos da decisão proferida pelo Mm°. Juiz de Instrução Criminal, pelas razões que seguidamente se expõem.
a) O despacho de encerramento do inquérito proferido nos autos não padece da nulidade prevista no ar. 119° al. b) do C.Proc.Penal.
Com efeito,
- No despacho de encerramento proferido nos presentes autos foram apreciados todos os factos investigados nos autos e susceptíveis de integrarem a previsão de ilícitos criminais, tendo sido proferidos os despachos de arquivamento e acusação que se impunham proferir e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
- Nos presentes autos foi deduzida acusação contra os arguidos C..., C..., P..., R... e A... e contra a sociedade T... - CONSTRUÇÕES TÉCNICAS E SANEAMENTO, S.A., representada pelo arguido C..., pelos factos ali descritos, que aqui se dão por reproduzidos, e que integram os seguintes ilícitos criminais:
- Um crime de danificação ou subtracção de documento e notação técnica, p.p. pelo art. 259° n°1 do C.Penal, perpertado por C...;
- Um crime de fraude fiscal qualificada, p.p. pelos arts. 103°, n° 1, al. b) e 104° n° 2 als. a) e b) e 3 do R.G.I.T. com referência ao art. 19° do CIVA, perpetrado, em co-autoria material, pelos arguidos C... e P... (aquele na qualidade de administrador de facto da sociedade T... e esta enquanto responsável pela facturação desta sociedade);
- Um crime de fraude fiscal qualificada, p.p. pelos arts. 8°, 103°, n° 1, al. a) e 104°, n°s 2 als. a) e b) e 3 do R.G.I.T, com referência ao art. 19° do CIVA, da responsabilidade da sociedade T...;
- Um crime de fraude fiscal qualificada, p.p. pelos arts. 103°, n° 1, als. a) e b) e 104° n° 2 als. a) e b) e n°3 do R.G.I.T.; e um crime de branqueamento de capitais, p.p. pelo art. 368°-A, n° 1, n° 2, n° 3 e n° 4 do C.Penal, perpetrados em co-autoria e em concurso real pelos arguidos C..., C... e P... (relativamente aos fundos retirados da T... a título de rendimentos não declarados à Administração Fiscal).
- A acusação deduzida nos autos contra o arguido C... assenta na circunstância de o mesmo, à data dos factos, ser o administrador de facto da sociedade, continuando a exercer a administração da sociedade T... e a ser responsável pela mesma, gerindo-a de facto.
- Porquanto apesar de os arguidos R... e A... terem adquirido em 07/09/2012 as acções da T... e de aquele assumir desde então as funções de Presidente do Conselho de Administração daquela sociedade, era C... que geria e administrava de facto aquela sociedade, continuando a ser responsável pela administração da mesma.
- Assim sendo, e nos termos descritos na acusação deduzida nos autos, as saídas de fundos da sociedade eram efectuadas sob instruções de C…, algumas das quais para contas tituladas por A... e R....
- Pelo que as saídas de fundos da T... para contas tituladas por A... e R... foram efectuadas a título de adiantamento por conta de lucros, nos anos de 2012 e 2013, rendimentos que estes não declararam à administração fiscal e os faz incorrer na prática do crime de fraude fiscal qualificada, afastando desde logo a incriminação dos mesmos pelo crime de abuso de confiança.
- Ou seja, sendo a sociedade gerida de facto pelo arguido C... e tendo sido este que ordenou as saídas de fundos da sociedade nos termos descritos na acusação, necessariamente se conclui que os arguidos R... e e A... não incorreram no alegado crime de abuso de confiança.
- A circunstância de numa fase embrionária do processo o Ministério Público referir que as saídas de fundos da sociedade para contas pessoais dos seus administradores podem consubstanciar a prática de um crime de abuso de confiança ou de fraude fiscal enquanto crimes precedentes do crime de branqueamento de capitais, não impõe que, findas as investigações, e concluindo-se como se concluiu que a factualidade denunciada e em particular aquelas saídas de fundos da sociedade integram a previsão do crime de fraude fiscal qualificada, se determine o arquivamento dos autos relativamente ao alegado crime de abuso de confiança.
- Precisamente porque o mesmo facto - saídas de fundos para contas pessoais dos administradores de direito (R… e A...) - não pode consubstanciar a prática de ambos os ilícitos criminais - fraude fiscal qualificada e abuso de confiança - e porque a acusação pelo crime de fraude fiscal qualificada - nos termos em que foi deduzida nos autos - exclui desde logo a imputação do crime de abuso de confiança, não se impunha ao Ministério Público que proferisse despacho de arquivamento pelo crime de abuso de confiança, o que seria uma redundância jurídica.
- O que significa dizer-se que atenta a definição do objecto processual constante da acusação não se encontra verificada a alegada omissão de pronúncia do Ministério Público relativamente ao alegado crime abuso de confiança.
- E contra esta conclusão não procedem os argumentos do Mm°. Juiz de Instrução Criminal de que aqueles factos se encontram em investigação no Inquérito com Nuipc 6134/15.8 tdlsb, o qual teve origem na queixa apresentada pela T... contra os arguidos R... e A... imputando-lhes o desvio de fundos da sociedade para contas pessoais dos mesmos e que teve por base a decisão de arresto decretada nos presentes autos e que a (...) ausência de tomada de posição por parte do M°P°, nomeadamente arquivando nesta parte, quanto ao alegado crime de abuso de confiança, inviabiliza o exercício do direito da lesada, com a faculdade de se constituir assistente, T..., na medida em que nessa parte não lhe será possível requerer a abertura de instrução e submeter ao controlo judicial essa omissão.
Porquanto:
- A T... é arguida nos autos e encontra-se acusada de um crime de fraude fiscal qualificada;
- Aquela queixa foi apresentada em 06/11/2015, ou seja volvidos dois anos sobre o início das investigações nestes autos, sendo certo que surgiu como reacção à constituição como arguidos nos autos de C..., C... e P...;
- Tendo sido remetida ao DIAP - Lisboa por os crimes ali denunciados - furto qualificado e infidelidade - não serem da competência do DCIAP e as investigações em curso nestes autos se encontrarem em fase de conclusão;
- É inegável que parte dos factos denunciados naquele inquérito são conexos com os factos denunciados nestes autos, porém há outros factos ali denunciados que transcendem o âmbito do objecto processual dos presentes autos;
- Naquela denúncia a T... faz referência a factos perpetrados por Vitor Manuel Godinho Ribeiro enquanto administrador da T... Construções Técnicas e Saneamento, S.A., que são susceptíveis de integrarem a previsão de ilicitos criminais, nomeadamente de abuso de confiança ou infidelidade e que não têm qualquer conexão com a factualidade em apreço nos presentes autos;
- Porém, ainda que assim não fosse e se considerasse que os factos em apreço em ambos os inquéritos são os mesmos caberia ao titular daquele inquérito - instaurado posteriormente - proferir despacho de arquivamento ao abrigo do princípio constitucional ne bis in idem, segundo o qual ninguém pode ser jugado duas vezes pelos mesmos factos.
- Ou seja, a decisão proferida nestes autos quer em fase de inquérito quer em fase de instrução seria valorada no âmbito daqueles autos sempre segundo o princípio ne bis in idem, consagrado no art. 29° n°5 da Constituição da República Portuguesa.
- Por todo o exposto, o Ministério Público não tinha que se pronunciar sobre o alegado crime de abuso de confiança, proferindo o respectivo despacho de arquivamento.
- Pelo que não se encontra verificada a nulidade prevista no art. 119° al. b) do C.Proc.Penal.
b) Dos efeitos de declaração da nulidade prevista no art. 119° al. b) do C.Proc.Penal e da legitimidade do Juiz de Instrução Criminal para ordenar a devolução dos autos ao Ministério Público para suprir a alegada nulidade.
- O Ministério Público é a autoridade judiciária que dirige o inquérito.
- Encerrado o inquérito o Ministério Público terá de decidir quanto aos factos objecto de investigação e a participação nos mesmos de cada um dos agentes sobre o qual aquela foi dirigida, proferindo despacho de arquivamento - na hipótese de ter sido recolhida prova bastante de se não ter verificado o crime, de o arguido não o ter praticado a qualquer título ou de ser inadmissível o procedimento ou se não tiver sido possível obter indícios suficientes de se ter verificado o crime e de quem foram os seus agentes (art. 277° n°s 1 e 2 do C.Proc.Penal) - ou proferindo despacho de acusação se tiverem sido recolhidos indícios suficientes da prática do crime e de quem foram os seus autores (cfr. art. 283° do C.Proc.Penal).
- A decisão do Ministério Público - de arquivar ou acusar - é sindicável por via de reclamação hierárquica ou pela instrução criminal, visando esta a comprovação judicial da decisão de acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (cfr. art. 286n°1 do C.Proc.Penal).
- A estrutura acusatória que caracteriza o ordenamento jurídico-processual penal português consagrada no art. 32° n°5 da Constituição da República Portuguesa impõe que os poderes de cognição do tribunal estão limitados ao objecto do processo definido pela acusação deduzida pelo Ministério Público.
- Pelo que o juiz não pode (...) formular convites ou recomendações, e muito menos ordens, ao Órgão Titular da acção penal, para aperfeiçoamento, rectificação, complemento, ou dedução de nova acusação, como não o pode fazer relativamente aos demais sujeitos processuais.
- Admitir o inverso, ou seja a possibilidade de o juiz de instrução (ou de julgamento) remeter o processo para a fase de inquérito para suprir eventuais nulidades ou irregularidades pelo mesmo declaradas nos autos, atentaria contra a autonomia do Ministério Público enquanto magistratura autónoma e paralela da magistratura judicial.
- Porquanto, conformidade com o disposto no art. 219° n°2 da Constituição da República Portuguesa o Ministério Público goza de estatuto próprio e de autonomia.
- Face à autonomia inerente à magistratura do Ministério Público, não tem fundamento legal qualquer ordem, nomeadamente do juiz de instrução, para ser cumprida no âmbito do inquérito por quem não deve obediência institucional nem hierárquica a tal injunção. (Cfr. acórdão do STJ de 27/04/2006, disponível em www.dgsi.pt).
- Ou seja, o Juiz (de instrução ou de julgamento) não pode determinar a devolução dos autos ao Ministério Público para que seja sanada uma nulidade, visto que tal decisão afronta os princípios do acusatório e da independência e autonomia do Ministério Público.
- O que significa dizer-se, no que respeita à situação em apreço nos autos, que o Mm° Juiz de Instrução Criminal não tem legitimidade nem competência para ordenar a devolução dos autos ao Ministério Público para suprir a alegada nulidade pelo mesmo declarada nos autos e que em seu entender consistiria na prolação de um novo despacho de encerramento do inquérito com o arquivamento do crime de abuso de confiança que considera ter sido denunciado no inquérito.
- Ademais cumpre referir que o exercício da acção penal pelo Ministério Público se extinguiu com a prolação do despacho de encerramento do inquérito, o que necessariamente implica que transitando os autos para outra fase processual não podem regressar por ordem de um juiz - de instrução criminal ou de julgamento - à fase processual anterior.
- A consequência da declaração da nulidade que o Mm° Juiz de Instrução Criminal considerou verificar-se nos autos não pode ser outra que não a prolação de um despacho de não pronúncia que será sindicável pela via do recurso.
- A decisão de que ora se recorre violou, nomeadamente, o disposto nos arts. 119° al. b), 262° e 308° do C.Proc.Penal e o disposto nos art. 32° n°5 e 219° n°2 da Constituição da República Portuguesa.
Assim sendo, a decisão do Mm°. Juiz de Instrução Criminal deverá ser revogada e substituída por outra que:
- Declare a inexistência da nulidade do despacho de encerramento do inquérito por falta de promoção do processo pelo Ministério Público nos termos do disposto no art. 199° al. b) do C.Proc.Penal, revogando-se o despacho recorrido e se ordene a substituição desse despacho por outro que consequentemente aprecie do mérito, proferindo decisão instrutória nos termos do disposto no art. 308° do C.Proc.Penal.
Ou
- caso se considere verificada a alegada nulidade que seja revogado o despacho recorrido na parte em que declarou como consequência da nulidade do despacho de encerramento do inquérito a remessa dos autos ao Ministério Público para suprir a nulidade com a prática dos actos que considerar adequados, Ordenando-se a substituição desse despacho por outro que analise e retire as devidas consequências da declaração de nulidade, nos termos do disposto no art. 308° do C.Proc.Penal.
3. O recurso foi admitido, com subida imediata em separado e efeito devolutivo.- cf. douto despacho fls. 189 da presente certidão.
4. Os arguidos C..., C...; P... e T... - construções Técnicas e Saneamento S.A responderam à motivação de recurso, concluindo pela respectiva improcedência. - cf. fls. 30-41 da presente certidão.
5. Neste Tribunal a Sra. Procuradora-Geral Adjunta apôs visto sufragando os fundamentos do recurso.
6. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
II - FUNDAMENTAÇÃO
1. Antes do mais, vejamos o teor da douta decisão instrutória:. (transcrição)
«Os arguidos C..., C...; P... e T... - construções Técnicas e Saneamento S.A. requereram a abertura da instrução invocando a nulidade do inquérito em virtude de o Ministério Público não ter tomado posição quanto à queixa-crime que a sociedade arçirida apresentou junto dos presentes autos, contra os arguidos A... e R... pela prática dos crimes de furto qualificado p e p pelo art° 203° n° 1 e 204° n° 2 al a) do CP, com referência ao art° 202° al. b) do CP e crime de infidelidade, p e p pelo art° 224 ° do CP.
Para tanto, de forma resumida, disseram o seguinte:
Na pendência dos presentes autos, na fase de inquérito, a T... requereu o arresto preventivo das quantias que se encontram depositadas na conta BES n° …, em nome de R... e A... alegando que as quantias em causa haviam sido ilicitamente apropriadas pelos arguidos atrás referidos.
Que por decisão judicia/ foi decretado o arresto em causa com fundamento na existência de indícios da prática de um crime de abuso de confiança por parte de Rogerio e A....
Que a queixa-crime apresentada junto destes autos pele TEC II foi separada sem que a lesada tenha sido notificada pelo M° P°.
Que o montante de 3.975.000,00€ saído das contas da TEC II para as contas dos arguidos R... e A... parte dele, no montante de 2.821.807,59€ foi apropriado por estes durante o período em que exerceram as funções de administradores da TEC II.
O Ministério Público veio responder à invocada nulidade, conforme consta de fls. 1544ss, alegando, em síntese, o seguinte:
Que a arguida T... apresentou uma queixa no DCIAP, no dia 6-11-2015, contra os arguidos R... e A... queixa essa, remetida ao DIAP de Lisboa, por despacho de 9-11-2015 dando origem ao NUIPC 6134/ 15.8TDLSB.
,Que os factos denunciados pela T... não apresentam conexão objectiva com os factos investigados nestes autos, na medida em que nestes autos estão em causa crimes de natureza fiscal e branqueamento de capitais, entre 2012 e 2013, pelos arguidos acusados, sendo que na queixa da T... estão em causa factos relacionados com a gestrio/adminislráão da sociedade T… por parte dos arguidos R… e A....
Mais refere que, mesmo que se entendesse que existiria conexão processual subjectiva entre ambos os inquéritos, não seria útil nem oportuna a apensação daqueles autos a estes por a factrralidade ali em causa ser diversa da factualidade dos presentes autos e por caber ao M° P° decidir da oportunidade, da utilidade e da necessidade da apensação de ambos os inquéritos.
Conclui pela não verificação da alegaria nulidade.
Cumpre decidir:
O presente inquérito iniciou-se no dia 2-5-2013, na sequência da comunicação do BES, por via das regras de prevenção do branqueamento de capitais, dando conta da operação bancária de transferência para contas na Suíça relativa à conta titulada por A..., na qual figura como procurador R....
Na promoção de fls. 48 a 49 o M° P° referiu que estava indiciada uma retirada injustificada de fundos das sociedades T... e P..., incongruente com as declarações fiscais apresentadas pelas empresas e pelo sujeito passivo .R..., beneficiário das transferências, o que faz suspeitar fundadamente estarem em causa crimes de abuso de confiança e de fraude fiscal.
Por decisão judiciai de fls. 56ss, com data de 3-5-2013, foi determinado, ao abrigo dos amigos 4° n° 4 da Lei 5/2002 de 11/01 e do art° 17° n° 1 a 3 da Lei 25/2008 de 5/06, confirmar a suspensão de todas as operações a débito, incluindo a ordem de transferência no valor de 1.025.124,80€.
A medida manteve-se em vigor até ao dia 2-11-2015, conforme consta de fls. 1322.
Por requerimento de 6-11-2015 a T... - Construções Técnicas e Saneamento S A veio requerer o arresto preventivo contra os arguidos R... e A... das quantias monetárias depositadas na conta BES n° … em nome dos requeridos. Por decisão judicial de 19-11-2015, constante delis. 75 do Apenso - Arresto Preventivo, foi decretado o arresto imediato de todas as quantias monetárias depositadas na conta BES n° …, por estarem indiciados os seguintes factos:
1-A conta bancária n° … é titulada por A… na qual figura como procurador R...;
2-Em 21-3-13 foi consumada uma transferência para o exterior no valor de 1.500.124,80€para uma conta na Suíça, titulada pelo requerido R... e foi solicitada, em 26-4-13, nova transferência no valor de 1.025.124,80€;
3-Os fundos constantes da conta em causa tiveram origem na sociedade T…, em 9 transferências de 99.000.00€ cada;
4-Os montantes actualmente pendentes na conta em causa são provenientes de fundos transferidos da conta de R..., junto do Banco Popular que, por sua ver foi creditada com transferências com origem na T… e na sociedade P... 2009;
5-Os requeridos adquiriram a totalirlde das acções da requerente, em 2012, assumindo a qualidade de administradores da sociedade;
6-A partir dessa data os requeridos deixaram de cumprir as obrigações da requerente, nomeadamente o pagamento de impostos, pagwmentos à segurança social, pagamentos a fornecedores, trabalhadores e donos da obra;
7-Durante esse período os requeridos retiraram da requerente a quantia de 1.500.000,00€, quantia essa posteriormente transferida para a Suíça;
8-Os requeridos têm ligações ao Brasil e chegaram a realizar uma transferência bancária para este país, no valor de 250.000,00€;
9-No dia 6-09-2013, os requeridos alienaram todas as suas acções na querente e obrigaram-se a restituir a quantia de 1.500.000,00€
10-Em Setembro de 2013 a requerente, sob a administração dos requeridos, devia a fornecedores a quantia de 2.250.481,83€; aos funcionários a quantia de 40.032,78€, contencioso a quantia de 332.088,49€, ao fisco, a título de IVA, a quantia de 1.461.003,69€ e a título de IRS a quantia de 36.145,54€ e 103.858,23€ à segurança social;
11-Não são conhecidos outros bens aos arguidos.
Como fundamento para o decretamento do arresto o tribunal considerou que, quanto à existência do crédito, atentos os factos acima enunciados, mostra-se demonstrada a probabilidade séria da existéncia de um crédito por parte da requerente sobre os arguidos/requeridos, crédito esse, traduzido nas transferências bancárias feitos pelo requerido R… das contas da requerente para contas bancárias por si tituladas e pela sua mulher ora arguida/ requerida.
Atentos os indícios criminais em investigação nos autos principais e a origem das quantias movimentadas nas contas dos requeridos, indicia-se, também que a requerente é lesada na medida em que viu o seu património diminuído em virtude dos factos indiciariamente praticados pelos arguidos. Com efeito, os factos em causa são susceptíveis de preencher, entre outros, um crime de abuso de confiança p e p pelo art° 205° do CP.
Os arguidos R... e A... deduziram oposição ao arresto a qual foi julgada improcedente por decisão de 7-1-2016 P. 723 do arresto).
A fls. 1554, com data de 6-11-2015, consta a queixa-crime apresentada pela T…, contra os agora arguidos R… e A..., dirigida ao inquérito que deu origem a estes autos, na qual se refere que nos presentes autos estão em causa indícios da prática do crime de branqueamento, abuso de confiança e fraude fiscal mas que a esses crimes acrescem os factos cometidos pelos arguidos R... e A... susceptíveis de integrarem a prática de um crime de furto qualificado e de infidelidade.
Por despacho de 11-11-2015 P. 1152) o M° P° junto do DCIAP, remeteu a queixa-crime em causa ao DIAP de Lisboa por os crimes denunciados - furto qualificado e infidelidade - não serem da competência do DCIAP e as inves4gações em curso nos presentes estarem em fase de conclusão.
A fls. 1604 consta a informação do DIAP de Lisboa dando conta da existência do NUIPC 6314/ 15.8DTLSB quanto à queixa-crime da T... na qual foi constituído arguido R....
A p. 1618 Verso, consta o auto de interrogatório, realizado no dia 6-3-2017, no qual o arguido R..., no âmbito do NUIPC 6314/ 15.8TDLSB dá por reproduzidas todas as declarações que prestou no âmbito do processo 77/ 13.9TELSB (presentes autos).
A fls. 1619 verso, consta o requerimento apresentado por R... junto do NUIPC 6314/ 15.8TDLSB no qual pede o arquivamento dos autos invocando, para o efeito, o princípio do ne bis in idem, por os factos já terem sido objecto de decisão no âmbito dos presentes autos.
A fls. 1421ss, consta o despacho de arquivamento quanto ao alegado crime de fraude fiscal da responsabilidade da Nem!, 2009, Construções e Projectos, S.A . e de R... pela emissão das facturas falsas contabilizadas pela T... no ano de 2012.
A fls. 1425ss, consta o despacho de arquivamento quanto ao crime de branqueamento de capitais da responsabilidade dos arguidos R… e A... relativo à saída de fundos da conta BES n° 000656377661, titulada pela arguida A…, para contas sedeadas no Brasil e na Suíça.
Em 12-01-2017, .fls. 1428ss foi proferida acusação contra os arguidos pela seguinte qualificação jurídica:
- O arguido C... cometeu em autoria material:
a)Um crime de danificação ou subtracção de documento e notação técnica, p .p. pelo art. 259° n°1 do C.Penal.
- Os arguidos R... e A… cometeram, em co-autoria material:
a) Um crime de fraude fiscal qualificada, p .p. pelos arts. 103°, n° 1, als a) e b) e 104°, n°2 ai b) do R. G.I. T. (rendimentos do ano de 2012);
b) Um crime de fraude fiscal qualificada, p .p. pelos arts. 103°, n° 1, als. a) e b) e 104°, n°2 ai b) e n°3 do R. G.I.T. (rendimentos do ano de 2013).
- A sociedade T... incorreu na prática de:
a) Um crime de fraude fiscal qual f cada, p .p. pelos arts. 8°, 103°, n° 1, ai a) e 104°, n°s 2 als. a) e b) e 3 do R. G. L T, com referência ao art. 19° do CIVA.
- Os arguidos C... e P... cometeram, em co-autoria material (aquele na qualidade de administrador de facto da sociedade T... e esta enquanto responsável pela facturação desta sociedade):
a) Um crime de fraude fiscal qualificada, p .p. pelos arts. 103°, n° 1, al b) e 104° n ° 2 als. a) e b) e 3 do R. G.I. T. com referência ao art. 19º do CIVA.
- Os arguidos C..., C... e P... cometeram, em co-autoria e em concurso real (relativamente aos fundos retirados da T... a título de rendimentos não declarados à Administração Fiscal):
a) Um crime de fraude fiscal qualifïcada, p .p. pelos arts. 103°, n° 1, als. a) e b) e 104° n ° 2 als. a) e b) e n°3 doR.G.I.T.;
b) um crime de branqueamento de capitais, p.p. pelo art. 368°A, n° 1, n° 2, n° 3 e n° 4 do C. Penal.
Perante a descrição das ocorrências processuais cumpre agora saber, em primeiro lugar, se estamos perante uma omissão de despacho final por parte do M° P° quanto aos factos trazidos a estes autos pela T... na sua queixa-crime e, em seguida, saber se, em caso afirmativo, essa omissão configura uma nulidade insanável do artigo 119° al. b): falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 48°, ou nulidade sanável do artigo 120° n° 2 al d): insuficiência de inquérito por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios ou, perante uma mera irregularidade processual.
Como é sabido, o nosso processo penal assenta numa estrutura acusatória - artigo 32.° n° 5 da CorrstituiÇc-o da República Portuguesa.
Daqui resulta que o inquérito é a única fase legalmente prevista destinada, especificamente, a investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas - artigo 262.0, n° 1 do Código Processo Penal. Por sua vez a direcção do inquérito é, por força dos artigos 53°, n° 2 e 263° do CPP e sem prejuizo dos actos da competência exclusiva do juiz de instrução a que se referem os artigos 268° e 269° do mesmo diploma, encontra-se conferida ao Ministério Público.
«O princípio acusatório ( ..) é um dos princípios estruturantes da constituição processual penal. Essencialmente, ele significa que só se pode ser julgado por um crime precedendo acusação por esse crime por parte de um órgão distinto do julgador, sendo a acrrsaçí o condição e limite do julgamento. Trata-se de uma garantia essencial do julgamento independente e imparcial. Cabe ao tribunal julgar os factos constantes da acusação e não conduzir oficiosamente a investigação da responsabilidade penal do arguido (princípio do inquisitório). (..).» Gomes Canotilho e Vital Moreira In Constituição da República Portuguesa Anotada Volume 1, Coimbra Editora, 2007, a página 522.
Assim, encerrado o inquérito (ressalvadas as hipóteses previstas para os crimes particulares - artigos 50° e 285° - e para as situações especiais a que aludem os artigos 280° e 281° do Código Processo Penal), o Ministério Público terá de decidir quanto aos factos objecto de investigação e a participação nos mesmos de cada um dos agentes sobre a qual aquela foi dirigida, proferindo despacho de arquivamento, na hipótese de ter sido recolhida prova bastante de se não ter verificado o crime, de o agrido não o ter praticado a qualquer título ou de ser inadmissível o procedimento ou se não tiver sido possível obter indícios suficientes da verificação do crime ou de quem foram os seus agentes - artigo 277°, n°s 1 e 2 do CPP - ou, deduz acusação,. caso tenham sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado o crime e de quem foi o seu agente - artigo 283 ° do CPP.
Das normas e princípios acima enunciados resulta claro que é o Ministério Público quem tem legitimidade para promover o processo penal e que uma ver aberto inquérito o mesmo tem de ser encerrado com despacho de arquivamento, dedução de acusação ou despacho de suspensão provisória (artigos 48°, 262°, 267° e 276° e 281° todos do CPP).
Resulta claro, também, que a decisão quanto ao encerramento do inquérito quanto a todos os factos, crimes e investigckão é um acto processual obrigatório que não está na disponibilidade do Ministério Público omitir.
Cumpre dizer, ainda, que seja qual for a decisão do Ministério Público (de arquivamento ou de acusção, a mesma encontra-se sujeita a controlo judicial através do recurso à fase da instrução.
Com efeito, estatui o n° 1 do artigo 286° do CPP que a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. No caso arquivamento do inquérito e não sendo requerida a instrução, o assistente ou o denunciante com a faculdade de se constituir assistente tem ao seu dispor outro mecanismo alternativo de controlo previsto no artigo 278° do Código Processo Penal, suscitando a intervenção do superior hierárquico do Magistrado do Ministério Público, para que este determine que seja formulada acusação ou que as investigações prossigam.
Nesta conformidade, havendo omissão quanto ao acto processual em causa, estaremos perante um vício processual formal.
Do encadeamento dos actos processuais acima descritos resulta claro que o Ministério Público não tomou posição quanto aos indícios do alegado crime de abuso de confiança perpetrado pelo arguido R.... Com efeito, logo no primeiro despacho do M° P° P. 48 no dia 2-5-2013) é dito que existem indícios de uma retirada injustificada de fundos das sociedades T… e P..., por parte do arguido R..., para a esfera patrimonial deste e que esses indícios são susceptíveis de configurarem um crime de abuso de confiança p e p pelo art° 205° n° 1 e 4 al. b) do CP. Assim, ao contrário do referido pelo M° P° a fls. 1545, nos presentes autos não estavam em causa apenas ilícitos de natureza fiscal e branqueamento de capitais perpetrados entre 2012 e 2013 pelos arguidos acusados mas, também, um crime de abuso de confiança alegadamente cometido pelo arguido R... quanto às transferências de fundos da T... para as suas contas pessoais e da arguida A....
Cumpre referir, também, que, ao contrário do referido pelo M° P° a fls. 1546, os factos constantes da queixa-crime apresentada pela T… em 6-11-2015, não chegaram ao conhecimento do titular da acção penal apenas em 6-11-2015 mas, pelo menos 2 de Maio de 2013, na medida em que, como já dissemos, no despacho do M° P° defls. 48 a 50 é feita referência a essa factualidade. (auto de denúncia de p. 21 a 25).
Há que dizer, ainda, que a factualidade relativa a um eventual crime de abuso de confiança cometido pelos arguidos R... e A..., para além da indiciação inicial indicada pelo próprio M° P°, produziu efeitos processuais nestes autos. Come feito, foi proferida uma medida cautelar de garantia patrimonial - arresto preventivo - que teve como causa de pedir a indiciação de factos susceptíveis de configurarem um crime de abuso de confiança cometido pelos arguidos R... e A..., medida essa que se mantém em vigor e a correr termos por apenso aos presentes autos.
Por último, há que dizer, mais uma ver ao contrário do dito pelo M° P° a fls. 1546, a factualidade relatada na queixa-crime da T… não é diversa da que se encontrava em investigação nos presentes autos, mas sim a mesma factualidade, embora com diferente qualificação jurídica. Há que dizer que foi a factualidade descrita na queixa-crime da T... que foi dada como indiciada na decisão que decretou o arresto apenso a estes autos.
Na verdade, o facto objectivo é o mesmo, ou seja, as transferências bancárias de contas tituladas pela sociedade T… para contas tituladas por A… e R..., que totalizaram 4.096.495,11 €.
Na acusação, conforme resulta dos artigos 179 e seguintes, foi considerado que as transferências da T... e da P… para a esfera patrimonial de R... e A…, nos anos de 2012 e 2013, nos montantes líquidos de 314.460,00€ e 2.406.956,17€, respectivamente, dos quais apenas 9.625,00€ no ano de 2012 e 8.870,11€ no ano de 2013 são referentes a vencimentos. O recebimento daquelas quantias a título de vencimentos é tributado, em sede de IRS, como rendimentos de trabalho dependente (categoria A).
O restante montante recebido pelos ar Vidos foi um adiantamento por conta de lucros, porquanto foi na qualidade de accionistas e administradores da Sociedade T... que R... e A… tiveram acesso aos mesmos, configurando assim rendimentos de capital (categoria E), que os arguidos não declararam Autoridades Fiscais e que estão sujeitos a retenção na fonte e à aplicação de uma taxa liberatória de 28/prct..
Os arguidos estavam obrigados a declarar em sede de IRS os rendimentos de capitais a título de adiantamento por conta de lucros que auferiram no ano de 2012, no montante de 304.835,00€e no ano de 2013 no montante de 2.398.086,06€,
Os arguidos sabiam que se encontravam obrigados a declarar aqueles rendimentos à autoridade tributária e não o fizeram com o propósito de auferirem vantagens patrimoniais e que ao citem desse modo causavam prejuizo à Fazenda Nacional
Deste modo, de acordo com a acusação, estes factos são susceptíveis de configurar um crime de fraude fiscal por ter considerado que as transferências em causa foram feitas a título de vencimentos e adiantamentos por conta de lucros não declarados ao fisco.
Por seu lado, do ponto de vista da queixosa T... esse mesmo facto, ou seja, as transferências feitas das contas da T... para as contas bancárias dos arguidos R... e A..., consistiram numa apropriação indevida enquanto administradores da T....
Assim sendo, conclui-se que a factualidade objectiva é a mesma e só poderá configurar uma das duas situações, ou estaremos perante transferências realizadas a título de vencimentos e adiantamento de lucros não declarados (fraude fiscal), ou perante uma apropriação de quantias monetárias por parte dos administradores (abuso de confiança). O mesmo dado objectivo não pode configurar as duas situações, tanto mais que isso conduziria a uma contradição de julgados e a uma violação do princípio do ne bes in idem.
O princípio do ne bis in idem radica na figura do caso julgado e proíbe a instauração de um segundo procedimento ao mesmo sujeito pelo mesmo objecto e com o mesmo fundamento.
Este princípio tem assento no n° S do art. 29° da Constituição, que estabelece que «ninguém pode ser julgado mais do que uma ver pela prática do mesmo crime».
Trata-se de uma disposição que preenche o núcleo fundamental de um direito: o de que ninguém pode ser duplamente incriminado e punido pelos mesmos factos sob o império do mesmo ordenamento jurídico.
Sobre a densificação do conceito de mesmo crime podemos ler na Constituição da República Portuguesa anotada, de Gomes Canotilho e Vital Moreira, em anotação a esta norma, que ele tem de obter-se recorrendo aos conceitos jurídico -processuais e jurídico-materiais.
Esta garantia constitucional deve ser vista como da proibição da dupla perseguição penal do indivíduo, estendendo-se, portanto, não apenas ao julgamento em sentido formal, mas, também, a qualquer outro acto processual que signifique uma definitiva assunção valorativa por parte do Estado sobre determinado facto penal, como seja o arquivamento do inquérito pelo Ministério Público ou a decisão de não pronúncia pelo Juiz de instrução Criminal e a declaração judicial de extinção da responsabilidade criminal por amnistia, por prescrição do procedimento criminal ou por desistência da queixa.
A este propósito veja-se Henrique Salinas, in Os Limites Objectivos do ne bis in idem (Dissertação de Doutoramento - Fevereiro de 2012), página, 686, “a preclusão, contudo, não diz apenas respeito ao que foi conhecido, pois também abrange o que podia ter sido conhecido no processo anterior. Para este efeito, teremos de recorrer aos poderes de cognição do acto que procedeu à delimitação originária do processo, a acusação em sentido material, tendo em conta um objecto unitário do processo. Desde logo, como neste acto não existe qualquer limitação à qualificação jurídica dos factos no mesmo descritos, pode concluir-se que não é possível a instauração de novo processo que os tenha por objecto, diversamente qualificados. De igual modo, neste acto podiam ter sido conhecidos factos que traduzem uma alteração, substancial ou não substancial, dos que nele foram incluídos, uma ver que, em qualquer dos casos, estamos ainda dentro dos limites do mesmo objecto processual. Por esta ratão, não é possível a instauração de novo processo que os tenha por objecto.».
No mesmo sentido, temos os Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.07.2013, disponível in www.dgsi.pt, O que se proíbe é um mesmo e concreto objecto do processo possa fundar um segundo processo penal, entendendo-se aqui por crime não um certo tipo legal abstractamente definido como crime mas, outrossim, um comportamento espácio-temporalmente determinado, um determinado acontecimento histórico, um facto naturalístico concreto ou um pedaço de vida de um indivíduo já objecto de uma sentença ou decisão que se lhe equipare, mas independentemente do nomemiurris que lhe tenha sido ou venha a ser atribuído, no primeiro ou no processo subsequentemente instaurado. Quer dizer, o que verdadeiramente interessa é o facto e não a sua subsunção jurídica».
Tendo em conta o caso concreto, ou seja os factos investigados nestes autos e os constantes da queixa-crime que deu origem ao inquérito n° 6134/ 15.8TDLSB, é notório, que tem-se em vista a apreciação dos mesmos comportamentos espácio temporalmente determinados, embora com uma diferente qualificação jurídica. Para além da identidade dos factos existe também uma identidade dos arguidos.
Esta situação configura a excepção dilatória de litispendência, por força da aplicação subsidiária das regras do processo civil prevista no artigo 4.° do CPP. Com efeito, de acordo com as regras do processo civil a litispendência apresenta-se como excepção dilatória (cfr. art. ° 577. °, alínea i), de conhecimento oficioso do tribunal, que pressupõe a identidade dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir (art. ° 581 ° do CPC).
Deste modo, no inquérito n° 6134/ 15.8TDlSB, não poderá, em nosso entender, ser proferida outra decisão que não seja uma decisão de absolvição da instância por força do artigo 576° n° 2 do CPC exi art° 4° do CPP.
Em face do exposto, conclui-se que o Ministério Público, nos presentes autos, não se pronunciou sobre o destino do inquérito relativamente ao crime de abuso de confiança nem sobre os factos trazidos ao seu conhecimento pela T..., factos esses que, em certa medida, já eram do conhecimento do titular da acção penal desde o dia 2-5-2013 (fls. 48ss), ou seja, o Ministério Público não se pronunciou sobre o desfecho do inquérito quanto àqueles 11/d os.
Como já vimos acima, decorre do artigo 48°, do Código de Processo Penal, que compete ao Ministério legitimidade para promover o processo penal, com as restrições dos artigos 49° a 52°, do mesmo diploma.
O Ministério Público, titular da acção penal, promove-a, oficiosamente, (nos crimes públicos), mediante queixa (nos crimes semi públicos) e constituição de assistente e dedução que acusação particular (nos crimes particulares), sendo que o inquérito termina com um acto do Ministério Público, que toma uma das posições previstas no artigo 276°, n°1 do CPP: de arquivamento (nas modalidades previstas no artigo 277° do CPP) ou de acusação.
Em face do exposto, conclui-se que, no caso concreto o facto do M° P° não ter tomado posição, no final do inquérito, quanto ao crime de abuso de confiança imputado aos arguidos R... e A... configura uma omissão de um acto processual obrigatório. A ausência de tomada de posição por parte do M° P°, nomeadamente arquivando nesta parte, quanto ao alegado crime de abuso de confiança, inviabiliza o exercício do direito da lesada, com a faculdade de se constituir assistente, T…, na medida em que nessa parte não lhe será possível requerer a abertura de instrução e submeter ao controlo judicial essa omissão.
Assim, não é indiferente ao lesado, com a faculdade de se constituir assistente, conhecer a posição que o Ministério Público assumiu perante todos os factos que denunciou, tenham a natureza que tiverem. Só, assim, estará em condições ponderar a sua decisão: a) a de acusar ou não acusar em relação aos crimes particulares; e b) de tomar posição em relação do despacho final de arquivamento ou de acusação.
Note-se que, em caso de arquivamento, o assistente pode requerer a abertura de instrução, nos termos do artigo 287°, n°, 1, alínea b), do Código de Processo Penal.
Como sabemos, a instrução não é actividade materialmente policial ou de averiguações - DIAS, Figueiredo in 'Jornadas de Processo Penal, ed. do CEJ, pg. 32 e segs. - e, também por isso, não se destina a suprir a falta de inquérito, que nunca poderia suprir pela razões antes explanadas, pois à instrução apenas compete controlar a existência de indícios do crime denunciado em ordem à pronuncia (havendo indícios de que uma certa pessoa praticou factos considerados crime) ou não pronúncia (não havendo indícios), e não investigar se foi ou não praticado, por certa pessoa ou não, um dado facto que é crime.
Permitir que o Juiz, com a abertura da instrução, investigue a existência de um crime que o M°P° não quis fazer ou sobre o qual não tomou posição era subverter o princípio do acusatório e assim defraudar a Constituição (art° 32° CRP). Como já dissemos, a investigação dos crimes compete ao M°P° (art°s 262° e 263° CPP) e não ao M° JIC.
Uma vez aqui chegados, cumpre saber qual a natureza do vício cometido pelo M° P° ao não tomar posição quanto ao crime de abuso de confiança, assim como quais os efeitos jurídico-processuais desse vício processual.
Na verdade, compete ao JIC, em sede de instrução, conhecer das nulidades cometidas durante o inquérito e invocadas pelo arguido ou assistente nos termos prevenidos no art. ° 308° n.°3 CPP.
A lei não fornece um conceito de nulidade. Refere porém que a violação ou inobservância das disposições legais do processo penal pode determinar a nulidade do acto mas apenas se esta for expressamente cominada na lei. (artigo 118° n° 1 do CPP).
No que diz respeito à insufuciência de inquérito a que se refere o art. ° 120°, n. °2 al. d) do CPP é pacifico que a mesma só se verificará com a falta de realização de actos impostos por lei ou definidos como obrigatórios ou necessários pela entidade que dirige o inquérito.
Assim, a omissão de diligencias não impostas por lei não determina a nulidade do inquérito por insuficiência pois a apreciação da necessidade dos actos de inquérito é da competência exclusiva do Ministério Público. O Ministério Público é livre, salvaguardados os actos de prática obrigatória e as exigências decorrentes do princípio da legalidade, de levar a cabo ou de promover as diligências que entender necessárias, com vista a fundamentar uma decisão de acusar ou de arquivar o inquérito e não determina a nulidade do inquérito por insuficiência a omissão de diligências de investigação não impostas por lei [Acórdão do Tribunal Constitucional 395/04 de 2.6.2004, DR 11 série de 9.10. 04, p. 14975).
No mesmo sentido, a omissão de diligências não impostas por lei não determina a nulidade do inquérito uma vez que, já o dissemos, a apreciação da necessidade dos actos de inquérito é da competência exclusiva do Ministério Público que detém a titularidade do inquérito, bem como a sua direcção, ex vi dos art. °s 262° e 263° do Código de Processo Penal, sendo este livre - dentro do quadro legal e estatutário em que se move e a que deve estrita obediência- art. °s 53° e 267° do Código Processo Penal - de promover as diligências que entender necessárias ou convenientes, com vista a fundamentar uma decisão de acusar ou de arquivar (cfr. Acórdão da Re/agro de Lisboa de 29-03-2007, no recurso penal n.° 1537/07).
Assim sendo, tendo em conta a situação em apreço, não nos parece que a omissão do M° P°, cometida no final do inquérito, quanto á falta de pronúncia do alegado crime de abuso de confiança, se enquadre na nulidade sanável do artigo 120° n° 2 al. d) do CPP. Com feito, dizemos aqui o dito no acórdão da Relação do Porto de 8-3-2017, proferido no processo n° 97/ 12.OGAVFK.• «Quando a lei se refere a um inquérito insuficiente, por falta da prática de actos legalmente obrigatórios, pressupõe logicamente que essa fase do processo chegou ao seu termo com a prolação do respectivo despacho final, embora com omissão de actos que eram obrigatórios. No caso do inquérito sem decisão final, a respectiva fase processual não fica completa. O processo não fica no estado de pendente, porque passou o momento processual próprio para a reali.¡ação das diligências invesfigatórias, mas também não fica findo com uma pronúncia expressa sobre o mérito dos indícios».
Nesta conformidade, a referida omissão configura a nulidade insanável do artigo 119° al. b) do CPP, na medida em que o M° P° não finalizou o inquérito quanto a um dos crimes violando, desse modo, a regra da obrigatoriedade da promoção do processo.
A situação em apreço assemelha-se à situação que deu origem à jurisprudência fixada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.° 1/2000, DR 06-01-2000: o Ministério Público, ao não deduzir acusação por crime público ou semipúblico devendo fazê-lo, viola o dever de promover a acção penal (...), o que constitui nulidade como expressamente prevê o artigo 119. °, n.° 1, alínea b), e não a simples irregularidade do artigo 123.
Com efeito, em ambas as situações, o que está em causa é a mesma omissão do acto proceswal próprio de promoção da acção penal.
Neste sentido veja-se o Acórdão da Relação de Guimarães de 30-11-2015: «No caso dos autos, e como já se disse, omitiu-se a pronúncia [de arquivamento, acusação ou outra (v.g suspensão provisória do processo)] sobre os crimes previstos e punidos pelos artigos 193°, 197° e 199°, do Código Penal (também denunciados pelo assistente), o que equivale à falta de promoção do processo, acto qualfcado como nulidade insanável pelo artigo 119° al. b), do Código de Processo Penal».
Ainda no mesmo sentido de que se trata de uma nulidade insanável vejam-se os seguintes acórdãos: TRP de 20JUN2012 (processo 35/ 10.5P6PRT A. P 1) e TRG de 30N0 V2015 (processo 471/ 13.5TAGMR. G 1) e 12JUL2016 (processo 679/ 14.6GCBRG-B. G1), todos em www.dgsi.pt.
Concluímos, assim, pela verificação nestes autos de uma nulidade insanável por falta de promoção do processo pelo Ministério Público razão pela qual, ao abrigo do disposto nos artigos 119° e 308° n° 3 do CPP, a declaramos.
Cumpre agora saber qual o efeito desta declaração de nulidade.
Nos termos do artigo 122.° do mesmo diploma, «as nulidades tomam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem de aquelas puderem afectar» (n.° 1), sendo que «a declaração de nulidade determina quais os actos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição (..)» (n.° 2), devendo o juiz ao declarar a nulidade, aproveitar «todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela» (n.° 3).
Conforme fazem notar os Conselheiros Simas Santos e Leal-Henriques (Código de Processo Penal anotado, 1 Volume, 2.° edição, Editora Rei dos Livros, 2003, p. 643), alcança-se de tal preceito a «consagração do princípio da economia processual, restringindo-se até onde for possível as consequências da declaração de nulidade do acto».
Importará, pois, nas palavras de João Conde Correia (Contributo para a análise da inexistência e das nulidades processuais, Studia Iuridica n.° 44, Coimbra Editora, 1999, p. 190), «verificar, em concreto, se a renovação do acto é imprescindível', uma vez que «o desenvolvimento do processo pode ter demonstrado a sua total inutilidade ou, pelo menos, que o acto é dispensável».
No caso concreto, o momento adequado para o Ministério Público tomar posição sobre desfecho do inquérito em relação a todos os crimes, objecto de queixa e denunciados, ocorre antes da notificação nos termos e para os efeitos, do artigo 283°, n °s 5, do Código de Processo Penal.
Reitere-se, que não é indiferente para o assistente, ou para o lesado com a faculdade de constituir assistente, conhecer a decisão do Ministério Público sobre todos os crimes que denunciou, até porque os factos que denunciou se entrecruzam e relacionam.
Só assim poderá ponderar e decidir a posição que há-de tomar em relação a cada um dos ilícitos denunciados: acompanhar ou não a ac'usação do Ministério Público (se a houver) nos termos do artigo 284°, do Código de Processo Penal, requerer a abertura de instrução ou intervenção hierárquica (conforme os casos), ou outra quem no seu entender por mais adequada.
No caso concreto, a T…, enquanto lesada no que concerne aos factos que denunciou, só poderá tomar posição quanto a esses factos se o M°P°, no despacho de encerramento de inquérito, tomar posição concreta quanto aos mesmos.
Nestes termos, a nulidade afecta todos os efeitos do acto processual de encerramento de inquérito, bem como os trãmites subsequentes dele dependentes (artigo 122. ° n.° 1 do Código do Processo Penal), devendo o procedimento ser retomado pelo Ministério Público, nos termos que o magistrado titular entender adequados.
Por fim, cumpre dizer que esta decisão em nada contende com a autonomia estatutária do Ministério Público prevista no artigo 221 ° da Constituição e nos artigos 10 e 2° do respectivo Estatuto (Lei n° 47/86, de 15OUT), uma ver que esta autonomia refere-se à relação orgânica do M° P° com os demais órgãos da administração do Estado. Para além disso, o Ministério Público, enquanto sujeito processual, não está imune ao dever de obediência às decisões judiciais quando a determinação se coloca na relação entre o juiz e um sujeito do processo e não na relação orgânica entre o Ministério Público e o tribunal, enquanto instituições com atribuições legais distintas. Esta decisão enquadra-se, deste modo, no âmbito da relação processual de autoridade que se estabelece entre o juiz e os sujeitos do processo.
Por todo o exposto, a omissão por parte do Ministério Público do despacho final de encerramento do inquérito quanto ao crime de abuso de confiança e quanto aos factos denunciados pela queixosa constitui a nulidade insanável do artigo 119° al b), de falta de promoção do processo nos termos do artigo 48°
Em consequência, declaro a nulidade de todos os actos processuais a partir do despacho de encerramento do inquérito, incluindo este despacho, e ordeno a remessa do processo ao Ministério Público a quem competirá suprir a nulidade com a prática dos actos que considerar adequados
Notifique. sendo pessoalmente os arguidos que não se encontram presentes a esta leitura.»
2. A questão de mérito a decidir, centra-se essencialmente em saber se é ou não de manter a decisão do Ex.mo JIC, que declarou nulo o inquérito, por falta de promoção do Ministério Público, no tocante ao crime de abuso de confiança quer quanto aos factos denunciados pela queixosa T....
Para melhor compreensão da questão impõe-se, ainda, consignar que:
Em relação ao primeiro (crime de abuso de confiança) e pese embora não conste da presente certidão a promoção de fls. 48 a 49 (do processo principal) aludida na douta decisão recorrida, que temos por assente que aí se menciona estarem em causa crimes de abuso de confiança e de fraude fiscal, pois a recorrente não alude especificamente a esta promoção mas ao despacho fls. fls. 51 a 54, proferido em 02/05/2013), referindo que «as saídas de fundos da sociedade para contas pessoais dos seus administradores pode consubstanciar a prática de um crime de abuso de confiança ou de fraude fiscal enquanto crimes precedentes do crime de branqueamento de capitais».
E em relação à denúncia enfatizar que a mesma foi - como referido na douta decisão - apresentada pela arguida T....
E que no RAI, os recorrentes invocam três nulidade no Inquérito, ou no limite, uma irregularidade que compromete a decisão acusatória mas em parte alguma aludem ao crime de abuso de confiança.
Assim, a primeira nulidade no Inquérito, ou no limite, uma irregularidade que compromete a decisão acusatória, consistiria em ter sido desanexada participação criminal da T…, deduzida contra R... e A…, visto serem os factos constantes da acusação proferida nos presentes autos referirem-se ao mesmo dinheiro que a T… afirmou ser seu em sede da sobredita participação criminal contra R... e A…, e que terá sido por estes apropriado criminosamente - pontos 86 a 102.
Nessa participação criminal imputa a TEC II aos arguidos R... e por A..., a prática de ilícitos penais, nomeadamente do crime de Furto Qualificado, p. e p. no art. 203° n° 1 e art. 204° n° 2 a) do CP, com referência ao art. 202° b) do CP e do crime de Infidelidade, p. e p. no art. 224° do CP» porquanto enquanto R... Gonçalves Delgadinho e por A... foram acionistas e administradores da sociedade, apropriaram-se criminosamente de dinheiro que pertencia à sociedade e requerendo a Queixosa requerido o respetivo seguimento do procedimento criminal. - cf. ponto 25, 82, 83 e 84 do RAI
A segunda nulidade do Inquérito, ou, no limite, irregularidade, que determina a nulidade da acusação» resultaria da omissão de não ter a TEC II, por si ou através do seu mandatário constituído sido notificados de qualquer despacho de desanexação do procedimento criminal que deduziu em sede dos presentes autos, salientando o facto de aquela naquela ter sido deduzida a referida participação crime, como requerida a sua constituição como assistente. - pontos 103 a 105.
E a terceira o de se encontrar apenso aos presentes autos um Arresto Preventivo deduzido pela T…, mas o processo crime (queixa-crime desencadeada pela T…) que está subjacente a tal procedimento cautelar foi desanexado dos presentes autos. - pontos 106 a 112.
Nessa peça processual termina-se requerendo que seja «declarada aberta a Instrução
1) - E conhecer e declarar as nulidades no Inquérito supra invocadas, ou no limite, qualificá-las como irregularidade que comprometem a decisão acusatória, e impõem a reabertura do inquérito a fim de sanar os invocados vícios.
2) - Declarar que o pedido de perda a favor do Estado das quantias arrestadas carece é nulo, ou, no limite, não tem qualquer fundamento legal e como tal não deverá ser admitido.
Caso se entenda que os fundamentos invocados têm pertinência em sede do procedimento previsto no arte 278° n° 2 do CPP, requer-se a conformação dos autos, adequando-os à reclamação hierárquica, uma vez que a T… é denunciante, tendo requerido a sua qualidade de assistente nos presentes autos».
2.1.- Como se constata, no douto despacho recorrido depois de descritas as ocorrência processuais que se tiveram por relevantes e de teorizar, sem reparo, acerca da competência do MP em inquérito e objectivos deste «é o Ministério Público quem tem legitimidade para promover o processo penal e que uma vez aberto inquérito o mesmo tem de ser encerrado com despacho de arquivamento, dedução de acusação ou despacho de suspensão provisória (artigos 48°, 262°, 267° e 276° e 281° todos do CPP) conclui-se que «a omissão por parte do Ministério Público do despacho final de encerramento do inquérito quanto ao crime de abuso de confiança e quanto aos factos denunciados pela queixosa constitui a nulidade insanável do artigo 119° al. b), de falta de promoção do processo nos termos do artigo 48° ».
Salvo o devido respeito, pelos fundamentos esgrimidos, não nos parece que a argumentação vertida no douto despacho sob censura possa proceder.
Como se sabe, a falta de promoção do processo pelo Ministério Público, tem se aferir, no que para o caso, interessa, por relação aos crimes a que são subsurníveis os factos de que há noticia.
Na sua base esteve uma comunicação do BES, por via das regras de prevenção do branqueamento de capitais, dando conta da operação bancária de transferência para contas na Suíça relativa à conta titulada por A..., na qual figura como procurador R... e foi com base nesses factos que o MP promoveu as investigações, que culrninaram na dedução de despachos de arquivamento e de acusação nos termos do disposto nos art. 277° e 283° do C.Proc.Penal.
Ora, parece-nos, em consonância com a posição expendida pela recorrente no seu recurso, que «a circunstância de numa fase embrionária do processo o Ministério Público referir que as saídas de fundos da sociedade para contas pessoais dos seus administradores podem consubstanciar a prática de um crime de abuso de confiança ou de fraude fiscal enquanto crimes precedentes do crime de branqueamento de capitais, não impõe que, findas as investigações, e concluindo-se como se concluiu que a factualidade denunciada e em particular aquelas saídas de fundos da sociedade integram a previsão do crime de fraude fiscal qualificada» que o MP, de forma expressa, «determine o arquivamento dos autos relativamente ao alegado crime de abuso de confiança.
Tanto mais, que, como também argumenta a recorrente «o mesmo facto
saídas de fundos para contas pessoais dos administradores de direito (R... e A...) - não pode consubstanciar a prática de ambos os ilícitos criminais - fraude fiscal qualificada e abuso de confiança - e porque a acusação pelo crime de fraude fiscal qualificada - nos termos em que foi deduzida nos autos = exclui desde logo a imputáção do crime de abuso de confiança não se impunha ao Ministério Público que proferisse despacho de arquivamento pelo crime de abuso de confiança, o que seria uma redundância jurídica.
O que vale por dizer «que atenta a definição do objecto processual constante da acusação não se encontra verificada a alegada omissão de pronúncia do Ministério Público relativamente ao alegado crime abuso de confiança.»
Tão pouco se impunha que o MP no despacho final de encerramento do inquérito se pronunciasse quanto aos factos denunciados pela queixosa (cf. queixa fls. 153 ss da presente certidão), na medida em que o MP - que enquanto dominas do inquérito, cabe determinar ou não a apensação ou separação de inquéritos e respectivas investigações - por despacho proferido em 09/11/2011, ordenou que a mesma fosse presente ao Exm°. Senhor Director do DCIAP com o parecer de que deveria ser remetida ao DIAP - Lisboa por os crimes ali denunciados - furto e infidelidade - não serem da competência do DCIAP e as investigações em curso nestes autos se encontrarem em fase de conclusão (fls. 152), tendo o Senhor Director do DCIAP em 11.11.2015 exarado a fls. 151, despacho de concordância, ordenando a remessa dos autos ao DIAP de Lisboa, que que ali foi registada e distribuída como Inquérito com o Nuipc 6134/15.8 TDLSB, o que representa, para todos os efeitos, uma forma de promover o processo relativamente aquela queixa.
A circunstância de como se retira da douta decisão de arresto fls. 192-198, ter sido determinada a apensação do incidente de arresto ao inquérito NUIPC 77/13.9TELSB, em nada altera aquela conclusão.
_ Pelo que se vem de dizer e sem necessidade de mais considerações, conclui-se pela inverificação da nulidade insanável de falta de promoção do processo, a implicar o provimento do recurso.
III- DECISÃO
Face ao que precede, acorda-se em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, e em consequência revogar o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro, processualmente pertinente e que tenha em conta o acima exposto.
Sem tributação.
(Elaborado em computador. Revisto pela Relatora, a 1° signatária).
Lisboa, 15 de Novembro de 2017
Maria Elisa Marques
Adelina Barradas Oliveira
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