Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - ACRL de 06-12-2017   Interdição. Parecer especializado da perita nomeada.
I – Não se encontrando insofismavelmente demonstrado nos autos que o Requerido, devido a anomalia psíquica grave, se mostra absolutamente incapaz de governar as suas pessoas e bens, não é juridicamente viável – com os elementos reunidos no processo, insista-se – decretar a sua interdição.
II – Não tendo a recorrente apresentado razões, de carácter técnico que sejam minimamente suficientes para colocar verdadeiramente em crise o parecer especializado da perita nomeada nos autos, o mesmo é de corroborar.
Proc. 23196/11.1T2SNT.L1 7ª Secção
Desembargadores:  Luís Espírito Santo - Conceição Saavedra - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Assunto: Inabilitação decretada em vez da pedida interdição do requerido.
Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa ( 7ª Secção ).
I - RELATÓRIO.
Intentou SIMSAP a presente acção de interdição contra JMMS. Alegou essencialmente:
O requerido é seu irmão.
No dia 11 de Dezembro de 2010, o requerido sofreu um acidente de viação, do qual resultaram lesões que determinaram a sua total incapacidade para reger a sua pessoa e bens, apresentando o requerido dificuldades de locomoção e dificuldades em entender o que o rodeia e em estabelecer um discurso normal e fluente.
A sua recuperação está comprometida, razão pela qual a sua situação é irreversível e deixa-o, para o futuro e para sempre, dependente de terceiros.
Conclui, pedindo se decrete a interdição do requerido.
Recebida a petição, procedeu-se à afixação de editais e à publicação de anúncio.
Foi tentada a citação do requerido (fls. 71) e nomeado curador provisório o seu tio, o qual foi igualmente citado para os termos da presente acção.
Atenta a sucessão de leis no tempo e a entrada em vigor do NCPC (2013) foi dispensada a realização de interrogatório ao requerido.
O requerido foi submetido a exame pericial cujos resultados constam do relatório de fls. 73-80, complementados com o relatório de fls. 225 e ss., com os esclarecimentos de fls. 258 e ss..
Realizou-se audiência de julgamento.
Foi proferida sentença que julgou a presente acção parcialmente procedente, em consequência, decidiu:
a) decretar a inabilitação do requerido JMMS, fixando como data do começo da incapacidade o dia 11 de Dezembro de 2010;
b) entregar ao curador a administração do património do requerido, devendo o mesmo ser mantido a par das decisões que a este respeitem e ser ouvido antes de as mesmas serem tomadas;
c) determinar que o inabilitado não poderá alienar os seus bens, a qualquer título, não poderá adquirir bens ou contrair dívidas e não poderá dispor dos seus rendimentos pagos por terceiros, podendo, não obstante testar, perfilhar e exercer conjuntamente o poder paternal;
d) deferir ao curador a prática ou autorização dos actos de administração e de aquisição vedados ao inabilitado, bem como a gestão dos seus rendimentos,.
Nomeou curador ao inabilitado o seu tio GAM.
Para comporem o conselho de família, designo AMGP (amigo do requerido) e MCM (companheira do requerido) e o Ministério Público.
(cfr. fls. 286 a 290).
Por despacho de 319 a 321 foi reformada a sentença passando a nomear-se curador ao inabilitado o seu tio GAM. Para composição do Conselho de Família foram designados MCM (companheira do requerido) que exercerá igualmente as funções de protutora e a requerente SIAP (irmã do requerido) e o Ministério Público.
Apresentou o A. recurso desta decisão, o qual foi admitido como de apelação (cfr. fls. 319).
Juntas as competentes alegações, a fls. 297 a 310, formulou a apelante as seguintes conclusões:
1. Vem o presente Recurso de Apelação interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou a acção parcialmente procedente, e em consequência, decidiu o seguinte:
II. Decretar a Inabilitação do Requerido JMMS, fixando como data do começo da incapacidade o dia 11 de Dezembro de 2010; Entregar ao curador a administração do património do Requerido, devendo o mesmo ser mantido a par das decisões que a este respeitem e ser ouvido antes de as mesmas serem tomadas; Determinou que o inabilitado não poderá alienar os seus bens, a qualquer título, não poderá adquirir bens ou contrair dívidas e não poderá dispor dos seus rendimentos pagos por terceiros, podendo, não obstante testar, perfilhar e exercer conjuntamente o poder paternal; Deferiu ao curador a prática ou autorização dos actos de administração e de aquisição vedados ao inabilitado, bem como a gestão dos seus rendimentos.
III. Nomeou curador ao inabilitado o seu tio GAM.
IV. Para compor o Conselho de Família, designou AMGP (amigo do Requerido) e MCM (companheira do Requerido) e o Ministério Público.
V. Face aos factos alegados pela Requerente/Recorrente e à prova produzida nos autos, impunha-se decretar a interdição ao Requerido.
VI. A douta Sentença recorrida, salvo melhor e mais douta opinião, e com o devido respeito que nos merece, viola séria e gravemente os direitos que assistem ao Requerido.
VII. A questão que importava ser decidida pela Douta Sentença recorrida consistia em determinar se o Requerido se encontra, como consequência de um acidente, incapacitado para reger a sua pessoa e bens e, em caso afirmativo, em que medida.
VIII. Neste sentido, nos termos do disposto no art.° 640° do CPC, deve a Recorrente explanar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo, que impunham decisão diversa da recorrida quanto aos pontos da matéria de facto impugnados.
IX. O Requerido JMMS sofreu um acidente de viação no dia 11 de Dezembro de 2010.
X. Em consequência do mesmo resultaram lesões que determinaram total incapacidade para reger a sua pessoas e bens, apresentando o Requerido dificuldades de locomoção e dificuldades em entender o que o rodeia e de estabelecer um discurso normal e fluente.
XI. A recuperação do Requerido está, reconhecidamente, comprometida, sendo a sua situação clinicamente irreversível deixando o mesmo, para o futuro e para sempre, dependente de terceiros.
XII. Foram afixados os respectivos editais e a publicação do anúncio.
XIII. Foi tentada a citação do Requerido e nomeado como curador provisório o seu tio, o qual foi citado para os termos da presente acção.
XIV. O Requerido foi submetido a Relatório Pericial Psiquiátrico, o qual considerou que o mesmo não apresenta os pressupostos médico-legais conducentes a uma interdição, mas sim da inabilitação.
XV. A Requerente/Recorrente notificada do conteúdo do Relatório Pericial Psiquiátrico, não concordando com o conteúdo do mesmo, apresentou as suas reclamações e pedido de esclarecimentos do mesmo.
XVI. Os esclarecimentos solicitados foram julgados pertinentes pelo Ministério Público, o qual promoveu que se solicitasse à Exma. Perita que se pronunciasse sobre os esclarecimentos pretendidos.
XVII. A Senhora Perita veio prestar os esclarecimentos solicitados, de forma quase telegráfica, quanto ao conteúdo.
XVIII. O Tribunal a quo notificou a Requerente/Recorrente para vir prestar informações necessárias para a decisão relativa à constituição do Conselho de Família, nomeadamente, qual a relação que AMGP e MCGM, indicados para integrar o Conselho de Família, têm com o Requerido, tão pouco tendo sido indicado quem deve exercer as funções de protutor.
XIX. A Requerente/Recorrente veio prestar as informações solicitadas, requerendo que o Conselho de Família fosse composto pela mesma e por MCM, actuando esta última como protutora.
XX. O Ministério Público veio promover que nada tinha a opor à nomeação da Requerente como tutora e que não se opunha que MC integrasse o Conselho de família como protutora. Mais promoveu que a Requerente/ Recorrente fosse notificada para esclarecer a razão da não indicação do tio materno, curador provisório, para integrar o Conselho de Família.
XXI. Notificada para prestar os esclarecimentos, a Requerente/Recorrente veio informar os autos que apenas aceitava ser vogal do Conselho de família, e não Tutora, devendo ser nomeado tutor o curador provisório, e que a MC deveria integrar o Conselho de Família como protutora.
XXII. O Ministério Publico manifestou a sua não oposição à composição do Conselho de Família proposta pela Requerente/Recorrente.
XXIII. Notificada para esclarecer se mantém como propósito que seja decretada a interdição ou se altera no sentido de ser declarada a inabilitação, a Requerente/Recorrente veio então, fundamentadamente, informar que pretendia o prosseguimento dos autos para o decretamento da interdição.
XXIV. Pretendendo o prosseguimento dos presentes autos, a Requerente/Recorrente foi notificada para apresentar o Requerimento probatório, o que o fez.
XXV. O Tribunal a quo proferiu sentença decretando a inabilitação do Requerido JMMS, nomeando como curador o seu tio GAM, e para comporem o Conselho de Família o AMGP e MCM e o Ministério Público.
XXVI. A Prova Pericial, junta aos autos, é composta por relatórios médicos e pelo exame pericial.
XXVII. A Recorrente nada tem a acrescentar ou opor relativamente aos relatórios médicos juntos aos autos.
XXVIII. Já quanto ao exame pericial realizado pela Ilustre Perita nomeada pelo Tribunal, não se conformou com o seu teor, apresentando reclamação do mesmo, solicitando que a Ilustre Perita viesse esclarecer como seria possível concluir que o examinando, apresentando um quadro clinico compatível com o diagnóstico de lesão cerebral, nomeadamente, perturbação mental não especificada devido a uma disfunção cerebral e a uma doença física, com uma incapacidade significativa e permanente, poderia ter condições para testar.
XXIX. Sérias e fundadas dúvidas, por quem acompanha diariamente o irmão, se levantaram quanto à possibilidade do examinado conseguir manter-se envolvido, qual o valor que as suas opiniões, os seus pontos de vista na tomada das decisões ao nível patrimonial, de saúde, ao nível afectivo, e, ainda, na escolha da pessoa para seu curador, uma vez que o grau cognitivo e funcional é gritantemente insuficiente.
XXX. A Ilustre Perita, nos seus doutos esclarecimentos, remeteu a Requerente/Recorrente para a consulta de um artigo publicado na Revista Lex Medicinae, sobre capacidade testamentária, sendo assim esclarecida!!!!! Sobre os critérios que deverão ser tidos em conta para avaliação de tal capacidade sendo certo que tal pode ser avaliado inclusivamente após a morte do indivíduo, em sede de autópsia psicológica.
XXXI. A Requerente/Recorrente sentiu-se indignada com a resposta aos esclarecimentos solicitados, porquanto não tem conhecimentos na área médica, nem acesso às revistas da especialidade.
XXXII. Salvo o devido respeito por opinião contrária, a Senhora Perita não veio esclarecer com base em que dados/factos é que decidiu da capacidade do examinando para testar.
XXXIII. A própria Perita referiu no exame pericial que o examinando não colaborou na entrevista, permanecendo sempre calado, mesmo quando solicitado a verbalizar a sua opinião, nunca falou, se bem que em algumas alturas acenasse afirmativamente ou negativamente.
XXXIV. Podemos fazer esta pergunta: se o examinado não verbalizou qualquer palavra durante a entrevista, como a Ilustre Perita pode vir dizer que o examinando respondeu (acenando) que gostaria de manter a capacidade de decisão relativamente a certos aspectos, nomeadamente, quanto à sua saúde, ao casamento e ao testamento.
XXXV. Apresentando o examinando um quadro clinico de lesão cerebral, nomeadamente, Perturbação Mental não especificada devido a uma disfunção cerebral e a uma doença física, e não tendo o mesmo verbalizado qualquer palavra durante a entrevista, é lícito à Requerente/Recorrente questionar-se se os acenos afirmativos ou negativos efectuados pelo examinando correspondiam, efectivamente, a um sim ou a um não. Bem como, se o examinando quando acenava no sentido afirmativo, se tinha a completa consciência que era um sim que pretendia transmitir, o mesmo se verificando em sentido oposto.
XXXVI. As mesmas interrogações poderão vir a ser colocadas nos esclarecimentos prestados pela Senhora Perita relativamente ao 2° pedido de esclarecimento.
XXXVII. A Senhora Perita veio responder nos esclarecimentos o seguinte: Quanto ao património, e apesar de considerarmos que mantém capacidade testamentária, considerámos que o mesmo não apresenta, pelo menos por ora, capacidade para governar globalmente o património, devendo por isso ser estimulado a manter-se envolvido nas decisões que se relacionem com o seu património e despesas correntes. Quer isto dizer que competirá ao Curador a gestão global do património, sobretudo nas questões mais sensíveis /prct.u complexas, devendo, contudo, manter o examinando a par das decisões, e tentando sempre que as mesmas sejam atingidas por «consenso».
XXXVIII. A Requerente/Recorrente interroga-se como poderão ser tomadas decisões por consenso com uma pessoa que se remete ao silêncio, apenas acenando com a cabeça?
XXXIX. E mais, a Ilustre Perita veio referir que Afectivamente, deverá ser supervisionado de perto, procurando-se na medida do possível respeitar mais do que a sua opinião, o seu ponto de vista, acrescentando que, tal como também salientou é sempre difícil e deve ser pautada por bom senso razoabilidade.
XL. Como alguém poderá manifestar o seu ponto de vista, sem verbalizar o mesmo? Será apenas suficiente um acenar com a cabeça ou gesticular de outra forma. E será que o examinando ao acenar num sentido, tem a plena consciência do significado do seu aceno. Na verdade, não o sabemos, nem o poderemos saber por o mesmo não verbalizar palavras.
XLI. Com efeito, o exame pericial e os esclarecimentos prestados pela Ilustre Perita são inconclusivos e insuficientes, gerando várias interrogações, o que não permite a tomada de uma decisão conscienciosa e ponderada pelo Tribunal a quo.
XLII. A decisão proferida pelo Tribunal a quo encontra-se, única e exclusivamente, fundamentada no exame pericial realizado por considerar que o mesmo fornece os elementos suficientes para a decisão da causa.
XLIII. A Requerente/Recorrente discorda pelos fundamentos e pelas interrogações colocadas supra.
XLIV. Assim, deverá a presente decisão ser revogada e substituída por outra que determine que o presente processo prossiga para a fase de julgamento, com a inquirição das testemunhas arroladas e, bem assim, a realização de novo exame pericial.
XLV. O Tribunal a quo deveria ter designado data para a audiência de Julgamento com a inquirição das testemunhas, atempadamente, arroladas e com a realização de novo exame pericial ao Requerido JMMS.
XLVI. A alínea d) do número 1 e o número 4 do artigo 615° do Código de Processo Civil dispõe o seguinte: 1 - É nula a sentença quando: (...) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
XLVII. Nos presentes autos foi proferida a Douta Sentença ora recorrida, que claramente apresenta uma falta de pronúncia sobre questões que o Tribunal deveria apreciar, e, consequentemente, revela-se manifestamente injusta, e com a qual a Requerente/Recorrente não se poderá conformar.
XLVIII. Na Douta Sentença recorrida fez-se uma insuficiente apreciação da prova produzida nos autos em apreciação, e por conseguinte, a decisão é injusta.
XLIX. O exame pericial apresenta várias incongruências, enunciadas pela Reclamação ao mesmo apresentado pela Requerente/Recorrente e doutamente sufragadas pelo Ministério Público, as quais não foram totalmente respondidas nos Esclarecimentos apresentados pela Senhora Perita.
L. As interrogações e incongruências do exame pericial subsistiram após a escassa e deficiente apresentação dos Esclarecimentos.
LI. Mal andou o Tribunal a quo ao omitir uma decisão, uma pronúncia sobre questões que devesse apreciar, e considerada provada e suficiente, o exame realizado ao Requerido.
LII. E, ainda, a Requerente/Recorrente notificada para vir esclarecer qual a relação que AMGP e MCGM, indicados para integrarem o Conselho de Família, têm com o Requerido, tão pouco tendo sido indicado quem deve exercer as funções de protutor.
LIII. A Requerente/Recorrente veio, em resposta à douta notificação, referir que a relação que o AMGP mantém com o Requerido é uma relação de amizade, mas que atendendo ao tempo decorrido desde o acidente de viação que o mesmo foi vítima, a relação de amizade e a interacção entre ambos tem sido cada vez menor. E que a MCM mantém-se bastante activa no apoio ao Requerido (era companheira dele).
LIV. Em conclusão que o Conselho de Família seja composto pela Requerente/Recorrente e pela MC, funcionando esta como protutora.
LV. Na sua promoção, veio o Ministério Público referir nada ter a opor à nomeação da Requerente para o cargo de tutora. Quanto à composição do Conselho de Família, nada tinha a opor a que MC integre o mesmo, como protutora, mas relativamente a António Pimpista e o alegado no requerimento, promoveu que se notificasse a Requerente para esclarecer a razão da não indicação do tio paterno do Requerido para integrar o Conselho de Família como vogal, nomeado nos autos como Curador provisório.
LVI. A Requerente/Recorrente veio em resposta esclarecer que apenas aceitava ser vogal do Conselho de família e não tutora do Requerido, devendo ser nomeado como tutor o tio materno do Requerido, já nomeador curador provisório nos autos. E que a MC deveria integrar o Conselho de Família como protutora.
LVII. Em resposta aos esclarecimentos apresentados pela Requerente/Recorrente, o Ministério Público veio referir nada ter a opor à composição do Conselho de Família proposta pela Requerente/ Recorrente.
LVIII. A Requerente/Recorrente veio propor ao Tribunal a quo que o Conselho de Família fosse composto por si, como vogal, pela Maria do Carmo, a qual exerceria as funções de protutora, e pelo seu tio paterno, o qual já exercia as funções de curador provisório nos autos.
LIX. Composição que mereceu a aprovação do Ministério Público.
LX. Mas o Tribunal a quo, na decisão que proferiu, designou para compor o Conselho de Família o AMGP (amigo do Requerido) e MCM (companheira do Requerido) e o Ministério Público.
LXI. Na sua decisão, o Tribunal a quo não apresentou qualquer justificação, nem fundamentação, nem nunca se pronunciou acerca da composição do Conselho de Família apresentada pela Requerente/Recorrente, a qual mereceu a aprovação do Ministério Público.
LXII. Mas sim, pelo contrário, designou para a composição do Conselho de Família, o amigo do Requerido e a sua companheira, em vez da Requerente/ Recorrente e da companheira do Requerido.
LXIII. O Tribunal a quo, ao designar os membros que compõem o Conselho de Família, omitiu a pronúncia sobre uma decisão que deveria tomar, ou seja, deveria ter-se pronunciado da sua razão de ciência para a não designação da aqui Requerente/Recorrente para a mesma ser vogal do Conselho de Família.
LXIV. Por ser manifesta a omissão de pronúncia do Tribunal a quo sobre uma questão que deveria ter proferido uma decisão, a decisão proferida pelo mesmo deverá ser declarada nula e substituída por outra, a qual designe a Requerente/Recorrente como vogal do Conselho de Família.
LXV. Devendo a presente decisão ser revogada e substituída por outra que determine que o presente processo prossiga para a fase de julgamento, com a inquirição das testemunhas arroladas e, bem assim, a realização de novo exame pericial.
Contra-alegou o Ministério Público conclui pela improcedência parcial da sentença proferida nos autos, quanto ao decretamento da inabilitação do requerido, e procedente quanto à composição do Conselho de Família, devendo ser substituída por outras que nomeie a recorrente como vogal do requerido ou justifique a nomeação de A... para o exercício de tal cargo.
II - FACTOS PROVADOS.
Foi dado como provado, em 1a instância, que:
a) O requerido J... nasceu a 16 de Fevereiro de 1970 e é filho de JAES e EMNMS;
b) Em 11 de Dezembro de 2010 o requerido sofreu um acidente de viação do qual resultou:
- TCE com hemorregia subaracnoideia e hemorregia intraventricular, sem hidrocefalia;
- fractura de múltiplos arcos costais à esquerda, fractura da clávúcula e omoplata homolaterais, hemopneumotórax e contusão pulmonar;
- fractura das apófises espinhosas C3, C6, C7, Dl, D-3 e apósfise transversa de C3, sem atingimento medular.
c) posteriormente foi internado na unidade de cuidados continuados da Encarnação - Lar Nostrum S.A., tendo em 21 de Novembro de 2011 sido transferido para o Centro de Reabilitação do Alcoitão, Unidade de Longa Duração e Manutenção de Charnais, em Aldeia Galega da Merceana.
d) Apresenta, em resultado das lesões sofridas no acidente:
- tetraparésia e lesão do plexo do braço esquerdo;
- mobiliza o braço direito mas com dificuldade na motricidade fina, necessitando de auxílio em actividades como alimentação, vestuário e higiene;
- consegue dar alguns passos com apoio e mobilizar a cadeira de rodas com pernas e braços, mas com muita dificuldade;
e) Apresenta-se pouco colaborante e com mutismo selectivo;
f) Tem perturbação mental não especificada devido a disfunção cerebral e doença física, devido a extensas sequelas do acidente de viação que o vitimou;
g) a extensão da sua incapacidade é significativa e permanente;
h) orienta-se no tempo e no espaço;
i) não tem capacidade para governar globalmente o seu património, nem para decidir da aceitação de tratamentos médicos, face à sua impulsividade e frustração, mas tem capacidade em entender estas questões devendo ser mantido a par destas;
j) mantém as capacidade cognitivas, não apresentando alterações do conteúdo do pensamento ou da percepção.
III - QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.
São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar:
1 - Prejudicialidade do conhecimento da questão respeitante à composição do Conselho de Família e arguição de nulidade da sentença com ela relacionada.
2 - Impugnação da decisão de facto.
3 - Da inabilitação decretada em vez da interdição. Fundamentos Passemos à sua análise:
1 - Prejudicialidade do conhecimento da questão respeitante à composição do Conselho de Família e arguição de nulidade da sentença com ela relacionada.
O despacho que determinou a reforma da sentença - nesta parte - proferido a fls. 319 a 321 e conferindo razão à ora recorrente, prejudicou naturalmente o conhecimento das questões suscitadas na apelação a este propósito, pelo que não haverá lugar ao mesmo.
Tal decisão veio precisamente ao encontro do pretendido pela ora apelante pelo que nessa parte deixa de fazer sentido o seu recurso.
No mesmo sentido, tal prejudicada a arguição de nulidade que, a esse propósito, suscitou.
2 - Impugnação da decisão de facto. Incumprimento das exigências legais. Rejeição.
Dispõe o artigo 640°, n° 1 do Código de Processo Civil, relativo ao ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão em matéria de facto:
Quando seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre questões de facto impugnadas.
Acrescenta o n° 2, alínea a), deste mesmo preceito:
Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevante .
Acontece que o A. recorrente, na apelação que apresentou, invocou de forma genérica e sem sistematização adequada a (pretensa) incorrecta apreciação da matéria factual por parte da 1a instância, resumindo vagamente os elementos de prova reunidos nos autos.
Não indica, porém, quais os concretos pontos da matéria de facto que pretende ver alterados e o sentido da resposta alternativa que, no plano puramente factual, propõe.
Atendendo à forma como estruturou e desenvolveu a sua impugnação, é manifesto que o recorrente não observou, neste tocante, as exigências legais impostas pelo transcrito artigo 640°, n° 1 do Código de Processo Civil.
Com efeito,
O apelante não mencionou, detalhadamente, ponto por ponto, quais os meios de prova incorrectamente valorados, que impunham, por isso mesmo, resposta diversa daquela que foi proferida; não apresentou as passagens da gravação em que funda o seu recurso, efectu ando a devida, clara e completa correspondência relativamente a cada um dos pontos de facto cuja modificação pretende; não indicou qual a decisão que deveria ter sido concretamente proferida relativamente a cada um dos pontos de facto impugnados.
De resto, não existe, verdadeiramente, na sua impugnação, uma análise crítica da prova produzida e registada por gravação, de molde a perceber-se, relativamente a cada um dos pontos de facto:
- quais os meios de prova que deveriam ter sido desvalorizados e não foram;
- quais os meios de prova que justificaram, pela positiva, resposta diversa da que foi proferida;
- quais as resposta que, no entender, da impugnante, deveriam ter sido proferidas a cada um dos ponto de facto em apreço.
A tarefa, a este propósito, exigida pelo legislador não é complexa.
Ao invés, teria sido simples e prático referenciar os pontos de facto que foram incorrectamente fixados, indicando-os especificadamente; explicando, de seguida, detalhadamente, em relação a cada um, quais os meios de prova deficientemente valorados, com transcrição do essencial do respectivo depoimento; concluindo, finalmente, pela fixação que, no entender da apelante, deveria ter-lhes sido conferida, um a um.
A recorrente não o fez, omitindo o comportamento processual que lhe era especialmente exigido neste particular.
Tal significa que a recorrente não actuou com observância das exigências impostas pelo artigo 640°, n° 1 e 2, do Código de Processo Civil, que constituem um imperativo incontornável no sentido da possibilidade de alteração do juízo de facto emitido.
Pelo que, reconhecendo razão ao apelado, não resta alternativa a este tribunal superior que não a rejeição do recurso quanto ã impugnação da decisão de facto.
3 - Da inabilitação decretada. Fundamentos
Escreveu-se na decisão recorrida:
Estabelece o artigo 138.°, n.° 1, do Código Civil que podem ser interditos do exercício dos seus direitos todos aqueles que, por anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira se mostrem incapazes de governar as suas pessoas e bens.
Por outro lado, determina o artigo 152.° do mesmo diploma que podem ser inabilitados os indivíduos cuja anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira, embora de carácter permanente, não seja de tal modo grave que justifique a sua interdição, assim como aqueles que, pela sua habitual prodigalidade ou pelo uso de bebidas alcoólicas ou de estupefacientes, se mostrem incapazes de reger convenientemente o seu património.
Dispõe o artigo 901.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, além do mais, que a sentença decreta, definitiva ou provisoriamente, a interdição ou a inabilitação, consoante o grau de incapacidade do requerido e independentemente de se ter pedido uma ou outra.
O que é perfeitamente compreensível uma vez que nos situamos no âmbitos dos processos de jurisdição voluntária, motivados e fundamentados em critérios de oportunidade.
Face ao estatuído nestes preceitos e encontrando-se assente que o requerido padece de perturbação mental, originada por disfunção cerebral e doença física decorrentes do acidente de viação, cumpre aferir se tal patologia se apresenta actual e permanente, bem como se se mostra incapacitante, isto é, de tal modo grave e profunda que a torne inapta para o governo da sua pessoa e bens - caso em que decretará a sua interdição -, ou se não apresenta gravidade que justifique a sua interdição - caso em que se decretará a inabilitação.
Analisando a matéria de facto considerada provada, verifica-se que o requerido entende na generalidade o que o rodeia, não estando as suas capacidades cognitivas afectadas significativamente. Não obstante, a sua disfunção cerebral e doença fisica, essas sim de carácter permanente, conferem-lhe uma incapacidade «significativa», tal como é referido no relatório pericial, posto que a sua autonomia e funcionamento social se encontram comprometidos e prejudicados.
Em consequência destas circunstâncias, o funcionamento social do requerido é pouco adaptativo, revelando até mutismo selectivo. Não é autónomo fisicamente, quer na locomoção, quer na higiene, alimentação e vestuário; carece de supervisão nas decisões médicas e medicamentosas, que não é capaz de gerir por eventual impulsividade.
Não obstante a deficiência de que padece, o requerido não se mostra totalmente incapacitado de gerir a sua pessoa e bens; contudo, não se encontra capaz de gerir globalmente o seu património.
Assim sendo, perante tais elementos de facto, cumpre concluir que o requerido não se encontra totalmente incapacitado, de reger a sua pessoa e os seus bens, assim se não verificando todos os requisitos estatuídos no citado artigo 138.°, n.° 1, do Código Civil, pelo que se não decretará a respectiva interdição.
Encontrando-se assente que o requerido padece da indicada perturbação mental, a qual o impede, além do mais, de gerir o seu património e os seus tratamentos médicos etc., à luz ao disposto no supra citado artigo 152.° do Código Civil, há que decretar a respectiva inabilitação.
Apreciando:
Nos termos do artigo 899°, n° 1, do Código de Processo Civil:
Se o interrogatório, quando a ele haja lugar, e o exame do requerido fornecerem elementos suficientes e a acção não tiver sido contestada, pode o juiz decretar imediatamente a interdição ou inabilitação.
A presente acção de interdição não foi contestada.
Foi realizado relatório pericial psiquiátrico ao requerido JMMS, no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, pela Exma Sr' Dra SB, perita psiquiatra.
O respectivo relatório encontra-se junto a fls. 225 a 230 e dele consta designadamente que:
....ainda que estejam presentes deficits razoáveis ou significativos em algumas áreas, não pode ser afirmado existir completa e absoluta incapacidade irreversível; assim somos do parecer que o examinando não apresenta os pressupostos médico-legais conducentes a uma interdição, o que por si só arriscaria até ao prejuízo da necessária estimulação cognitiva e da necessária reabilitação-integração social, baixando a auto-estima e aumentando a dependência.
(...) Não tendo capacidade para governar globalmente o seu património deve ser estimulado a manter-se envolvido nas decisões que se relacionem com o seu património e despesas correntes.
Solicitada a prestar esclarecimentos a mesma Exma Sra perita referiu
a fls. 260: ...estamos perante uma situação de mutismo selectivo e em que, apesar da fraca colaboração, houve, de facto, comunicação entre o examinando e a perita. Nesse sentido, foi possível à perita avaliar algumas capacidades cognitivas e a vontade do examinando, sendo certo que os psiquiatras estão devidamente treinados para fazer tais avaliações em doentes não colaborantes ou em mutismo, além de que a mudez não constitui critério para a inabilitação e muito menos para interdição.
Afigura-se-nos, nesta medida, que os autos forneciam os elementos suficientes para a prolação de decisão de mérito, não se justificando o seu prosseguimento.
Em conformidade com o exame pericial realizado nos autos e dada a indiscutida qualificação da perita médica que o realizou e os esclarecimentos que sinteticamente - é certo - forneceu, os autos não habilitam outra conclusão jurídica que não o decretamento da inabilitação do requerido, em vez da pedida interdição.
Não se encontrando insofismavelmente demonstrado nos autos que o requerido, devido a anomalia psíquica grave, se mostra absolutamente incapaz de governar as suas pessoas e bens, não é juridicamente viável - com os elementos reunidos no processo, insista-se - decretar a sua interdição.
Não apresentou a recorrente razões de carácter técnico ou científico que sejam minimamente suficientes para colocar verdadeiramente em crise o parecer especializado da perita nomeada nos autos que, nesses termos, é de corroborar.
Não se verifica, ainda, qualquer vício de nulidade na sentença recorrida que analisou suficientemente toda a matéria que importava conhecer, havendo decidido em conformidade.
Pelo que a presente apelação terá forçosamente que improceder.
O que se decide, sem necessidade de outras considerações ou desenvolvimentos.
IV - DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo A.
Lisboa, 6 de Dezembro de 2017.
Luis Espirito Santo,
Conceição Saavedra,
Cristina Coelho.
V - Sumário elaborado nos termos do artigo nº 663°, n° 7; do Cod. Proc. Civil.
I - Não se encontrando insofismavelmente demonstrado nos autos que o requerido, devido a anomalia psíquica grave, se mostra absolutamente incapaz de governar as suas pessoas e bens, não é juridicamente viável - com os elementos reunidos no processo, insista-se - decretar a sua interdição.
II - Não tendo a recorrente apresentado razões, de carácter técnico ou científico que sejam minimamente suficientes para colocar verdadeiramente em crise o parecer especializado da perita nomeada nos autos, o mesmo é de corroborar autos, o mesmo é de corroborar. (o relator Luís Espírito Santo.)
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