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 - ACRL de 02-11-2017   Prestação de alimentos. Regulamento (ce) n.° 4 do conselho. Fundo de garantia de alimentos.
1. Um dos meios previstos na ordem jurídica portuguesa para tomar efectiva a prestação de alimentos é precisamente o Regulamento (CE) n.° 4 do Conselho, de 18 de Dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares – Instrumento jurídico directamente aplicável quando estão em causa dois Estados membros da União, sendo a criança cidadão nacional de um desses Estados, tendo sido proferida decisão por um Tribunal de um desses Estados acerca da regulação do exercício da responsabilidades parentais relativamente a essa criança e fixada pensão de alimentos.
2. Sem se fazer valer do mecanismo jurídico de efectivação da pensão de alimentos prevista no Direito Comunitário, direito este directamente integrador do ordenamento jurídico português, não se pode fazer intervir o Fundo de Garantia de Alimentos.
Proc. 15390/13.7T2SNT-A.L1 8ª Secção
Desembargadores:  Maria Alexandrina Branquinho - António Valente - -
Sumário elaborado por Margarida Fernandes
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
Proc.° n.° 15390/13.7T2SNT-A.L1
C... veio interpor recurso de decisão proferida em incidente de incumprimento de prestação de alimentos em que figura como requerente, sendo requerido S....
No requerimento em que deduz o incidente, a requerente invoca que, no processo de regulação das responsabilidades parentais, o requerido ficou obrigado a pagar alimentos ao filho de ambos no montante de €100,00 por mês, a partir de Junho de 2013.
A requerente diz, ainda, que o requerido não pagou as prestações respeitantes aos meses de Junho de 2013 a Junho de 2015 e, também, as dos meses de Outubro e Dezembro de 2015 e de Janeiro de 2016 a Abril do mesmo ano.
Alegando prementes necessidades do filho e, que a última morada que conhece do progenitor é em 468 R..., L 2200 no Luxemburgo, a requerente pede que, caso seja confirmada residência do requerido naquele país, seja accionado o FGADM.

Eis o teor da decisão recorrida: «No presente incidente de incumprimento em que é requerente C... e requerido S..., mostrando-se o requerido ausente no estrangeiro, como decorre do teor do requerimento inicial, a cobrança coerciva dos alimentos deverá ter lugar ao abrigo dos mecanismos ou procedimentos internacionais destinados a efectivar tal cobrança, a desencadear junto da DGAJ enquanto Autoridade Central.
Atento o referido circunstancialismo, não se mostrando viável o funcionamento do art. 48° do RGPTC, nem admissível eventual intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos, na medida em que não se demonstra a inviabilidade da cobrança coerciva dos alimentos, impõe-se o arquivamento dos autos.
Pelo exposto, ordeno o arquivamento dos autos.
Custas pela requerente».

No recurso que interpôs daquela transcrita decisão, a apelante concluiu as suas alegações da forma que segue:
1. Encontra-se preenchido o requisito previsto na 2a parte da alínea a) do n°1 do art. 3° do DL n° 164/99 de 13 de Maio, ou seja, não ser possível a satisfação pelo credor das quantias em dívida, pelas formas previstas no art. 189° da O.T.M. (48° do RGPTC).
2. Ainda que o devedor de prestações de alimentos resida no estrangeiro, tal não inviabiliza que o FGA suporte as prestações de alimentos devidas a menor.
3. O meio previsto no art. 48° do RGPTC é um meio específico de cobrança que só atinge os rendimentos auferidos pelo devedor, sendo que para atingir outros bens do mesmo, ter-se-á de seguir pela acção executiva e inerente penhora.
4. Encontram-se preenchidos todos os pressupostos do art. 1° da Lei 75/98 de 19/11 e art. 3°, n°1, al. a) do DL n° 164/99 de 13/05, devendo assim, citado o Requerido, ser verificado o incumprimento e, promovidas as diligências necessárias e respectivo inquérito, ser fixado o montante da prestação de alimentos que o Estado, através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, deve prestar ao menor em substituição do requerido.
5. A impossibilidade da satisfação pelo devedor das quantias em dívida, enquanto requisito para que o Estado, através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGDAM) suporte as prestações de alimentos devidos a menor residente em Portugal, traduzindo a necessidade de uma tutela urgente e eficaz a cargo do Estado, verifica-se quando da factualidade provada resulta que não é viável com o recurso a procedimento previsto no art. 48° do RGPTC obter a cobrança coerciva das prestações alimentares vencidas e vincendas (incidente de descontos intra-processual).
6. Não é requisito da lei (Lei n° 75/98 de 19/11 e DL n° 164/99 de 13/5) - para que o Estado pague através do FGADM a prestação devida pelo obrigado alimentos - que seja impossível a cobrança coerciva mediante recurso a uma acção executiva, quer em sede de execução especial por alimentos, quer em sede de cobrança de alimentos de estrangeiro, ao abrigo de Convenção Internacional (v. g. da Convenção de Nova Iorque de 20-06-1956) ou de instrumento normativo comunitário (Regulamento (CE) n° 4/2009 de 18/12/2008 ).
7. A decisão recorrida violou as disposições constantes do art.° 24.°, n.° 1, e 69.°, n.°s 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa e os arts.° 1.° e 3°, n.° 4, da Lei n.° 75/98, de 19/11, e art.° 3.°, n.° 1, e 9.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 164/99, de 13/5.
Nestes termos e nos mais de direito do douto suprimento de V. Exas., na qual desde já se louva a Recorrente, deverá ser julgado procedente o presente recurso e, consequentemente, revogada a douta decisão recorrida na parte em que ordenou o arquivamento do processo, substituindo-a por outra que declare verificado o incumprimento e, promovidas as diligências necessárias e respectivo inquérito, venha a ser fixado o montante da prestação de alimentos que o Estado, através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, deve prestar ao menor em substituição do requerido, com o que farão V.Exas. a costumada e tão necessária Justiça!

O M.P. contra alegou, concluindo conforme segue:
1. Quando da fixação da pensão de alimentos, o progenitor residia e trabalhava no Luxemburgo, sendo conhecido o seu domicílio.
2. Situação que se verificava quando da instauração do incidente de incumprimento.
3. A requerente nunca encetou qualquer diligência tendente à cobrança de alimentos no país da União Europeia onde o progenitor das crianças reside e trabalha, nomeadamente através dos mecanismos previstos no âmbito do direito comunitário a saber Regulamento (CE) n.° 4 do Conselho, de 18 de Dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares.
4. O artigo 1 ° da lei 75/98 de 19 de Novembro (Garantia de alimentos devidos a menores) tem que ser entendido numa leitura sistemática, actualizada, harmónica e unitária de todo o ordenamento jurídico, como aliás preconiza o artigo 9° do Código Civil.
5. O Regulamento (CE) n.° 4 do Conselho, de 18 de Dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares é norma integradora do ordenamento jurídico Português. O regulamento tem caráter geral, é vinculativo em todos os seus elementos e diretamente aplicável, devendo ser integralmente respeitado por todas as entidades às quais é aplicável (particulares, Estados-Membros, instituições da União). É diretamente aplicável por todos os Estados-Membros desde a sua entrada em vigor (na data por ele estabelecida ou, à falta dela, no vigésimo dia que se segue à sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia) sem que deva ser objeto de um ato nacional de transposição. O regulamento visa garantir a aplicação uniforme do direito da União em todos os Estados-Membros. Simultaneamente, torna não aplicáveis quaisquer normas nacionais que sejam incompatíveis com as disposições materiais nele contidas. In http://www.europarl.europa.eu. Sob pena de na ordem jurídica portuguesa o direito comunitário ser letra morta.
6. Numa leitura unitária do sistema jurídico, como determina o artigo 9° do Código Civil são pressupostos de intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos: a. Que a pessoa obrigada a prestar alimentos não satisfaça as quantias em divida; b. Que a criança permaneça em território nacional; c. Que a satisfação das quantias não seja obtida através dos meios jurídicos legalmente admissíveis vigentes na ordem jurídica portuguesa a fim de tornar efectiva a prestação de alimentos; d. Que o alimentando não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) e. Que o alimentando não beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre
7. Um dois meios previstos na ordem jurídica portuguesa para tornar efectiva a prestação de alimentos é precisamente o Regulamento (CE) n.° 4 do Conselho, de 18 de Dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares.
8. Instrumento jurídico directamente aplicável quando estão em causa dois estados membros da União, sendo a criança cidadão nacional de um desses Estados, tendo sido proferida decisão por um tribunal de um desses Estados acerca da regulação do exercício da responsabilidades parentais relativamente a essa criança e fixada pensão de alimentos.
9. Mal se entende que a recorrente pretenda, sem se fazer valer do meio de tornar efectiva a pensão de alimentos prevista no Direito Comunitário, direito este directamente integrador do ordenamento jurídico português, fazer intervir o Fundo de Garantia de Alimentos.
10. A ser assim, que responsabilização a do pai que tem meios de sustento, mas que por ser residente noutro pais comunitário que não Portugal, numa Comunidade que prevê a livre circulação e residência de pessoas, se vê eximido das suas obrigações?
11. Que sentido tem a existência de uma ordem jurídica Comunitária onde se prevê uma interligação e execução recíprocas das decisões tomadas nos Tribunais de cada país membro no que à matéria de alimentos respeita?
12. E nem se diga que este meio de recurso é mais moroso e que por tal é menorizado o direito da criança a ver satisfeito, atempadamente, o seu direito a sustento.
13. Como aferir da morosidade de um procedimento de direito comunitário que ainda nem sequer se accionou e que é prévio à intervenção cuja celeridade se propugna?
14. Sendo certo que, infelizmente, a prática dita que bem morosa é a obtenção daquela análise pelos serviços competentes da situação económica do agregado em que a criança se insere!
15. Como bem refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.04.2015 proferido no âmbito do processo 1201/13.7T2AMD-B: Havendo instrumentos jurídicos relativos à cobrança de alimentos no estrangeiro, estes devem ser accionados e, só no caso de se comprovar a impossibilidade de cobrança, ou então, ser especificamente comprovada a demora na cobrança por esses meios, é que o FDGADM deve ser chamado a intervir , não se podendo, aqui invocar sem mais a demora só pelo facto de o obrigado residir no estrangeiro, sob pena de se desvalorizar ou ignorar em absoluto os instrumentos jurídicos que o Estado Português subscreveu/ratificou sobre a matéria e, por isso, fazendo também parte integrante do nosso sistema jurídico.
16. A requerente pode e deve accionar os meios legalmente admissíveis no ordenamento jurídico Português para tomar efectiva a pensão de alimentos a que a criança tem direito, o que está por realizar.
17. Mostrando-se estes meios ineficazes está verificado um dos pressuposto previsto no artigo 1° da lei 75/98 de 19 de Novembro - a saber, A pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.° do Decreto-Lei n.° 314/78, de 27 de Outubro
Deve assim ser mantida a decisão recorrida.
Vossas Excelências decidirão

Se bem que sobre a matéria relacionada com a questão suscitada pela apelante não haja uma posição jurisprudencial dominante, o certo é que entendemos que a decisão apelada não merece qualquer reparo.
Com efeito, quer o entendimento da 1.a instância, quer a tese defendida pelo M.P. nas suas contra alegações, estão em consonância com o Acórdão do STJ de 30.04.2014 (www.dgsi.pt) a que aderimos.
Entendeu-se em tal Acórdão do STJ: «A questão a decidir reveste alguma simplicidade e, como bem observa o Acórdão recorrido, consiste em saber se não residindo em Portugal o pai incumpridor e havendo notícia de que vive e trabalha no estrangeiro, o FGADM pode ou não pode ser chamado a intervir sem antes ter sido accionado e esgotado o procedimento administrativa de cobrança de alimentos no estrangeiro.
As instâncias convergiram na decisão que proferiram, ainda que o Acórdão recorrido tenha merecido um voto de vencido, sendo que o presente recurso só tem a sua razão de ser, por se verificar o condicionalismo previsto na alínea d) do n°2 do art. 629 do CPC, ou seja, oposição de acórdãos das Relações, sobre aquela questão fundamental de direito que, aqui, é agora suscitada nesta sede.
Conforme já se referiu no precedente relatório, mas que para efeitos de um melhor enquadramento da questão em causa, se volta repetir o circunstancialismo ocorrido. Não tendo sido apurados rendimentos do pai em Portugal foi proferido o seguinte despacho: Uma vez que o requerido não aufere rendimentos em Portugal, mas trabalha em Cabo Verde, informe a requerente que deve dirigir-se à DGAF para acccionar os mecanismos legais para cobrança de alimentos no estrangeiro.
(...) a requerente veio pedir a intervenção do FGAM, sobre o qual recaiu o seguinte despacho: O FGAM só pode intervir depois de verificada a impossibilidade de cobrança coerciva da pensão de alimentos (artigo 1° da Lei n° 75/98 de 19.11). O requerido reside em Cabo Verde.
Como já se disse no despacho de 10.02.2014, cabe à requerente acionar os mecanismos legais para cobrança da pensão de alimentos no estrangeiro. Só depois de comprovado nos autos que a requerente não conseguiu dessa forma o pagamento da pensão de alimentos é que poderá intervir o FGAM visto que nessa altura estará demonstrado aquele requisito legal . Assim por ora indefiro a intervenção do FGAM. Foi contra este despacho que surgiu o presente recurso.
Feito este enquadramento fáctico- processual vejamos:
Dispõe-se no art.° 1.° da Lei n.° 75/98, de 19 de Novembro - Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.° do Decreto-Lei n.° 314/78, de 27 de outubro, e o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efetivo cumprimento da obrigação.
Como se diz no Acórdão Uniformizador proferido a 19.03.2015 no Proc. n° 252/08.8TBSRP-B-A.E1.S1-A fixado o regime do exercício das responsabilidades parentais, o seu incumprimento, na vertente da prestação de alimentos pelo progenitor que não tem a guarda do menor, alcança-se coercivamente através do incidente de incumprimento previsto no art. 189 ° da OTM, aprovada pelo DL 314/78 de 27 de Outubro, preceito de feição executiva que e estabelece unicamente os meios de tornar efectiva a prestação e não comporta qualquer mecanismo de alteração do valor da prestação mensal fixada.
E acrescenta que o incumprimento do devedor originário funciona, pois, como pressuposto justificativo da intervenção subsidiária do Estado, só nascendo a obrigação do FGADM após decisão judicial proferida naquele incidente que o vincule ao pagamento da prestação.
Ou seja, o incumprimento do obrigado à prestação de alimentos tem estar comprovado no mencionado incidente, para justificar a intervenção do FGADM.
No caso dos autos, o facto de o obrigado à prestação de alimentos residir no estrangeiro, mais propriamente na República de Cabo Verde, configura, per si, uma situação de incumprimento e justifica a intervenção do FCADM?
Como dá nota o Acórdão recorrido sobre a matéria existem divergências jurisprudências que exemplificou com o Ac. da Relação de Lisboa de 9/7/2014 proferido no proc. 2704/09 e os Acórdãos da Relação de Coimbra de 2012/10/9 no proc. 105/05 e de 2012/12/11, proc. 46/09.3, este último junto como Acórdão Fundamento, cuja certidão está junta a fls.128 a 133, acórdãos estes no sentido da posição da recorrente.
Em sentido contrário, na Relação de Guimarães, os acórdãos de 2012/6/14, proc. 4269/07 e de 2013/5/7, proc. 4360/08 - todos acessíveis na base de dado da DGSI.
Nesta polémica jurisprudencial desde já se adianta que optamos pelos fundamentos explanados no Acórdão recorrido, quando este concluiu que as formas coercivas de alimentos previstas no citado art. 189 da OTM devem ser conjugadas com os instrumentos jurídicos relativos a cobrança no estrangeiro, desde que, por essa via, seja possível atingir-se o fim em vista, sendo que relativamente à intervenção do FGDAM, nos caso de execução de alimentos no estrangeiro, só se justifica quando accionado o mecanismo de cobrança no estrangeiro ele se mostre infrutífero ou especificamente demorado.
Sublinhe-se que no domínio da prestação de alimentos a menores, não se pode ignorar a existência de várias convenções sobre a matéria de execução de alimentos.
A este respeito o art. 27° n° 4 da Convenção dos Direitos da Criança estatui: Os Estados partes tomam todas as medidas adequadas tendentes a assegurar a cobrança da pensão alimentar devida à criança, aos seus pais ou de outras pessoas que tenham a criança economicamente a seu cargo, tanto no seu território quanto no estrangeiro. Nomeadamente quando a pessoa que tem economicamente a seu cargo vive num Estado diferente do da criança, os Estados Partes devem promover a adesão a Acordos Internacionais ou a conclusão de tais acordos, assim como a adopção de quaisquer medidas julgadas convenientes
Entre esses Acordos e Convenções destaca-se: Convenção para a Cobrança de Alimentos no Estrangeiro de Nova Iorque (1956) aprovada e ratificada pelo Decreto- lei n° 45942 de 28.09.de 1964 visando resolver o problema humanitário que se levanta para as pessoas carecidas de alimentos cuja tutela se encontre no estrangeiro da Convenção Relativa ao Reconhecimento e Execução de Decisões em Matéria de Prestação de Alimentos a Menores de Haia (24/10/1956 aprovada para ratificação pelo DL n° 246/71 de 3 de Junho) ou do Regulamento (CE) 4/2009 (2008)
E, no que, aqui, interessa também o Acordo de Cobrança de Alimentos celebrado entre Portugal e Cabo Verde aprovado pelo Diário do Governo n° 45/ 84 de 3 de Agosto, publicado na I Série n° 179 de 3.08.1984.
Seguindo o entendimento sufragado pelo Acórdão recorrido temos que os procedimentos coercivos com vista à prestação de alimentos contemplados no citado art. 189 da OTM, têm de ser conjugados com os instrumentos jurídicos relativos à cobrança de alimentos no estrangeiro, não se podendo, por isso, concluir-se pela impossibilidade de cobrança dos alimentos estrangeiros, só pelo facto de o incumpridor residir no estrangeiro, conforme parece entender a aqui recorrente.
Havendo instrumentos jurídicos relativos à cobrança de alimentos no estrangeiro, estes devem ser accionados e, só no caso de se comprovar a impossibilidade da cobrança, ou, então, ser especificamente comprovada a demora na cobrança por esses meios, é que o FGDAM deve ser chamado a intervir, não se podendo, aqui, invocar sem mais a demora só pelo facto do obrigado residir no estrangeiro, sob pena de se desvalorizar ou ignorar em absoluto os instrumentos jurídicos que o Estado Português subscreveu/ ratificou sobre a matéria e, por isso, fazendo também parte integrante do nosso sistema jurídico.
No caso dos autos o incumpridor não aufere rendimentos em Portugal, mas trabalha em cabo Verde.
Acontece, no entanto, que entre Portugal e a República de Cabo Verde existe Acordo em matéria de execução de alimentos, conforme acima se referenciou, o qual em primeira linha deve ser acccionado com vista a obter o pagamento dos alimentos em falta,
Só não se conseguindo o pagamento dos alimentos por essa via e seja devidamente comprovada essa impossibilidade ou, que se verifique, utilizando essa via, uma demora excessiva e desproporcionada para a cobrança, é que o FGDAM é chamado para intervir nos termos da citada Lei n° 75/98 de 19. 11.
Significa que à luz do entendimento que, ora, se preconiza, antes de se avançar para a intervenção do FGDAM, como pretende a recorrente, devem, antes, serem accionados os procedimentos previstos no referido Acordo e a sua intervenção só ocorrerá se no processo for comprovada a impossibilidade de obter os alimentos pela via do citado Acordo, ou então, se verificar também que o accionamento desses procedimentos implique uma demora excessiva e desproporcionada.
É, por tudo isto que não merce censura o entendimento que fez vencimento no Acórdão recorrido».

Reforça-se, aqui, o entendimento seguido no Acórdão do STJ acima referido, com as razões apresentadas pelo M.P. com vista à confirmação da decisão da 1.a instância: «Atentemos na letra do artigo 1° da lei 75/98 de 19 de Novembro: 1 - Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.° do Decreto-Lei n.° 314/78, de 27 de outubro, e o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efetivo cumprimento da obrigação. 2 - O pagamento das prestações a que o Estado se encontra obrigado, nos termos da presente lei, cessa no dia em que o menor atinja a idade de 18 anos.
Esta leitura implica, também e primeiramente que onde se lê - no artigo 189.° do Decreto-Lei n.° 314/78, de 27 de outubro, actualmente se entenda artigo 48 do RGPTC; implica igualmente que o artigo seja entendido numa leitura unitária de todo o ordenamento jurídico português, tomando em conta que o regulamento comunitário - Regulamento (CE) n.° 4 do Conselho, de 18 de Dezembro de 2008 - é norma integradora do ordenamento jurídico Português. Sob pena de na ordem jurídica portuguesa o direito comunitário ser letra morta. A União Europeia tem personalidade jurídica e como tal a sua ordem jurídica própria, que é distinta do Direito internacional. Além disso, o Direito da UE tem um efeito direto ou indireto nas legislações dos Estados-Membros e toma-se parte integrante do sistema jurídico de cada Estado-Membro. A União Europeia é em si mesma uma fonte de Direito. A ordem jurídica divide-se habitualmente em direito primário (os Tratados e os princípios jurídicos gerais), direito derivado (baseado nos Tratados) e direito complementar. (...)
O regulamento tem caráter geral, é vinculativo em todos os seus elementos e diretamente aplicável, devendo ser integralmente respeitado por todas as entidades às quais é aplicável (particulares, Estados-Membros, instituições da União). É diretamente aplicável por todos os Estados-Membros desde a sua entrada em vigor (na data por ele estabelecida ou, à falta dela, no vigésimo dia que se segue à sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia) sem que deva ser objeto de um ato nacional de transposição.
O regulamento visa garantir a aplicação uniforme do direito da União em todos os Estados-Membros. Simultaneamente, torna não aplicáveis quaisquer normas nacionais que sejam incompatíveis com as disposições materiais nele contidas. In http://www.europarl.europa.eu
Aqui chegados analisemos os pressupostos de intervenção do Fundo de Garantia de alimentos devidos a Menores como previsto no artigo 1° da lei 75/98 de 19 de Novembro.
Refere o artigo: Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.° do Decreto-Lei n.° 314/78, de 27 de outubro, e o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efetivo cumprimento da obrigação.
Resulta assim numa leitura unitária do sistema jurídico como determina o artigo 9° do Código Civil que são pressupostos de intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos: 1. Que a pessoa obrigada a prestar alimentos não satisfaça as quantias em divida; 2. Que a criança permaneça em território nacional; 3. Que a satisfação das quantias não seja obtida através dos meios jurídicos legalmente admissíveis vigentes na ordem jurídica portuguesa a fim de tomar efectiva a prestação de alimentos; 4. Que o alimentando não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) 5. Que o alimentando não beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.
Um dos meios previstos na ordem jurídica portuguesa para tomar efectiva a prestação de alimentos é precisamente o Regulamento (CE) n.° 4 do Conselho, de 18 de Dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares.
Instrumento jurídico directamente aplicável quando estão em causa dois Estados membros da União, sendo a criança cidadão nacional de um desses Estados, tendo sido proferida decisão por um Tribunal de um desses Estados acerca da regulação do exercício da responsabilidades parentais relativamente a essa criança e fixada pensão de alimentos.
Mal se entende que a recorrente pretenda, sem se fazer valer do mecanismo jurídico de efectivação da pensão de alimentos prevista no Direito Comunitário, direito este directamente integrador do ordenamento jurídico português, fazer intervir o Fundo de Garantia de Alimentos. A ser assim, que responsabilização a do pai que tem meios de sustento, mas que por ser residente noutro pais comunitário que não Portugal, numa Comunidade que prevê a livre circulação e residência de pessoas, se vê eximido das suas obrigações?
Que sentido tem então a existência de uma ordem jurídica Comunitária onde se prevê uma interligação e execução recíprocas das decisões tomadas nos Tribunais de cada país membro no que à matéria de alimentos respeita?»

A argumentação do M.P. é sólida, está apoiada em ajustada interpretação do direito e justifica as perguntas que, quase a final, coloca sobre o que é a responsabilidade dos progenitores e como deve funcionar a ordem jurídica comunitária.
Afigura-se-nos que a grande preocupação da apelante é que a via para a cobrança dos alimentos indicada na decisão recorrida seja morosa e que, por isso, constitua um prejuízo para seu filho.
Todavia, aquela morosidade não está demonstrada e não temos meios para a presumir.
No que diz respeito à suscitada inconstitucionalidade, não se vê em que medida a aplicação de um Regulamento do Conselho que contém matéria que integra o ordenamento jurídico português possa bulir com os direitos constitucionais da criança.
Face ao exposto, acordam os juízes da secção cível em negar provimento ao recurso e, consequentemente, em confirmar a decisão recorrida.
Custas a cargo da apelante que do seu pagamento está dispensada.
Lisboa, 2 de Novembro de 2017
Maria Alexandrina Branquinho
António Valente
Ilídio Sacarrão Martins
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