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 - ACRL de 16-11-2017   Tutela. Responsabilidades parentais.
Nos termos do art. 1921, n°l, do C.Civil, o menor está obrigatoriamente sujeito a tutela se os pais houverem falecido, se estiverem inibidos do poder paternal quanto à regência da pessoa do filho, se estiverem há mais de seis meses impedidos de facto de exercer o poder paternal e se forem incógnitos.
No caso dos autos o pai da menor vive na mesma zona em que vive a Recorrente e a menor. Não se verifica relativamente aos progenitores da menor, nomeadamente ao progenitor cujo paradeiro é conhecido, nenhuma das situações que determinam que o menor seja obrigatoriamente sujeito a tutela.
Como as responsabilidades parentais estão a cargo dos pais, não estando estes, ou pelo menos um deles, impedido de as exercer, não há lugar a sujeição da menor a tutela.
Proc. 20026/16.1T8LSB 8ª Secção
Desembargadores:  Octávia Viegas - Rui da Ponte Gomes - -
Sumário elaborado por Margarida Fernandes
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P. 20026/ 16.1 T8 SNT.L 1
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
MSD veio instaurar a presente ação para nomeação de tutor à sobrinha da mesma, ACDP, nascida em 14.6.2000 alegando o seguinte: A sobrinha Andreia, nascida em 14 de Junho de 2000 é filha de OJCP e de PCDS.
Desde os 12 meses de vida da Andreia que a requerente toma conta desta como se sua filha fosse.
Os pais da jovem estão separados.
A mãe da jovem tem problemas psicológicos e desde há vários anos não mantém qualquer contacto com a filha bem com a restante família, desconhecendo-se os eu atual paradeiro. O pai da jovem embriaga-se frequentemente, reside no mesmo prédio onde a requerente vive com a jovem, mas não revela qualquer preocupação em relação à filha. Trabalha em Mem Martins há vários anos, aufere € 800,00 mensais, sendo que a casa onde vive não tem quaisquer condições para receber a filha.
Os pais da jovem tiveram dois filhos que lhes foram retirados por estarem em perigo.
Conclui, pedindo que a requerente seja nomeada tutora da jovem Andreia e que o Conselho de Família seja constituído pela avó materna da jovem, MPDCe uma amiga da família, MACF.
Foi proferida decisão que indeferiu liminarmente a petição.
Inconformada, MSD recorreu, apresentando as seguintes conclusões das alegações:
A - O tribunal a quo indeferiu liminarmente a PI em que a Recorrente veio requerer a Tutela em relação à sua sobrinha ACDP, concluindo que ...o impedimento dos pais numa acção de tutela ocorre quando os pais, por uma situação que é externa à sua vontade, não podem exercer os seus deveres em relação aos seus filhos menores... e ...por inexistência dos legais pressupostos, indefiro liminarmente a petição...
B- No mais limita-se a referir Acórdãos Ac. R.Lisboa de 30 de Junho de 2005 e Ac. R. Évora de 28 de Novembro de 1996, este completamente desajustado das mudanças e evolução da sociedade, as alterações no seio familiar, as novas famílias, as contingências e alterações económicas e sociais que, necessariamente obrigam a uma evolução e adaptação à realidade social actual, sempre na prossecução da salvaguarda do superior interesse da criança.
B - O tribunal a quo indeferiu a PI com base no impedimento de facto dos pais, concluindo que o impedimento de facto dos pais numa acção de tutela ocorre apenas quando os pais por uma situação que é externa à sua vontade não podem exercer os seus deveres parentais em relação aos seus filhos menores.
C - O Tribunal a quo, entende que apesar da progenitora se encontrar em paradeiro incerto e de não manter contacto com a filha há vários anos, de o pai, embora se conheça o paradeiro, ter declinado qualquer responsabilidade pela sua filha, demonstrando total desapego e indiferença pela sua filha, que vive com a tua desde 1 ano de idade, (apesar de lhe serem retiradas duas filhas que com eles viviam), não se encontram preenchidos os fundamentos legais para a Tutela ser instituída
D - Não pode concordar a Recorrente com tal entendimento, pois a menor encontra-se em total desapego para com os seus progenitores. - Importa aferir o que significa o conceito de impedimento de facto. Entendemos que o impedimento de facto não se pode resumir a uma interpretação restritiva do art° 1921° do C.C.
E - Os progenitores entregaram a filha à tia, ora Recorrente quando esta tinha cerca de 12 meses de idade e nunca mais se preocuparam ou curaram de a cuidar, educar, alimentar, vestir ou proteger de alguma forma, pelo que é notória e não oferece quaisquer dúvidas que existe um afastamento intencional dos progenitores, pois em nada se preocuparam ou preocupam com a filha desde que a entregaram aos cuidados da Recorrente.
F - De acordo com o art° 124° do C.C., A incapacidade dos menores é suprida pelo poder paternal e, subsidiariamente pela Tutela... o que, conjugado com o art° 1921° do C.C., revela que no caso em concreto deverá ser a tutela o instituto que poderá salvaguardar o superior interesse da menor Andreia.
G - Neste sentido a jurisprudência, designadamente Ac. da Relação do Porto, de 07-06- 2015, citando Dúvidas não existem de que os progenitores, mais do que estarem impedidos não se interessam de modo algum em exercer o poder paternal sobre estes filhos, repetindo-se que ignoram. Sendo que, em matéria de direitos dos menores são estes que cumpre defender, os seus interesses e bem estar... No mesmo sentido Ac. da Relação de Lisboa de 8-11-2007.
H - No caso são os direitos da menor Andreia que cumpre defender, os seus interesses, o seu bem-estar, a sua sobrevivência, pelo que à semelhança do referido no Ac. supra, se se desconhece o paradeiro da mãe, e se, o pai delega da forma que faz as suas obrigações relativamente à menor, revelam ambos um manifesto e grosseiro desinteresse relativamente à filha, al.c) do n°1 do art° 1921° C.C.
I - O tribunal a quo indeferiu liminarmente a PI, alegando que não preenche os requisitos do art° 1921° do C.C., limitando-se a invocar Jurisprudência, para alegadamente justificar que os fundamentos invocados não se enquadram no conceito jurídico de impedimento de facto, concluindo pela falta de pressupostos legais.
J - Não concordamos, concluindo que, no art° 1923° do C.C. está expressamente estabelecido que desde que os pais estejam impedidos de exercer o poder paternal, 1921° do C.C., deve o tribunal promover oficiosamente a instauração da tutela, sendo expresso no art° 124° do C.C. que essa é a forma de suprir subsidiariamente ao poder paternal, a incapacidade dos menores .
L - São os direitos da menor Andreia que cumpre defender, o seu bem estar e os seus interesses e cuidados assegurados de modo a garantir o seu crescimento, desenvolvimento e educação
M - Concluindo no mais, se há vários anos se desconhece o paradeiro da progenitora, se o progenitor revela um desinteresse completo e absoluto pela filha menor, a qual não convive com nenhum deles por manifesto desinteresse dos progenitores a quem foram retiradas as filhas que consigo viviam, encontra-se preenchido o requisito da al. c) do n° 1 do art° 1921° do C.C. não devendo a PI ser considerada Inepta.
Termina pedindo a revogação da decisão que indeferiu liminarmente a petição requerendo a instauração da tutela da menor ACDP, devendo o processo prosseguir para conhecimento desta pretensão, designando-se como tutora e conselho de família as pessoas já indicadas na PI .
Cumpre decidir
O art. 1877 do C.Civil diz que os filhos estão sujeitos às responsabilidades parentais até à maioridade ou emancipação, competindo aos pais no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover o seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los.
Nos termos do art. 1878 do C.Civil os pais não podem renunciar às responsabilidades parentais nem a qualquer dos direitos que ele especialmente lhes confere, sem prejuizo do previsto para a adopção.
Nos termos do art. 1921, n°1, do C.Civil, o menor está obrigatoriamente sujeito a tutela se os pais houverem falecido, se estiverem inibidos do poder paternal quanto à regência da pessoa do filho, se estiverem há mais de seis meses impedidos de facto de exercer o poder paternal e se forem incógnitos.
No caso dos autos conforme resulta do alegado pela Recorrente, é desconhecido o paradeiro da mãe da menor AC, mas o pai da menor vive na mesma zona em que vive a Recorrente e a menor.
Não se verifica relativamente aos progenitores da menor, nomeadamente ao progenitor cujo paradeiro é conhecido, nenhuma das situações que determinam que o menor seja obrigatoriamente sujeito a tutela.
Como as responsabilidades parentais estão a cargo dos pais, não estando estes, ou pelo menos um deles, impedido de as exercer, não há lugar a sujeição da menor AC a tutela.
Caso os pais não cumpram as suas responsabilidades parentais poderão ser inibidos do exercício das responsabilidades parentais, nos termos do art. 1915 do C.Civil, havendo na sequência que instaurar a tutela. No caso dos autos nada foi demonstrado nem alegado quanto à inibição do poder paternal relativamente aos progenitores.
Face ao exposto, consideramos que não merece censura a decisão recorrida que indeferiu liminarmente a petição apresentada em juízo requerendo a instituição da tutela à menor ACDP, pelo que se julga improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 26 de Novembro de 2017
Octávia Viegas
Rui da Ponte Gomes
Luís Correia de Mendonça
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