Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Cível
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 - ACRL de 07-11-2017   Condenação definitiva em processo-crime. Ação cível. Obrigação de indemnizar. Fixação da indemnização.
A condenação definitiva em processo-crime tem eficácia absoluta perante o arguido, em relação a quem já funcionou o princípio do contraditório, designadamente quanto aos factos que integram os pressupostos da punição;
Desse modo, podem tais factos ser atendidos na ação cível depois interposta contra o mesmo arguido em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração, sem possibilidade do réu ilidir a presunção estabelecida pelo art. 623 do C.P.C, ou discutir os factos tidos por assentes na sentença penal respetiva;
Para que nasça a obrigação de indemnizar no domínio da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos é necessário que ocorra um facto ilícito, por ação ou omissão do agente, culposo e adequado a causar danos ao lesado;
Na fixação da indemnização por danos não patrimoniais deve o tribunal recorrer à equidade, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso;
A gravidade do dano não patrimonial causado deve medir-se por um padrão objetivo, sem atender à sensibilidade especialmente exacerbada do lesado.
Proc. 9756/06.6TBCSC 7ª Secção
Desembargadores:  Conceição Saavedra - Cristina Coelho - -
Sumário elaborado por Margarida Fernandes
_______
Proc. n° 9756/06.6TBCSC.L1
Comarca de Lisboa Oeste
Cascais - Inst. Local - Secção Cível - J3
Apelantes: JC e AA Apelado: AJ

Acordam os Juízes na 7a Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.
I- Relatório:
AJ veio, em 16.11.2006, propor contra JC e AA, ação declarativa sob a forma ordinária, pedindo a condenação do 1° R. a pagar-lhe a quantia de € 472,34, e de ambos os RR., solidariamente, a pagar-lhe a quantia de € 24.447,21, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por estes causados, com juros acrescidos desde a citação até integral pagamento. Pede, ainda, o ressarcimento de danos futuros, respeitantes às despesas a efetuar pelo demandante com tratamentos médicos a que terá de se submeter, a liquidar em execução de sentença. Invoca, para tanto e em síntese, que, no dia 17.12.2002, o 1° R. desferiu um pontapé no veículo automóvel com a matrícula 83-28-IU de sua propriedade, causando-lhe estragos, e que os dois RR. o agrediram com socos e murros, nomeadamente mãos e cabeça, provocando-lhe várias lesões, que implicaram custos patrimoniais e morais.
Contestaram os dois RR., separadamente, impugnando em parte a factualidade alegada e defendendo, em súmula, não existir nexo de causalidade entre o sucedido e as lesões físicas e morais de que o A. alega padecer, não sendo os RR. responsáveis pelo pagamento das quantias peticionadas. Concluem pela improcedência da causa e pedem a condenação do A. como litigante de má-fé, em multa e indemnização.
Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador que conferiu a validade formal da instância, tendo sido selecionada a matéria de facto e organizada base instrutória. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença, em 30.5.2016, nos seguintes termos: (...) julga-se a presente acção procedente, e, em consequência, decide-se.
A - Condenar o R. JC a pagar ao A. € 472,34, sendo tal quantia acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação e até integral pagamento;
B- Condenar ambos os RR., solidariamente, a pagar ao A. € 17 447,21, sendo tal quantia acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação e até integral pagamento. No mais, vão os RR. absolvidos.
Custas por A. e RR. na proporção do decaimento, cfr. art. 527° do CPC..
Os RR. requereram a retificação da sentença por erro de cálculo, considerando que o montante de € 3.750,00 não encontra na sentença qualquer sustento, retificação que foi
indeferida por despachos de fls. 243 e 247.
Inconformados, recorreram os RR., culminando as alegações por si apresentadas com as seguintes conclusões que se transcrevem:
1. Os ora apelantes, AJ e AA recorrem, da aliás, douta sentença que antecede, que julgou a acção parcialmente procedente e condenou o réu, AJ, a pagar ao autor, AA, a quantia de € 472,34 pela reparação do seu veículo, quantia esta acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação e até integral pagamento e condenou ambos os réus, solidariamente, a pagar ao autor, AA, a quantia de € 17.447,21 acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação e até integral pagamento.
2. Os recorrentes não se conformam com a decisão proferida e daí o presente recurso.
3. Foi requerida a rectificação do erro material constante da decisão, relativo ao cálculo do montante indemnizatório.
4. A questão nuclear do recurso centra-se no quantus indemnizatório devido ao autor, ora apelado, a título de ressarcimento pelos danos que sofreu no dia 17-12-2002.
5. O Tribunal a quo, na sua decisão, fez tábua rasa da sentença do Tribunal criminal que julgou o respectivo processo-crime.
6. Sentença junta aos autos, que transitou em julgado em 18-01-2006, que é meio probatório concreto e isento e que analisa o comportamento de todos os intervenientes nos factos ocorridos a 17-12-2002.
7. O recorrido, com a sua atitude provocatória, deu origem aos acontecimentos e concorreu activamente para a produção dos danos.
8. Os muitos factos provados no processo-crime, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, levaram o Tribunal criminal a uma atenuação especial da pena aplicada aos então arguidos, ora recorrentes.
9. O Tribunal a quo ignorou a prova produzida no processo-crime.
10. A decisão recorrida deu plena credibilidade às testemunhas arroladas pelo recorrido, ignorando os pareceres das perícias médicas.
11. O período de tempo em que o recorrido viu condicionada a sua autonomia na realização de actos correntes da vida diária, familiar e social foi de 147 dias (entre 17-12-2002 e 12-05-2003).
12. O período de tempo em que o recorrido viu condicionada a sua autonomia na realização e actos inerentes à sua actividade profissional habitual (pedreiro) foi de 147 dias (entre 17-12-2002 e 12-05-2003).
13. O quantus doloris do recorrido foi fixado em grau 3 numa escala de 7 de gravidade crescente.
14. O relatório de 20-2-2008 deu ao recorrido uma Incapacidade Parcial Permanente (IPP) de 2/prct..
15. O relatório da perícia médico-legal de 28-9-2009 fixou o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica em 1/prct..
16. Os relatórios periciais elaborados, há sete e oito anos atrás, tomam muito pouco credíveis os depoimentos das testemunhas do recorrido.
17. O princípio da livre apreciação da prova consagrada no art. 607.°, n.° 5, 1.a parte do NCPC
está sujeito ao escrutínio da razão, das regras da lógica e da experiência da vida.
18. A perícia é um meio de prova e o perito, com a sua aptidão técnica e científica, é um auxiliar
do julgador.
19. O juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador, a menos que este fundamente a sua divergência.
20. A decisão recorrida afirma, laconicamente, que a factualidade dada como provada se fundamentou na conjugação crítica dos documentos constantes dos autos com os depoimentos das testemunhas, declarações do autor e ainda do relatório pericial.
21. A decisão recorrida apenas considerou os relatórios periciais quanto ao IPP fixado ao recorrido.
22. No mais ignorou os relatórios periciais e não fundamentou o porquê da sua divergência.
23. Não se encontra cumprida a norma constante do art. 607.°, n.° 5, 1.a parte do NCPC.
24. Nos termos do art. 662.°, n.° 1 do NCPC deve ser alterada a resposta que o Tribunal a quo
deu aos quesitos n.° 27°, 29.°, 30.0, 33.°, 34.0, 35.° e 36.° da Base Instrutória, que deverão
passar a ser não provados.
25. A sentença recorrida violou o disposto nos arts. 496.°, n.°s 1 e 3 e 494.° do Código Civil e o art. 607.°, n.° 4 do NCPC.
26. A decisão recorrida deve ser revogada quanto aos montantes arbitrados.
Pedem a procedência do recurso.
Não se mostram oferecidas contra-alegações.
JCO recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II- Fundamentos de Facto:
A 1ª instância fixou como provada a seguinte factualidade:
1) No dia 17 de Dezembro de 2002, pelas 16 horas, na Praceta Ary dos Santos, Bairro 25 de Abril, São Domingos de Rana, o R. AJ, quando passava junto do automóvel com a matrícula 83-28-IU, propriedade do A., desferiu-lhe um pontapé na porta do lado do condutor, tendo provocado estragos na mesma (Alínea A) da Factualidade Assente);
2) No mesmo dia, hora e local, os RR. travaram-se de razões com o A. por questões relacionadas com o estacionamento dos respectivos veículos e envolveram-se em contenda física (Alínea B) da Factualidade Assente);
3) O R. JC, após ter desferido um pontapé na porta do veículo do A., acto contínuo, encostou o A. contra uma parede existente no local e agrediu-o com vários socos e murros na cabeça (Alínea C) da Factualidade Assente);
4) Ao mesmo tempo, o R. Álvaro, munido de um guarda-chuva, agrediu também o A., em diversas partes do corpo, nomeadamente mãos e couro cabeludo (Alínea D) da Factualidade Assente);
5) O A. apresentou queixa-crime contra os RR., imediatamente a seguir aos factos, tendo sido deduzida acusação pelo Ministério Público, que deu origem ao Proc. N° 878/02.3GBCSC, que correu termos no 3° juízo criminal do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais (Alínea E) da Factualidade Assente);
6) No âmbito de tal processo, o 1° R. foi condenado pela autoria material e na forma consumada e em concurso efectivo, no crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143° do CP, e pela prática de um crime de dano p. e p. pelo art. 212° do CP, e o 2° R. foi condenado em autoria material sob a forma consumada de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143° do CP (Alínea F) da Factualidade Assente);
7) Apesar de ter sido deduzido pedido de indemnização cível, as partes foram remetidas para os meios comuns cíveis, ao abrigo do disposto no art. 82°, n° 3 do CPP (Alínea G) da Factualidade Assente);
8) Em consequência do pontapé referido em 1., o veículo do A. ficou com o painel da porta em causa amolgado, necessitando de ser substituído o referido painel (Resposta ao Quesito 10);
9) Para a reparação do veículo, o A. necessita de despender a quantia de € 472,34 (Resposta ao Quesito 2°);
10) Como consequência das agressões de que foi vítima, resultaram no corpo do A. diversas lesões, que consistiam em escoriações e hematomas na zona da cabeça e em diversas partes do corpo, com mais relevância a nível das mãos (Resposta ao Quesito 3°);
11) O A. sofreu hemartrose das articulações do 5° dedo da mão esquerda (Resposta ao Quesito 4°);
12) Após a agressão, o A. dirigiu-se de imediato ao Hospital de Cascais a fim de receber tratamento (Resposta ao Quesito 5°);
13) Aí foram tratadas as feridas apresentadas pelo A. e prescritos medicamentos para atenuar as dores (Resposta ao Quesito 6°);
14) No dia seguinte, 18 de Dezembro, as dores sentidas pelo A. não pareciam ter alívio e continuava a não poder mexer o quinto dedo da mão esquerda, pelo que voltou ao Hospital de Cascais, onde foi submetido a exames radiológicos, após o que lhe foram prescritas pomadas para as dores, sendo enviado para casa (Resposta ao Quesito 7°);
15) No dia 13 de Janeiro de 2003, o A. continuava com fortes dores na mão esquerda e sem poder movimentar os dedos (Resposta ao Quesito 8°);
16) Como as dores eram muito intensas, voltou ao Hospital de Cascais, onde lhe voltaram a prescrever exames radiológicos (Resposta ao Quesito 9°);
17) O A. socorreu-se das consultas do médico, Dr. JAC, que tem vindo a fazer o acompanhamento médico das lesões sofridas (Resposta ao Quesito 10°);
18) O A. consultou-se com aquele clínico duas vezes no mês de Dezembro de 2002 e uma vez nos meses de Janeiro, Março, Junho e Novembro de 2003 (Resposta ao Quesito 11 °);
19) O A. consultou igualmente o médico especialista de ortopedia-traumatologia Dr. J José Lemos Gomes (Resposta ao Quesito 12°);
20) Ao A. foram prescritas sessões de fisioterapia, a que este se submeteu (Resposta ao Quesito 13°);
21) O A. despendeu a quantia de € 74,21 em taxas moderadoras pagas ao Hospital de Cascais, pela assistência recebida (Resposta ao Quesito 14°);
22) Despendeu € 228,00 em honorários médicos do Dr. JAC (Resposta ao Quesito 15°);
23) Despendeu € 60,00 em honorários médicos do Dr. JLG (Resposta ao Quesito 16°);
24) Despendeu a quantia de € 285,00 com os tratamentos de fisioterapia (Resposta ao Quesito 17°);
25) Despendeu a quantia de € 50,00 com uma ecografia das partes moles da mão esquerda que lhe foi prescrita (Resposta ao Quesito 18°);
26) O A. esteve até finais de Março de 2003 sem poder trabalhar por total incapacidade de mexer a mão e pelas dores que sentia (Resposta ao Quesito 19°);
27) O A. exerce, por conta própria, a profissão de pedreiro da construção civil (Resposta ao Quesito 20°);
28) Na altura da prática do crime, o A. estava a executar trabalhos de construção no logradouro da propriedade do Sr. António Dias, sita em Matos Cheirinhos (Resposta ao Quesito 21°);
29) Como ficou impossibilitado de trabalhar e tinha um prazo para cumprir, teve de se socorrer do auxílio de seu irmão, também pedreiro, que acabou a dita construção em Fevereiro de 2003 (Resposta ao Quesito 22°);
30) Em Fevereiro de 2003, o A. tinha previsto iniciar uma obra que lhe havia sido solicitada pelo Sr. Aranha, e que consistia no forro de um sótão de uma moradia e outras obras de impermeabilização (Resposta ao Quesito 24°);
31) Como o A. não estava em condições de trabalhar e não tinha pessoal para executar a obra ainda solicitou ao respectivo dono que adiasse a sua realização, ao que este não acedeu, contratando um outro técnico para o efeito (Resposta ao Quesito 25°);
32) O A. apresenta ainda fortes dores na mão esquerda, mais intensas quando realiza determinados movimentos, nomeadamente todos aqueles que envolvem movimentação do 5° dedo da mão esquerda (Resposta ao Quesito 27°);
33) Apresenta alterações das articulações do 5° dedo da mão esquerda com desvio pronunciado (Resposta ao Quesito 28°);
34) O A. desempenha grande parte das tarefas que lhe são acometidas na sua profissão de pedreiro da construção civil com grande dificuldade e sofrimento (Resposta ao Quesito 29°);
35) As sequelas descritas têm repercussão não apenas na vida profissional do A., como em todas as actividades da vida diária, por mais banais que sejam (Resposta ao Quesito 300);
36) As lesões sofridas são definitivas e determinam para o A. um grau de incapacidade permanente para o trabalho de 0,02/prct. (Resposta ao Quesito 31°);
37) As dores e incómodos sofridos pelo A. amarguraram-lhe a existência (Resposta ao Quesito 33°);
38) O A. sofreu dores intensas a partir do momento em que foi vítima da agressão, desde a condução do local do sinistro até ao estabelecimento hospitalar onde foi assistido, nos dias imediatos e até ao presente (Resposta ao Quesito 34°);
39) E continuará, enquanto viver, a sofrer dores que lhe tolhem a liberdade de movimentos, além de outros incómodos que o diminuem em todas as actividades da vida diária (Resposta ao Quesito 35°);
40) A diminuição física do A., pelas dores e esforço que lhe é exigido para desempenhar a sua função, tiveram consequências a nível da sua saúde psíquica, advindo-lhe um estado de ansiedade e depressão (Resposta ao Quesito 36°).

III- Fundamentos de Direito:
Como é sabido, são as conclusões que delimitam o âmbito do recurso. Por outro lado, não deve o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.
De acordo com as conclusões acima transcritas, em causa está apreciar:
- da impugnação da matéria de facto;
- do enquadramento jurídico.
A) Da impugnação da matéria de facto: Invocam os apelantes, em síntese, que:
- o tribunal desconsiderou indevidamente os factos provados sob os pontos 8 a 23 da sentença proferida no processo-crime e que o A. concorreu para a produção dos danos;
- a decisão da matéria de facto encontra-se fundamentada de forma insuficiente;
- deviam ter sido considerados não provados os quesitos 27°, 29°, 30°, 33°, 34°, 35° e 36° da Base Instrutória, tendo em conta os relatórios periciais constantes dos autos. Vejamos.
De acordo com o princípio consagrado no art. 607, n° 5, do C.P.C. de 2013, o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que haja firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada. As provas são assim valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas.
Ao recorrente que impugne a matéria de facto caberá indicar, sob pena de rejeição imediata do recurso nessa parte, sem lugar a aperfeiçoamento, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (aos quais deve aludir na motivação do recurso e sintetizar nas conclusões), especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que, em seu entender, impunham decisão diversa quanto a cada um desses factos e propor, ainda, a decisão alternativa sobre cada um deles.
Tendo em conta tais regras, passemos à análise das questões suscitadas, começando pela fundamentação da resposta à matéria de facto.
- Da fundamentação da matéria de facto:
Os apelantes defendem que a motivação da decisão neste tocante é lacónica e não permite compreender o procedimento lógico da valoração dos meios de prova, nomeadamente dos relatórios periciais.
Na sentença, motivou-se a resposta à matéria de facto nos seguintes termos:
`A factualidade assente fundamentou-se na conjugação crítica dos documentos constantes dos autos com o depoimento das testemunhas inquiridas, com as declarações de parte prestadas pelo A. e ainda no relatório pericial.
Nessa medida, o Tribunal deu como assentes os factos relativos aos estragos do veículo, preço da sua reparação, às consultas, idas ao hospital, fisioterapia e despesas havidas com as mesmas, porquanto as mesmas resultaram das referências feitas pelo A., não tendo os RR. impugnado o teor dos documentos em causa.
Por outro lado, e quanto aos tratamentos efectuados e sequelas existentes, fundou-se o Tribunal no relatório pericial e nas declarações de parte do A., sendo que as testemunhas inquiridas referiram a
tristeza e ansiedade sofridas, ainda hoje, pelo A., bem como a impossibilidade deste trabalhar e de executar trabalhos agendados.
Refira-se que o Tribunal não deu corno assentes os factos constantes dos quesitos 23°, 25° e 32°, porquanto não foi carreado para os autos qualquer elemento de prova bastante, não sendo suficiente as declarações das testemunhas e do A. para concluir pelos valores não auferidos por este.
Por outro lado, e quanto ao quesito 37°, resultando do relatório pericial a consolidação da lesão, não sendo referida a necessidade de ulteriores tratamentos, não foi o mesmo dado como assente. De igual modo, e por ter resultado da discussão da causa o contrário dos factos constantes dos quesitos 38° a 40°, não foram os mesmos dados como provados.
Por fim, não tendo sido feita qualquer outra prova, não deu o Tribunal como assentes quaisquer outros factos para além dos descritos.
Os vícios de deficiência, obscuridade, contradição ou excesso da factualidade enunciada na sentença poderão ser arguidos como fundamento do recurso de apelação ou conhecidos oficiosamente pelo tribunal superior, nas condições previstas no art. 662, n° 2, al. c), do C.P.C.(').
Por outro lado, quando a decisão de algum facto essencial para o julgamento da causa não se mostre devidamente fundamentada, deve a Relação determinar, ainda que oficiosamente, que a 1a instância a fundamente, nos termos e para os efeitos previstos no art. 662, n° 2, al. d), e n° 3, al. b), do C.P.C., determinando a baixa do processo para inserção da motivação em falta e ainda que para tanto seja necessário repetir a produção de prova(2).
Quer isto significar que a indevida motivação da resposta à matéria de facto permite, autonomamente, que a falta seja colmatada na la instância por ordem do tribunal superior. Numa outra perspetiva, porém, constituindo a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto a forma através da qual o juiz explica os motivos porque se pronunciou num certo sentido e não noutro, deu como provado certo facto e como não provado um outro, a incoerência ou ausência do raciocínio seguido constitui sobretudo argumento para atacar essa decisão. Ou seja, não convencendo o juiz, através de uma explicação insuficiente ou contraditória, da bondade da decisão proferida quanto a certo(s) facto(s) que julgou provado(s) ou não provado(s), passará, em princípio, a parte inconformada com as respostas a dispor de motivos bastantes para impugnar a própria decisão quanto à matéria de facto.
No caso em análise, a assinalada falta/insuficiência na fundamentação da matéria de facto, não justificaria a remessa dos autos à Ia instância, ao abrigo da al. d) do n° 2 do art. 662 do C.P.C., tanto mais que os apelantes, para além do mais, não o requerem, limitando-se a impugnar a decisão quanto à matéria de facto com base, justamente, na insubsistência dos meios de prova atinentes.
De todo o modo, cremos que não ocorre o vício aludido.
A justificação sucinta para as respostas dadas à matéria de facto não corresponde forçosamente à ausência de uma cabal motivação.
Na sentença recorrida resultam claramente expostos os meios de prova que justificaram a convicção, a saber, no que respeita aos danos físicos e psíquicos do A., o relatório pericial, as declarações de parte do A. e os depoimentos das testemunhas inquiridas.
Se os apelantes surpreendem contradição nas respostas dadas e/ou uma desvalorização das conclusões da perícia, tal constitui razão bastante para a impugnação das respostas dadas e não para pôr em causa, de per si e com efeito diverso, a fundamentação da decisão quanto à matéria de facto.
De resto, os apelantes não se viram limitados nesse exercício, atacando a decisão nesta vertente, como adiante melhor apreciaremos.
Improcede, pois, nesta parte o recurso.
- Dos factos provados no processo-crime:
Dizem os apelantes que o tribunal a quo desconsiderou indevidamente os factos provados sob os pontos 8 a 23 da sentença proferida no processo-crime e que o A. concorreu para a produção dos danos.
Trata-se de considerar o valor probatório da sentença que foi produzida na jurisdição penal.
O art. 623 do C.P.C. (anterior art. 624-A do C.P.C. de 1961) determina que a condenação definitiva no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível da existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como os que respeitam às formas do crime, em quaisquer ações cíveis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração .
No entanto, a mesma decisão condenatória tem, perante os intervenientes pio processo penal, mormente o arguido. e relativamente aos ditos elementos referidos no preceito, uma eficácia
absoluta, impedindo nova discussão dos factos constitutivos da infração dentro ou fora da jurisdição penal(3).
A possibilidade de ilidir a presunção a que alude o art. 623 do C.P.C. encontra-se, pois, em homenagem ao princípio do contraditório, reservada apenas aos terceiros que não tiveram oportunidade de expor as suas razões no processo-crime.
Em resumo, tal como afirmado no citado Ac. do STJ de 9.4.2003, não pode o arguido condenado, em relação a quem já funcionou o princípio do contraditório, discutir em posterior ação cível os factos tidos por assentes na sentença penal respetiva.
No caso, temos que os ora recorrentes e recorrido intervieram no processo-crime acima indicado, conforme resulta dos pontos 5 a 7 dos pontos assentes supra e de fls. 24 a 36 dos autos (certidão da sentença penal condenatória, com nota de trânsito).
Assim sendo, a dita condenação definitiva dos recorrentes nesse processo-crime tem eficácia absoluta em relação aos mesmos quanto aos Cactos que intePram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como aos que respeitam ás formas do crime.
Será essa, em todo o caso, a sua abrangência.
Nessa perspetiva cumprirá atender na presente ação ao valor probatório da referida sentença penal condenatória transitada em julgado nos moldes indicados e, por conseguinte, pensamos que serão de ter aqui também em conta os factos enunciados sob os pontos 8 a 23 que naquele processo-crime foram julgados assentes, conforme reclamam os apelantes, a saber:
Ponto 8- O ofendido Alfredo estacionou o veículo supra identificado na rua impedindo qualquer morador da mesma de passar com veículos automóveis, com o propósito de se deslocar à loja de materiais.
Ponto 9 - Os arguidos residem na referida rua e pretendiam estacionar o veículo automóvel em que se faziam transportar na garagem da casa, o que não puderam fazer em virtude do veículo do ofendido se encontrar a impedir a passagem na rua.
Ponto 10 - O arguido J ao deparar-se com o veículo do ofendido buzinou para que o condutor do veículo se deslocasse a fim de remover o mesmo.
Ponto 11 - O arguido JC esperou aproximadamente 10 minutos sem que o ofendido aparecesse para remover o veículo.
Ponto 12 - Naquele local, do outro lado da rua, a não mais do que 20 metros da loja para onde se dirigiu o ofendido, existe um parque de estacionamento que no momento tinha lugares vagos para estacionar.
Ponto 13- O ofendido pelo menos uma vez aproximou-se da porta do estabelecimento comercial para ver o que se passava, sendo que só após um período de tempo que não foi possível apurar se deslocou junto do seu veículo com o propósito de o remover.
Ponto 14 - O arguido JC porque o ofendido não removia o veículo estacionou o seu veículo atrás do veículo do ofendido, impedindo-o desta forma de passar.
Ponto 15 - Quando o arguido JC ia em direcção a casa o ofendido surgiu de dentro do estabelecimento para remover o veículo, sendo que o arguido JC lhe disse que quando quisesse sair que o fosse chamar a casa que também lhe tinham trancado o carro.
Ponto 16.- O ofendido perante isto dirigiu-se ao seu veículo e disse para o arguido espera lá que já vais ver.
Ponto 17 - Perante tal atitude o arguido JC desferiu um pontapé na porta do veículo do ofendido amolgando-o.
Ponto 18 - O ofendido saiu do veículo e dirigiu-se ao arguido, nesse instante o arguido desferiu no ofendido murros em zonas não apuradas.
Ponto 19 - O arguido Álvaro, que se encontrava a deslocar para o café, ao ver o seu filho envolvido numa contenda física, voltou para trás, dirigiu-se a ambos e pretendendo acabar com a contenda bateu com o guarda-chuva que trazia na cabeça e mão do ofendido.
Ponto 20 - Após tal situação o ofendido foi para o estabelecimento comercial onde foi assistido pelas funcionárias do mesmo e o arguido JC deslocou-se a casa onde foi buscar água oxigenada betadine e algodão para tratar dos ferimentos do ofendido.
Ponto 21 - O arguido JC havia perdido a mãe em Agosto de 2001, fruto de uma doença prolongada, e com quem tinha uma relação muito forte, tinha recebido poucos dias antes a notícia que possuía uma doença cancerígena.
Ponto 22 - Tais situações criaram nele um estado de depressão de instabilidade emocional.
Ponto 23 - O arguido JC é reputado de pessoa pacífica, vive com o pai e irmão numa casa de família, é uma pessoa que se encontra disposto a ajudar, é reputado como pessoa amiga de ajudar.
Defere-se. pois, a pretensão dos recorrentes nesta parte.
- Da não prova dos quesitos 27°, 29°, 30°, 33°, 34°, 35° e 36° da Base Instrutória: Sustentam os apelantes que deviam ter sido considerados não provados os quesitos 27°, 29°, 30°, 33°, 34°, 35° e 36° da Base Instrutória, isto é, os pontos 32, 34, 35, 37, 38, 39 e 40 dos factos assentes supra, tendo em conta os relatórios periciais constantes dos autos e desvalorizando os depoimentos prestados.
Vejamos, depois de ouvidos os depoimentos prestados e vistos os autos.
Deve afirmar-se que, em bom rigor, os apelantes encontram alguma contradição entre os factos impugnados e outros, como os pontos 33 e 36 assentes, que claramente resultam do relatório pericial, isto é, entre as conclusões desse relatório (a fls. 192 e ss.) e a extensão e consequências dos danos que resultam espelhadas naqueles pontos, para cuja resposta terão contribuído os depoimentos das testemunhas inquiridas e as declarações de parte do A..
Vamos rever os pontos impugnados:
Ponto 32 - O A. apresenta ainda fortes dores na mão esquerda, mais intensas quando realiza determinados movimentos, nomeadamente todos aqueles que envolvem movimentação do 5° dedo da mão esquerda (Resposta ao Quesito 27°);
Ponto 34 - O A. desempenha grande parte das tarefas que lhe são acometidas na sua profissão de pedreiro da construção civil com grande dificuldade e sofrimento (Resposta ao Quesito 29°);
Ponto 35 - As sequelas descritas têm repercussão não apenas na vida profissional do A., como em todas as actividades da vida diária, por mais banais que sejam (Resposta ao Quesito 30°);
Ponto 37 - As dores e incómodos sofridos pelo A. amarguraram-lhe a existência (Resposta ao Quesito 33°);
Ponto 38 - O A. sofreu dores intensas a partir do momento em que foi vítima da agressão, desde a condução do local do sinistro até ao estabelecimento hospitalar onde foi assistido, nos dias imediatos e até ao presente (Resposta ao Quesito 34°);
Ponto 39 - E continuará, enquanto viver, a sofrer dores que lhe tolhem a liberdade de movimentos, além de outros incómodos que o diminuem em todas as actividades da vida diária (Resposta ao Quesito 35°);
Ponto 40 - A diminuição física do A., pelas dores e esforço que lhe é exigido para desempenhar a sua função, tiveram consequências a nível da sua saúde psíquica, advindo-lhe um estado de ansiedade e depressão (Resposta ao Quesito 36°).
Provado ficou também que o A. apresenta alterações das articulações do 5° dedo da mão esquerda com desvio pronunciado e que as lesões sofridas são definitivas e determinam para o A. um grau de incapacidade permanente para o trabalho de 0,02/prct. (pontos 33 e 36 supra). Do mencionado relatório pericial resulta ainda que o défice temporário parcial do A. foi fixado em 147 dias, que o quantum doloris foi fixado no grau 3/7 e que a sequela descrita é, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, compatível com o exercício da atividade habitual (pedreiro), mas implicam esforços suplementares.
As seis testemunhas inquiridas, todas pessoas das relações do A. que o conhecem há vários anos (Joaquim Ramos é cunhado do A. e Manuel Gouveia seu irmão) e desde antes dos factos ocorridos em Dezembro de 2002, assinalaram a deficiência no 5° dedo da mão esquerda de que aquele ficou a padecer, o sofrimento, físico e psicológico, então sofrido pelo A. com o sucedido e as limitações verificadas em termos pessoais e profissionais de que este ainda hoje se queixa.
O A. relatou, por seu turno, em termos de absoluta razoabilidade, de que forma a condição atual daquele 5° dedo da mão esquerda afeta a sua profissão (não consegue executar certos trabalhos que antes executava, desde logo porque não pode calçar luvas para o efeito ou pelo menos a luva esquerda) e o seu dia-a-dia (tem dificuldades em lavar a cara, tomar banho, escrever no computador ou fazer massagens como era habitual desde os seus tempos de atleta e ciclista).
Nenhuma dúvida haverá, desse ponto de vista, de que a lesão produzida na mão esquerda do A. lhe causou sofrimento físico, desde logo e durante algum tempo, e que hoje o limitará em termos evidentes.
Já no que toca às dores sofridas resultou também claro dos depoimentos prestados que hoje terão menor expressão. Foi o próprio A. quem referiu que sente às vezes uma espécie de moinha ou que parece que os dedos prendem .
Isto é, resulta do relatório pericial e dos depoimentos prestados a existência de uma sequela permanente com consequências na vida pessoa e profissional do A..
Assim sendo, não podem simplesmente dar-se como não provados os factos impugnados, conforme reclamam os apelantes.
No entanto, têm de ajustar-se tais respostas à efetiva dimensão das consequências, compaginando os referidos meios de prova - que não se contrariam forçosamente em si mesmos - e compatibilizando-os em termos de grau e/ou extensão, sob pena de incompreensível contradição. Ou seja, principalmente no que respeita à sequela na mão esquerda, há que coadunar o referido pelo A. e pelas testemunhas sobre as consequências da lesão com as conclusões do relatório pericial e a incapacidade aí definida.
Já no que respeita ao ponto 37 (resposta ao quesito 33°) - As dores e incómodos sofridos pelo A. amarguraram-lhe a existência - não nos merece censura, posto que resulta claramente de todos os depoimentos prestados que a afetação imediata da capacidade de trabalho do A. (que esteve cerca de 3 meses sem poder trabalhar) e a afetação ulterior permanente de que ficou a padecer lhe causaram grande amargura, até porque o A. terá sofrido uma queimadura na outra mão direita quando era criança que lhe deixou também deformação (de acordo com o seu relato em audiência e nota sobre antecedentes no relatório pericial, preliminar, de fls. 145 e ss.).
Por conseguinte, deve responder-se agora de forma restritiva aos demais quesitos indicados, alterando-se os pontos 32, 34, 35, 38, 39 e 40 impugnados. que passarão a ter a seguinte redação:
Ponto 32 - O A. apresenta, por vezes, dores na mão esquerda, mais intensas quando realiza determinados movimentos, nomeadamente aqueles que envolvem movimentação do 5° dedo da mão esquerda (Resposta ao Quesito 27°);
Ponto 34 - O A. desempenha parte das tarefas que lhe são acometidas na sua profissão de pedreiro da construção civil com dificuldade e sofrimento (Resposta ao Quesito 29°);
Ponto 35 - As sequelas descritas têm repercussão não apenas na vida profissional do A. como em algumas atividades da sua vida diária (Resposta ao Quesito 30°);
Ponto 38 - O A. sofreu dores intensas a partir do momento em que foi vítima da agressão, desde a condução do local do sinistro até ao estabelecimento hospitalar onde foi assistido e nos dias imediatos (Resposta ao Quesito 34°);
Ponto 39 - E continuará a sofrer dores que lhe tolhem a liberdade de movimentos, além de outros incómodos que o diminuem em atividades da vida diária (Resposta ao Quesito 35°);
Ponto 40 - A diminuição física do A. causou-lhe ansiedade e depressão (Resposta ao Quesito 36°).
B) Do enquadramento jurídico (verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar):
Aqui chegados, repudiam os apelantes os valores indemnizatórios arbitrados que consideram desadequados e exagerados, tendo em conta a factualidade apurada.
Cumpre apreciar, então, se das alterações acima introduzidas quanto à matéria de facto resulta
a alteração dos montantes indemnizatórios arbitrados.
Na sentença concluiu-se pela verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar e determinou-se o valor respetivo nos seguintes termos: (...) A obrigação de indemnizar pressupõe a existência de danos, ou seja, que o facto ilícito em que se alicerça a responsabilidade civil tenha causado prejuízos a terceiros.
Nos presentes autos, pretende o A. ser ressarcido em € 474,72, por reparação de veículo, € 74,21 relativos a taxas moderadoras pagas ao Hospital de Cascais, € 228,00 em honorários médicos do Dr. JAC, € 60,00 em honorários médicos do Dr. JLG, € 285,00 com os tratamentos de fisioterapia, € 50,00 com uma ecogrufia das partes moles da mão esquerda que lhe foi prescrita, € 1 750,00, de valores pagos a terceiros para acabar obra da sua responsabilidade, € 2 000, 00, de valores não auferidos, €17 000,00 de indemnização pela incapacidade sofrida, € 3 000,00 de danos morais e ainda nos danos futuros, relativos às despesas a efectuar pelo demandante com tratamentos médicos a que terá de se submeter.
Analisando cada um dos segmentos do pedido deduzido, importa, desde logo, referir que dos factos descritos sob os n°s 21. a 25., resulta ter o A. logrado provar ter efectuado todas as despesas por si alegadas com médicos e tratamentos, o que determina a procedência desta parte do pedido, sendo ambos os RR. responsáveis por esses pagamentos.
Refira-se ainda que logrou o A. provar o valor da reparação orçamentada para o seu veículo, bem como que o R. JC é responsável por tal reparação, o que determina, igualmente, a procedência de tal pedido.
Quanto aos valores pagos a terceiros para acabar obra da sua responsabilidade e valores não auferidos, não foi feita prova, devendo os RR. ser absolvidos deste segmento do pedido. Relativamente a indemnização pela incapacidade sofrida, para além da descrição da lesão do A., decorre ainda dos autos que o A. desempenha grande pArte das tarefas que lhe são acometidas na sua profissão de pedreiro da construção civil com grande dificuldade e sofrimento; que as sequelas descritas têm repercussão não apenas na vida profissional do A., como em todas as actividades da vida diária, por mais banais que sejam e que as lesões sofridas são definitivas e determinam para o A. um grau de incapacidade permanente para o trabalho de 0, 02/prct., cfr. n°s 34. a 36..
Da conjugação de tais factos, entende-se ser adequado fixar tal valor indemnizatório em €10 000, 00.
Quanto aos danos não patrimoniais sofridos pelo A., provou-se que as dores e incómodos sofridos pelo A. amarguraram-lhe a existência; que o A. sofreu dores intensas a partir do momento em que foi vítima da agressão, desde a condução do local do sinistro até ao estabelecimento hospitalar onde foi assistido, nos dias imediatos e até ao presente e continuará, enquanto viver, a sofrer dores que lhe tolhem a liberdade de movimentos, além de outros incómodos que o diminuem em todas as actividades da vida diária; que a diminuição física do A., pelas dores e esforço que lhe é exigido para desempenhar a sua função, tiveram consequências a nível da sua saúde psíquica, advindo-lhe um estado de ansiedade e depressão (cfr. n°s 37. e ss. do ponto III.A)).
Este sofrimento é indemnizável, nos termos conjugados dos arts. 483° e 496°, n° 3 do CC, devendo o Tribunal recorrer a juízos de equidade para encontrar o quantum indemnizatório, tal como estipula o art. 566°, n ° 3 do CC.
Considerando as circunstâncias do caso concreto e o abalo ainda hoje existente, entende-se ser adequado ao caso concreto e justo fixar a indemnização devida a título de danos morais pelos RR. ao A. em € 3 000, 00, valor este que se afigura como justo e adequado.
Por fim, e no que diz respeito aos danos futuros, relativos às despesas a efectuar pelo demandante com tratamentos médicos a que terá de se submeter, da factualidade assente, extrai-se que o A. não logrou provar, tal como lhe competia nos termos gerais de repartição do ónus da prova (cfr. arts. 342° e ss. do CC), a necessidade de tratamentos futuros, o que determina, sem necessidade de ulteriores considerações, a improcedência de tal pedido.
Concluindo, é o R. JC responsável pelo pagamento de € 472,34, e ambos os RR. solidariamente responsáveis pelo pagamento de €17 447,21, sendo tais quantias acrescidas de juros de mora vencidos desde a data da citação e até integral pagamento, nos termos peticionados. (...).
Constituem, efetivamente, pressupostos da responsabilidade civil: o facto, a ilicitude, o nexo de imputação (do facto ao lesante), o dano ou prejuízo e o nexo de causalidade.
Para que nasça a obrigação de indemnizar no domínio da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos é necessário que ocorra um facto ilícito, por ação ou omissão do agente, culposo e adequado a causar danos ao lesado, estabelecendo o art. 483 do
C.C. que: 1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. 2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.
Deste modo, no domínio da responsabilidade civil extracontratual por ato ilícito, é ao lesado que cumpre provar a culpa do autor da lesão, exceto havendo presunção legal de culpa (art.
487 do C.C.)
No caso, nenhuma dúvida há - e já estava assente na sentença penal condenatória - de que os RR. agiram de forma ilícita e culposa causando danos ao A..
As circunstâncias que rodearam a infração e que foram, no processo-crime, relevantes para a determinação da medida da pena, não interferem com tal raciocínio.
Sobre o valor da reparação da viatura (E 472,34) e das despesas com médicos e tratamentos referidos nos pontos 21 a 25 (no montante total de € 697,21), nenhuma questão se colocará, nem tão pouco os apelantes as contestam no recurso.
Assim, o que os mesmos pretenderão discutir são os valores arbitrados pela incapacidade sofrida (€ 10.000,00) e por danos não patrimoniais (€ 3.000,00).
O A. reclamara uma indemnização de € 17.000,00 tendo em vista a sua incapacidade parcial permanente que na petição inicial logo adiantou ser em grau superior a 10/prct..
A tal propósito, como vimos, provou-se que, como consequência das agressões de que foi vítima em 17.12.2002, resultaram no corpo do A. diversas lesões, que consistiam em escoriações e hematomas na zona da cabeça e em diversas partes do corpo, com mais relevância a nível das mãos, sofrendo este hemartrose das articulações do 5° dedo da mão esquerda. Mais se apurou que este, que exerce, por conta própria, a profissão de pedreiro da construção civil, esteve até finais de Março de 2003 sem poder trabalhar por total incapacidade de mexer a mão e pelas dores que sentia. Mais se provou que o A. apresenta alterações das articulações do 5° dedo da mão esquerda com desvio pronunciado e que as lesões sofridas são definitivas e lhe determinam um grau de incapacidade permanente para o trabalho de 0,02/prct..
Provou-se, finalmente, que o A. tem, por vezes, dores na mão esquerda, mais intensas quando realiza determinados movimentos, nomeadamente aqueles que envolvem movimentação do 5° dedo da mão esquerda, desempenha parte das tarefas que lhe são acometidas na sua profissão de pedreiro da construção civil com dificuldade e sofrimento e que as lesões têm também repercussão em algumas atividades da sua vida diária, sendo que continuará a sofrer dores que lhe tolhem a liberdade de movimentos, além de outros incómodos que o diminuem em atividades da vida diária.
Não se mostra fixada incapacidade parcial permanente para toda e qualquer atividade sendo, há que reconhecer, inexpressiva a fixada para o trabalho habitual.
Não se perspetivam, em função das agressões sofridas, quaisquer perdas salariais futuras. Estando, por isso, apenas em causa uma sequela permanente na dimensão assinalada, compensável com esforço suplementar e sem indicação de rebate profissional, cremos que será apenas indemnizável o chamado dano biológico, através do recurso à equidade.
O denominado dano biológico corresponderá a uma diminuição psicossomática que não afeta a capacidade de trabalho habitual mas que se repercute ao nível da capacidade funcional do lesado, afetando a sua resistência e capacidade de esforço. Assim, e para esse efeito avaliam-se as acrescidas dificuldades que, por causa do acidente sofrido, o lesado passou a ter na capacidade de utilização do corpo para realizar atividades do dia-a-dia e/ou profissionais e na previsível maior penosidade na execução dessas tarefas.
Como se referiu no Ac. da RL de 27.10.2015: (...) na aferição do dano biológico está em causa a avaliação da afetação definitiva da integridade física e/ou psíquica, com repercussão nas atividades da vida diária, incluindo familiares, sociais, de lazer e desportivas, bem como do reflexo do prejuízo funcional em termos de rebate profissional, ou seja, se as lesões são ou não compatíveis com o exercício da atividade profissional (para toda e qualquer profissão ou se apenas para profissão habitual), se implicam ou não esforços complementares. (...) .
Neste âmbito, cumpre fazer apelo aos critérios de equidade referidos no art. 566, n° 3, do C.P.C.. Nessa medida, constituirão critérios últimos de compensação patrimonial por danos futuros a referida equidade a par da teoria da diferença prevista no n° 2 do mesmo dispositivo. Cumprindo indemnizar o dano corporal sofrido pelo A., numa vertente exclusivamente patrimonial, deve considerar-se a incapacidade atrás assinalada decorrente das agressões e as consequências daí emergentes como o esforço acrescido que, por isso, este passou a suportar na execução das tarefas normais da sua vida e profissão.
Desconhecemos, por outro lado, a idade do A. à data dos factos, nem sabemos quanto então auferia, sendo certo que a incapacidade fixada se encontra, não obstante a demais matéria coadjuvante apurada, muito abaixo do valor preconizado pelo A. na p.i..
Donde, em face dos factos disponíveis, não pode manter-se o valor arbitrado, julgando-se adequado fixar o valor global dos danos patrimoniais decorrentes da IPP em € 5.0011,00. por recurso à equidade.
No que respeita aos danos não patrimoniais, o A. reclamara a quantia de € 3.000,00 que o tribunal a quo considerou ajustada.
Há dano não patrimonial sempre que é ofendido, objectivamente, um bem imaterial, como a integridade física ou a vida, ainda que essa ofensa não seja acompanhada, subjectivamente,
de sofrimento.
Estabelece, por seu turno, o art. 496 do C.C., que, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, excluindo-se destes, como é prática jurisprudencial, os simples incómodos ou contrariedades.
Mais se estabelece no mesmo preceito que o montante indemnizatório deve fixar-se com recurso à equidade, tendo em atenção, de todo o modo, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (arts. 496, n° 3, e 494 do C.C.).
No que respeita à gravidade do dano, deve esta medir-se por um padrão objetivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjetivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). (...) (8). Isto é, a gravidade do dano não deve ter em conta, designadamente, a sensibilidade especialmente exacerbada do lesado.
No caso, provou-se que o A. sofreu dores e incómodos que lhe amarguraram a existência, sofreu dores intensas quando foi vítima da agressão, desde a condução do local do sinistro até ao estabelecimento hospitalar onde foi assistido e nos dias imediatos, vai continuar a sofrer dores que lhe tolhem a liberdade de movimentos, além de outros incómodos que o diminuem em atividades da vida diária e que a diminuição física lhe causou ansiedade e depressão.
Estamos, pois, perante consequências cuja gravidade justifica claramente uma compensação indemnizatória, sendo que, de acordo com os parâmetros acima indicados, há que atender ainda ao grau de culpabilidade dos RR., à situação económica destes e do A. e às demais circunstâncias do caso.
A situação económica dos agentes não foi concretamente apurada, sendo que, na sentença penal, foi dado como provado que o aqui apelante/R. JC é jardineiro, auferindo salário não inferior a € 500,00, e o apelante/R. Álvaro reformado, auferindo quantia não concretamente apurada. Por seu turno, provou-se nestes autos que o A., lesado, é pedreiro da construção civil sem remuneração também conhecida.
Quanto ao grau de culpa dos RR. e às demais circunstâncias do caso relevam aqui os factos acima indicados, recolhidos na sentença penal condenatória, sendo de atentar, designadamente, na apurada participação do A. no desenrolar dos acontecimentos (que foi tido em conta como atenuante quanto ao arguido JC no processo-crime), e no facto, também apurado, do R. Álvaro ter agido com o intuito de pôr termo à contenda física que envolvia o filho JC e o A..
Neste enquadramento, mostra-se equitativo e ajustado fixar o valor da indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelo A. em € 1.500,00.
Em suma, devem os RR. ser condenados, solidariamente, a pagar ao A., a título de indemnização por danos patrimoniais a quantia de € 5.697,21 (€ 697,21+€ 5.000,00), e a título de danos não patrimoniais a quantia de € 1.500,00 (com o que igualmente se corrige eventual erro de cálculo na sentença recorrida).
Procede, por isso, apenas em parte e nos moldes sobreditos o recurso interposto pelos apelantes/RR..

IV- Decisão:
Termos em que e face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, alterando a sentença no segmento decisório B e fixando o valor aí fixado em € 7.197,21.
Custas na proporção do vencimento.
Notifique.

Lisboa, 7 de Novembro de 2017
Maria da Conceição Saavedra
Cristina Coelho
Luís Filipe Pires de Sousa

Sumário do Acordão (da exclusiva responsabilidade da relatora - art. 663, n° 7, do C.P.C.)

I- A condenação definitiva em processo-crime tem eficácia absoluta perante o arguido, em relação a quem já funcionou o princípio do contraditório, designadamente quanto aos factos que integram os pressupostos da punição;
II- Desse modo, podem tais factos ser atendidos na ação cível depois interposta contra o mesmo arguido em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração, sem possibilidade do réu ilidir a presunção estabelecida pelo art. 623 do C.P.C. ou discutir os factos tidos por assentes na sentença penal respetiva;
III- Para que nasça a obrigação de indemnizar no domínio da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos é necessário que ocorra um facto ilícito, por ação ou omissão do agente, culposo e adequado a causar danos ao lesado;
IV- Na fixação da indemnização por danos não patrimoniais deve o tribunal recorrer à equidade, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso;
V A gravidade do dano não patrimonial causado deve medir-se por um padrão objetivo, sem atender à sensibilidade especialmente exacerbada do lesado.
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